Requerente: A
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
Tema: IVA: Regularização/dedução de IVA suportado em excesso
I
RELATÓRIO
1. Em 23 de dezembro de 2013, o A, com o NIPC …, e com sede na …, doravante designado por “Requerente”, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 10.º do decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante o RJAT) e apresentar o pedido de pronúncia arbitral.
2. No pedido de pronúncia arbitral o Requerente optou por não designar árbitro.
3. Nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Conselho Deontológico, a 10 de fevereiro de 2014, designou como árbitros os signatários, que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado.
4. Em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo art.º 228º la Lei n.º 66-B/2012, de 13 de dezembro, o tribunal arbitral ficou constituído em 25 de fevereiro de 2014.
5. O objeto da pronúncia arbitral é o pedido de revisão oficiosa de autoliquidação de IVA, apresentado pelo Requerente em 28 de dezembro de 2012, para regularização/dedução do imposto suportado em excesso nos anos de 2008 e 2009 (no valor total de € 90 445,55), que foi indeferido por despacho do Subdiretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 26 de julho de 2013
6. O Requerente pede que o tribunal declare ilegal o ato de autoliquidação referido, com as consequências daí decorrentes, designadamente a anulação da decisão do pedido de revisão oficiosa apresentado e, consequentemente, com a permissão da dedução do valor do IVA suportado em excesso durante os anos de 2008 e 2009, no montante total de €90 445,55.
7. A posição do Requerente
7.1. O Requerente é uma pessoa coletiva de direito público que se encontra enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal mensal.
7.2. Na prossecução das suas atribuições, o Requerente realiza um vasto conjunto de operações inseridas no âmbito dos seus poderes de autoridade, as quais são excluídas da sujeição a IVA, ao abrigo do disposto no art.º 2º, n.º 2 do Código do IVA.
7.3. Realiza também o Requerente um conjunto de operações que não se encontram enquadradas no âmbito dos seus poderes de autoridade, estando por isso sujeitas a IVA nos termos gerais da lei.
7.4. No âmbito de uma revisão interna de procedimentos, o Requerente verificou que, no seu entender, suportou IVA em excesso na sua atividade nos anos de 2008 e 2009, na medida em que apenas deduziu o imposto incorrido na aquisição de alguns recursos, pela aplicação do método da afetação real.
7.5. O Requerente concluiu que não foram aplicados os corretos métodos de dedução, em concreto, nas seguintes situações:
a) Nos recursos de utilização “mista” (i.e., recursos utilizados indistintamente para a atividade do município como um todo, quer tributada, quer não tributada em IVA, comummente designados também por “recursos comuns”), o respetivo IVA incorrido poderia ser deduzido parcialmente (através do método do pro rata); e
b) Relativamente aos recursos simultaneamente afetos à prestação de serviços de distribuição de água (tributados que conferem direito a dedução), saneamento de águas residuais e tratamento de resíduos (sendo estes serviços não tributados em IVA, pelo que não conferem o direito à dedução), o respetivo IVA poderia também ser deduzido parcialmente, neste caso através da aplicação do método da afetação real, com critérios objetivos que permitem aferir em que proporção são utilizados tais recursos na atividade tributada (i.e., na distribuição de água).
7.6. Tendo em vista a recuperação do IVA suportado em excesso, o Requerente apresentou, no dia 28 de dezembro de 2012, um pedido de revisão oficiosa devidamente fundamentado, solicitando autorização à Autoridade Tributária para efetuar a regularização/dedução do IVA suportado em excesso durante os anos de 2008 e 2009, no valor total de €90 445,55.
7.7. O Requerente, a 24 de setembro de 2013 foi notificado do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado.
8. A posição da Autoridade Tributária e Aduaneira
A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante a Requerida ou a AT), devidamente notificada para o efeito, contestou a posição do Requerente por exceção, com a invocação da incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, nos termos da alínea a) do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, alegando que:
8.1. Em todo o articulado apresentado pelo Requerente, não está identificado em concreto qualquer ato de liquidação de imposto referente aos anos de 2008 e 2009 que se venha impugnar, nem qualquer declaração modelo C (declaração de autoliquidação de substituição), relativa a qualquer período de imposto dos mencionados anos;
8.2. Efetivamente, são identificados os anos de 2008 e 2009, como tendo sido aqueles em que terá ocorrido a ilegalidade que se pretende reparar, pretendendo-se que, em relação aos referidos anos, seja reconhecido o direito à dedução do imposto que, segundo o Requerente, por erro terá deduzido por defeito, atendendo à sua situação de sujeito passivo misto;
8.3. O Requerente pede, pois, que o tribunal declare a ilegalidade de um ato que não existe;
8.4. À luz do art.º 2º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende, entre outras, a apreciação de pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”;
8.5. Nesse contexto, e atento o disposto no art.º 10º, n.º 2, alínea b), no pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a “identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia” o que não se verifica nos presentes autos;
8.6. Com efeito, o Requerente não identificou qualquer ato (concreto e definido) de autoliquidação de imposto, limitando-se a indicar os anos em que, em seu entender, terão existido as pretensas ilegalidades que pretende reparar;
8.7. O que o Requerente pretende é que, relativamente aos anos de 2008 e 2009, lhe seja reconhecido o direito à dedução de imposto que terá sido “alegadamente” deduzido por defeito, após uma revisão interna dos seus procedimentos;
8.8. É por todos conhecido que o IVA é autoliquidado, no sentido de que é o próprio sujeito passivo que apura o imposto devido e o declara à administração (art.ºs 27º e 29º do Código do IVA);
8.9. Acresce que, essa autoliquidação do imposto se efetua através da entrega da declaração periódica (enviada por transmissão eletrónica de dados), cuja periodicidade, mensal ou trimestral, é determinada pelo volume de negócios do sujeito (art.º 41º, n.º 1, a) e b)). Desta forma, no concreto caso dos autos, o objeto (mediato) do pedido de pronúncia arbitral teria, necessariamente, de corresponder a uma ou várias declarações periódicas de imposto (aquela ou aquelas em que se mostram as desconformidades legais que se pretende corrigir) e não, como resulta do requerimento inicial, de dois anos de imposto;
8.10. Assim, nunca o tribunal poderá exercer os poderes que lhe são conferidos pela lei (designadamente, declarar a ilegalidade de atos de autoliquidação de tributos), pois, para além de não conhecer quais “os atos de autoliquidação” a sindicar, desconhece igualmente os vícios que, concretamente, o Requerente imputa a cada um deles;
8.11. Nessas circunstâncias, verifica-se a existência de exceção (dilatória) que, traduzindo-se na inexistência de objeto sindicável em sede arbitral, obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da Requerida da instância, atento o disposto nos art.ºs 576º, n.º 1 e 577º, alínea a) do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi art.º 29º, n.º 1, alínea e) do RJAT;
8.12. Por outro lado, traduzindo-se o pedido na “anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado e, consequentemente, permitindo a dedução do valor do IVA suportado em excesso durante os anos de 2008 e 2009, no montante de €90 455,55” como se traduz, também ocorre exceção dilatória, obstando ao prosseguimento dos autos;
8.13. Na verdade, o ato sindicável que radica no pedido formulado pelo Requerente estaria fora do âmbito material da arbitragem tributária, nos termos moldados pelo legislador do RJAT. É que o pedido formulado pelo Requerente dirige-se à condenação da AT ao reconhecimento do direito à dedução do IVA que (alegadamente) suportou indevidamente;
8.14. O referido pedido não tem cabimento na presente instância arbitral. Efetivamente, o âmbito de competência dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo do disposto no RJAT não contempla a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária. Circunstância que decorre da letra do n.º 1 do art.º 2º do RJAT que, como é sabido, define os tipos de pretensões que podem ser apreciadas por tribunais arbitrais em matéria tributária;
8.15. O mesmo decorre, igualmente, do confronto entre a lei de autorização legislativa ao abrigo do qual foi instituída a arbitragem em matéria tributária – nomeadamente quando aí se referiu que “O processo tributário arbitral deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (cf. n.ºs 2 e 4, alínea b) do art.º 124º da lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril) e aquilo que, de facto, veio a ser consagrado no RJAT. Daí resulta, de forma inequívoca, ter o legislador optado por não contemplar (no RJAT) a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária. Logo, o pedido formulado só poderia ter por objeto a apreciação da (i)legalidade de um ou vários atos tributários de liquidação;
8.16. Ocorre, pois, exceção (dilatória) de incompetência material do tribunal arbitral;
8.17. Neste sentido, já se pronunciou a CAAD, no acórdão n.º 126/2013-T, no qual se concluiu que não tendo a Requerente requerido no pedido subsidiário deduzido nenhuma apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte, de pagamento por conta ou de fixação da matéria tributável, o Tribunal considera-se incompetente para do mesmo conhecer;
8.18. Assim, nos termos atrás expostos, verificamos que ocorre a existência de exceção (dilatória) que, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da Requerida da instância, atento o disposto nos art.ºs 576º, n.º 1 e 577º, alínea a) do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi art.º 29º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
9. O tribunal notificou as partes para se pronunciarem sobre a questão da incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, nos termos da alínea a) do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
10. O Requerente defendeu a competência do tribunal arbitral, alegando, em síntese:
10.1. Nos termos da portaria n.º 112-A/2011, a Autoridade Tributária vincula-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, com exceção, entre outras situações, das “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”;
10.2. Ora, a análise da legalidade dos atos de autoliquidação em discussão nos autos foi efetivamente precedida de recurso à via administrativa, na medida em que foi apresentado um pedido de revisão oficiosa, pelo Requerente, nos termos do artigo 78º LGT;
10.3. De facto, e como admitido pelo próprio CAAD em diversas decisões proferidas, o pedido de revisão oficiosa deve ser equiparado a uma reclamação graciosa;
10.4. Com efeito, tendo a Autoridade Tributária já se pronunciado sobre a possibilidade de alterar ou rever a autoliquidação em questão, não faz sentido que o Requerente seja obrigado a reclamar graciosamente dessa mesma autoliquidação (aliás, não é esse o meio legalmente admissível no caso em apreço, mas sim precisamente o pedido de revisão oficiosa) para que, subsequentemente, possa recorrer ao CAAD para ver a questão decidida. Acresce que, quer no procedimento de revisão oficiosa quer no procedimento de reclamação, a Autoridade Tributária debruça-se sobre a liquidação sindicada e emite parecer sobre essa liquidação, sua legalidade e oportunidade;
10.5. Deve, pois, interpretar-se a alínea a) do artigo 2º da Portaria n.º 112-A/2011 no sentido de abranger não apenas as reclamações graciosas, mas também os pedidos de revisão oficiosa dos atos tributários que, para este efeito, devem ser equiparados à reclamação graciosa;
10.6. Existem, de facto, várias decisões do CAAD que confirmam a vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais, em processos em tudo semelhantes ao presente e onde esta questão foi também suscitada e analisada;
10.7. Assim, destacamos as decisões proferidas pelo CAAD no âmbito dos Processos 48/2012-T, 50/2012-T, 117/2013-T, 245/2013-T, bem como o Acórdão Interlocutório proferido no Processo n.º 141/2012-T.incompetência.
II
Apreciação
11. Cumpre conhecer desde logo da questão da competência ou incompetência material do tribunal arbitral para conhecer da presente questão. Assim,
11.1. O presente pedido de pronúncia arbitral foi deduzido na sequência da notificação ao Requerente da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que ele apresentara em 28 de dezembro de 2012, para regularização/dedução do imposto suportado em excesso nos anos de 2008 e 2009, no valor total de € 90 445,55;
11.2. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente peticionou ao tribunal que declarasse “ilegal o acto de autoliquidação em apreço com as consequências daí decorrentes, designadamente a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado e, consequentemente permitindo a dedução do valor do IVA suportado em excesso durante os anos de 2008 e 2009, no montante total de €90 455,55”;
11.3. Importa referir que o ato impugnado no âmbito dos presentes autos é o indeferimento do pedido de regularização do IVA dedutível, proferido em 20 de julho de 2013;
11.4. A Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, que aprovou o Orçamento de Estado para 2010, contém no art.º 124º uma autorização legislativa relativa à arbitragem em matéria tributária, como forma alternativa de resolução jurisdicional em matéria tributária, prevendo que a referida arbitragem constitua um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo consagrados no CPPT;
11.5. No uso da referida autorização legislativa, o Governo aprovou o decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (conhecido como RJAT), que disciplina a arbitragem tributária;
11.6. De acordo com o disposto no art.º 2º, n.º 1, a) do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
11.7. Determina o n.º 1 do art.º 4º do RJAT, que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”. Consequentemente, o Governo publicou a Portaria n.º 112-A/2011;
11.8. Nessa sequência, dispõe o art.º 2º, alínea a) da referida portaria que a vinculação da AT à jurisdição arbitral tem por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do RJAT, “com excepção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”;
11.9. De quanto fica dito, resulta que, na presente situação, sempre se impunha a precedência obrigatória de reclamação graciosa, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 131º do CPPT;
11.10. Sem prejuízo de, como se concluiu na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa em apreciação, ser ainda, abstratamente, possível suscitar a ilegalidade dos atos de autoliquidação, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 78º da LGT;
11.11. A jurisprudência tem seguido o entendimento, que não se questiona, de que, atenta a natureza administrativa do procedimento da revisão oficiosa, é passível a sua equiparação ao disposto no artigo 131º, n.º 1 do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento;
11.12. Todavia, esta equiparação está legalmente vedada em sede arbitral, estando excluída da competência material dos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos do art.º 131º do CPPT, mas tão só de revisão oficiosa, nos termos do art.º 78º da LGT;
11.13. O art.º 2º, alínea a) da portaria n.º 112-A/2011 exclui, literalmente, do âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral, “….as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação (…) que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131º a 133º do CPPT”, não se referindo aqui a revisão oficiosa prevista no art.º 78º da LGT, como uma exceção válida àquela exclusão primeiramente enunciada.
11.14. Da redação conferida ao citado preceito legal constata-se que o legislador optou por restringir o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, tenham sido precedidas, obrigatoriamente e só, da reclamação graciosa prevista no art.º 131º do CPPT;
11.15. Aliás, se assim não fosse, bastaria que o legislador houvesse reduzido a exclusão prevista no art.º 2º, a) da portaria n.º 112-A/2011 à expressão “que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa”, nada mais distinguindo;
11.16. Porém, o legislador optou por incluir a referência expressa de prévio recurso à via administrativa nos termos, in casu, do art.º 131º do CPPT, ou seja, mediante apresentação de reclamação graciosa necessária, independentemente dos seus fundamentos;
11.17. Dos elementos interpretativos disponíveis não se alcança outra solução interpretativa para a situação sub judice do que aquela que considera que a AT, nos termos da portaria n.º 112-A/2011, apenas se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais quando o pedido de declaração de ilegalidade de ato de autoliquidação haja sido precedido de recurso à via administrativa de reclamação graciosa;
11.18. E quando é referido o recurso à via administrativa de reclamação graciosa, quer-se apenas referir aos meios previstos nos art.ºs 131º a 133º do CPPT, atentos ao elemento literal e, por conseguinte, inelutável, do art.º 2º, a) da portaria n.º 112-A/2011, sem prejuízo, como se referiu já, do entendimento jurisprudencial de que, atenta a natureza administrativa do procedimento da revisão oficiosa, é possível a sua equiparação ao disposto no art.º 131º, n.º 1, do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento, junto dos tribunais tributários comuns;
11.19. Atenta a natureza voluntária e convencional da arbitragem (aqui entendida no seu sentido lato, uma vez que a competência material dos tribunais da arbitragem resulta de regulamentação de natureza pública efetuada no RJAT), nos termos supra expostos, o intérprete não pode ampliar o objeto fixado pelo legislador no que concerne à vinculação da AT á jurisdição arbitral;
11.20. Neste sentido, pode ver-se o acórdão arbitral de 9 de novembro de 2012, proferido no Proc. n.º 51/2012-T, em que se lê:
“Pode o pedido de revisão ser alternativo à reclamação, pode ser complementar, pode até no procedimento de revisão ter-se apreciado a pretensão do contribuinte, mas considerando a natureza voluntária da arbitragem, a interpretação adoptada não poderá, em caso algum, traduzir-se numa restrição da esfera de liberdade da AT, enquanto parte, de estabelecer os limites da sua vinculação. Só não seria assim se a sua posição implicasse a frustração total do objecto pretendido com a instituição da arbitragem tributária, o que não é o caso.
Note-se, sob este ângulo, que o Tribunal não se pronuncia sobre a construção doutrinária em que assenta a equiparação do procedimento de revisão oficiosa, por iniciativa do contribuinte, ao procedimento de reclamação graciosa, para efeitos de impugnação judicial. Simplesmente, entende que do princípio da consagração do procedimento arbitral enquanto meio de resolução de litígios fiscais alternativo ao procedimento de impugnação judicial, não decorre automaticamente a extensão da vinculação da AT a todas as situações em que, doutrinária e/ou jurisprudencialmente for considerada admissível essa impugnação”.
E conclui-se nesta decisão arbitral que:
“Em suma, o âmbito da vinculação da AT circunscreve-se nos termos em que se encontra expressa na Portaria n.º 112-A/2011, que, no caso subjuditio, é o regime previsto no artigo 132º CPPT, que exige reclamação graciosa prévia, ainda que, para efeitos de impugnabilidade do ato, a doutrina prevalente e determinada corrente dos tribunais judiciais tributários possa admitir em alternativa a revisão oficiosa prévia. Com efeito, a equiparação dos tribunais arbitrais tributários àqueles está limitada pela natureza voluntária da adesão da AT à jurisdição arbitral”;
11.21. Deste modo, tal como se refere no acórdão arbitral acabado de citar, se é certo que o contribuinte que não tenha apresentado tempestiva reclamação graciosa não esteja, ipso facto, impedido de pedir a revisão do ato de retenção ao abrigo do art.º 78º da LGT, dentro do condicionalismo aí previsto, e impugnar judicialmente a decisão que indefira o pedido de revisão (cf. art.º 95º, n.º, d) da LGT), também não parece questionável afirmar que a AT apenas se vinculou, nos termos da portaria n.º 112-A/2011, à jurisdição dos tribunais arbitrais se o pedido de declaração de ilegalidade de ato de autoliquidação tiver sido precedido de recurso à via administrativa de reclamação graciosa;
11.22. Pelo que, tendo o Requerente seguido o caminho da revisão oficiosa (sibi imputat), da respetiva decisão de indeferimento, apenas pode seguir judicialmente através de impugnação judicial;
11.23. Neste sentido, como bem conclui Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e Processo Tributário, II vol., Áreas Editora, 6ª edição, pags 65, 409 e 410, respetivamente:
“ O art.º 2º do DL n.º 10/2011 limita a actividade dos tribunais arbitrais à apreciação das pretensões arroladas no seu art. 2º […] No entanto, aquele diploma faz depender a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça (art. 4º, n.º 1), pelo que aquela actividade está condicionada pelos termos em que a vinculação se concretizar.
[…]
Para além da possibilidade de impugnação perante os tribunais de decisões de reclamação graciosas, a partir da implementação da arbitragem em matéria tributária, operada pelo DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (a DGCI e a DGAIEC vincularam-se apenas a partir de 1-7-2011), os sujeitos passivos podem pedir a constituição de tribunais arbitrais, para obterem a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, como resulta do art.º 2º, alínea a), daquele decreto-Lei. De harmonia com o disposto no art.º 2º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, relativamente a actos de autoliquidação, a Administração Tributária apenas se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais se o pedido de declaração de ilegalidade tiver sido precedido de recurso à via administrativa, isto é, de reclamação graciosa.
Por isso, se o sujeito passivo pretender apresentar um pedido de declaração de ilegalidade perante um tribunal arbitral, a reclamação graciosa será sempre necessária independentemente dos seus fundamentos”;
11.24. Acresce referir que a portaria n.º 112-A/2011 foi aprovada e publicada já após extensa e profusa jurisprudência que afirmava que, atenta, a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa, é possível a sua equiparação ao disposto no art.º 131º, n.º 1 do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento;
11.25. Ora, se o legislador não previu, no art.º 2º daquela portaria, o procedimento de revisão oficiosa como equiparável ao recurso à via administrativa, maxime reclamação graciosa, para efeitos de aceder ao pedido de pronúncia arbitral, foi, certamente, porque não o pretendeu fazer;
11.26. Não se pretende para o efeito restringir a interpretação ao seu elemento literal, antes sim, estendê-la, como manda a lei, aos restantes elementos interpretativos, in casu, “…reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (vd. n.º 1 do art.º 9º do Código Civil);
11.27. Com efeito, reitere-se, o legislador no art.º 2º, a) especificamente completou a expressão “que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa”, com a menção expressa “nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, sem que tivesse aí incluído o procedimento de revisão oficiosa, não obstante a abundante jurisprudência nesse sentido e apesar de dispor da faculdade de, muito simplesmente, prescindir da citada parte final da referida alínea;
11.28. É um entendimento forçado querer conjeturar que o legislador legislou de forma assaz imperfeita, olvidando-se desta referência, quando já existia vasta jurisprudência e quando essa já era reiteradamente seguida pela atuação da AT. Pelo que, esta última parte do preceito não pode, sob pena de manifesta ilegalidade, ser afastada, interpretando-se a norma como se esta referência específica simplesmente não existisse;
11.29. Como se diz no Parecer da Provedoria de Justiça relativo às alterações em matéria de arbitragem tributária contidas na Proposta de Lei para o Orçamento de Estado de 2012, de 9 de novembro de 2011, da autoria da assessora Mariana Vargas “Confessadamente quis o Governo que “A arbitragem tributária, tal como contemplada no Regime da Arbitragem Tributária [viesse] a apresentar âmbito mais estreito relativamente ao que figurava na autorização legislativa do orçamento do estado para 2010, pela consciência de que esta era, e continua a ser, uma experiência inovadora que não vai sem os seus riscos” (citação de Sérgio Vasques, que foi Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, retirado de seu texto publicado na Newsletter de Outubro de 2011, do CAAD, disponível em http://www.caad.org.pt/content/content/id/124/s/3)
11.30. Em suma, atento o exposto, conclui-se que por força do estatuído no art.º 2º, a) da portaria n.º 112-A/2011, os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do art.º 131º do CPPT, independentemente desta ser obrigatória nos termos do citado preceito ou de o contribuinte ter optado pela revisão oficiosa;
11.31. O entendimento acabado de pugnar, de que os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, como sucede na presente situação, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do art.º 131º do CPPT, impõe-se por força dos princípios constitucionais do estado de direito e da separação dos poderes (art.ºs 2º e 111º, ambos da Constituição da República), bem como da legalidade (art.ºs 3º, n.º 2 e 266º, n.º 2, também da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no art.º 30º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT;
11.32. Efetivamente, os termos em que está redigido o n.º 1 do art.º 4º do RJAT impõem a conclusão de que a vinculação da AT está continuamente dependente e delimitada pela vontade expressa na portaria n.º 112-A/2011;
11.33. E, atenta a natureza voluntária e convencional da tutela arbitral, entendida no seu sentido lato, uma vez que a competência material dos tribunais da arbitragem resulta de regulamentação de natureza pública efetuada no RJAT, o intérprete não pode amplificar o objeto fixado pelo legislador no que concerne à vinculação da AT àquela jurisdição. Isto é assim porque, ao fixar nos termos do disposto no art.º 4º, n.º 1 do RJAT e no art.º 2º, alínea a) da portaria n.º 112-A/2011, a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, o legislador está a dispor sobre interesses gerais, delimitando previamente a defesa do interesse público na vertente da indisponibilidade dos créditos tributários;
11.34. A AT apenas se vinculou a que fossem apreciados pelo CAAD pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, desde que precedidos de recurso à via administrativa (conceito lato), mas apenas, de entre esses, aqueles a que se referem (âmbito mais restrito) os art.ºs 131º a 133º do CPPT, onde não se encontra a revisão oficiosa. Caso o legislador tivesse querido que a AT se vinculasse às impugnações de atos de segundo grau, consistentes em indeferimento de revisão oficiosa, teria necessariamente que o ter dito naquela disposição legal, o que ele não fez. E não o tendo feito, excluída fica dessa vinculação a apreciação das ilegalidades que resultam de atos de indeferimento de pedidos de revisão, como se da reclamação graciosa obrigatória se tratasse.
A interpretação não pode assentar apenas na análise do elemento literal, mas também nunca o pode contrariar tão abertamente. Não pode deixar que entre pela janela aquilo que não entrou pela porta. Ou seja, neste caso concreto, considerar que também podemos obrigar a AT a que fique vinculada às impugnações que resultam de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa, quando a mesma declarou não desejar vincular-se nesses termos.
Os dois atos são de natureza diversa e a revisão oficiosa não se convolou em reclamação apenas para efeito de acesso ao CAAD.
11.35. Assim, na sequência e em consequência de todo o exposto, conclui-se que o tribunal arbitral é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub judice, nos termos dos art.ºs 2º, n.º 1, a) e 4º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1º e 2º, alínea a), ambos da portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no at.º 576º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi art.º 2º, e) do CPPT e art.º 29, n.º 1 a) e e) do RJAT, o qual obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da AT, de acordo com os art.ºs 576º, n.º 2 e 577º, a) do CPC, ex vi art.º 29º, n.º 1, a) e e) do RJAT;
11.36. A não se entender deste modo, a interpretação é não só ilegal, mas manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes ( art.ºs 2º e 111º da CRP), bem como da legalidade (art.ºs 3º, n.º 2 e 266º, n.º 2, também da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários (art.º 30º, n.º 2 da LGT), que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.
11.37. Em conclusão:
· Estamos perante uma reserva da administração como resulta da legislação supra referida;
· A reserva da administração significa que o poder judicial (através dos tribunais comuns ou de tribunais arbitrais) deve respeitar estritamente as decisões da Administração;
· Neste caso trata-se de interpretar uma portaria (ato administrativo genérico) onde a Administração (representada pelo Ministro da Justiça e pelo Ministro das Finanças) decide vincular-se à jurisdição arbitral tributária, nos termos antes referidos.
· Não estamos, neste caso, perante uma simples interpretação de uma norma regulamentar (contida numa portaria), mas antes da interpretação de uma manifestação de vontade, embora manifestada em termos de disposição genérica;
· Pelo que, neste caso, deverão ser respeitados os poderes e deveres da Administração, tal como resultam da regulamentação que conduz à autovinculação nos seus estritos termos;
· O art.º 9º do Código Civil estabelece no seu n.º 2, que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal;
· O n.º 3 daquele art.º estabelece que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados;
· Este número afasta a possibilidade de interpretação corretiva, sendo certo que incluir no art.º 2º da portaria 112-A/2011 o art.º 78º da LGT, um diploma completamente diferente, constitui uma evidente interpretação corretiva;
· No mesmo sentido vão os art.ºs 236º, 237º e 238º do Código Civil, bem como a decisão arbitral de 9 de novembro de 2011, proferida no âmbito do Proc. n.º 51/2012-T: “Pode o pedido de revisão ser alternativo à reclamação, pode ser complementar, pode até no procedimento de revisão ter-se apreciado a pretensão do contribuinte, mas considerando a natureza voluntária da arbitragem, a interpretação adotada não poderá, em caso algum, traduzir-se numa restrição da esfera de liberdade da AT, enquanto parte, de estabelecer os limites da sua vinculação. Só não seria assim se a sua posição implicasse a frustração total do objetivo pretendido com a instituição da arbitragem tributária, o que não é o caso”;
· Assim, é este tribunal materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido do objecto sub judice, nos termos do disposto nos art.ºs 2º, n.º 1, a) e 4º, n.º 1, ambos do RJAT, e dos art.ºs 1º e 2º, a) da portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no art.º 576º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi art.º 2º, e) do CPPT e art.º 29º, n.º 1, a) e e) do RJAT;
· Em consequência, julga-se procedente a exceção de incompetência material deduzida pela AT, absolvendo-se a Requerida da instância.
Fica deste modo prejudicado o conhecimento das demais exceções e do mérito da causa.
DECISÃO
Este tribunal arbitral decide:
I- Julgar procedente a exceção dilatória da incompetência deste tribunal em razão da matéria invocada pela Requerida;
II- Absolver a Requerida da instância (art.º 278º do Código de Processo Civil);
III- Condenar o Requerente nas custas do processo.
Valor do processo: €90 455,55 (noventa mil, quatrocentos e cinquenta e cinco euros e cinquenta e cinco cêntimos).
Custas a cargo do Requerente no montante de €2 754,00 (dois mil, setecentos e cinquenta e quatro euros).
Lisboa, 31 de Julho de 2015
Os árbitros
Manuel Macaísta Malheiros
Jaime Carvalho Esteves
Jorge Carita