Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 247/2020-T
Data da decisão: 2021-08-11  IMT  
Valor do pedido: € 52.633,00
Tema: IMT – Isenção do art. 6.º, alínea I) do CIMT.
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SUMÁRIO:

A isenção de IMT a que se refere o artigo 6º, alínea l) do Código do IMT é uma isenção de reconhecimento prévio, incumbindo ao interessado apresentar, antes da emissão da liquidação, o respectivo requerimento junto dos serviços competentes para a liquidação do tributo, de acordo com as normas legais que concedem o benefício.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

1.            A..., NIPC ..., com sede em ..., no ..., s/n.º (doravante designada por Requerente), apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2º, n.º 1, alínea a), 3º, n.º 1, 5º, n.º 3, alínea a), e 10º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa relativa à liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) n.º ..., no valor de € 46.865,00 (DUC ...219...), e a liquidação de Imposto de Selo (IS) n.º ..., de 01.03.2019, no valor de € 5.768,00 (pp. 13 a 18 do documento junto com o pedido arbitral), perfazendo ambas o montante global de € 52.633,00.

2.            É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

3.            A Requerente alega, sumariamente, que lhe foi adjudicado em hasta publica, pela Camara Municipal de Sintra, o direito de superfície sobre um imóvel para aí instalar uma escola internacional. Que procedeu à liquidação de IMT e de IS, não obstante estar prevista no artigo 6º, alínea l) do CIMT isenção cujos requisitos entende preencher. Posteriormente, tendo tomado conhecimento da possibilidade de beneficiar dessa isenção, apresentou reclamação graciosa com vista à anulação das referidas liquidações, com as demais consequências legais, com fundamento na violação do princípio da cooperação entre a AT e os contribuintes, por não ter sido alertada pelos serviços de finanças da existência da referida isenção, bem como dos princípios da justiça, legalidade, igualdade e proporcionalidade, consagrados na Constituição da República Portuguesa, defendendo que o reconhecimento prévio da isenção pela entidade competente consiste numa mera formalidade. As reclamações graciosas receberam despachos de indeferimento que a Requerente vem agora impugnar. Peticiona ainda juros indemnizatórios.

4.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 04.05.2020 e aceite pelo Exmo Presidente do CAAD em 05.05.2020. Foi notificado à AT também em 05.05.2020. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6º do RJAT, foi designada, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 07.07.2020, a ora signatária como Árbitro a integrar o Tribunal arbitral singular, o qual se constituiu em 06.08.2020, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11º, do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5.            Em 30.10.2020, a Requerida AT juntou resposta, aí pugnando pela improcedência e consequente absolvição do pedido, e o processo administrativo.

6.            A Requerida alega, em suma, que a emissão das liquidações em crise resultou de iniciativa da Requerente. Que estando em causa um benefício fiscal de reconhecimento prévio cabia à Requerente a sua solicitação ou requerimento, dando assim inicio ao respectivo procedimento. Que respeitou os princípios da igualdade, justiça, proporcionalidade e da legalidade na emissão das liquidações em crise. Que não poderia ser outra a decisão das reclamações graciosas em análise, uma vez que o reconhecimento prévio da isenção de IMT e a necessidade da sua solicitação antes da emissão da respectiva liquidação é um requisito legal que a AT não pode dispensar. Quanto à reclamação graciosa relativa à liquidação de IS, a mesma não tem fundamento legal. Pugna pela improcedência total do pedido arbitral.

7.            Em 05.07.2021, foi realizada a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, com inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, tendo havido lugar à apresentação de alegações orais.

 

II.            SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objecto do processo (cfr. artigos 2º, n.º 1, alínea a) e 5º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4º e 10º, n.º 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não há nulidades ou matéria de excepção para conhecer passando-se para a análise do mérito da causa.  

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

III.1. Matéria de facto

A.           Factos provados

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

a)            A Requerente A..., Lda., é uma escola e tem como objecto social a prestação de ensino básico do 1.º e 2.º ciclos, complementado com o ensino de actividades culturais, ligadas às artes, actividades ligadas ao desenvolvimento da criatividade e ao ensino de línguas e, ainda, outras actividades de apoio à educação dos alunos da escola (p. 2 do documento junto com o pedido arbitral).

b)           Mediante venda através de hasta pública promovida pela Câmara Municipal de ..., foi adjudicado à Requerente, em 16.11.2018, o direito de superfície sobre um imóvel, destinado a equipamento educativo (p. 2 do documento junto com o pedido arbitral e p. 35 do PA1).

c) O objectivo específico da Requerente, na aquisição do referido direito de superfície, foi o de criar uma escola internacional no concelho de Sintra (declarações do representante da Requerente e depoimento das testemunhas por esta arroladas, B... e C...).

d)           O legal representante da Requerente dirigiu-se ao Serviço de Finanças de Oeiras, com vista à liquidação do IMT e IS, exibindo a seguinte documentação, relativa à aquisição em causa:

- cópia do auto de adjudicação provisória do direito de superfície sobre o terreno municipal com área de 24 279,00m2, sito na Rua ..., ..., freguesia de ... (p. 6 do documento junto com o pedido arbitral);

- a respectiva caderneta predial (pp. 7-8 do documento junto com o pedido arbitral); e,

- cópia da acta da reunião da Câmara Municipal de ... onde consta a adjudicação definitiva (pp. 37 e ss. do PA1).

f)            Em 01.03.2019, foi emitida a liquidação de IMT n.º..., no valor de € 46.865,00 (DUC...), e a liquidação de IS n.º ..., no valor de € 5.768,00 (DUC...), cuja data limite para pagamento voluntário ocorreu em 04-03-2019 (pp. 13-15 e 17-18 do documento junto com o pedido arbitral).

g)            A Requerente, em 01.03.2019, efectuou o pagamento das referidas importâncias, perfazendo um total de € 52.633,00 (pp. 16 e 19 do documento junto com o pedido arbitral).

h) Em nenhum momento foi alertada, pelos funcionários do serviço de finanças ou pelos serviços da Câmara Municipal de ..., para a possibilidade de poder requerer o reconhecimento prévio da isenção cuja existência desconhecia (pp. 37 e ss. do documento junto com o pedido arbitral e declarações do representante da Requerente).

i)             Em 14.03.2019, através de escritura pública de constituição do direito de superfície temporário, o Município de ... cedeu à Requerente, pelo valor de € 721.000,00, o direito de superfície temporário, pelo período de 25 anos, relativo ao urbano (terreno para construção), sito na Rua ..., ..., ...-... ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º ..., da freguesia de ..., concelho de Sintra (pp. 10 e ss. do PA1).

j)             A Requerente deduziu, em 15.11.2019, reclamação graciosa contra o acto de liquidação de IMT, a qual foi instaurada com o n.º ...2019..., e contra o acto de liquidação do IS, a que foi atribuído o n.º ...2019..., com o fundamento que, no caso concreto, estavam reunidos todos os requisitos previstos na al. l) do art.º 6.º e no n.º 3 do artigo 10.º do CIMT para que a Requerente beneficiasse da isenção de IMT aí prevista (pp. 20 e ss. do documento junto com o pedido arbitral, PA1 E PA3).

l)             No âmbito da reclamação graciosa, foi elaborado projecto de decisão de indeferimento, notificado à Requerente, através dos ofícios n.ºs ... e ..., datados de 26.11.2019, com o registo n.º RH ... PT, e n.º RH ... PT (pp. 21 e ss. do documento junto com o pedido arbitral, PA1 E PA3).

m)          Em 13.12.2019, a Requerente, no âmbito do exercício de audição prévia, apresentou, em ambos os procedimentos, a sua defesa (pp. 27 e ss. do PA1 e PA2).

n)           Tendo o Serviço de Finanças considerado qua a Requerente não apresentou quaisquer elementos ou factos novos, susceptíveis de alterar o sentido da decisão, manteve o mesmo, proferindo, em 18.12.2019, despacho de indeferimento, tendo em conta que o pedido de isenção não foi efectuado antes da aquisição, conforme dispõe a alínea a) do n.º 7 do artigo 10.º do CIMT (pp. 25 e ss. do documento junto com o pedido arbitral).

o)           A referida decisão de indeferimento foi proferida nos dois procedimentos e foi notificada à Requerente, em 24.12.2019, através dos ofícios n.º ... e ..., datados de 23.12.2019 e remetidos por correio registado/com AR, (RH ... PT e RH ... PT, respectivamente).

p)           Em 20.01.2020, a Requerente interpôs das decisões os competentes Recursos Hierárquicos (PA2 e PA4).

q)           Em 30.03.2020 foram proferidas decisões de indeferimento dos Recursos Hierárquicos (p. 29 do documento junto com o pedido arbitral e PA2 e PA4).

r)            O presente pedido de pronúncia arbitral deu entrada em 04.05.2020.

B.            Factos não provados

Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.

C.            Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto:

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais apresentadas pelas Partes, e nos documentos juntos pela Requerente, no processo administrativo junto pela Requerida, nas declarações da parte, fazendo-se a Requerente representar por D..., e nos depoimentos das testemunhas arroladas pela Requerente, B... e C... .

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Ainda relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596º e n.º 2 a 4 do artigo 607º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e) do n.º do artigo 29º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, a prova documental junta aos autos e a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

III.2. Matéria de Direito

III.2.1. Questão principal

A questão principal objecto do presente pedido consiste em saber se é (i)legal o despacho de indeferimento de reclamação graciosa sobre a liquidação de IMT acima mais bem identificada, apresentada pela Requerente com vista a poder beneficiar da isenção a que se refere o artigo 6º, alínea l) do Código do IMT, apesar de aquela não ter apresentado qualquer requerimento ou solicitação de reconhecimento prévio da mesma isenção.

III.2.2. Enquadramento legal

Para o que aqui interessa, o artigo 6º do CIMT estabelece que:

Artigo 6º

Isenções

Ficam isentos de IMT:

(…)

l) As aquisições por museus, bibliotecas, escolas, entidades públicas empresariais responsáveis pela rede pública de escolas, institutos e associações de ensino ou educação, de cultura científica, literária ou artística e de caridade, assistência ou beneficência, quanto aos bens destinados, directa ou indirectamente, à realização dos seus fins estatutários. (sublinhado nosso)

 

Por seu turno, o artigo 10º do mesmo diploma legal determina que:

 

Artigo 10.º

Reconhecimento das isenções

 

1 - As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do acto ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efectuar.

2 - O pedido a que se refere o n.º 1 deve, quando for caso disso, conter a identificação e descrição dos bens, bem como o fim a que se destinam, e ser acompanhado dos documentos para demonstrar os pressupostos da isenção, designadamente:

(…)

d) Nos casos a que se referem as alíneas h), i) e l) do artigo 6.º, de documento comprovativo da qualidade do adquirente e certidão ou cópia autenticada da deliberação sobre a aquisição onerosa dos bens, da qual conste expressa e concretamente o destino destes;

(…)

3 - As isenções a que se referem as alíneas h), i), j) e l) do artigo 6.º só serão reconhecidas se a câmara municipal competente comprovar previamente que se encontram preenchidos os requisitos para a sua atribuição.

4 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Direcção-Geral dos Impostos solicita à câmara municipal competente a emissão do parecer vinculativo.

5 - Nos casos referidos no n.º 2, a Direcção-Geral dos Impostos poderá ouvir os serviços competentes dos ministérios que superintendem nas respectivas actividades.

(…)

7 - São de reconhecimento prévio, por despacho do director-geral dos impostos sobre informação dos serviços competentes, as seguintes isenções:

a) As previstas nas alíneas f), h), i), j) e l) do artigo 6.º;(sublinhados nossos)

(…)

III.2.2. Da ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa sobre a liquidação de IMT

Nos termos do artigo 19º, n.º 1, do Código de IMT, a liquidação do IMT é da iniciativa dos interessados, devendo estes, para o efeito, apresentar, em qualquer serviço de finanças ou por meios electrónicos, uma declaração de modelo oficial devidamente preenchida. No caso em apreço, foi isso que a Requerente fez, como refere nos pontos 4-12 do pedido arbitral.

Já os benefícios fiscais, nos termos do n.º 1 do artigo 5º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), podem ser automáticos ou dependentes de reconhecimento: os primeiros resultam directa e imediatamente da lei; os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento, sendo certo que, nestes casos, o pedido de reconhecimento da isenção tem de partir do interessado que pretende dela beneficiar. Por sua vez, o artigo 65º do CPPT estabelece que existem meios e procedimentos próprios para esse reconhecimento. No caso em análise, tal resulta dos artigos 6º, alínea l) e 10º, n.ºs 3 e 4 do CIMT. 

Acontece que a isenção de que a Requerente pretende beneficiar é uma isenção de reconhecimento prévio, como determina o n.º 7, alínea a) do artigo 10º do CIMT. A mesma disposição estabelece ainda que as isenções deste tipo têm de ser solicitadas sempre em momento anterior à emissão da liquidação. O reconhecimento da isenção é feito por despacho do director-geral dos impostos que, para esse efeito, solicita à Camara Municipal competente, que, neste caso, seria a Câmara Municipal de Sintra, um parecer, de caracter vinculativo, no sentido de que se encontravam preenchidos todos os requisitos para a atribuição da referida isenção. Não basta, assim, preencher os requisitos que permitem obter a isenção, é necessário o reconhecimento desta por despacho da entidade competente.

O requerimento do reconhecimento prévio da isenção de IMT a que se refere o artigo 6º, alínea l) do CIMT é uma exigência legal que determina o início do procedimento, não consistindo, ao contrário do defendido pela Requerente, numa mera formalidade.

Ora, tal requerimento ou solicitação não existiu no caso sub judice. Logo, a Requerente não pode beneficiar do benefício pretendido, nem tão pouco imputar a responsabilidade por esse facto à AT. Efectivamente, a AT não poderia reconhecer a isenção em momento posterior à emissão da liquidação e a solicitação desse reconhecimento em momento anterior é um ónus dos interessados.

Já seria diferente se estivéssemos perante uma isenção de reconhecimento automático, cuja verificação e declaração incumbe ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração a que se refere o acima referido artigo 19º, n.º 1 do CIMT.

A Requerente alega ainda que a AT violou os artigos 55º e 59º da Lei Geral Tributária, designadamente o respeito pelas garantias dos contribuintes e o princípio da colaboração da administração tributária com os contribuintes, ao não a alertar «sobre a não aplicabilidade do imposto em função da situação em causa, o que ocorreu apesar de toda a documentação a que [os funcionários do serviço de finanças de Oeiras] tiveram acesso». Os eventuais erros administrativos que possam ter prejudicado a Requerente, obstando a que pudesse solicitar ou requerer o reconhecimento prévio da isenção antes da emissão da liquidação efectuada por sua iniciativa, poderão ser fundamento de ressarcimento a outro título, mas não afastam a constatação da ausência de solicitação ou requerimento do referido reconhecimento.

Daqui resulta que a liquidação de IMT em crise não padece de qualquer ilegalidade, não padecendo de ilegalidade, igualmente, pelas mesmas razões, o despacho de indeferimento da reclamação graciosa que sobre ela recaiu.

Questão da violação dos princípios constitucionais da igualdade, da justiça e da proporcionalidade

A Requerente defende que, ao não lhe ser reconhecida a isenção de IMT, como pretende, se está a criar uma situação de desigualdade entre a Requerente e outros contribuintes colocados nas mesmas circunstâncias daquela e que tenham efectuado o pedido de isenção antes da emissão da liquidação. Consubstanciando, como alega, o despacho proferido pelo Serviço de Finanças de Oeiras, uma clara violação dos princípios constitucionais da igualdade, da justiça e da proporcionalidade, previstos nos artigos 13º e 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Acompanharemos de perto, nesta matéria, o que se decidiu no processo arbitral n.º 81/2019-T, com as devidas adaptações.

Antes de mais, é de notar que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD se limita à declaração de ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT. Essa competência poderá estender-se, como se tem entendido, à apreciação da legalidade de actos de segundo grau, designadamente proferidos em procedimento de reclamação graciosa ou de recurso hierárquico do acto tributário, na medida em que contenham um acto daqueles tipos.

Mas, estará fora do âmbito dos poderes de cognição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, por a lei não lhes atribuir essa competência, declarar a ilegalidade de actos de segundo grau com fundamento em vícios autónomos destes, vícios que não sejam também vícios dos actos de liquidação por eles apreciados.

Assim, a questão de violação daqueles princípios equacionada pela Requerente, apenas pode ser apreciada sob a perspectiva de que está a imputar à liquidação esses vícios de violação dos princípios constitucionais da legalidade, igualdade, justiça e proporcionalidade.

A. Princípio da legalidade

O princípio da legalidade impõe aos órgãos da Administração Pública o dever de «actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins» [artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

Pelo que se disse, o princípio da legalidade não foi violado, antes foi materializado na liquidação, não aplicando uma norma que prevê benefícios fiscais numa situação em que não estavam reunidos os seus pressupostos, designadamente a solicitação do reconhecimento prévio da isenção, que não tinha ocorrido à data da liquidação.

Por isso, a liquidação impugnada não enferma de vício por violação deste princípio.

B. Princípio da igualdade

O princípio da igualdade, como princípio que deve reger a actividade da Administração Pública, o artigo 6.º do Código do Procedimento Administrativo, estabelece que «nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».

Não se demonstrou, nem é alegado, que a Autoridade Tributária e Aduaneira alguma vez, antes ou depois do indeferimento da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico, tivesse reconhecido, com as inerentes consequências, a isenção em causa, pelo que não se demonstra violação deste princípio, pela liquidação impugnada.

Por outro lado, a situação jurídica de quem diligenciou no sentido de obter o reconhecimento prévio da isenção em momento anterior à emissão da liquidação, não é idêntica à de quem não teve essa diligência e não a obteve a tempo de poder usufruir do benefício fiscal no momento da aquisição.

C. Princípio da justiça

A Requerente defende que se está perante uma injustiça já que «despendeu o montante (elevado) de € 52.633,00 que, atenta a isenção consagrada na alínea l) do artigo 6º do CIMT, não seria devido à Autoridade Tributária.»

Sobre o princípio da justiça, o artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo estabelece que «a Administração Pública deve tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação».

Neste caso, a justiça aplicável à generalidade dos cidadãos, materializa-se com a aplicação da tributação prevista na lei em situação em que se verifica um facto tributário que evidencia a capacidade contributiva pressuposta na previsão de tributação.

Os benefícios fiscais são «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais).

Como excepções ao princípio da generalidade da tributação com base na capacidade contributiva evidenciada pelo sujeito passivo, os benefícios fiscais não são estabelecidos por razões de justiça.

Neste contexto, a aplicação da tributação prevista na lei para a generalidade dos cidadãos em situação em que não se verificam os requisitos que permitem aplicar uma isenção, não se afigura como tratamento injusto. Requisitos esses cujo preenchimento, note-se, nem sequer compete à AT verificar, uma vez que tal tarefa é da competência da Camara Municipal competente, que deverá emitir parecer vinculativo a esse propósito.

Assim, não se demonstra a violação do princípio da justiça pela liquidação impugnada.

D. Princípio da proporcionalidade

O artigo 7.º do CPA estabelece o seguinte, sobre o princípio da proporcionalidade:

Artigo 7.º

Princípio da proporcionalidade

1 - Na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos.

2 - As decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar.

Não se vislumbra como a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao emitir a liquidação impugnada na sequência da apresentação pela Requerente da declaração modelo 1 de IMT, nos termos do artigo 19.ºdo CIMT, possa violar este princípio, pois o fim prosseguido foi a arrecadação da receita de IMT que devia ser liquidada, sendo precisamente para essa finalidade que a Requerente apresentou a declaração.

Na verdade, não se vê como é que a Autoridade Tributária e Aduaneira podia atingir o fim que devia prosseguir (arrecadar o IMT de acordo com a declaração apresentada) sem emitir a liquidação nos precisos termos em que o fez.

Não se demonstra, também, a violação do princípio da proporcionalidade.

Assim, nem a liquidação impugnada, nem o despacho de indeferimento da reclamação graciosa que sobre esta incidiu, enfermam de qualquer erro de facto ou de direito, uma vez que foram efectuados de acordo com o previsto na lei, designadamente quanto ao benefício fiscal em causa.

Pelo exposto tem de se concluir pela sua legalidade.

III.2.3. Da ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa sobre a liquidação de IS

O Código de IS não consagra isenção semelhante à prevista na alínea l) do artigo 6º do Código do IMT. Logo, a Requerente não pode pretender beneficiar, em termos de IS, das isenções que o legislador estabeleceu especificamente para o IMT.

Razão pela qual o pedido arbitral improcede também nesta parte, por falta de fundamento legal.

 

IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a) Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido;

c) Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 52.633,00.

 

VI. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 11.08.2021

 

O Árbitro,

(Cristina Aragão Seia)