Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 514/2020-T
Data da decisão: 2021-08-30  IVA  
Valor do pedido: € 217.491,40
Tema: IVA – Relações Especiais - Leaseback.
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Sumário:

I - Para apurar a competência do Tribunal Arbitral cabe averiguar o conteúdo dos atos impugnados, de modo a verificar em que medida comportam ou não a apreciação de um ato de liquidação, sendo que nos presente autos não está em causa o reembolso de IVA, mas sim as liquidações adicionais identificadas que prejudicaram o reembolso solicitado pela Requerente.

II - Não tendo a Requerida demonstrado que se encontravam preenchidos os requisitos legais do artigo 63.º, n.º 4, do CIRC, nada se prova além da existência de um sócio-gerente em comum – F... – à data das operações relevantes.

III – Resulta do n.º 1 do artigo 25.º do CIRC que o contrato de “Leaseback” pressupõe “a entrega de um bem objeto de locação financeira ao locador seguida da relocação financeira desse bem ao mesmo locatário”. O preceito exige, desta forma, identidade jurídica do locatário de partida e chegada, o que não se verifica de todo no caso em apreço.

 

Os Árbitros José Pedro Carvalho, Guilherme W. d’Oliveira Martins e Diogo Leite de Campos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

1.            A Requerente A..., LDA, NIF..., com sede na Av. ..., n.º ... piso ..., ...-... ... (doravante A... ou Requerente), ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 2º, na alínea a) do nº 2, do artigo 6º, e na alínea a) do nº 1 e do nº 2, do artigo 10º, todos do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro – Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), vem requerer CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL coletivo, sem designação de Árbitro, Para apreciação da legalidade – e consequente declaração de ilegalidade – dos atos tributários melhor descritos infra, nos termos e com os seguintes fundamentos:

a.            A Requerente dedica-se à gestão e apoio a edifícios: em concreto, como se verá infra, à gestão e exploração do Centro de Negócios de..., situado em ..., ... .

b.            A requerente solicitou reembolso de IVA no período de 2019/03T, no montante de 266.351,58€ – e, como é normal nestas circunstâncias, foi alvo de inspeção externa à sua atividade (2016 a 2018), em sede de IVA e IRC. 3.

c.            Essa inspeção desembocou num relatório com a negação do direito à dedução de IVA, nos termos do art. 20.º do CIVA e, em consequência, foi-lhe recusado o reembolso de IVA de 217.491,40€ (doc. ...), e traduzido nas seguintes liquidações adicionais de imposto:

a.            2016/03T, no valor de 10.971,08€ (n.º...);

b.            2016/06T, no valor de 10.971,08€ (n.º...);

c.            2016/09T, no valor de 10.971,08€ (n.º...);

d.            2016/12T, no valor de 43.481,03€ (n.º...) e com IVA a pagar de 24.637,17€ (doc. 2019...) e juros compensatórios de 2.678,36€ (doc. 2019...) ;

e.            2017/03T, no valor de 7.590,14€ (n.º...), com valor de IVA a pagar de 9.242,21€ (doc. 2019...) e juros compensatórios de 914,59€ (doc. 2019...);

f.             2017/06T, no valor de 12.273,37€ (n.º...); 2017/09T, no valor de 14.250,08€ (n.º...);

g.            2017/12T, no valor de 66.218,80€ (n.º ...);

h.            2018/03T, no valor de 10.295,84€ (n.º...); 2018/06T, no valor de 10.272,58€ (n.º...);

i.             2018/09T, no valor de 10.098,16€ (n.º...);

j.             2018/12T, no valor de 10.098,16€ (n.º...).

d.            Inconformada, deduziu tempestiva Reclamação Graciosa, invocando ilegalidades várias por violação de lei e vícios de fundamentação.

e.            Que foi agora totalmente indeferida, com argumentos vários, similares (em parte) aos da fundamentação inicial.

f.             Mantendo-se inconformada, deduz esta ação arbitral: as liquidações de IVA e juros (doc. 2) devem ser anuladas (e, reflexamente, os atos incompatíveis com a decisão judicial que se espera),

g.            Porque ilegais, por várias violações de lei e de fundamentação

h.            As liquidações impugnadas são inválidas, pelas seguintes ilegalidades cumulativas:

             Errónea apreensão dos factos e incorreta subsunção ao direito aplicável;

             Vícios de fundamentação (violação do art. 77.º da LGT);

             Violação do art. 63.º, do CIRC e art. 16.º, n.º 10, do CIVA;

             Violação do art. 25.º do CIRC. e) Violação do art. 19.º e 20.º do CIVA e 38.º da LGT– violação do princípio da dedução do IVA.

i.             A questão decidendi é a mesma em todos os atos impugnados: existência ou não do direito à dedução do IVA sobre 30% do imposto suportado pela requerente com o leasing imobiliário celebrado com o D... sobre 179 frações do polo de Negócios de ... . Assim,

j.             Em 2007, a B... decidiu construir o que viria a ser o Centro de Negócios de ...: para tal, celebrou contrato de locação financeira com C... (depois incorporada, por fusão, em 2010, no D... [D...] – p. 7 do doc. 5); entre 2007 e 2009, foi construído o Centro, num investimento superior a 17 milhões de euros (doc. 5, p. 7/8 e doc. 1 p. 4). O Centro de Negócios é composto por 222 frações: 17 destinadas a comércio/serviços; 47 para escritórios; e 158 para estacionamento coberto (p. 8 do doc. 5 e p. 4 e 5 do doc. 1).

k.            O negócio foi estruturado através de locação financeira: o imóvel era da locadora (D...), que financiou as obras; a B... pagava (pagou vários milhões de euros) rendas periódicas à locadora (antes e após a construção); a B... exploraria (explorou) depois o Centro de Negócios, firmando contratos onerosos com lojistas que aí se instalariam.

l.             A locadora (D...) é remunerada da sua atividade de locação financeira (o valor das rendas obtidas supera o empate de capital, valor do dinheiro no tempo e sua margem); e a locatária (B...) exerce uma atividade comercial, na exploração do Centro de Negócios – na mira de que os proveitos obtidos (exploração do centro com lojistas) sejam superiores às rendas da locação financeira que tem de pagar à locadora.

m.          Todas estas prestações estão sujeitas e não isentas de IVA.

n.            No final de 2009, concluiu-se o Centro de Negócios de ... e iniciou-se a sua exploração operacional, com ocupação do espaço por clientes.

o.            Em 2010, a B... e o D... celebraram acordos de resolução parcial do contrato de locação financeira, pelo qual a locatária entregou 33 frações ao D..., contra a correspondente diminuição do valor em dívida e das prestações contratuais

p.            Em 26/6/2012 ocorreram os factos mais relevantes, desdobrados em TRÊS operações.

a.            Primeira: a B... e o D... acordaram na resolução parcial do contrato de locação financeira do Centro de Negócios de ..., nos seguintes termos:

A) A B... manteve o interesse apenas em 10 frações – mantendo-se, quanto a estas, o contrato de locação financeira;

B) As partes acordaram expressamente na resolução da locação financeira em relação às demais frações (com efeitos a 26/6/2012): a B... entregou ao D... as 179 frações; cancelou-se a locação financeira; o valor em dívida dessas 179 frações era de 11.549.608,95€ + IVA (e foi saldado pela entrega dos bens).

C) O D... pagou à B... a quantia de 4.950.391,05€ + IVA como “importância referente à compensação recebida a título de entrega voluntária de imóveis, objeto do contrato de locação financeira ... relativo às frações autónomas designadas pelas letras …” (corresponde às frações referidas no ponto anterior – resolução do contrato de locação financeira ...)”. Donde, por mútuo acordo (e obrigação contratual), as partes (B... e D...) atribuíram às 179 frações do Centro de Negócios de ... o valor de 16,5 milhões de euros (+ IVA): 11.549.608,95€ (+ IVA) relativo ao valor em dívida + 4.950.391,05€ (+ IVA), por compensação.

b.            Segunda: a B... e o D... acordaram ainda na resolução total do contrato de locação financeira em relação às 10 frações que a B... manteve o interesse (cfr. art. 27.º supra). Em consequência, o D... vendeu essas frações à B... pelo preço de 427.671,58€ + IVA (cfr. p. 10 do doc. 5) e a B... mudou o seu objeto social, para incorporar a sua nova atividade concreta (p. 5 do doc. 1).

c.            Terceira: em 26/6/2012, o D... e a A... celebraram um novo contrato de locação financeira sobre as descritas 179 frações do Centro de Negócios de ..., com as seguintes características (p. 12 e 13 do doc. 5 e p. 7 do doc. n.º 1). A) o valor da operação foi de 16,5 milhões de euros (+ IVA); B) As posições contratuais da B... com os clientes relativas à “cedência de espaço” foram cedidas à requerente: melhor dito, com a rescisão do leasing, essas posições passaram para o D..., que as cedeu à A... através deste contrato de locação financeira. C) Definiram-se 40 rendas trimestrais (plano de pagamento do leasing): 4 rendas de 234.300,00€; e 36 rendas de 500.023,90€ – a A... ainda está hoje a cumprir esse leasing. Todas as prestações ao abrigo deste contrato estão sujeitas e não isentas a IVA (p. 12 do doc. 5).

q.            Entre 2016 e 2018 (e entre 2012 e 2015 e até à atualidade e no futuro), a A... efetuou as seguintes operações em sede de IVA, como entidade sujeita e não isenta de IVA (por isso se diz na fundamentação que está enquadrado em IVA, no regime normal, com periodicidade trimestral, p. 3 do doc. 1): a) Liquidou IVA nos seus outputs – nomeadamente, nas prestações de serviços aos seus clientes (serviço global no Centro de Negócios de ...); b) Suportou IVA nos seus inputs, nomeadamente nas rendas da locação financeira do D... . Solicitou reembolso de IVA no período de 2019/03T, no valor de 266.351,58€ (p. 2 do doc. 1), porque em crédito de imposto – o que originou a inspeção tributária e as liquidações de imposto, tendo a AT apenas deferido o reembolso de 48.860,18€, e negando o reembolso e liquidando o remanescente, agora contestado, de 217.491,40€ (p. 2 do doc. 1).

r.             Gorada tal operação, as partes (D... e B...) ficaram abertas à venda – e foi então que a B... quis “sair de cena” (ficando apenas com algumas frações) e surgiu o interesse da A... .

s.            Em 2012, as partes (D..., B... e A...) avaliaram o Centro de Negócios de ... (179 frações) em 16.5 milhões de euros (inferior aos 18 milhões de euros do anterior negócio, art. 40 supra).

t.             O D... só aceitou pagar a compensação contratual (+-5M€, art. 30.º supra), porque avaliou o empreendimento em 16.5M€: aumentou o valor investido no Centro, porque era esse o seu valor de mercado; no limite, nada perderia se não celebrasse novo leasing (ou em caso de rescisão), porque, em 2012, o Centro (179 frações) valia pelo menos os referidos 16.5M€.

u.            Dito de outra forma: entre 2007 e 2012, houve uma normal valorização do Centro de Negócios de ..., que pertence ao empreendedor (B...) – e, por isso, se previu a dita compensação contratual.

v.            Em 2007, o Centro era um terreno e um projeto no papel; em 2012, era já um edifício concluído e a funcionar, todo apetrechado, com clientes instalados – com um negócio em cruzeiro.

w.           E nos contratos de leasing, esse rendimento (5M€) é do empreendedor (B...), que assume todos os riscos: o risco do financiamento, com planos de pagamento e avales; o risco da construção do edifício; o risco de mercado – de obter e manter clientes, que paguem “rendas” de valor superior à estrutura de custos.

x.            Aliás, em 2012, o Valor Patrimonial Tributário destas 179 frações imobiliárias era superior a 11,5 Milhões de euros: cifrava-se em 12.503.161,69€ - e, como se sabe, o valor de mercado é desejavelmente superior [com folga] ao VPT (doc. n.º 6, que se junta e se dá por reproduzido – e cfr. art. 74.º, n.º 2, da LGT, em que se dispensa prova acrescida porque estes elementos foram emitidos e estão na posse da Autoridade Tributária).

y.            Em 26/6/2012, os sócios e os gerentes da A... eram (doc. 5, p. 2 e 6 e doc. 1, p. 5): E... (nif...): 50% capital social; é gerente F... (nif...): 25% capital social; é gerente G... (nif...): 25% capital social; é gerente. 50. Em 26/6/2012, os sócios e os gerentes da B... eram os seguintes (p. 6 do doc. 5 e p. 5 do doc. 1): H... (nif...): sócio e gerente. F... (nif...): sócio e gerente. G... (nif...): sócio apenas.

z.            Além disso (e este facto é muito importante), todas as operações descritas estão (foram) sujeitas a IVA (à taxa normal) e não isentas de IVA, pela natureza das prestações e regime jurídico dos intervenientes (normais sujeitos de IVA): (i) o leasing inicial entre B... e D..., (ii) sua rescisão e compensação, (iii) compra de frações pela B..., (iv) novo leasing entre o D... e a requerente, (v) todos os valores pagos pelos clientes do Centro, à B... e à A... (como se indica no relatório inspetivo, doc. 5, p. 3, 5, 10).

aa.          Todas as liquidações impugnadas estão pagas: as referentes a todos os períodos em causa, por compensação face à recusa do direito ao reembolso solicitado no período 2109/03-T (doc. 2); 53. E a dos períodos de 16/12T e 17/03T, que, após a correção, tiveram imposto a liquidar (a de 16/12T, com imposto a pagar de 24.637,17€ e juros compensatórios de 2.678,36€ e a de 17/03T com imposto a pagar de 9.242,21€€ e juros compensatórios de 914,59€) – e todas estas quantias, no valor total de 37.675,76€, foram pagas em 10/3/2020 (doc. n.º 7, que se junta e se dá por reproduzido) - e cfr. art. 74.º, n.º 2, da LGT, em que se dispensa prova acrescida porque estes elementos foram emitidos e estão na posse da Autoridade Tributária.

bb.         São muitas as ilegalidades dos atos impugnados (errónea apreensão dos factos, violações de lei e vícios de fundamentação), já apontadas na contestação administrativa, mas que agora importa escalpelizar e desenvolver, noutra sistematização.

cc.          São QUATRO os fundamentos que sustentam os atos impugnados – a) relações especiais (V.2); b) leaseback (V.3); c) financiamento (V.4); e relação entre IVA a montante e a jusante (V.5) – apontando, para cada, os vícios de violação de lei, fundamentação e errónea interpretação e apreensão dos factos relevantes (cfr. art. 56.º e ss. supra).

dd.         Relações especiais, preços de transferência, art. 63.º CIRC e art. 16.º do CIVA

a.            O Fisco assume a existência de relações especiais entre a B... e a A...– desencadeando, com isso, a correção, em ambiente de preços de transferência, instituto que funciona como base das liquidações impugnadas.

b.            Mas isso é falso, nem está provado no processo (em violação de lei, art. 63.º, n.º 4, da LGT e vício de fundamentação, art. 77.º da LGT – especialmente do seu n.º 3).

c.            A fundamentação (p. 9 do doc. 1) não explica a existência de relações especiais – e se acaso se sustentam na identidade dos gerentes e/ou sócios de ambas as sociedades.

d.            Mas, num caso e/ou no outro, não existem relações especiais (cfr. art. 63.º, n.º 4, al a) e c), do CIRC – na redação e numeração à data relevante, 6/2012):

e.            Segundo a lei, a B... e a A... estariam em relações especiais: a) Se os titulares de capital (cônjuges, descendentes ou ascendentes) tivessem uma participação no capital não inferior a 10% em cada uma dessas entidades (art. 63.º, n.º 4, al. a), CIRC); b) e/ou se a maioria dos gerentes de ambas as sociedades fossem os mesmos (ou casados, unidos de facto ou parentesco na linha reta) – art. 63.º, n.º 4, al. c), do CIRC. 75. As demais alíneas desse preceito (art. 63.º, n.º 4 do CIRC) não são aplicáveis ao caso dos autos.

f.             Não existem relações especiais (por referência a 6/2012 – a data relevante, mas também antes e depois) – cfr. art. 49.º e 50.º supra:

a) Nem pela ótica da maioria dos gerentes: só há um gerente comum às duas sociedades (F...) – e a A... tinha 3 gerentes: logo, a maioria dos gerentes da B... não é gerente da requerente.

b) Nem pelo lado dos sócios: não está provada a percentagem de participação de capital na B... de F... e G... .

c) Como não está alegado nem provado se existe ou não qualquer relação de parentesco entre os sócios (da requerente e B...) que lhes faça imputar (somar) as participações e número de sócios e/ou gerentes.

g.            E, com isso, verifica-se errónea apreensão da realidade, que desemboca na ilegal aplicação da figura de relações especiais em sede tributária (em violação do art. 63.º, n.º 4, do CIRC).

h.            não se poderia aplicar ou assumir o instituto dos preços de transferência, pelos seguintes motivos cumulativos. Desde logo, porque as operações dos autos são realizadas entre a B... e o D... e entre o D... e a A...: ora, a AT teria de alegar e demonstrar que o D... estaria em relações especiais com as duas outras sociedades comerciais. E isso não se verifica (nem foi alegado), pois à época (2012), o D... era controlado pela família I... (só foi “intervencionado” em 2014) – e os sócios da B... e da requerente, isolada ou conjuntamente, não tinham uma influência significativa nessa instituição bancária, que os fizesse subsumir nalguma das situações do art. 63.º, n.º 4 do CIRC. 83. Aliás, a fundamentação (p. 9 do doc. 1, ponto 37) aceita esta ideia, ao concluir (depois de muitas hesitações) que a correção não se faz com base em relações especiais (não se fazem para correções de preços de transferência), pois as operações não são realizadas entre sujeitos passivos em relações especiais!

i.             Ou seja, segundo o Fisco, a requerente aceitou efetuar a operação por um preço superior ao valor de mercado, apenas para transferir uma margem/financiamento (5M€) para a B..., com quem estaria em relações especiais. Mas a AT não prova (em boa verdade, nem alega sequer minimamente, em violação de lei e de fundamentação, art. 77.º, n.º 3 da LGT) que, em 2012, o preço de mercado das 179 frações era de 11.5M€ (e não de 16.5M€); Que, em 2012, um terceiro independente que tomasse a locação financeira (em lugar da B...), só estaria disposto a pagar esse valor inferior de 11.5M€ (e nunca de 16.5M€); por outras palavras, que o valor de mercado das 179 frações imobiliárias seria de 11.5M€ e não de 16.5M€…

j.             E este ponto é verdadeiramente fulcral: a Lei 64.º-B/2011, de 30/12, em vigor desde 1/1/2012, (os atos impugnados são de 2016 a 2018 e a operação que os detonou é de 6/2012) veio regular o tema das relações especiais em sede de IVA, com a introdução de um preceito específico (n.º 10 e ss. ao art. 16.º do CIVA) que regulamenta totalmente o tema em análise. Com isso, salta à vista a dupla ilegalidade cumulativa dos atos impugnados: por um lado, as correções da AT ter-se-iam de se sustentar (ou, pelo menos, mencionar) no art. 16.º, n.º 10, do CIVA – e esse preceito não é sequer invocado no processo (nem o seu racional corretivo), e daí a violação de lei e de fundamentação. 98. Por outro lado, o espectro corretivo das relações especiais em sede de IVA é muito diverso (inferior) ao do IRC, conforma se indica expressamente no art. 16.º, n.º 10, do CIVA. O art. 16.º, n.º 10 e ss. do CIVA indica, de forma expressa, que só se efetuam correções de preços de transferência em sede de IVA entre sujeitos em relações especiais, se alguma das partes não tenha direito a deduzir integralmente o IVA. Quer dizer: a lei do IVA só desconsidera (não aceita) o preço declarado entre sujeitos em relações especiais (arbitrando o preço de mercado, superior ou inferior ao declarado, com as respetivas consequências fiscais em IVA – nomeadamente no direito à dedução) se os sujeitos e/ou as operações em causa não tenham direito a deduzir integralmente o IVA. In casu, as partes (B... e A...) e todas as suas operações – são sujeitas e não isentas de IVA e todos os operadores envolvidos são sujeitos normais de IVA: todas as pessoa e atividades estão submetidas ao regime regra do IVA. Todos os operadores e operações estiveram sujeitas à taxa normal de IVA – e todos os operadores e operações beneficiaram, na íntegra e pelo regime geral, do direito à liquidação e dedução do IVA: não há isenções de IVA; não se tratam de sujeitos mistos; aplica-se sempre a taxa geral do IVA; os operadores não são consumidores finais. Logo, nos termos do art. 16.º, nº 10, do CIVA, nunca se aplica o instituto das relações especiais em sede de IVA (cortando o direito à dedução, total ou parcialmente), ainda que o preço praticado fosse divergente do preço de mercado.

ee.         Como se referiu, apesar de as liquidações impugnadas não assentarem especificamente na assunção de que a resolução do leasing entre o D... e a B..., seguida da “relocação” dos mesmos bens entre o D... e a A... constitui, na realidade, uma operação de leaseback, por interpretação do art. 25.º do CIRC, por prevalência da substância sobre a forma, envolvida na existência de relações especiais entre as sociedades envolvidas (p. 12 e 13 do doc. 1), 121

a.            A verdade é que o ambiente inspetivo é esse – e o argumento, com tal configuração, foi expressamente esgrimido na primeira inspeção (doc. 5) e no indeferimento da reclamação graciosa (doc. 4); e por isso, importa refutá-lo, por exaustividade argumentativa. É falso – rotundamente falso – que tenha existido um leaseback em termos jurídicos ou económicos e que isso releve, de alguma forma, para a procedência da tese do Fisco.

b.            Desde logo, não estamos em presença de um leaseback: esse contrato pressupõe “a entrega de um bem objeto de locação financeira ao locador seguida da relocação financeira desse bem ao mesmo locatário”; é isso o que indica expressamente o art. 25.º, n.º 1, do CIRC (referido aliás na fundamentação da AT).

c.            Exige, portanto, que uma entidade X entregue um bem (B) à locadora (D...), seguida de uma relocação desse bem (B) ao mesmo locatário X.

d.            Não é isso o que sucede no caso dos autos: o locatário de partida ou inicial (B...) não é o locatário de chegada ou final (A...).

e.            Se, em IRC, o regime do leaseback (art. 25.º do CIRC, no fundo com a desconsideração tributária dessa operação) só se aplica com identidade jurídica do locatário de partida e chegada – então em sede de IVA, na falta de preceito expresso, a extensão do âmbito tributário, a acontecer (assumindo-se isso à cautela), teria de possuir idêntico conteúdo – ou, melhor dito, nunca poderia ser mais lata e abrangente do que o regulado no CIRC.

f.             Quer dizer: em sede de IVA não se pode (i) efetuar a aplicação imediata e automática do art. 25.º do CIRC; (ii) nem, sobretudo, se pode estender o seu regime em sede de IVA, para situações factuais que não estão sequer recortadas no CIRC (que regula o leaseback).

g.            Só se poderia aceitar a remissão do regime do CIRC (art. 25.º do CIRC) para o sistema do IVA – caso a AT alegasse e provasse (que não fez, nova ilegalidade!) que a razão de ser daquela estatuição expressa em IRC cobra sentido no sistema do IVA, em que o legislador, em lugar da duplicação legal, optou antes por assumir o que está vertido no outro código.

ff.           Para a fundamentação se não são considerados 30% dos gastos de financiamento, então, em sede de IVA, nos termos do art. 20.º do CIVA, também será de corrigir 30% do IVA deduzido nas rendas relativas ao contrato de locação financeira (p. 14 do doc. 1).

gg.          Ou seja: para a AT só pode deduzir-se imposto conexionado com a transmissão de bens ou prestações de serviços sujeitas a imposto – e “não em operações de financiamento de terceiros” (doc. 1, p. 14).

hh.         Nega-se, em parte, a dedução do IVA suportado, nos termos do 20.º do CIVA, pois uma parte dos gastos de financiamento não são aceites para IRC, porque essa parcela do financiamento do leasing concedido à requerente (5M€ em 16.5M€) não teve como destino a sua atividade (mas apenas a B...), tendo ficado, porém, a requerente com todo o encargo do pagamento (cfr. também, p. 14, 16 e 18 do doc. 1).

ii.            São inúmeras as ilegalidades em causa – como se verá de seguida. Pela análise comparativa das fundamentações (doc. 1 e doc. 5) verifica-se, desde logo, que a primeira inspeção estriba a correção no art. 19.º e 20.º do CIVA (doc. 5, p. 19), ao passo que o presente processo se circunscreve ao art. 20.º, n.º 1, al. a), do CIVA (doc. 1, p. 13) – mas o indeferimento da Reclamação Graciosa fala também do art. 19.º do CIVA (p. 12 do doc. 4).

jj.            Juros indemnizatórios - Como todo o IVA impugnado está pago, por recusa do direito ao reembolso e pagamento – por compensação e parte por liquidação adicional e juros (doc. 2).

kk.          Donde, à anulação das liquidações impugnadas deve-se seguir a devolução destas quantias, acrescidas de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, por existência de erro imputável aos serviços, já que a AT procedeu às liquidações de IVA e juros declaradas ilegais, por violação de lei e de fundamentação (art. 43.º da LGT e art. 22.º, n.º 8, da LGT).

ll.            Com efeito, as liquidações de imposto decorrem apenas de um comportamento ilegal, unicamente imputável à AT, que em violação da lei, exigiu quantias indevidas ao contribuinte.

 

b.            A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese o seguinte:

a.            Por exceção

i.             Importa realçar desde já que foram, no âmbito do presente processo, efetivamente sindicados autênticos atos de deferimento parcial de reembolsos em sede de IVA solicitados pela Requerente, e não pretensos atos de liquidação adicional de IVA, que a ora impugnada solicitou nos períodos de imposto referentes aos períodos melhor identificados na p.i. e na documentação anexa.

ii.            Os atos de indeferimento de pedidos de reembolsos não se subsumem à clássica definição de atos de liquidação de imposto, pois que, contrariamente aos primeiros, através da liquidação «determina-se a coleta que vem a coincidir com o imposto a pagar, a menos que haja lugar a deduções à coleta, caso em que a liquidação também abarca esta última operação.».

iii.           Isto sem esquecer que o imposto, isto é, o objeto que subjaz ao ato de liquidação, é, do ponto de vista conceptual, uma prestação pecuniária, unilateral, definitiva e coativa, exigida a (ou devida por) detentores (individuais ou coletivos) de capacidade contributiva, a favor de entidades que exerçam funções ou tarefas públicas.

iv.           Já o pedido de reembolso é uma das três modalidades legalmente existentes para exercer o direito à dedução de imposto suportado, isto é, para exigir da Administração Tributária um crédito que há mais de 12 meses se encontra em excesso e se efetivou a favor do sujeito passivo.

v.            Por isso, nos reembolsos do IVA, como operação destinada a assegurar a neutralidade do imposto em relação à concorrência entre as empresas que era distorcida no imposto sobre o consumo polifásico ou em cascata a empresa, esta pode ser reembolsada de todas as onerações de IVA que suportou nas suas atividades tributadas.»

vi.           Para além de a figura do reembolso ser uma das modalidades de dedução do imposto, ela foi criada, e continua a existir, com o propósito de preservar o princípio da neutralidade fiscal e assim eliminar a distorção de concorrência entre os operadores económicos que se movem nos mesmos meandros comerciais.

vii.          Distinto disto é o princípio que subjaz ao ato de liquidação, que se coaduna diretamente com a satisfação das necessidades financeiras do Estado, de acordo com o plasmado no artigo 103.º, n.º 1 da CRP, sendo então que as decisões de reembolso e os atos de liquidação puro não se confundem, tendo naturezas diferentes entre si. 13.ª Enquanto que um ato de liquidação é um ato tributário no sentido estrito do termo, a decisão de um pedido de reembolso é um ato administrativo-tributário produzido em matéria tributária, mas que não abarca actos de liquidação de tributos.

viii.         Acontece que a correção aos períodos 1603T, 1606T, 1609T, 1706T, 1709T, 1712T, 1803T, 1806T, 1809T e 1812T não geraram liquidações adicionais, porquanto se tratou de um mero deferimento parcial de reembolso, isto é, foi decidido que o Requerente tinha menos direito a deduzir que aquele de que se arrogava.

ix.           A figura do reembolso emerge precisamente da necessidade de dar concretização à neutralidade, a fim de evitar distorções em sede de IVA, permitindo que os sujeitos passivos possam recuperar os valores com foram onerados nas suas operações.

x.            O deferimento parcial de reembolsos não se confunde com o objetivo que preside aos atos de liquidação, que, como se sabe, trata de dar a conhecer aos sujeitos passivos o valor de imposto devido, calculado a partir da matéria tributável apurada. A maioria dos ‘pretensos atos’ de liquidação aqui em questão mais não são, como atrás se teve oportunidade de enfatizar, que deferimentos parciais de reembolsos.

xi.           É certo, admite-se, que mesmo que haja alguma falha da ora Requerida quer quanto ao modo como notifica tais atos de indeferimento, quer quanto ao modo como pode induzir em erro o sujeito passivo – o que nem é o caso -, tal não pode redundar numa assunção de competência, por parte do Tribunal, quando muito numa eventual responsabilidade em matéria de custas.

xii.          Isso redundaria na vitória da forma sobre a substância, autorizando que a caracterização de um ato puramente administrativo, se transformasse, como que num golpe de mágica, num pretenso ato de liquidação, apenas por que à notificação do dito deferimento se lhe atribuiu o título de ‘demonstração de liquidação’ ou ‘liquidação adicional’.

xiii.         Tome-se como exemplo o ato administrativo-tributário contestado, relativo ao período 1603T, em que, após a correção do valor a reportar como excesso para o período seguinte, o qual não será considerado, o montante a cobrar adicionalmente pela Autoridade Tributária é de € 0,00.

xiv.         O mesmo acontece com os atos administrativo-tributários referentes aos períodos 1606T, 1609T, 1706T, 1709T, 1712T, 1803T, 1806T, 1809T e 1812T.

xv.          Como se sabe, o ato de liquidação é o veículo que determina a coleta e aplica a taxa à matéria coletável e que, a um tempo, leva também ao conhecimento do contribuinte o montante de imposto a pagar, de acordo com a sua capacidade contributiva.

xvi.         Esta definição em nada se confunde com os atos em matéria tributária que indeferem os pedidos de reembolsos, pois destes últimos atos não resulta qualquer obrigação dos contribuintes perante a máquina fiscal que não tivessem já antes.

xvii.        Este tipo de atos administrativos em matéria fiscal – como é o caso da maioria dos atos contestados em apreço - resulta de pedidos de reembolsos que não geraram valor complementar a pagar.

xviii.       Salvo o devido respeito, têm sido proferidas decisões arbitrais sobre esta questão algo levianas, transformando denominações de ordem meramente formal e de natureza meramente instrumental em actos de liquidação de tributos e, por essa via proceder a uma ‘usurpação’ de competência, a qual, pertence, de acordo com o estipulado no artigo 22.º do CIVA, aos Tribunais Administrativos e Fiscais, por via da impugnação judicial.

xix.         Não podemos, pois, deixar passar em claro que tais decisões têm tido o condão de transformar atos de indeferimento parcial de pedidos de reembolso em atos de liquidação de tributos. Persistir neste erro em nada prestigia ou enaltece tais decisões, porque salvo o devido respeito vem eivadas de um fervor de decidir, a todo o custo, o que se nos afigura estarmos próximos da fraude à lei.

xx.          A maioria dos atos aqui em causa, nomenclados de ‘liquidações adicionais’, mais não se traduzem do que o resultado do acerto de contas entre o reembolso solicitado pela Requerente e as correções efetuadas pelos serviços de inspeção tributária após se ter procedido à aferição da legitimidade dos referidos pedidos de reembolso.

xxi.         Existe felizmente alguma jurisprudência arbitral que, desassombradamente, vem decidindo de acordo com o entendimento defendido.

xxii.        Neste sentido v.p.t. o Acórdão Arbitral, de 3 de Outubro de 2015, proferido no âmbito do processo nº48/2015-T, onde a fls.14 e 15 se decidiu: «Segundo alguma doutrina, o conceito de reembolso utilizado para os efeitos dos números 4 e seguintes do artigo 22º do Código do IVA corresponde uma situação em que, do saldo apurado no período, resulta um crédito de IVA a favor do sujeito passivo que será utilizado em períodos seguintes (numa lógica de conta-corrente), a menos que use a faculdade de solicitar o reembolso do mesmo, obviando ao seu reporte e aplicação nos períodos seguintes.

xxiii.       De tal modo que “o pedido de reembolso assim como a sua apreciação pela Autoridade Tributária não constituem factos jurídicos, uma vez que não constituem per si qualquer facto que determine uma alteração jurídica da situação de qualquer uma das partes.»

xxiv.      Na verdade, como é sabido, o direito ao reembolso de IVA não assume o carácter de um verdadeiro direito potestativo que se imponha, sem mais, de forma inelutável, a quem o deve prestar.

xxv.       Há um dado fundamental, que diz respeito à aferição da legitimidade do reembolso face aos sujeitos passivos do imposto e essa legitimidade só se afere, nomeadamente, em função da legitimidade do exercício do direito à dedução, em sede de IVA.

xxvi.      No caso dos presentes autos, a aferição da legitimidade dos referidos reembolsos foi efetuada através dos procedimentos inspetivos, nos termos do exigido no artigo 22.º do CIVA. 38.ª Ora, de acordo com a vontade expressa do legislador, no nº 1 do artigo 2º do RJAT «fixam-se, com rigor quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral.»

xxvii.     E o rigor dessa fixação exprime-se através da enunciação taxativa da competência desta jurisdição, a saber: - Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamentos por conta, e - Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.

xxviii.    Atendendo, por um lado, ao disposto no artigo 9.º, n.º 3 do CC, que prevê que na fixação e no alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, bem como atendendo, por outro lado, que existe uma diferença conceptual entre ato de liquidação stricto sensu e ato em matéria tributária,

xxix.      Conclui-se, com clareza, que os atos que indeferem pedidos de reembolsos não são passíveis de ser sindicados em jurisdição arbitral, muito simplesmente porque, nem no RJAT, nem na Portaria de Vinculação o legislador aí inseriu a declaração de ilegalidade de atos de indeferimento que provenham de pedidos de reembolsos.

xxx.       Por assim ser, esta jurisdição arbitral não é competente para conhecer da pretensão da ora Requerente relativamente a um consubstancial segmento do pedido que formulou.

 

b.            Por impugnação

i.             Cumpre desde já notar que a Requerente, notificada para o efeito nos termos legais, não exerceu o direito de audição prévia ao projeto de relatório de inspeção (idem);

ii.            Vejamos sumariamente a pertinência, ou não, do essencial do argumentário da Requerente nesta ação;

iii.           A Requerente configura uma sociedade por quotas que tem por objeto social uma atividade principal – “ACTIVIDADES COMBINADAS DE APOIO AOS EDIFÍCIOS” e outra secundária, de “COMPRA E VENDA DE BENS IMOBILIÁRIOS”, estando enquadrada regime normal trimestral do IVA, por opção e, em sede de IRC, no regime geral de tributação; Em relação ao exercício de 2015, a AT apurou que «foram contabilizadas rendas do D... relativas ao contrato de locação financeira n.º ... celebrado em 2012-06-26, e referente à aquisição de 179 frações do imóvel inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de..., ... e ... - ... sob o artigo ... (à data era o artigo ... de ...-...), designado por Pólo de Negócios de ... (PN...)." (do relatório de inspeção no PA em anexo).

iv.           Em 26.6.2012, foi celebrado um Acordo de Resolução Parcial do Contrato de Locação Financeira entre a B... e o D... através do qual a locatária B..., LDA. “perdeu o interesse" na maior parte das 189 frações do contrato de locação financeira, mantendo apenas “interesse” em 10 das frações que estão ao abrigo do contrato de locação financeira "AH", "BMI', "BR", "BS", "DB", "DC", O DE", "DG", "IL" e "IP"). 65.ª Na realidade, e naquela data, o objeto do contrato foi um prédio urbano em regime de propriedade horizontal com 189 frações (das 222 frações iniciais, 33 foram voluntariamente entregues ao locador), sendo o valor em dívida das frações em que a A. "perde o interesse" de cerca de €11.549.608,95.

v.            Naquela mesma data, 26.6.2012, foi celebrado um novo Contrato de Locação Financeira Imobiliária tendo como objeto as 179 frações autónomas pertencentes ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal, inscrito na atual matriz predial da União de Freguesias de..., ... e ... sob o artigo ... (à data dos factos era o artigo ...),

vi.           Fracções essas que se encontravam abrangidas pelo Contrato de Locação Financeira "resolvido" nesse mesmo dia pelo valor de €11.549.608,95, tendo como início da sua vigência a data de celebração do contrato (26.6.2012), sendo o valor da operação de €16.500.000,00, com o valor residual de €4.125.000.00, ficando ainda definido pagamento de 40 rendas trimestrais, sendo que quatro seriam no valor de €234.300,00 cada uma, e as restantes 36 no valor de €500.023,90, por unidade (PA, idem).

vii.          No mesmo dia, foi emitida a nota de débito n.º 2/2012, de 26.6.2012, no valor de €4.950.391,05, acrescida de IVA, com a descrição "Importância referente à compensação recebida a título de entrega voluntária dos imóveis objeto do contrato de locação financeira n.º ... relativo às frações autónomas, designada na resolução do contrato de locação financeira". (idem)

viii.         Da ação inspetiva da AT resultou uma correção de IRC no valor de €181.522,80, sendo que, em virtude dessa correção, e para o exercício analisado (2015), foi emitida a liquidação n.º 2017..., que corrigiu os prejuízos fiscais de €334.623,42 para €153.100,62 (idem). Em 2919, a AT realizou novas ações inspetivas, de âmbito geral, incidentes sobre IRC e IVA dos anos de 2016 e 2017, e de âmbito parcial, sobre IVA, para os exercícios de 2018 e 2019, das quais resultaram correções aos custos declarados, respetivamente nos valores de €67.640,73, para 2016, e de €80.425,44 para 2017,

ix.           O que determinou um ajuste no valor do reembolso de IVA, aludido no Requerimento, de €168.631,22, correções estas assentes fundamentalmente na sequência das “relações especiais” detetadas através das inspeções (idem).

x.            A verificação de "relações especiais" decorre do facto de ambas as entidades (a B... e a A.) serem geridas, nos períodos em causa, maioritariamente pelos mesmos sujeitos passivos.

xi.           As relações especiais entre a B... e a A. encontram-se descritas e sustentadas no relatório de inspeção que, para os devidos efeitos e em nome do princípio da economia processual, se dá aqui como integralmente reproduzido, verificando-se estarem preenchidos os pressupostos prevenidos no n.º 4 do art.º 63.º do CIRC (vide anexo cit.).

xii.          Do negócio em apreço, apurou-se que o valor já aludido acima de €4.950.391,05, foi entregue à “B...” e foi considerado como um gasto a suportar pela A (idem).

xiii.         Trata-se de uma despesa em que não está identificado o interesse, direto ou indireto da “B...”, dado ser a A. que teve de suportar um gasto pela circunstância da empresa “B...” ter rescindido um contrato.

xiv.         Analisando o conceito de locação financeira/leasing, definido no n.º 1 o art.º 1.º do DL nº 30/2008, de 25 de Fevereiro, é fácil constatar que a figura do “leaseback” nada mais é que uma variante do primeiro,

xv.          Uma vez que se trata da entrega de um bem, objeto de locação financeira, ao locador, seguida da “relocação” desse bem ao mesmo locatário.

xvi.         Trata-se, pois, de um negócio jurídico através do qual o locatário de um bem imóvel o entrega ao locador, assumindo a obrigação de o tomar de "arrendamento" por um prazo pré-definido, com a possibilidade de o readquirir no fim do prazo estipulado, passando a ser, de novo, o locatário do bem.

xvii.        Simplificando, é uma mera operação de financiamento junto do sistema financeiro. O art.º 25. º do CIRC regula os efeitos fiscais do “leaseback”: o locatário entrega o bem ao locador financeiro, mas retoma-o de imediato em locação financeira, não havendo apuramento de qualquer resultado para efeitos fiscais.

xviii.       Nestes termos, a locação financeira do “Polo de Negócios de ...” (PN…) configura tipicamente uma operação de "leaseback", mediante a qual a  B... entregou ao D... o imóvel sobre o qual incidia o contrato de locação financeira, no valor de €11.549.608, 95, seguida de uma” relocação” por um valor superior em €4.950.391,05, “relocação” essa celebrada com a A. pelo valor global de €16.500.000,00, entidade esta com a qual detém relações especiais.

xix.         Nesta medida, os efeitos jurídico-económicos inerentes à resolução parcial do contrato de locação financeira celebrado entre a B... e o D..., seguida da relocação desses mesmos bens celebrada com a A., consubstanciam-se no benefício, por parte da B..., de um financiamento (30% do total) sem quaisquer gastos, dado que os mesmos são suportados pela A.,

xx.          Sem que tal esteja relacionado com a sua atividade ou dali resultem rendimentos.

xxi.         A A. contratou um financiamento/empréstimo no valor de €16.500.000,00, resultante da entrega do imóvel locado à B..., ao qual estão inerentes gastos de financiamento calculados por aquele valor. Todavia, 30% do valor total deste financiamento

 (€4.950.391,05/€16.500.000,00) teve como beneficiário a B..., e não a A., pelo que as duas correções efetuadas pela AT (€67.640,73 e €80.425,44, no valor total de€ 148.066,17, vide anexo), correspondem à previsão do art.º 23.º do CIRC que consagra a dedutibilidade dos gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo, por este incorridos ou suportados, para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC.

xxii.        Deste modo, o “raciocínio” utilizado pela AT não fere o princípio da liberdade contratual das partes, já que o entendimento que resulta do art.º 23.º do CIRC, em conjugação com art.º 38.º da LGT, é o de que a liberdade negocial está restringida pelas necessidades financeiras do Estado protegidas constitucionalmente,

xxiii.       A admissão da dedução destes custos em sede de IRC não é aceitável do ponto de vista de justiça fiscal, uma vez que viola o princípio da igualdade na vertente de repartição dos encargos fiscais (artigo 103.º da CRP).

xxiv.      Uma vez estabelecidas as relações especiais existentes entre a  B... e a A., definida que foi a operação de relocação financeira efetuada entre ambas e quantificado que se encontra o benefício da primeira empresa nesta operação, calculado em 30% do seu valor total, não pode ser aceite fiscalmente esta percentagem dos gastos de financiamento evidenciados pela A. nos períodos de 2016 e 2017, por não serem destinados à sua atividade, mas, antes, por constituírem uma forma de financiamento à B... .

xxv.       Exclusivamente em sede de IVA, estariam em crise, segundo a A., liquidações adicionais de IVA referentes a 2016.03T, 2016.06T, 2016.09T, no valor de €10.971.08 cada, 2016.12T, no valor de € 43.481,.03, 2017.03T, no valor de €7.590,14, 2017.06T no valor de €12.273,37, 2017.09T, no valor de €14.250,08, 2017.12T no valor de €66.218,80, 2018- 03T no valor de €10.295,84, 2018-06T no valor de €10.272,58 e, 2018-09T e 2018-12T, ambas no valor de €10.098,16, cada uma.

xxvi.      E estariam em crise por causa das correções efetuadas em sede de IRC, nomeadamente o decaimento da percentagem de 30% nos termos indicados supra para efeitos de IRC.

xxvii.     Nos termos dos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA, também 30% do IVA deduzido nas rendas relativas ao contrato de locação financeira decai. 93.ª Conforme o nº 1 do art.º 20. º do CIVA, só é permitida a dedução do imposto quando este tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados que sejam referentes aos fins próprios da atividade do sujeito passivo, ou seja, o imposto que onerou a montante determinados bens e serviços só pode é dedutível se aqueles forem utilizados para a obtenção de receitas objeto de tributação a jusante (alínea a), do n. º 1, do art.º 20. º).

xxviii.    Acresce que, para um sujeito passivo poder exercer o direito à dedução, as despesas suportadas a montante têm de ter conexão com as operações realizadas a jusante, o que não se verifica no caso em apreço nos autos.

xxix.      Os artigos 168.º e 169.º da Diretiva IVA, bem como os números 2 e 3 do artigo 17. º da Sexta Diretiva, são claros quanto a que os sujeitos passivos apenas estão autorizados a deduzir o imposto suportado na medida em que os bens e serviços sejam utilizados para efeitos das próprias operações tributadas, ou isentas, que concedam tal direito.

xxx.       Também a jurisprudência do TJUE entende que o direito de dedução é um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela UE, o qual garante o princípio da neutralidade da carga fiscal de todas as atividades económicas sujeitas a IVA.

xxxi.      O exercício do direito de dedução está, pois, sujeito a requisitos e condições, não sendo incompatível com a Diretiva IVA.

xxxii.     A primeira dessas condições verifica-se sempre que exista um "nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução", i.e, "o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito à dedução."

xxxiii.    Pode, porém, não existir um "nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução", caso em que estaremos perante a segunda das situações explicitadas pelo TJUE: "os custos dos serviços em causa devem fazer parte das suas despesas gerais e serem, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta" (Acórdãos AES-3C Maritza East 1, SKF., Kretztechnik, processo C-465/03, de 26 de Maio de 2005 e PARAT Automotive Cabrio, processo C-74108,, de 23 de Abril de 2009). Emergem, assim, como únicos impedimentos ao direito à dedução, atento o princípio da neutralidade do IVA, as situações em que as aquisições de bens ou serviços não têm como fim a atividade prosseguida pelos sujeitos passivos.

xxxiv.    A A. não logrou demonstrar que ocorreu uma valorização ou uma alteração dos imóveis que justifiquem o acréscimo de encargos financeiros, tendo as correpções em sede de IVA efetuadas pela AT sido baseadas na desconsideração parcial destes encargos, face ao disposto nos artigos 19.º e 20.º do CIVA,

xxxv.     O que coloca em crise a dedutibilidade do IVA, nos termos legais,

xxxvi.    Pelo que as correções realizadas pela AT em função da percentagem de 30% do IVA indevidamente deduzido pela A. nas rendas relativas ao contrato de locação financeira, como indicámos, devem manter-se na ordem jurídica. Concluindo: Os atos tributários contestados pela A. devem ser mantidos intactos na ordem jurídica por legais e fundamentados.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 06-10-2020, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 07-10-2020. Em 23-11-2020, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 23-11-2020, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 24-12-2020, tendo sido proferido despacho arbitral em 28-12-2020 em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

Por força da legislação introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que procedeu à nona alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pelas Leis n.os 4-A/2020, de 6 de abril, 4-B/2020, de 6 de abril, 14/2020, de 9 de maio, 16/2020, de 29 de maio, 28/2020, de 28 de julho, 58-A/2020, de 30 de setembro, 75-A/2020, de 30 de dezembro, e 1-A/2021, de 13 de janeiro, que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19. (legislação COVID 19), ocorreu uma suspensão de todos os prazos judiciais em curso nos tribunais judiciais e arbitrais entre 2 de fevereiro de 2021 e 5 de abril de 2021.

 

A Lei nº 13-B/2021, de 5 de abril veio revogar o regime de suspensão generalizada dos prazos processuais e procedimentais, bem como reforçar o regime processual excecional e transitório aplicável às diligências processuais e determinar quais os prazos, atos e processos que continuam suspensos. Como resultado do regime previsto no artigo 6.º-B da supra referida Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, os prazos estiveram suspensos, o que justifica o decurso de tempo entre a notificação nos termos do artigo 17.º do RJAT e a resposta da AT teve de aguardar o prazo para a elaboração da referida resposta.

 

A AT apresentou a sua Resposta, em tempo, em 13-04-2021.

 

Em 15-04-2021 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

«A Requerente poderá, no prazo de 10 dias, querendo, pronunciar-se sobre a matéria de exceção contida na resposta da AT.

No mesmo prazo, deverá a Requerente informar se, face às posições das partes assumidas nos articulados, mantém interesse na inquirição das testemunhas por si arroladas, ou se prescinde da mesma.

Mantendo-se o interesse da Requerente naquela inquirição, deverá esta, no mesmo prazo, indicar quais os concretos pontos do requerimento inicial que serão objeto daquele tipo de prova.»

 

A Requerente fez novo requerimento em 22-04-2021 com réplica e pedido de junção de documentos.

 

Em 28-04-2021 foi proferido o seguinte despacho:

«No presente processo é necessário agendar reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, para efeito de inquirição das testemunhas.

Como a entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, a realização de diligências passa a ter de ser efetuada nos termos previstos no artigo 6.º-A da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.

Com a necessidade de aplicação pelo das medidas de precaução recomendadas pela Direção Geral de Saúde, o CAAD passou a ter disponibilidade para agendar, em regra, não mais do que duas reuniões presenciais por dia, o que gera grandes dificuldades de agendamento, pois o período de suspensão de realização de diligências durante quase três meses resultante da aplicação do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, bem como a suspensão derivada do período de férias judiciais de verão e do disposto no art.º 17.º-A do RJAT, teve como consequência a acumulação de reuniões que é necessário realizar.

Face ao exposto, e tendo presente a situação de pandemia e os cuidados de saúde pública que a mesma implica, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º, alíneas c), e) e f), e 29.º, número 2, ambos do RJAT, agenda-se a reunião a que alude o art.º 18.º do mesmo RJAT, na qual terá lugar, além do mais, a inquirição das testemunhas arroladas nos autos, para o próximo dia 24 de Maio, pelas 10.00 horas, nos seguintes termos.

Os membros do tribunal arbitral coletivo, bem como os mandatários e representantes  da Requerida, poderão participar na reunião agendada, por teleconferência, seguindo, oportunamente, as indicações e recomendações emanadas pelo CAAD para o efeito, ou presencialmente nas instalações do CAAD em Lisboa.

As testemunhas deverão comparecer nas instalações do CAAD no Porto ou em Lisboa, a menos que haja algum impedimento sanitário legalmente relevante ou haja acordo das partes noutro sentido.

Os senhores mandatários e representantes da Requerida, deverão, ao abrigo do disposto no art.º 16.º/f) do RJAT, informar até 5 dias antes da data agendada caso pretendam participar na diligência por teleconferência.»

 

Em 30-04-2021 a Requerida apresentou requerimento sobre o qual foi proferido em 06-05-2021 o seguinte despacho:

«Tendo em conta que a inquirição das testemunhas poderá ter por objeto a eventual impugnação documental da parte da Requerida, defere-se o peticionado diferimento do prazo de impugnação da documentação junta pela Requerente, até ao próximo dia 21 de Maio.»

 

A Requerente ainda apresentou requerimentos a 17-05-2021 e 18-05-2021, sobre os quais recaiu o seguinte despacho de 21-05-2021:

«Requerimento de 18-05: uma vez que o Tribunal arbitral não pode deferir o requerido aproveitamento de prova sem prévio exercício do contraditório, mantém-se a diligência agendada para o próximo dia 24-05.

Caso até à hora agendada, a Requerida manifeste a sua não oposição ao aproveitamento da prova testemunhal, será a diligência dada sem efeito.

Caso contrário, deverá a Requerida exercer o seu contraditório relativamente ao aproveitamento da prova testemunhal no início da reunião agendada.

As demais questões colocadas pela Requerente, serão apreciadas aquando da prolação da decisão final do processo.»

 

A inquirição foi realizada em 24-05-2021 e na sequência da mesma as partes apresentaram as respetivas alegações escritas.

 

II. QUESTÃO PRÉVIA: QUANTO À EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA MATERIAL

 

Na contestação veio a Requerida suscitar a exceção da incompetência do Tribunal por estar em causa o ato de indeferimento de reembolso de IVA e o CAAD só ter competência para sindicar liquidações de IVA [artigo 2.º, n. º1, alínea a) do RJAT].

 

De acordo com a decisões do CAAD, na verdade , atenta a norma de delimitação de competência constante do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, os Tribunais Arbitrais podem apreciar pretensões relativas à declaração de ilegalidade de “atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, ficando excluídas as demais, nas quais se insere a reação contenciosa contra o indeferimento de um pedido de reembolso de IVA.

 

Isto sem prejuízo de o Código do IVA determinar excecionalmente no artigo 22.º, n.º 13 que do indeferimento de um pedido de reembolso - apesar de este não envolver a apreciação da legalidade de um ato da liquidação - cabe impugnação judicial e não, como resultaria, em princípio, do teor do artigo 97.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), recurso contencioso [leia-se ação administrativa], meio processual adequado à discussão dos atos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação.

 

É que apesar de o processo arbitral ter sido conceptualizado na Lei de Autorização Legislativa da arbitragem em matéria tributária (cf. artigo 124.º, n.º 2 da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril) como meio processual alternativo à impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, a opção do legislador foi mais restritiva. Com efeito, não só foi prescindida a competência equiparada à ação para reconhecimento de um direito[2], como o recorte das matérias abrangidas pelo processo arbitral em matéria impugnatória acabou por ser concretizado através da fixação “com rigor” das “matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral”, como refere o preâmbulo do RJAT, sem se ter optado pela referência ou remissão para o meio processual da impugnação judicial com a abrangência fixada no artigo 97.º, n.º 1 do CPPT.

 

Tratou-se de uma opção do legislador que, como referido, definiu o âmbito da jurisdição arbitral de forma mais restritiva. Contudo, se a opção tivesse sido diversa, no sentido de uma competência alargada do Tribunal Arbitral não se alcança a violação da Constituição suscitada pela Requerida (cf. artigos 212.º, n.º 3, 20.º e 268.º), nomeadamente dos princípios do livre acesso aos tribunais, porquanto os tribunais arbitrais são uma das categorias de tribunais previstas na Constituição (artigo 209.º, n.º 2) e a configuração do regime de recursos se insere na margem de conformação legislativa, desde que sejam acautelados os princípios fundamentais da jurisdição, como se afigura ser o caso, desde logo à face do disposto nos artigos 25.º a 28.º do RJAT.

 

Não é o que sucede, contudo, nos presentes autos. Vejamos .

 

Alega a Requerente que o “objeto deste processo (pedido e causa de pedir) é a anulação de liquidações de IVA e não a contestação de pedido de indeferimento de reembolso”, sendo que o que solicita é “a anulação das liquidações de IVA descritas no art. 4.º do requerimento inicial (RI).”

“Em conformidade com os elementos dos presentes autos, está em crise o Despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra as liquidações de IVA referentes aos períodos de 2012-09-T, 2013-09T, 2013-12T, 2015-06T, 2015-09T e 2015-12T (…)” – que são, exatamente, as liquidações objeto deste processo arbitral (cfr. art. 4.º do RI e pedido b) no final)”.

A Requerente não pede a anulação do ato de indeferimento do pedido de reembolso de IVA, nem nunca invoca argumentos relativos a vícios do indeferimento do pedido de reembolso de 2015/12T, como os descritos no art. 22.º, n.º 11 do CIVA.

A apoiar a sua posição a Requerente  menciona o Acórdão do TCA Sul, proc. 44/19.9BCLSB, de 28/11/2019 (www.dgsi.pt), onde se discute “(…) se o CAAD é ou não materialmente competente para decidir uma questão de liquidação de IVA emitida na sequência e indeferimento de pedido de reembolso de IVA, cujo sumário dispõe como se segue:

“I - A competência dos tribunais enquanto pressuposto processual, afere-se pelo pedido e pela causa de pedir, isto é, pela pretensão do autor e pelos factos com relevância jurídica, tal como são expostos pelo autor.

II - Se o objeto da lide, tal como foi delimitado pela Autora, se circunscreveu ao ato de liquidação de IVA, não sendo arguido qualquer vício ao procedimento de reembolso de IVA, o objeto do pedido de pronúncia arbitral coaduna-se, tão-só, com a ilegalidade das correções meramente aritméticas que foram efetuadas e que estão na base da liquidação impugnada, enquadrando-se, por isso, no processo de impugnação de atos de liquidação, da competência da jurisdição arbitral.”

Adianta-se, desde já, que assiste razão à Requerente. Na verdade, seguimos de perto o argumentado no Processo 346/2020-T , que aqui se reproduz:

«Em relação aos atos de indeferimento de pedidos de reembolso de IVA, segundo alguma doutrina, o conceito de reembolso de IVA utilizado para os efeitos dos números 4 e seguintes do artigo 22.º do Código de IVA corresponde uma situação em que, do saldo apurado no período, resulta um crédito de IVA a favor do sujeito passivo que será utilizado em períodos seguintes (numa lógica de conta-corrente), a menos que use a faculdade de solicitar o reembolso do mesmo, obviando ao seu reporte e aplicação nos períodos seguintes. De tal modo que “o pedido de reembolso, assim como a sua apreciação pela Autoridade Tributária não constituem factos jurídicos, uma vez que não constituem per si qualquer facto que determine uma alteração jurídica da situação de qualquer uma das partes”.  Doutrina esta que acompanha a jurisprudência do STA, consignada no Acórdão de 12/7/2007, processo n.º 0303/07, onde se pode ler, entre o mais, que apenas “os atos de liquidação, em sentido estrito”, provocam “uma modificação na situação tributária do contribuinte, definindo a existência de uma obrigação (que através desse ato se torna certa, líquida e exigível, inclusivamente por via coerciva no caso de não cumprimento voluntário)”, o que não é o caso dos atos que recusam o reembolso de IVA, pois deles não resulta para os contribuintes qualquer obrigação que não tivessem anteriormente.” No mesmo sentido, cfr. a Decisão Arbitral proferida nos processos n.ºs 48/2015-T, 835/2019-T, bem como a Decisão arbitral, proferida no processo n.º 33/2020-T, onde se pode ler que na situação dos autos como ficou expresso, configura uma “situação em que é formulado um pedido de reembolso de IVA e, em vez do reembolso ser ele deferido, se decide que há imposto a liquidar e é emitida uma liquidação, não há lugar a qualquer ato autónomo de indeferimento do pedido de reembolso, sendo o ato de liquidação que define a posição final da Administração Tributária sobre a relação jurídica tributária de IVA no período que está em causa.

“Os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm competências para apreciar atos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT, diretamente ou incorporados em atos de segundo ou terceiro graus que os confirmem, nomeadamente decisões de reclamação graciosa ou de recurso hierárquico, como se infere da alínea a) do n.º 1 do seu artigo e da remissão que nele se faz para o artigo 102.º do CPPT.

E, quando o ato de liquidação e os atos de segundo e terceiro graus que os têm por objeto têm subjacentes o indeferimento de pedido de reembolso, insere-se na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar a sua legalidade, pois ela está ínsita na apreciação da legalidade dos atos de liquidação.”»

 

Atento o quadro legal acima mencionado, para apurar a competência do Tribunal Arbitral cabe averiguar o conteúdo dos atos impugnados, de modo a verificar em que medida comportam ou não a apreciação de um ato de liquidação.

No caso dos autos, resulta do PA e dos factos dados como provados, que a Requerente solicitou:

a) primariamente, a declaração da ilegalidade da negação do direito à dedução de IVA, nos termos do artigo 20.º do CIVA que deram lugar às seguintes liquidações:

a.            2016/03T, no valor de 10.971,08€ (n.º...);

b.            2016/06T, no valor de 10.971,08€ (n.º ...);

c.            2016/09T, no valor de 10.971,08€ (n.º...);

d.            2016/12T, no valor de 43.481,03€ (n.º...) e com IVA a pagar de 24.637,17€ (doc. 2019...) e juros compensatórios de 2.678,36€ (doc. 2019 ...);

e.            2017/03T, no valor de 7.590,14€ (n.º...), com valor de IVA a pagar de 9.242,21€ (doc. 2019...) e juros compensatórios de 914,59€ (doc. 2019...);

f.             2017/06T, no valor de 12.273,37€ (n.º...); 2017/09T, no valor de 14.250,08€ (n.º...);

g.            2017/12T, no valor de 66.218,80€ (n.º...);

h.            2018/03T, no valor de 10.295,84€ (n.º...); 2018/06T, no valor de 10.272,58€ (n.º...);

i.             2018/09T, no valor de 10.098,16€ (n.º...);

j.             2018/12T, no valor de 10.098,16€ (n.º...)

 

 

E, em consequência deste pedido,

b) secundariamente, a apreciação do reembolso de IVA de 217.491,40€ (doc. ...1).

Ou seja, nos presente autos não está em causa o reembolso, mas sim as liquidações adicionais identificadas que prejudicaram o reembolso solicitado pela requerente.

 

É por demais evidente esta autonomia de institutos (reembolso e liquidação) quando denotamos que:

a) A requerente solicitou reembolso de IVA no período de 2019/03T, no montante total de 266.351,58€;

b) Em consequência, foi-lhe recusado o reembolso de IVA de uma importância menor e diversa do montante pedido – 217.491,40€ (doc. ...) –, na sequência da negação do direito à dedução de IVA, nos termos do art. 20.º do CIVA.

 

Contra as liquidações adicionais de imposto supra identificadas a Requerente deduziu Reclamação Graciosa, totalmente indeferida, e, em consequência, em 06-10-2020, apresentou o presente Pedido arbitral, onde pede expressamente a anulação das liquidações de imposto de IVA.

Termos em que este Tribunal arbitral tem competência para apreciar a ilegalidade dos atos de liquidações adicionais impugnados, julgando-se improcedente a exceção de incompetência material suscitada pela Requerida.

 

POSTO ISTO:

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

Admite-se a cumulação de pedidos, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, por estarem em causa a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

O processo não enferma de nulidades.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

III. DECISÃO

A.           MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

a.            A B... e o D... acordaram na resolução parcial do contrato de locação financeira do Centro de Negócios de ..., nos seguintes termos:

A) A B... manteve o interesse apenas em 10 frações – mantendo-se, quanto a estas, o contrato de locação financeira;

B) As partes acordaram expressamente na resolução da locação financeira em relação às demais frações (com efeitos a 26/6/2012): a B... entregou ao D... as 179 frações; cancelou-se a locação financeira; o valor em dívida dessas 179 frações era de 11.549.608,95€ + IVA (e foi saldado pela entrega dos bens).

C) O D...  pagou à B... a quantia de 4.950.391,05€ + IVA como “importância referente à compensação recebida a título de entrega voluntária de imóveis, objeto do contrato de locação financeira ... relativo às frações autónomas designadas pelas letras …” (corresponde às frações referidas no ponto anterior – resolução do contrato de locação financeira ...)”.

Donde, por mútuo acordo (e obrigação contratual), as partes (B... e D...) atribuíram às 179 frações do Centro de Negócios de ... o valor de 16,5 milhões de euros (+ IVA): 11.549.608,95€ (+ IVA) relativo ao valor em dívida + 4.950.391,05€ (+ IVA), por compensação.

b.            A B... e o D... acordaram ainda na resolução total do contrato de locação financeira em relação às 10 frações que a B... manteve o interesse (cfr. art. 27.º supra). Em consequência, o D... vendeu essas frações à B... pelo preço de 427.671,58€ + IVA (cfr. p. 10 do doc. 5) e a B... mudou o seu objeto social, para incorporar a sua nova atividade concreta.

c.            Em 26/6/2012, o D... e a A... celebraram um novo contrato de locação financeira sobre as descritas 179 frações do Centro de Negócios de ..., com as seguintes características:

A) o valor da operação foi de 16,5 milhões de euros (+ IVA);

B) As posições contratuais da B... com os clientes relativas à “cedência de espaço” foram cedidas à requerente: ou seja, com a rescisão do leasing, essas posições passaram para o D..., que as cedeu à A... através deste contrato de locação financeira.

C) Definiram-se 40 rendas trimestrais (plano de pagamento do leasing): 4 rendas de 234.300,00€; e 36 rendas de 500.023,90€ – a A... ainda está hoje a cumprir esse leasing. Todas as prestações ao abrigo deste contrato estão sujeitas e não isentas a IVA;

d.            Em 26-06-2012, os sócios e os gerentes da Requerente eram (doc. 5, p. 2 e 6 e doc. 1, p. 5):  E... (NIF...): 50% capital social; é gerente; F... (NIF...): 25% capital social; é gerente; G... (NIF...): 25% capital social; é gerente.

e.            Em 26-06-2012, os sócios e os gerentes da B... eram os seguintes (p. 6 do doc. 5 e p. 5 do doc. 1): H... (NIF...): sócio e gerente; F... (NIF...): sócio e gerente; G... (NIF...): sócio apenas.

f.             Todo o IVA constante das liquidações adicionais objeto da presente ação arbitral está pago, por recusa do direito ao reembolso e pagamento – por compensação e parte por liquidação adicional e juros

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

 

B. DO DIREITO

 

B.1. Quanto à questão de fundo

 

A questão decidendi  é a mesma em todos os atos impugnados: existência ou não do direito à dedução do IVA sobre 30% do imposto suportado pela requerente com o leasing imobiliário celebrado com o D... sobre 179 frações do polo de Negócios de ... .

A Requerente alega como causa de pedir da anulação das liquidações adicionais as seguintes ilegalidades:

             Errónea apreensão dos factos e incorreta subsunção ao direito aplicável;

             Vícios de fundamentação (violação do artigo 77.º da LGT);

             Violação do artigo 63.º, do CIRC e artigo 16.º, n.º 10, do CIVA;

             Violação do artigo 25.º do CIRC.

             Violação do artigo 19.º e 20.º do CIVA e 38.º da LGT– violação do princípio da dedução do IVA.

Para tanto alega a Requerente, em suma:

i.             Em 2007, a B... decidiu construir o que viria a ser o Centro de Negócios de ...: para tal, celebrou contrato de locação financeira com C... (depois incorporada, por fusão, em 2010, no D... [D...] – p. 7 do doc. 5);

ii.            Entre 2007 e 2009, construiu-se o Centro, num investimento superior a 17 milhões de euros (doc. 5, p. 7/8 e doc. 1 p. 4). 19. O Centro de Negócios é composto por 222 frações: 17 destinadas a comércio/serviços; 47 para escritórios; e 158 para estacionamento coberto (p. 8 do doc. 5 e p. 4 e 5 do doc. 1).

iii.           O negócio foi estruturado através de locação financeira: o imóvel era da locadora (D...), que financiou as obras; a B... pagava (pagou vários milhões de euros) rendas periódicas à locadora (antes e após a construção); a B... exploraria (explorou) depois o Centro de Negócios, firmando contratos onerosos com lojistas que aí se instalariam.

iv.           A locadora (D...) é remunerada da sua atividade de locação financeira (o valor das rendas obtidas supera o empate de capital, valor do dinheiro no tempo e sua margem); e a locatária (B...) exerce uma atividade comercial, na exploração do Centro de Negócios – na mira de que os proveitos obtidos (exploração do centro com lojistas) sejam superiores às rendas da locação financeira que tem de pagar à locadora, sendo que todas estas prestações estão sujeitas e não isentas de IVA.

 

Em 2010, a B... e o D... celebraram acordos de resolução parcial do contrato de locação financeira, pelo qual a locatária entregou 33 frações ao D..., contra a correspondente diminuição do valor em dívida e das prestações contratuais

Em 26/6/2012 ocorreram os factos mais relevantes, desdobrados em TRÊS operações, conforme logrou provar a Requerente:

 

Primeira: a B...  e o D... acordaram na resolução parcial do contrato de locação financeira do Centro de Negócios de ..., nos seguintes termos:

A) A B... manteve o interesse apenas em 10 frações – mantendo-se, quanto a estas, o contrato de locação financeira;

B) As partes acordaram expressamente na resolução da locação financeira em relação às demais frações (com efeitos a 26/6/2012): a B... entregou ao D... as 179 frações; cancelou-se a locação financeira; o valor em dívida dessas 179 frações era de 11.549.608,95€ + IVA (e foi saldado pela entrega dos bens).

C) O D... pagou à B... a quantia de 4.950.391,05€ + IVA como “importância referente à compensação recebida a título de entrega voluntária de imóveis, objeto do contrato de locação financeira ... relativo às frações autónomas designadas pelas letras …” (corresponde às frações referidas no ponto anterior – resolução do contrato de locação financeira ...)”. Donde, por mútuo acordo (e obrigação contratual), as partes (B... e D...) atribuíram às 179 frações do Centro de Negócios de ... o valor de 16,5 milhões de euros (+ IVA): 11.549.608,95€ (+ IVA) relativo ao valor em dívida + 4.950.391,05€ (+ IVA), por compensação.

 

Segunda: a B... e o D... acordaram ainda na resolução total do contrato de locação financeira em relação às 10 frações que a B... manteve o interesse. Em consequência, o D... vendeu essas frações à B... pelo preço de 427.671,58€ + IVA (cfr. p. 10 do doc. 5) e a B... mudou o seu objeto social, para incorporar a sua nova atividade concreta (p. 5 do doc. 1).

 

Terceira: em 26/6/2012, o D... e a A... celebraram um novo contrato de locação financeira sobre as descritas 179 frações do Centro de Negócios de ..., com as seguintes características (p. 12 e 13 do doc. 5 e p. 7 do doc. n.º 1).

A) o valor da operação foi de 16,5 milhões de euros (+ IVA);

B) As posições contratuais da B... com os clientes relativas à “cedência de espaço” foram cedidas à requerente: melhor dito, com a rescisão do leasing, essas posições passaram para o D..., que as cedeu à A... através deste contrato de locação financeira.

C) Definiram-se 40 rendas trimestrais (plano de pagamento do leasing): 4 rendas de 234.300,00€; e 36 rendas de 500.023,90€ – a A... ainda está hoje a cumprir esse leasing. Todas as prestações ao abrigo deste contrato estão sujeitas e não isentas a IVA (p. 12 do doc. 5).

 

Entre 2016 e 2018 (e entre 2012 e 2015 e até à atualidade), a A... efetuou as seguintes operações em sede de IVA, como entidade sujeita e não isenta de IVA (por isso se diz na fundamentação que está enquadrado em IVA, no regime normal, com periodicidade trimestral, p. 3 do doc. 1):

a) Liquidou IVA nos seus outputs – nomeadamente, nas prestações de serviços aos seus clientes (serviço global no Centro de Negócios de ...);

b) Suportou IVA nos seus inputs, nomeadamente nas rendas da locação financeira do D... . Solicitou reembolso de IVA no período de 2019/03T, no valor de 266.351,58€ (p. 2 do doc. 1), porque em crédito de imposto – o que originou a inspeção tributária e as liquidações de imposto, tendo a AT apenas deferido o reembolso de 48.860,18€, e negando o reembolso e liquidando o remanescente, agora contestado, de 217.491,40€ (p. 2 do doc. 1).

 

Do relatório de inspeção retira-se, a fundamentar as correções em causa, entre o mais:

i) Existência de relações especiais entre a B... e a Requerente, conforme artigo 63.º do CIRC;

ii) A denominada “relocação” do Polo de Negócios de ... nada mais é que uma operação de “Leaseback” (olhando à substância sobre a forma) realizada entre a B... e a Requerente, entidades com relações especiais, artigo 23.º do CIRC; e

iii) A Requerente assume um financiamento/empréstimo de €16.500.000,00 resultante da entrega dos imóveis locados seguido de relocação, contudo o beneficiário do empréstimo de €4.950.391,05 é a B... – Assim fiscalmente, deverá ser desconsiderada a parte correspondente a este montante (que representa 30% (4.950.391,05 €/ 16.500.000,00 €) do valor total da Locação Financeira), quer a título de gastos quer a título de dedução de IVA.      

 

Vejamos.

Quanto à existência de relações especiais, segundo a lei, na redação aplicável, a Requerente e a B...  estariam em relações especiais, no que releva para o caso:

a) Se os titulares de capital (cônjuges, descendentes ou ascendentes) tivessem uma participação no capital não inferior a 10% em cada uma dessas entidades (art. 63.º, n.º 4, al. b), CIRC);

b) e/ou se a maioria dos gerentes de ambas as sociedades fossem os mesmos (ou casados, unidos de facto ou parentesco na linha reta) – art. 63.º, n.º 4, al. d), do CIRC.

Da fundamentação do relatório de inspeção e que serviu de base, quer ao indeferimento da reclamação graciosa, quer ao indeferimento do recurso hierárquico, única fundamentação a ter em conta, consta apenas que tais relações especiais se justificam devido à identidade de sócios e gerentes, sem adiantar qualquer outro dos requisitos exigidos pelo artigo 63.º, n.º4, do CIRC.

Em sentido contrário, alega a Requerente que, não existem relações especiais (por referência a 6/2012 – a data relevante, mas também antes e depois):

a) Nem pela ótica da maioria dos gerentes: só há um gerente comum às duas sociedades (F...) – e a A... tinha 3 gerentes: logo, a maioria dos gerentes da B... não é gerente da requerente.

b) Nem pelo lado dos sócios: não está provada a percentagem de participação de capital na B... de F... e G... .

c) Como não está alegado nem provado se existe ou não qualquer relação de parentesco entre os sócios (da requerente e B...) que lhes faça imputar (somar) as participações e número de sócios e/ou gerentes.

 

Veja-se, aliás, que em 26-06-2012, os sócios e os gerentes da Requerente eram (doc. 5, p. 2 e 6 e doc. 1, p. 5):

             E...  (NIF...): 50% capital social; é gerente.

             F...  (NIF...): 25% capital social; é gerente.

             G...  (NIF...): 25% capital social; é gerente.

 

E que em 26-06-2012, os sócios e os gerentes da B... eram os seguintes (p. 6 do doc. 5 e p. 5 do doc. 1):

             H...  (NIF...): sócio e gerente.

             F... (NIF...): sócio e gerente.

             G... (NIF...): sócio apenas.

 

Na verdade, da fundamentação constante do Relatório de Inspeção (pág. 9 do doc. 1, ponto 37, junto pela Requerente), retira-se que se limita a afirmar a existência de relações especiais entre a B... e a Requerente, sem explicitar a verificação dos respetivos requisitos nem materiais, nem quantitativos, sendo que a tentativa de concretização do requisito de percentagem de participação de capital na Contestação constitui fundamentação a posteriori e, por conseguinte, ilegal.

O que releva para a decisão é que dos factos dados como provados, nada se prova além da existência de um sócio-gerente em comum –F... – à data das operações relevantes, não tendo a Requerida demonstrado que se encontravam preenchidos os requisitos legais  do artigo 63.º, n.º 4, do CIRC.

Termos em que, improcede o fundamento referente à existência de relações especiais de poder, por erro de facto e de direito da Requerida.

O erro acima mencionado em que se incorreu no Relatório de Inspeção, no sentido da existência de relações especiais entre a Requerente e a B..., inquinou o restante raciocínio que presidiu às liquidações ora impugnadas, bem como ao indeferimento da reclamação graciosa. 

Com a procedência do referido vício fica prejudicada, nos termos do art. 124.º do CPPT e do art. 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, por aplicação do art. 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT, a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente quanto à legalidade das liquidações sindicadas.

Sempre se dirá que, em especial, quanto à qualificação da denominada “relocação do Pólo de Negócios de...” como uma operação de “Lease Back” (olhando à substância sobre a forma), também não assiste qualquer razão à Requerida.

Com efeito, como se referiu, as liquidações impugnadas assentam na assunção de que a resolução do leasing entre o B... e o D..., seguida da “relocação” dos mesmos bens entre o D... e a Requerente A... constitui, na realidade, uma operação de “Leaseback”, por interpretação do art. 25.º do CIRC, por prevalência da substância sobre a forma, envolvida na existência de relações especiais entre as sociedades envolvidas (p. 12 e 13 do doc. 1).

Por “Leaseback” designamos a operação através da qual o proprietário de um bem procede à sua venda, celebrando simultaneamente com o comprador um contrato de locação de retoma do mesmo bem, em que o vendedor-locatário não deixa de ter a posse física do bem alienado e é afinal materialmente o autêntico proprietário do bem tomado em locação financeira. E assim, a locação financeira tem então uma função predominante, se não mesmo exclusiva, de financiamento e a transmissão (meramente jurídica) do bem para o locador financeiro constitui a garantia desse financiamento.

Nem precisamos de grande profundidade conceptual, pois do mencionado artigo 25.º do CIRC retira-se que o contrato de “Leaseback” pressupõe “a entrega de um bem objeto de locação financeira ao locador seguida da relocação financeira desse bem ao mesmo locatário” (cfr. n.º1, do artigo 25.º do CIRC).

O preceito exige, desta forma, identidade jurídica do locatário de partida e chegada, o que não se verifica de todo no caso em apreço – não fazendo sentido algum a inovação da substância sobre a forma.

Com efeito, dos factos dados como provados resulta que o locatário de partida ou inicial (B...) não é o locatário de chegada ou final (A...). Além do que, na tese da AT, esta situação assentava no pressuposto da existência de relações especiais que não se provaram de todo.

Termos em que se conclui pela ilegalidade das correções levadas a cabo, o que implica a anulação das liquidações adicionais de IVA e, reflexamente, a anulação da decisão da reclamação graciosa.

Assim, e face ao exposto, enfermando de erro de facto, e consequente erro de direito, deverão as liquidações objeto da presente ação arbitral ser anuladas, procedendo o pedido arbitral formulado, e ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pela Requerente.

 

B.2 Quanto à devolução das quantias indevidamente pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede que seja condenada a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º, n.º, 1 da LGT.

O artigo 43º, n.º 1, da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 4 do art. 61.º do CPPT que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Nos presentes autos, verifica-se que a ilegalidade das liquidações adicionais que é imputável à AT, nos termos expostos. Assim, sendo, a Requerente tem direito, em conformidade com o disposto nos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago e aos juros indemnizatórios na proporção do valor anulado, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados desde a data do pagamento do imposto, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que serão incluídos.

 

C. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:

a)            Julgar improcedente a exceção de incompetência material suscitada pela Requerida;

b)           Julgar procedente o Pedido Arbitral de anulação das liquidações adicionais de IVA e de juros ora impugnadas e abaixo identificadas e, reflexamente, do ato de indeferimento da reclamação graciosa constantes deste processo:

i.             2016/03T, no valor de 10.971,08€ (n.º...);

ii.            2016/06T, no valor de 10.971,08€ (n.º...);

iii.           2016/09T, no valor de 10.971,08€ (n.º ...);

iv.           2016/12T, no valor de 43.481,03€ (n.º ...) e com IVA a pagar de 24.637,17€ (doc. 2019...) e juros compensatórios de 2.678,36€ (doc. 2019...) ;

v.            2017/03T, no valor de 7.590,14€ (n.º...), com valor de IVA a pagar de 9.242,21€ (doc. 2019...) e juros compensatórios de 914,59€ (doc. 2019...);

vi.           2017/06T, no valor de 12.273,37€ (n.º...); 2017/09T, no valor de 14.250,08€ (n.º...);

vii.          2017/12T, no valor de 66.218,80€ (n.º ...);

viii.         2018/03T, no valor de 10.295,84€ (n.º...); 2018/06T, no valor de 10.272,58€ (n.º...);

ix.           2018/09T, no valor de 10.098,16€ (n.º...);

x.            2018/12T, no valor de 10.098,16€ (n.º...).

c)            Condenar a Requerida na devolução do imposto indevidamente pago acrescido de juros à taxa legal competente, nos termos legais;

d)           Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 217.491,40, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 30 de agosto de 2021

 

O Árbitro - Presidente,

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro-Vogal,

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

O Árbitro-Vogal,

(Diogo Leite de Campos)