Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 879/2019-T
Data da decisão: 2021-08-18   Outros 
Valor do pedido: € 11.786,51
Tema: Contribuição sobre o Sector Bancário. Competência material do Tribunal Arbitral. Sucursal de Instituição de Crédito com sede na UE. Reserva de lei, Princípio da equivalência, Direito da UE. Incidência.
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SUMÁRIO:

1) A Contribuição sobre o Sector Bancário reveste a natureza jurídica de Contribuição Financeira. 2) O Tribunal Arbitral é materialmente competente para conhecer de pretensões que tenham por objecto actos tributários referentes a Contribuições Financeiras. 3) Os art.ºs 3.º e 4.º do RJ da CSB e os art.ºs 4 e 5.º da Portaria que o regulamenta não são inconstitucionais; 4) O art.º 2.º, n.º 1, al. c) do RJ da CSB na versão conferida pela Lei OE 2016 que passou a abranger as Sucursais UE não é inconstitucional; 5) Pelo regime jurídico da CSB não se violam nem a Directiva BRRD nem o art.º 49.º do TFUE.

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

A..., S.A. - SUCURSAL EM PORTUGAL, doravante designada por “Requerente”, “Sujeito Passivo” ou simplesmente “SP”, nipc..., e com morada na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de apreciação da sua pretensão de declaração de ilegalidade de acto de autoliquidação de tributos e, assim, pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de acto de indeferimento de reclamação graciosa e, mediatamente, do acto de autoliquidação do tributo, mais concretamente da denominada Contribuição sobre o Sector Bancário (doravante “o Tributo” ou “CSB”), relativa ao passivo apurado no ano de 2018 e efectuada ao abrigo do respectivo regime jurídico. A saber, regime jurídico introduzido pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (art.º 141.º) - doravante “Lei n.º 55-A/2010” ou “LOE 2011” - e alterado, em último , pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (art.º 185.º) - doravante “Lei n.º 7-A/2016” ou “LOE 2016”. Leis pelas quais foi, respectivamente, criado o Tributo e estruturado o seu regime jurídico (LOE 2011), e ampliada a respectiva incidência (LOE 2016). E, bem assim, ao abrigo da Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março (doravante “a Portaria”), na versão em vigor ao tempo (a resultante da Portaria n.º 165-A/2016, de 14 de Junho), e que tem por objecto a regulamentação do Tributo e das suas condições de aplicação (cfr. art.º 8º da Lei n.º 55-A/2010 e art.º 1.º da Portaria).

 

Mais peticiona a devolução das quantias pagas e juros indemnizatórios.

 

À autoliquidação em crise  corresponde a Declaração Modelo 26 submetida pela Requerente, com data de 19.06.2019, e o documento com as referências “Ident. Documento n.º..., Ano da Contribuição 2019” e importância a pagar de € 11.786,51 (ambos juntos como doc. n.º 1 pelo SP).

 

A Liquidação foi efectuada e paga pela Requerente, por aplicação dos respectivos normativos constantes dos diplomas supra.

 

A Requerente não se conforma, porém, com a mesma, que aqui coloca em crise, por entender, e em síntese, que, no que se refere às Sucursais de Instituições Bancárias com sede na União Europeia, o regime jurídico-tributário da CSB se encontra ferido de ilegalidade e de inconstitucionalidade, por violar, em concreto, a reserva de lei parlamentar e o princípio da igualdade tributária – rectius princípio da equivalência. Mais violando o Direito da União Europeia (doravante também “Direito da UE” ou “DUE”) - e, aqui, concretamente, a proibição de discriminação e a liberdade de estabelecimento e, ainda, por constituir uma contribuição sui generis não prevista na Directiva 2014/59/UE, de 15 de Maio de 2014, assim a violando. Invoca, ainda, que o regime em causa cria uma situação de dupla tributação internacional e de violação da concorrência.

 

Expõe que, se até certo momento, as Sucursais de Instituições Bancárias com sede principal e efectiva na União Europeia - como é o seu caso - não estavam abrangidas pelo Tributo, passaram a ficá-lo por força da alteração legislativa operada em Março de 2016 (LOE 2016 e alteração à Portaria, por via da já referida Portaria n.º 165-A/2016).

 

E faz notar que nas novas Instruções de Preenchimento da Modelo 26 então aprovadas, a Administração fiscal determinou que: “no caso das sucursais, em Portugal, de instituições de crédito com sede principal e efectiva fora do território nacional, de acordo com as regras contabilísticas, o respectivo passivo inclui as dívidas para com a sede (principal e efectiva fora do território nacional) e/ou outras sucursais desta, as quais são, assim, consideradas dívidas para com terceiros”.

 

Expõe ainda que a autoliquidação que assim efectuou incidiu sobre a média anual dos saldos finais de passivo de cada mês do ano de 2018, tendo sido concretizada com base nos dados contabilísticos cristalizados em 31 de Dezembro de 2018. E remete para o Balanço/balancete, que junta.

 

Mais que apurou na Declaração, assim, um montante a pagar de € 11.786,51, que pagou, não obstante não concordar com a incidência.

 

Em relação à Directiva 2014/59/UE, que criou mecanismos de financiamento da resolução, foi concretizada a transposição para a Ordem Jurídica interna pela Lei n.º 23-A/2015, de 26 de Março, por via de alterações ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), fazendo aqui a Requerente ressaltar o respectivo art.º 153.º-F, a propósito referindo que “a CSB constitui receita consignada exclusivamente ao Fundo de Resolução”.

 

Invoca, ainda, vício de forma por falta de fundamentação e fundamentação incongruente, e a consequente anulabilidade da Liquidação também por esta via.

 

Subsidiariamente e para o caso de subsistirem dúvidas quanto à legalidade da autoliquidação em crise, requer Reenvio Prejudicial ao TJUE, propondo a redacção para três questões prejudiciais, uma reportada expressamente ao Artigo 56.º  do TFUE, e duas reportadas à Directiva 2014/59/UE no seu todo.

 

As posições das Partes são divergentes quanto a tudo o alegado pela Requerente seja título de vício de forma, seja de vícios materiais de violação de lei, incluindo quanto à violação do DUE, bem como da invocada dupla tributação. E, bem assim, quanto à eventual necessidade de Reenvio Prejudicial suscitada a título subsidiário pela Requerente. Invocando ainda a Requerida, na sua defesa por excepção, falta de competência material do Tribunal.

 

Não obstante não se conformar com a Liquidação, a Requerente procedeu ao pagamento, pelo que vem agora peticionar (i) a anulação da mesma e, bem assim, do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, (ii) o reembolso das quantias pagas e (iii) juros indemnizatórios.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 23.12.2019 e notificado à AT.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.

 

A 11.02.2020 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 12.03.2020.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”), e pela consequente manutenção da Liquidação em crise na Ordem Jurídica.

 

A Requerida entende, em síntese, que a Liquidação não padece de qualquer vício. A situação de que se cuida nos autos enquadra-se no âmbito de incidência do tributo em causa, mais concretamente nos art.s 2.º e 3.º do respectivo Regime Jurídico (aprovado pela Lei do OE 2011, cfr. versão aprovada pela Lei do OE 2016) e nos art.ºs 3.º e 4.º da Portaria (cfr. versão aprovada pela Portaria n.º 165-A/2016, de 14 de Junho). Não há vício de falta de fundamentação e, na aplicação do regime à situação sub judice, não se verifica qualquer vício de violação de lei – seja de reserva de lei parlamentar, seja do princípio da equivalência como critério do princípio da igualdade tributária, seja do Direito da UE.

 

Neste último ponto defende não se verificar - a alegada pela Requerente - manifesta e inadmissível discriminação fundada na residência das entidades sujeitas, inexistindo qualquer violação da liberdade de estabelecimento. Não se viola seja o Artigo 18.º, seja o Artigo 49.º, do TFUE. Nota que, para a Requerente, a alegada discriminação reside na impossibilidade de aplicar às sucursais UE a dedução conferida às instituições residentes cfr. art.º 4.º, n.º 1, al. a) da Portaria, e, assim, em que, enquanto que no caso das instituições de crédito residentes a CSB incide sobre o seu passivo líquido dos capitais próprios, nas sucursais UE incidirá sobre o respectivo passivo bruto, sem qualquer dedução relacionada com capitais próprios. Argumento este, da Requerente, que, defende, não colhe. Pelas razões que depois expõe.

 

Mais - e ainda no que ao DUE respeita - não se viola a Directiva 2014/59/UE. Nada na Directiva impunha que o regime da CSB (que lhe é anterior) fosse eliminado por substituição da CSB pelas contribuições ali previstas. E a Lei n.º 23-A/2015, que transpôs a Directiva, não operou qualquer alteração ao regime da CSB justamente por não haver necessidade de o fazer. A CSB é enquadrável e compatível com a Directiva. Ao que acresce que o regime jurídico da CSB tem autonomia relativamente às regras aplicáveis às contribuições previstas na Directiva, pelo que também não assiste razão à Requerente ao pretender, por aí - por nestas contribuições a incidência subjectiva não abranger sucursais UE -, ver-se excluída da incidência da CSB.

 

Não há Dupla Tributação desde logo porque a natureza das contribuições em causa (CSB versus contribuições periódicas ex ante cfr. Directiva) é distinta. E, mais, mesmo que houvesse (o que não admite) não foram previstos, nem pela lei interna, nem pela Directiva, mecanismos para a evitar ou eliminar.

 

As questões enunciadas encontram respostas claras na legislação nacional e na Directiva, conformes com o TFUE, e, assim, o Reenvio Prejudicial não se justifica.

 

Não há lugar a juros indemnizatórios. A Liquidação em crise não provém de qualquer erro dos Serviços, decorre directamente da aplicação da lei, e a Requerida está vinculada ao Princípio da legalidade.

 

Decaem todos os argumentos da Requerente e a Liquidação não padece de qualquer vício. O Tribunal deverá absolver a Requerida da instância, por ser materialmente incompetente ou, caso tal não se entenda, absolvê-la de todos os pedidos.

 

*

 

Por despacho de 8 de Julho de 2020 o Tribunal notificou a Requerente para informar se mantinha interesse na produção de prova testemunhal e em caso afirmativo indicar os factos visados. Por Requerimentos de 9 e 13 de Julho de 2020, respectivamente, a Requerente veio pronunciar-se sobre a excepção suscitada pela Requerida, argumentando e concluindo pela não verificação da mesma, e informar pretender a produção de prova testemunhal, indicando os factos visados.

Por despacho de 14 de Julho de 2020 o Tribunal notificou as Partes remetendo para a Decisão final a apreciação da excepção de incompetência material suscitada, admitindo a produção de prova testemunhal solicitada pela Requerente, convidando a Requerida a indicar as concretas questões para a assistência técnica por si solicitada, e a Requerente a fazer uso do mesmo direito, no prazo concedido. Por Requerimento de 8 de Setembro de 2020 a Requerida veio prescindir da assistência técnica que solicitara.

 

Por despacho de 24 de Setembro de 2020 decidiu este Tribunal notificar as Partes para a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, a ter lugar a 29 de Outubro de 2020. E por Requerimento de 7 de Outubro de 2020 a Requerente solicitou a admissão de inquirição de uma testemunha por meios telemáticos a partir de Madrid. Após convidada a Requerida a pronunciar-se, despachou o Tribunal, a 23 de Outubro de 2020, admitindo o depoimento como solicitado pela Requerente.

 

A 26 de Outubro de 2020 veio a Requerente solicitar o adiamento da reunião do Tribunal, por motivos de resultado positivo à COVID-19, e o Tribunal desconvocou a reunião, solicitando junção aos autos de comprovativo.

 

Por despacho de 11 de Novembro de 2020 foi reagendada a reunião do Tribunal para o dia 15 de Janeiro de 2021 e, nos termos do n.º 2 do art.º 21.º do RJAT, prorrogado, por motivos justificados, o prazo do n.º 1 do mesmo dispositivo, que iria terminar (contabilizada a suspensão de prazos cfr. Leis n.º 1-A/2020, de 19 de Março, n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e n.º 16/2020, de 29 de Maio) a 3 de Dezembro de 2020. E assim passou a terminar a 3 de Fevereiro de 2021.

 

No dia 15 de Janeiro de 2021 teve lugar a reunião nos termos do art.º 18.º do RJAT, tendo as Partes ficado então notificadas para apresentar alegações escritas facultativas, e foi, novamente por motivos justificados, prorrogado o prazo do art.º 21.º do RJAT, cfr. n.º 2.

 

Pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, com efeitos a 22 de Janeiro de 2021, ficaram novamente suspensos os prazos processuais (cfr. respectivo art.º 4.º, e v. art.º 6.º- B então aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março). Suspensão de prazos que terminou a 6 de Abril de 2021 (cfr. Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril). Pelo que, pela prorrogação de prazo determinada na reunião do Tribunal, a contagem do novo prazo de dois meses iniciou a 18 de Abril.

 

Ambas as Partes apresentaram alegações.

 

A Requerente, nesta sede, veio reiterar o já afirmado no PPA.

 

Corrobora o seu entendimento, no sentido de que o regime jurídico da CSB viola o princípio da reserva de lei parlamentar uma vez que a taxa e a base são definidas por Portaria, e, ainda, e no que às Sucursais UE respeita, viola o princípio legal e constitucional da igualdade na vertente da violação da equivalência, uma vez que parte de uma presunção de benefício quando há uma impossibilidade legal de obtenção desse benefício. E, bem assim, no sentido de que o mesmo regime viola o Direito Europeu em duas vertentes, a saber: (i) liberdade de estabelecimento por discriminação das entidades não residentes que operam em Portugal através de uma Sucursal, e (ii) violação da Directiva 2014/59/UE ao violar o regime das contribuições criado pela mesma, constituindo uma contribuição sui generis ali não prevista e, por isso, violando o regime harmonizado europeu respeitante ao sistema de resolução e ao seu financiamento.

 

Reportando-se à invocada violação do Direito da UE naquela sua primeira vertente, considera ter ficado provado, seja por via documental, seja pelos depoimentos das testemunhas, entre o mais, que a Sucursal por natureza não tem elementos que possam ser reconhecidos como capitais próprios e que o financiamento alocado pela casa-mãe (que incluiu na base tributável da CSB) não pode ser qualificado como fundos próprios. O capital afecto pela casa-mãe é registado contabilisticamente no passivo das Sucursais. A Requerente não pode deixar de reconhecer aquela realidade como passivo. Estamos perante um elemento de dívida ou passivo da Sucursal. Os créditos detidos pela casa-mãe sobre a Sucursal são forçosamente qualificados contabilisticamente como passivo, pois que as condições em que são alocados e o momento em que ocorre a sua desafectação são totalmente determinados pela casa-mãe. Os fundos alocados pela casa-mãe nunca poderiam reduzir a base de incidência da CSB da Sucursal, jamais podendo ser considerados como um elemento do capital próprio. Contabilisticamente a operação (de afectação de fundos pela casa-mãe) tem que ser (no sentido de que “teria que ser”) reconhecida como um capital afecto ou free capital para abertura de uma Sucursal em Portugal, e não como um simples empréstimo. O conceito de passivo relevante para a determinação da base da CSB é determinado na Lei e na Portaria, confirmado pelas instruções de preenchimento da Modelo 26 e pelas normas contabilísticas aplicáveis: a alocação de fundos da casa-mãe tem que ser incluída na base de incidência da CSB. Daqui decorrendo que as regras de determinação do Passivo sujeito a CSB colocam as Sucursais UE em situação de grave desigualdade e violação da liberdade de estabelecimento em face dos bancos residentes.

Ao que acresce que, quanto às deduções a esse Passivo (reporta-se ao art.º 3.º al. a) da LOE 2011), pela sua própria natureza jurídica a Requerente não pode realizar a dedução de fundos próprios. Contrariamente aos bancos residentes. As regras contabilísticas impedem-na de aplicar essa dedução. As Sucursais não têm, por natureza, fundos próprios, pelo que não os podem deduzir à base tributável da CSB. E, assim, enquanto que no caso das instituições de crédito residentes a CSB incide sobre o seu passivo “líquido” deduzido dos elementos reconhecidos dos seus fundos próprios (e dos seus capitais próprios), no caso das Sucursais UE incide sobre o seu passivo “bruto” sem qualquer dedução relacionada com fundos próprios (nem com capitais próprios). Daqui decorrendo que a base tributável das Sucursais UE – face aos bancos residentes – é maior. As regras de determinação da base de incidência comportam evidente discriminação. O que deverá ser declarado ilegal por violação do princípio da liberdade de estabelecimento.

 

E quanto à invocada violação do Direito da UE na segunda vertente - violação da Directiva – refere que a Directiva cria critérios gerais harmonizados a nível Europeu e a CSB não está prevista na Directiva. O seu regime devia ter sido eliminado aquando da transposição desta. Ao persistir, viola o regime harmonizado Europeu. Há violação da livre concorrência, decorrente destas diferenças de regime, agravada pela dupla tributação resultante da não transposição correcta do regime Europeu para a Ordenamento Jurídico Português. A casa-mãe pagou no Luxemburgo uma contribuição periódica referente a 2018 ao abrigo da Directiva e no respectivo passivo inclui-se o passivo respeitante à Requerente. O passivo da Requerente será assim sempre duplamente tributado.

 

Reitera, a título subsidiário para o caso de subsistirem dúvidas e nos mesmos termos que no PPA, o pedido de Reenvio Prejudicial.

 

Notificada que foi das alegações da Requerente, veio a Requerida apresentar as suas. Dando por reproduzido tudo o constante da sua Resposta, e, ainda, desenvolvendo alguns pontos. Estamos perante uma questão de direito e nem os depoimentos das testemunhas vieram abalar ou infirmar o que se concluíra já no sentido de que a Requerente faz uma errada interpretação e aplicação das normas convocáveis.

 

Quanto à alegada violação do princípio da legalidade nota que a conformidade constitucional dos diplomas que regem a tributação em CSB tem sido abundantemente objecto de análise e pronunciamentos Jurisprudenciais, enumera alguns, e transcreve extracto de pronúncia constante e uniforme do STA no sentido de que a natureza jurídica da CSB é a de Contribuição Financeira, e de que as normas que aprovam o seu regime jurídico não enfermam de inconstitucionalidade orgânica, nem material, não violando os princípios constitucionais da legalidade e da equivalência. E quanto à alegada violação do princípio da igualdade na vertente de equivalência, nota que a Requerente substitui o princípio da bilateralidade genérica por um nexo sinalagmático individual. Não será por o Banco de Portugal não poder adoptar medidas de resolução dirigidas a uma Sucursal UE, por si só, que a CSB violará o dito princípio.

Relativamente à alegada violação do DUE, refere dever começar-se por aferi-lo à luz da Directiva. Que autorizou os Estados-Membros a manter as contribuições obrigatórias que já eram cobradas para os Fundos de Resolução nacionais e introduzidas entre 17.06.2010 e 02.07.2014. Aí se incluindo a CSB. Inexiste fundamento para sustentar a CSB violar o regime harmonizado Europeu. Ademais a Comissão não instaurou, neste contexto, qualquer processo de infracção por incumprimento a Portugal.

 

Expõe, quanto à alegada duplicação de contabilização do passivo da Sucursal, que a Requerente não provou que o montante que lhe foi alocado pela casa-mãe, e que incluiu na base da CSB, se inclui no passivo da casa-mãe. Mais só a Sucursal está sujeita a esta imposição legal. Não estão previstos nem pela legislação Nacional, nem pela Directiva, mecanismos para impedir eventual duplicação de elementos integrantes da base de incidência da CSB e das demais contribuições obrigatórias (que também vigoram ao abrigo do DL n.º 24/2013 sendo sujeitos passivos as instituições de crédito com sede em Portugal). Não tem também qualquer sustentação a invocada violação da livre concorrência.

 

No que à invocada discriminação se refere, que decorreria de as Sucursais alegadamente não poderem deduzir ao passivo os capitais próprios, tal não tem respaldo na letra da lei – cfr. art.º 3.º do regime jurídico da CSB e art.º 4.º da Portaria. Nem nas instruções de preenchimento da Modelo 26. Ao valor total do passivo apenas são expurgados elementos que o integram, de acordo com as normas de contabilidade aplicáveis. Se o valor total do passivo apurado pelos sujeitos passivos não integrar quaisquer elementos que possam ser considerados como “elementos dos fundos próprios” nenhuma importância será deduzida a esse título – quer se trate de Sucursais de entidades não residentes, quer de sociedades residentes. Não se vislumbra fundamento para alegar haver discriminação de tratamento na fórmula legal para a determinação da base de incidência da CSB. As razões aduzidas pela Requerente encerram um erro de base. A Requerente interpreta o art.º 4.º, n.º 1 al. a) da Portaria desligado da definição de passivo dada no corpo do n.º 1.

 

Também não procede o argumento de que uma Sucursal não tem elementos que possam ser reconhecidos como capitais próprios. São criadas e movimentadas contas de capital próprio, pelo menos o “capital afecto” (se existir) e os resultados transitados. Não é por a casa-mãe, no caso, ter decidido afectar recursos à Sucursal apenas como “empréstimo”, e não como “capital afecto”, que pode a Requerente pretender seja a Requerida a fixar o “capital afecto” e deduzi-lo ao passivo – sem suporte na lei. Tal como é excluído da base de incidência da CSB o capital próprio dos bancos residentes, o mesmo sucede ao “capital afecto” às Sucursais, quando contabilizado como tal.

 

Também no respeitante às deduções ao passivo apurado, se a Requerente não está obrigada a calcular fundos próprios - por ser a instituição de crédito (casa-mãe) que tem que cumprir os rácios associados aos requisitos prudenciais – mal se compreenderia lhe fosse permitido proceder a qualquer dedução a esse título.

 

Não se suscitam dúvidas sobre a não verificação de incompatibilidade entre o regime da CSB e as disposições da Directiva - cfr. art.º 100.º, n.º 6 da mesma. Não é necessário o Reenvio Prejudicial.

*

Por despacho de 16 de Junho de 2021 o Tribunal determinou, nos termos do n.º 2 do art.º 21.º do RJAT, a prorrogação por dois meses, para 18 de Agosto, por motivos justificados, do prazo para prolação da Decisão.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O Processo não enferma de nulidades.

 

A fim de aferir se nada obsta ao conhecimento do mérito da causa, caberá começar por apreciar da matéria de excepção, da competência do Tribunal em razão da matéria, cfr. art.º 13.º do CPTA e art.ºs 96.º, al. a) e 97.º, n.º 1 do CPC .

 

O que se fará logo após o tratamento da matéria de facto.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) A Requerente é uma Sucursal em Portugal de uma Instituição de Crédito com sede principal e direcção efectiva no Luxemburgo, “B... S.A.”, e gira sob a firma “A..., S.A. - SUCURSAL EM PORTUGAL”;

 

b) O “B... S.A.” assegura a sua presença em Portugal desde 2013 através da Requerente, que à data dos factos aqui mantinha a sua actividade e assim se mantém; (cfr. doc. 3 – articulado de RG, PPA, PA e depoimentos de todas as testemunhas)

 

c) Com referência ao passivo apurado em 2018, a Requerente submeteu, em 19.06.2019, a Modelo 26 respeitante à CSB devida no ano de 2019;

 

d) Na Modelo 26 a Requerente inseriu no Campo 5 - “Base da Contribuição”, sub-campo 5.1 - “Passivo” (alíneas 01 e 11), o montante de € 10.715.011,29, e no Campo 6 - “Cálculo da Contribuição”, “Base I”, o montante de € 11.786,51, e apurou, assim, um valor de CSB a pagar - “Total a Pagar” - de € 11.786,51;

 

e) A autoliquidação que a Requerente efectuou (cfr. al.s anteriores) incidiu sobre a média anual dos saldos finais de passivo de cada mês do ano de 2018; (cfr. doc. 4, PPA e PA)

 

f) O valor que a Requerente apurou e incluiu na base tributável da CSB (cfr. al.s anteriores) resulta da soma dos valores de € 8.030.000,00 e € 2.860.158,55, o primeiro respeitante ao montante de fundos/recursos que a casa-mãe/Sede lhe alocou para o arranque da actividade em Portugal, e o segundo a dívidas a fornecedores e outros; (cfr. reporte FINREP - Balancete  a 31.12.2018, junto pelo SP, e depoimento da testemunha C...)

g) Em 27.06.2019 a Requerente procedeu ao pagamento da autoliquidação de CSB; (cfr. doc. 5 junto com o PPA)

 

h) Em 09.08.2019 a Requerente apresentou Reclamação Graciosa com referência à sua autoliquidação de CSB, na qual pugnou pela respectiva anulação integral invocando violação  de reserva de lei parlamentar e do princípio da equivalência, e assim também inconstitucionalidade, violação do Direito da União Europeia e dupla tributação internacional; (cfr. doc. 3 – articulado de RG)

 

i) Notificada do projecto de decisão da Reclamação Graciosa - a qual tramitou sob o número ...2019..., UGC - e para o exercício do Direito de Audição, a Requerente não o exerceu; (cfr. doc 2, despacho de indeferimento da RG)

 

j) Por despacho da Requerida datado de 24.09.2019 a Requerente foi notificada de despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa;

 

k) Do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa consta, entre o mais (tudo se dando  por reproduzido): “21. (...) não cabe no elenco das atribuições e competências da Administração Tributária (“AT”) aferir da conformidade de uma qualquer norma face ao disposto na nossa Lei Fundamental, bem como ao Direito da União Europeia.”; “24. Ao invés do que sucede com os tribunais (…), à AT, porém, não é reconhecido este direito de fiscalização prévia, impondo-se antes, como princípio geral, a observância da lei por força do denominado princípio da legalidade./ 25. A AT não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade e a submissão desta à lei não visa apenas a proteção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos”; “(...) 35. Fazendo a ponte entre estas considerações, que devem abranger qualquer análise relativa ao Direito da União Europeia, e o caso concreto, parece-nos então de concluir que uma qualquer nossa análise acerca desta questão, tal como nos é suscitada, fica desde logo prejudicada./ 36. De referir ainda que, através do Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 02340/13.OBELRS  0683/17 de 19-06-2019, o Supremo Tribunal Administrativo se pronunciou sobre a não inconstitucionalidade do regime jurídico da CSB, nos seguintes termos: (…).”;

 

l) O montante de fundos/recursos que a casa-mãe/Sede alocou à Requerente não vence juros, não tem data de vencimento, foi-lhe disponibilizado em 2013 para o lançamento do negócio em Portugal, e mantém-se, à data dos factos, no mesmo valor inicial; (cfr. depoimentos das testemunhas D...,  E... e C..., conjugados)

 

m) Pela alocação do montante de fundos/recursos à Requerente (cfr. al. anterior e al. f) supra) a casa-mãe/Sede pretendeu fazer uma afectação de recursos, e não uma afectação de capital, e por essa razão aquele montante foi contabilizado pela Requerente em Passivo; (cfr. depoimento da testemunha C...)

 

n) Era possível o montante alocado pela casa-mãe (cfr. al. anterior) ter sido levado a equity, capital afecto, assumindo a afectação de recursos e afectando-o enquanto capital, caso tivesse sido intenção da casa-mãe/Sede proceder a uma afectação de capital; (cfr. depoimento da testemunha C...) 

 

o) Numa afectação de recursos, caso a geração de fundos assim o permita, a Sucursal pode reembolsar esses fundos, que lhe foram concedidos, no momento em que entender; (cfr. depoimento da testemunha C...) 

 

p) A Requerente está licenciada pelo Banco de Portugal e pela CMVM para desenvolver a sua actividade, opera no mercado Português como “Advisory branch”, presta aconselhamento financeiro aos Clientes e encaminha ordens para o Luxemburgo, e os depósitos bancários dos Clientes são registados com os códigos do Luxemburgo; (cfr. depoimentos das testemunhas D..., E... e C..., conjugados)

 

q) A  20.12.2019 a Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo.

2.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que não tenham ficado provados.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos pelo SP e no Processo Administrativo (“PA”), criticamente apreciados - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados. Bem como na prova testemunhal produzida e criticamente apreciada.

Não se deram como provadas ou não provadas alegações das Partes apresentadas como factos mas consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja validade será de aferir em face da matéria de facto considerada assente.

Quanto à prova testemunhal, o Tribunal entende que as várias testemunhas prestaram as suas declarações com verdade sobre os factos nos autos relativamente aos quais foram interrogadas, não obstante a sua relação profissional com a Requerente, tendo prestado o seu depoimento com isenção, revelando ao Tribunal o conhecimento de que dispunham, não havendo motivo para questionar da sua veracidade. De referir, quanto aos depoimentos das testemunhas: (i) D..., que é um dos dois gerentes da Requerente, funções que exerce desde o início de actividade da mesma em Portugal em 2013, expôs de forma clara o funcionamento normal da actividade da Sucursal e a relação com a casa-mãe, o ter sido feito  um empréstimo da casa-mãe para o lançamento da actividade em Portugal e que esperam vir a pagar, o facto de o passivo ser essencialmente esse pois que quanto a depósitos não têm contas em Lisboa, como a actividade em Portugal é de aconselhamento aos Clientes e encaminhamento de ordens para o Luxemburgo, e como é sua função desenvolver os negócios da Sucursal, captar novos Clientes e aumentar o volume de negócios; (ii) E..., que é business manager da Requerente desde 2017 e até ao presente, descreveu com pormenor o seu trabalho na Sucursal e a relação entre esta e a casa-mãe, como a maior parte das pessoas que trabalham em Portugal são front office, a Sucursal é uma Advisory Branch, presta aconselhamento junto de Clientes em Portugal, e os Departamentos típicos de um Banco estão todos na casa-mãe, e como as contas da Sucursal depois consolidam com as contas da casa-mãe no Luxemburgo; (iii) F..., que é Directora Financeira do Grupo G... para Espanha e Portugal, e assim era quando a Requerente iniciou actividade em 2013, expôs o teor das suas funções e como lhe cabe verificar os assuntos financeiros das Sucursais Portuguesa e Espanhola, como a casa-mãe no Luxemburgo paga uma contribuição anual ao abrigo da Directiva BRRD, como as contas da Sucursal são depois agregadas com as da casa-mãe, que esta disponibilizou aqueles fundos à Sucursal para dar início à sua actividade em Portugal, mas que embora sendo uma disponibilização de fundos é contabilizada como liability, e como em caso de uma situação de resolução tal resolução será a da casa-mãe no Luxemburgo; (iv) C..., que é sócio da empresa Auditora/Consultora que presta à Requerente, desde o seu estabelecimento em Portugal, serviços continuados de contabilidade, fiscalidade e reporte regulamentar e é, também, Contabilista Certificado da Requerente desde o seu início de actividade, expôs de forma clara, isenta e detalhada, fazendo uso dos seus conhecimentos técnicos, no que se refere aos fundos disponibilizados à Sucursal, que tudo depende da forma como é feita a operação, se a lógica com que for feita a afectação for a de provir a Sucursal de fundos próprios, capital afecto à Sucursal, como é necessário em alguns casos, em que há até que cumprir com rácios de solvabilidade, a contabilidade tem que seguir essa afectação a fundos próprios, mas no caso, diferentemente, estamos a falar de disponibilização de recursos financeiros à Sucursal para poder prestar a sua actividade, porque a Sucursal não era provida de fundos para tal; referiu, ainda, que de uma forma geral numa Sucursal ou se afecta capital e esse capital fica fixo, como se fosse o capital daquela Sucursal, o que normalmente é para casos muito específicos e tem a ver com alguma regulação por parte do Banco de Portugal para a atribuição de fundos próprios para demonstrar a solvabilidade da operação em Portugal, ou a casa-mãe financia, numa relação de empréstimo como que departamental, a operação de Portugal com fundos; que nos casos em que há uma alocação de fundos próprios às Sucursais tal ocorre meramente por motivos da regulação face ao Banco Central para demonstrar solvabilidade; e que, em geral, no caso das Sucursais, por um lado não há necessidade de afectação de Capitais Próprios, de injecção e ter o capital “preso” e, por outro, a regulação é uma regulação muito mais leve, não havendo que replicá-la em Portugal, e sendo exactamente por estes dois motivos que a grande maioria das Instituições Financeiras abertas nos últimos anos em Portugal o é enquanto Sucursal.

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC ), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC ).

 

3. Questões preliminares – Matéria de excepção

3.1 – Da excepção de incompetência material do Tribunal

 

A Requerida invoca a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria.

 

Expõe que, sendo o tributo em questão nos autos uma Contribuição Financeira, qualificação no sentido da qual a Jurisprudência dos Tribunais Tributários tem vindo uniformemente a decidir , este Tribunal será, em consequência, materialmente incompetente. Percorrendo as normas legais convocáveis, e diversa Jurisprudência Arbitral no sentido por que pugna, refere que o intérprete não pode amplificar o objecto fixado pelo legislador no que respeita à vinculação da AT à jurisdição arbitral. Está vedado ao CAAD apreciar este pedido arbitral, o que resulta do teor literal da lei, e como também na Doutrina. Conclui pela incompetência material do Tribunal.

 

Manifesta-se a Requerente a este respeito pela não verificação da invocada excepção. Em suma, refere que a Jurisprudência Arbitral invocada pela Requerida não é convocável para o caso, e outra não é por si acompanhada, como explana, e refere, por sua vez, outra Jurisprudência Arbitral no sentido da competência material do Tribunal. A devida interpretação das normas legais em questão não conduz à pretensão restritiva do legislador defendida pela Requerida. Esta encontra-se vinculada à Arbitragem Tributária em matéria de Contribuições. A cláusula geral de vinculação do art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, abrange a generalidade dos tributos sujeitos à administração da AT e não apenas impostos. A Portaria em causa é um acto normativo hierarquicamente inferior à lei que visa regulamentar e deve ser sujeita a uma interpretação conforme com a mesma. À data da redacção do regime não havia Contribuições administradas pela Requerida, os efeitos práticos da utilização do termo “impostos” ou “tributos” eram idênticos e daí não pode, assim, retirar-se uma intencionalidade restritiva. A ter intencionado excluir as Contribuições o legislador tê-las-ia incluído no elenco de excepções. O aditamento da al. e) (em 2019) ao art.º 2.º da Portaria reforça o entendimento por que pugna. A seguir-se a interpretação, daquele art.º 2.º, defendida pela Requerida, o princípio da tutela jurisdicional efectiva sairia injustificadamente restringido, e o princípio da igualdade violado, pelo que a mesma seria inconstitucional por violação dos art.ºs 13.º e 20.º da CRP, o que invoca.

 

Vejamos. Ainda que assim não sucedesse, i. e., ainda que a Requerida não tivesse invocado a excepção, sempre deveria este Tribunal conhecer da mesma. Nos termos, desde logo, do art.º   16.º do CPPT, ao estabelecer, no seu n.º 1, que a violação das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do Tribunal e, no seu n.º 2, que: “A incompetência absoluta é de conhecimento oficioso (...)”. E, ainda, conforme disposto no art.º 13.º do CPTA que estabelece, por seu turno, que: “O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.”

 

Conclusões que sempre também se retirariam, sem surpresa, do CPC, cfr. seus art.ºs 96.º, al. a) e 97.º, n.º 1, art.º 278.º, n.º 1 al. a), e art.ºs 577.º, al. a) e 578.º: a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do Tribunal, pode ser arguida pelas Partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo Tribunal; a incompetência absoluta constitui excepção dilatória e, como tal, obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, conduz à absolvição da instância  e é de conhecimento oficioso. E o Tribunal Arbitral, refira-se, tem competência para decidir sobre a sua própria competência: é o “princípio da competência da competência do Tribunal Arbitral” , desde há muito reconhecido como regra em matéria de arbitragem.

 

A verificar-se incompetência material do Tribunal estaremos, pois, perante uma excepção dilatória insuprível, com as necessárias consequências.

 

Apreciemos, então, se é o caso.

 

A Arbitragem Tributária, como arbitragem institucionalizada que é, reveste-se de especificidades próprias. Desde logo a que decorre de, não obstante a sua natureza de arbitragem, tratar de direitos (créditos) indisponíveis. Assim, o respeito pelo Princípio da indisponibilidade, aplicável à AT, conduziu a que o legislador - cfr. art.º 4.º do RJAT - tivesse sido exigente ao ponto de determinar que a comum convenção de arbitragem sofresse aqui adaptações e, assim, que a AT se vinculasse à via da arbitragem, previamente, por Portaria.

 

De onde decorre que a competência do presente Tribunal se afere pelo disposto a este respeito nas disposições conjugadas do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (doravante também “Portaria de Vinculação”). Portaria através da qual uma das partes, a AT, veio previamente vincular-se à jurisdição dos Tribunais Arbitrais a funcionar sob a égide do CAAD. À qual decidiu assim submeter-se, nos termos e condições que aí definiu por conjugação com o disposto no RJAT. Ao abrigo - não será demais sublinhar - do disposto neste último Diploma legal, a saber, no respectivo art.º 4.º, n.º 1 (infra).

 

Ora, se por um lado no RJAT a competência dos Tribunais Arbitrais é estabelecida nos termos do seu art.º 2.º, n.º 1, por outro, nos termos do art.º 2.º da referida Portaria, a AT recortou    (excluindo) daquela esfera de competência (que, assim, delimitou) a apreciação das pretensões relativas a determinadas situações, a que não aceitou vincular-se.

 

E aqui somos chegados ao cerne da questão ora sob nossa apreciação. A saber: aquela delimitação de competência a que se procedeu por via da Portaria, excluiu ou não, do conjunto das pretensões relativamente às quais a AT aceitou vincular-se à jurisdição dos Tribunais Arbitrais, as pretensões de declaração de ilegalidade de actos relativas a tributos que não constituam impostos stricto sensu?

 

Vejamos os dispositivos legais pertinentes.

 

No RJAT, dispõe o art.º 2.º, no que aqui mais releva, como segue:

“Artigo 2.º - Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

(…).”

 

E no art.º 4.º, n.º 1:

“Artigo 4.º – Vinculação e funcionamento

1 – A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

(...)”

 

Por sua vez, na Portaria de Vinculação, rege o respectivo art.º 2.º assim:

 

“Artigo 2.º – Objecto da vinculação

 

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.”

 

E no Preâmbulo da Portaria, refira-se ainda, pode ler-se (o que vem em coerência aliás - referimo-nos à natureza de meio alternativo de resolução jurisdicional de litígios reconhecida desde sempre à arbitragem tributária - com o também neste sentido disposto seja no Preâmbulo do RJAT, seja na Lei de Autorização ) assim:

“Com a presente Portaria a administração tributária vincula-se também à Jurisdição do CAAD nos termos do nº 1 do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, associando-se a este mecanismo de resolução alternativa de litígios e nos termos e condições aqui estabelecidos, atendendo à especificidade e valor das matérias em causa.”

 

Ora, poder-se-ia pretender retirar da redacção conjugada dos normativos supra que a esfera de competência material dos Tribunais Arbitrais Tributários teria ficado assim “recortada” (excluindo-se da mesma) das pretensões respeitantes a quaisquer outros tributos que não os tributos pertencentes à espécie impostos. Isto por (como vimos de ver) na redacção do art.º 2.º do RJAT se fazer referência a “tributos” e, depois, no art.º 2.º da Portaria se utilizar a palavra “impostos”.

 

E efectivamente, como aproximado já pela súmula das posições das Partes a respeito, a Jurisprudência Arbitral não é unânime nesta matéria. Pela nossa parte, entendemos, como se verá, que é de concluir pela competência material do Tribunal. Como segue . 

 

A questão será então a de apreciar se deverão entender-se excluídas do âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais outras situações que não aquelas que o legislador, pela Portaria de Vinculação, excluiu de forma expressa ao longo das alíneas do respectivo art.º 2.º (v. supra). Saber se, ao referir-se “impostos” na Portaria de Vinculação (no corpo do art.º 2.º) simultaneamente se remetendo para o art.º 2.º, n.º 1 do RJAT, de cuja redacção consta a expressão “tributos”, sim ou não se terá intencionado excluir do âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais tributos que não impostos em sentido estrito.

 

Muito sucintamente neste ponto, refira-se que, não obstante o nosso Ordenamento Jurídico não conter uma definição legal de “tributo”, é hoje pacífico o entendimento de que esta mesma figura – o género – abrange entre nós várias possíveis espécies. Como decorre, desde logo, seja da nossa Constituição (v. art.º 165.º, n.º 1, al. i)), seja da Lei Geral Tributária (v. art.ºs 3.º e 4.º) .

 

Ora, a entender-se que o legislador ao assim exprimir-se (art.º 2.º do RJAT / art.º 2.º da Portaria de Vinculação) teria efectivamente querido excluir os tributos que não impostos, e, assim, no que ao presente caso importará, os tributos da espécie Contribuições, seria ainda possível entender-se, parece-nos, ser de apreciar da natureza jurídica do tributo em causa (e consequente regime jurídico a ser considerado aplicável), para então poder concluir-se pela respectiva inclusão, ou não, no âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais. Tenhamos em conta, desde logo e entre o mais, o art.º 4.º, n.º 3, da LGT, ao estatuir que determinadas contribuições (as “contribuições especiais”) são consideradas impostos. E que, em especial no que respeita precisamente por seu turno às Contribuições (às “contribuições financeiras a favor de entidades públicas”, cfr. art.º 3.º, n.º 2 da LGT), “(…)  se é certo que as características próprias das contribuições financeiras as aproximam mais da figura dos impostos que da das taxas, e que, assim, se encontram – as contribuições financeiras - “a meio caminho” entre os impostos, de um lado, e as taxas, do outro, fácil se torna concluir pela potencial ainda maior dificuldade de delimitação entre as espécies imposto/contribuição. (…)”.  E aqui regressaremos.

 

Isto sempre sem deixar de verificar da questão da titularidade activa na relação jurídico-tributária em causa, que deverá pertencer à administração tributária, com o sentido que o legislador pretendeu significar pela expressão “cuja administração lhes esteja cometida”, que utilizou no corpo do art.º 2.º da Portaria de Vinculação. Pois que, esta sim , é certo que terá sido querida pelo legislador como condição necessária à competência material em apreço.

 

No caso dos autos, o tributo cuja liquidação se coloca em crise - a CSB - como mais adiante se desenvolverá, reúne as características próprias da espécie tributária Contribuições, efectivamente. Não só tal se nos afigura claro, pelo que se retira do respectivo regime jurídico-tributário, devidamente enquadrado, como, unanimemente, a Jurisprudência assim vem decidindo. Seja a nível dos Tribunais Tributários de primeira instância, e nos Tribunais Arbitrais também já assim, seja dos Tribunais Superiores, máxime STA e, entretanto assim também, o próprio Tribunal Constitucional .

 

Poupando-nos assim, por ora, de maiores considerações quanto à natureza jurídica do tributo em apreciação, que é, pois, a de Contribuição financeira (cfr., desde logo, art.º 3.º, n.º 2, da LGT, parte final - “e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas”), resta-nos aquilatar da interpretação devida das normas legais e regulamentares pelas quais se delimita a competência material dos Tribunais Arbitrais. A fim de concluir pela inclusão, ou não, das pretensões que tenham por objecto esta espécie de tributos no âmbito da dita competência material.

 

Desde já se deixe dito que, no que à respectiva competência para o administrar respeita, não se suscitam dúvidas de que o tributo em causa se enquadra naqueles cuja administração se encontra cometida à AT. Assim, nos termos do art.º 141.º da Lei que cria o tributo e estabelece o regime jurídico da CSB, em Dezembro de 2010 (LOE 2011), lê-se no art.º 8.º do regime, entre o mais, que “as regras de liquidação, de cobrança e de pagamento da contribuição são objecto de regulamentação por portaria do Ministro das Finanças”. E, por sua vez, na Portaria, assim (art.º 6.º): “1 - (...) é liquidada anualmente pelo sujeito passivo através da declaração de modelo oficial n.º 26, que é aprovada e consta do anexo à presente portaria. / (…) 3 – A declaração a que se refere o n.º 1 é enviada por transmissão electrónica de dados (…) podendo ser obtida (…) a partir do site www.portaldasfinancas.gov.pt. / 4 – A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida pela administração fiscal (…). / 5 – Na falta de liquidação da contribuição nos termos do n.º 1, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.”

 

Foquemo-nos então na questão de saber se seria condição para assistir competência material a este Tribunal, por ser um Tribunal Arbitral, que o tributo em causa nos autos revestisse - diferentemente do que sucede - a natureza jurídica de imposto stricto sensu.

 

Como se sabe, se poderemos dizer hoje pacífica a tripartição do género tributos por espécies, tal não sucedia no passado, que se pode considerar relativamente recente. E o caminho para este reconhecimento veio sendo feito paulatinamente e não sem dificuldades. Na Doutrina a atenção desde sempre se centrou na espécie tributária por excelência, os impostos. E também na Jurisprudência o caminho se foi fazendo com avanços, recuos e dificuldades próprias de conceitos por demais complexos para cujo aprofundamento e clarificação nem legislador, nem Doutrina, por longo tempo, contribuíam em especial. Para o reconhecimento da distinção contribuiu decisivamente a redacção conferida ao art.º 165.º, n.º 1 al. i) da CRP aquando da quarta revisão à mesma . Consagração feita a respeito de reserva de lei. Mas mesmo assim sendo, diga-se, a desejável pacificação de conceitos não ficou por ali desde logo garantida.

 

Pode ver-se a este respeito, por elucidativo e a propósito do tributo em causa nestes autos, como se expõe no recentíssimo (ainda hoje, pois) Douto Acórdão n.º 268/2021 do TC : [com remissão para o seu Acórdão n.º 344/2019] “(…) O Tribunal Constitucional reconhece, portanto, a existência de contribuições financeiras, enquanto categoria tributária autónoma, dotada de relevo no sistema fiscal português. (…) Na verdade, uma visão abrangente do sistema fiscal português revela que esta categoria integra um conjunto extenso e variado de tributos paracomutativos, com características nem sempre inteiramente coincidentes, sendo evidentes as especiais dificuldades experimentadas pela doutrina na sua delimitação precisa (…).” E, remetendo por sua vez para o, também seu, Acórdão n.º 255/2020: “[O] Tribunal reconhece que a criação de tributos dirigidos à compensação de prestações presumidas e a admissibilidade de um quadro amplo de incidência das taxas torna mais diluída a fronteira entre as diferentes categorias de tributos e muito mais delicada a respectiva qualificação. (…). [Acórdão n.º 344/2019].”

 

Para dizer que se, ainda actualmente, em 2021, a realidade é a ali tão bem reflectida pelo nosso TC, bem se compreende que quando o legislador regulamentar na Portaria de Vinculação - em 2011, portanto - utilizou a palavra impostos, a fluidez entre estes conceitos não seria menor. Ou seja, a dificuldade de distinção entre figuras em cada caso era uma realidade decerto não menos evidente que no momento presente.

 

E tanto assim é que, como se sabe, o legislador vem, em não poucos passos, fazendo uso dos conceitos em causa de forma algo imprecisa. Veja-se, desde logo, como na CRP  se lê, por exemplo, no art.º 67.º, n.º 2, al. f), que incumbe ao Estado “[r]egular os impostos (…) de harmonia com os encargos familiares”, ou, ao tratar-se precisamente do Sistema Fiscal, no art.º 103.º, n.º 3, assim: “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva (…)”. Ou, se quisermos, no Diploma legal que por excelência veio tratar a relação jurídico-tributária, e reflectir também a distinção operada na CRP em 1997 , a LGT, assim: “O pagamento do imposto nos termos da lei (…) não preclude o direito de reclamação (…)” (art.º 9.º, n.º 3); “As normas tributárias aplicam-se (…) não podendo ser criados impostos retroactivos (…)” (art.º 12.º, n.º 1, como em vigor até final de Fevereiro último); “Não é sujeito passivo quem: a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal (…)” (art.º 18.º, n.º 4); “A substituição tributária (…) através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido” (art.º 20.º, n.º 2); “São obrigações acessórias (…) as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto (…)” (art.º 31.º, n.º 2). Entre outros exemplos que poderiam referir-se. Ou até também assim, a falta de precisão de conceitos entre espécies de tributos, sem surpresa, em Diplomas avulsos onde se criam tributos que não (pelo menos de nomen iuris) impostos.

Na LGT, refira-se, não deixa também de ser significativo ter vindo o legislador, já em 2021 (só em 2021) , alterar o art.º 12.º, n.º 1 (v. supra), substituindo aí a palavra impostos pela palavra tributos.

 

Ora, quanto a nós, antes de mais, e no contexto que vem de se aflorar, não parece ser de entender especificamente o caso da utilização da palavra impostos pelo legislador, na Portaria de Vinculação, como um caso de utilização dos conceitos com todo o seu rigor técnico-jurídico. Com uma intenção de assim excluir determinadas espécies de tributos. Ou seja, é nosso entender que com a palavra impostos ali utilizada o legislador pretendeu referir-se a impostos lato sensu. E senão, vejamos. A acrescer ao que já vem dito.

 

Desde logo sempre se poderá observar que o artigo não prima por uma rigorosa precisão linguística. Veja-se o que sucede com a al. a) do n.º 2, em que facilmente se conclui que uma interpretação demasiado literal também não colhe. Ao se fazer referência a “recurso à via administrativa” e se remeter para artigos que exclusivamente versam sobre Reclamação Graciosa quando, numa interpretação contextualizada na Unidade do Sistema e convocando os demais elementos interpretativos, se há-de concluir pela abrangência ali também do procedimento de Revisão Oficiosa.

 

Mas mais relevante. No artigo em que utilizou a palavra impostos o legislador remeteu para o artigo do RJAT em que a palavra utilizada foi tributos. Fê-lo, diremos, discretamente no corpo do artigo no qual depois, alínea a alínea, enumerou as pretensões reportadas a específicas matérias às quais não pretendeu estender a sua vinculação à jurisdição do CAAD. Estabeleceu, pois, enumerando-os alínea a alínea, o tipo dos litígios não abrangidos. Expressamente identificou, assim, um a um, o tipo de litígios que excluiu (cfr. art.º 4.º, n.º 1 do RJAT ) da sua vinculação, atendendo à especificidade das matérias em causa (cfr. final do Preâmbulo da Portaria ). E se se atentar no teor das ditas alíneas, resulta clara a intenção de exclusão em função de especificidades próprias das matérias ali concretamente envolvidas.

 

Já a especificidade das matérias (melhor colocado, das questões) que hipoteticamente pudesse advir das diferentes espécies de tributos, da própria natureza de cada espécie de tributos, não vemos como o legislador a pudesse estar a ter em mente. Por um lado, porque se fosse esse o caso, parece-nos, teria sido avisado o suficiente para o fazer de forma clara, e não subrepticiamente num corpo de artigo em que expressamente remete também para o artigo de outro Diploma legal  onde a palavra utilizada é a palavra tributos. E se o tinha por relevante – ao ponto de pretender excluir tal da sua vinculação – teria preferido não correr riscos de dificuldades interpretativas. Em matéria de Ordem Pública como é a da competência dos Tribunais. E razoável como tem que se presumir que o legislador é. Num contexto histórico, e temporal, em que a palavra impostos vinha sendo utilizada lato sensu ao longo, desde logo, dos mais relevantes Diplomas legais em matéria fiscal. E em que ainda Doutrina e Jurisprudência eram contidas/cautelosas, e tantas vezes no seu seio divergentes, na clara e definitiva distinção tripartida entre as várias espécies do género tributos. Desde logo não poucas reservas persistindo com referência à delicada delimitação em especial entre Impostos e Contribuições (e ao regime jurídico que seja de se aplicar a estas últimas ).

 

E, mais, quanto à especificidade, agora, das matérias concretas a que esses outros tributos possam reportar-se em cada caso, nem se vê como em abstracto o legislador pudesse estar a querer captá-la para as afastar. É que – pensando agora nas possíveis matérias envolvidas em cada tributação em concreto – se as especificidades podem ser um Mundo na parafiscalidade (nos tributos comutativos e nos paracomutativos, queremos significar), não deixam de também o poder ser nos impostos stricto sensu (pense-se, por exemplo, em áreas tão específicas a que a tributação em IVA nos transporta, ou mesmo em Impostos sobre o rendimento também). 

 

Por outro lado, porque naquele mesmo corpo do artigo expressamente determinou relativamente à palavra que utilizou – impostos – serem apenas aqueles cuja administração lhe estivesse cometida. Sendo que, ao tempo, a administração de Contribuições e Taxas não lhe estava em geral cometida, ainda que casos houvesse .  E daí, precisamente, a palavra estar a ser utilizada em sentido lato: só assim se excluíam os casos dos tributos (independentemente da sua espécie) cuja administração não estivesse sob o seu domínio. Nem nos pareceria razoável crer que a expressa exclusão que se deu ao cuidado de assim fazer – dos tributos por si não administrados – o tivesse sido tão só para afastar os impostos administrados pela Região Autónoma da Madeira . Aliás, a ter sido esse o caso, mais razoável, e claro, seria tê-lo colocado expressamente numa singela alínea das que se seguem ao corpo do artigo.

 

Por outro lado ainda, porque o legislador assumiu, e aqui sem quaisquer possíveis incongruências verbais ou outras entre os Diplomas competentes, a Arbitragem Tributária ser adoptada como um meio alternativo de resolução de litígios em matéria fiscal (e, mais, com o compromisso de assim proporcionar meios mais expeditos de resolução, cfr. também no Preâmbulo da Portaria). Ora, como se ficaria, em termos de natureza de meio alternativo, e até, de Unidade do Sistema, desde logo, quando os contribuintes podem livremente recorrer aos Tribunais Tributários Estaduais independentemente em geral da espécie de tributos em questão (e o processo arbitral tributário “deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial” ), e para recorrerem aos Tribunais Arbitrais tivessem primeiro que aferir (olimpicamente em não poucos casos) se os tributos que o legislador denominou em casos concretos como Taxas ou como Contribuições revestem ou não uma natureza de verdadeiros impostos?

Mais, e em relação com este mesmo particular, seria de um legislador razoável pretender cometer essa tarefa aos Tribunais Arbitrais (essa mesma aferição) para depois, chegados estes, caso a caso, à conclusão de que o tributo perante eles não tem de facto a natureza de imposto stricto sensu concluírem, após todo o trabalho aí já desenvolvido, pela sua própria incompetência material? Quando, ademais, se pretende que o meio seja, além de alternativo,  mais expedito?

Mais uma vez, não deixe de se ter em mente também que há Contribuições relativamente às quais o legislador expressamente estatuiu que “são consideradas impostos” , pelo que essas, então, estariam sempre – mesmo se a intenção do legislador tivesse sido excluir os tributos que não impostos – abrangidas pelo corpo do art.º 2.º da Portaria de Vinculação. Dir-se-ia. E em que ficaria o Julgador Arbitral? Se perante um desses tributos e após apreciação concluísse que não se estaria perante uma Contribuição especial, que assim teria sido erroneamente denominada, mas por exemplo perante uma Contribuição financeira? Deveria, só então, dir-se-á, declarar-se materialmente incompetente.

Pois bem, não cremos que um legislador razoável, que desenhou a matéria da resolução jurisdicional de conflitos em matéria fiscal como desenhou, e que veio a criar o Regime da Arbitragem Tributária como um meio alternativo de resolução desses conflitos, ainda que só para determinados tipos de litígios, tivesse intencionado criar um Sistema esquartejado por tais complexidades. Desde logo não o assumindo de forma clara.

 

Mais, ainda. Não nos parece insignificante o aditamento (quase esclarecimento diríamos, para o que aqui nos ocupa) feito pelo legislador Parlamentar no art.º 4.º, n.º 1, parte final, do RJAT , após publicado o DL que aprova a estrutura orgânica da AT , no qual, entre o mais, se lê (art.º 2.º):

“(…) 2 - A AT prossegue as seguintes atribuições:

a) Assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo, dos direitos aduaneiros e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas do Estado ou de pessoas colectivas de direito público;”

É que se não for ela, AT, a liquidar e cobrar os tributos em causa - administrar, pois – podem colocar-se questões, também elas delicadas, atinentes à legitimidade em processo judicial tributário da parte activa na relação jurídico-tributária. O que, para além do mais - pensemos na natureza auto-vinculativa da Arbitragem – não permitiria alcançar pelo mesmo modo, em tais outros casos (os de tributos que não administrados pela AT ), aquilo que através da Portaria de Vinculação se alcançou – a auto-vinculação  da parte activa da relação jurídico-tributária. Em coerência, v. a primeira parte versus a segunda parte da norma que vimos de transcrever, em conjugação, por sua vez, com o disposto na Portaria de Vinculação - “cuja administração lhe(s) esteja cometida”. E, por sua vez, com o dito aditamento ao art.º 4.º, n.º 1 do RJAT, precisamente se delimitando o âmbito dentro do qual o recorte da auto-vinculação por Portaria opera: “designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”. E, entre o que seja um tipo de litígio, e o que seja, diferentemente, uma espécie de tributo, vai uma diferença que há-de notar-se. É de entender, quanto a nós, que o que pela Portaria se pretendeu foi recortar (delimitar) os tipos de litígios  incluídos na auto-vinculação à jurisdição do CAAD em atenção à especificidade das  matérias . As matérias que se excluíram, repare-se, prendem-se seja com a apreciação num primeiro “filtro” pela AT (porque de actos em matéria tributária se trata), seja com métodos indirectos, com mercadorias e direitos de importação, valor aduaneiro de mercadorias e conexos e, agora (nova al. e)), mais uma vez com o “filtro” prévio pela AT, em matéria de CGAA. E, assim, o critério distintivo que se utilizou na Portaria não foi, é o nosso entendimento, o da natureza dos tributos. Foi sim e apenas o que se reporta à titularidade da administração dos tributos. E bem, como se viu. Âmbito de vinculação assumido e querido, pela AT (o dos tributos por si administrados dentro das pretensões abrangidas pelo art.º 2.º do RJAT), com – depois, e em relação a ele – as excepções expressamente identificadas, por sua vez, nas alíneas que se seguem ao corpo do artigo.

 

E, mesmo a concluir, refira-se o aditamento de uma nova alínea ao art.º 2.º da Portaria de Vinculação, já em 2019 , assim: “e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.”. Se dúvidas restassem, a utilização, oito anos volvidos - maior sedimentação de conceitos alcançada -, da palavra tributos, numa das alíneas, quando no corpo a palavra utilizada foi impostos, só pode vir confirmar o que quanto a nós já era claro. Que no corpo do artigo o legislador utilizou a palavra impostos no seu sentido lato, impostos lato sensu.

Percorridos que ficam assim os critérios interpretativos de aplicar (cfr. art.º 11.º, n.º 1, da LGT e art.º 9.º do CC para o qual por ali somos remetidos), resulta claro, quanto a nós, o sentido com que deve interpretar-se a referida palavra impostos no corpo do artigo 2.º da Portaria de Vinculação. Impostos lato sensu.

 

Há que concluir, pois, e em consequência, pela competência material deste Tribunal. Não subsistindo quaisquer excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

4. Matéria de Direito

4.1. Questões a decidir

 

As questões a decidir nos presentes autos são as que seguem :

 

A)           Houve ou não preterição de formalidade legal por vício de falta de fundamentação/fundamentação incongruente?

 

B)           O regime jurídico da CSB viola o Princípio da legalidade tributária, nas vertentes reserva de lei formal e material, incorrendo em violação dos art.ºs 8.º, n.º 1 da LGT e 103.º, n.º 2 da CRP, e do art.º 165.º, n.º 1, al. i) da CRP, e padecendo por esta via a Liquidação de vício de violação de lei?

 

C)           O regime jurídico da CSB viola o Princípio da igualdade, na sua expressão de Princípio da equivalência, no caso das Sucursais UE, incorrendo em violação dos art.ºs 13.º da CRP e 5.º, n.º 2 da LGT, e padecendo por esta via a Liquidação de vício de violação de lei?

 

D) O regime jurídico da CSB é contrário ao Direito da UE por violação do Princípio da proibição de tratamento discriminatório consagrada no Artigo 18.º do TFUE e/ou por violação da Liberdade de estabelecimento consagrada no Artigo 49.º do TFUE e padecendo por esta via a Liquidação de vício de violação de lei?

 

E) O regime jurídico da CSB é contrário ao Direito da UE por ser, em si, violador da Directiva 2014/59/UE? Em particular, cria situação de dupla tributação violadora da Directiva, e/ou implica violação do princípio da livre concorrência assim colocando em causa os objectivos de harmonização da Directiva? Padecendo por esta via a Liquidação de vício de violação de lei?

 

Se a todas as questões se responder negativamente, caberá apreciar se é de proceder a Reenvio Prejudicial ao TJUE, como subsidiariamente peticionado.

 

Quanto às questões de constitucionalidade suscitadas pela Requerente com referência ao art.º 2.º da Portaria de Vinculação – a saber, quando o mesmo seja interpretado no sentido de excluir da competência material dos Tribunais Arbitrais o conhecimento de Pretensões reportadas a tributos que não impostos em sentido estrito – o conhecimento das mesmas resulta, pelo que veio de se decidir já, prejudicado. A interpretação que se segue não é aquela a que a Requerente imputa inconstitucionalidade.

 

Por fim, haverá que decidir quanto a (i) reembolso das quantias pagas e, decidindo-se pelo reembolso, quanto a (ii) juros indemnizatórios.

 

Em conformidade com o disposto no art.º 124.º do CPPT, que rege quanto à ordem de conhecimento dos vícios na sentença, procederemos prioritariamente à apreciação dos vícios de violação de lei stricto sensu (cfr. B) a E) supra), por, dos invocados, ser aquele cuja procedência determina “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”.

Mas não sem antes se fazer um breve enquadramento.

Como segue.

 

 

Resumindo e enquadrando brevemente.

De tudo quanto mais atrás se expôs resultará já claro a Requerente nos autos não vir questionar encontrar-se abrangida pela norma de incidência de que se trata. Seja na sua vertente de incidência subjectiva, seja objectiva. Com efeito, da norma de incidência (na versão aplicável ) decorre que, entre outros, são sujeitos passivos da CSB as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efectiva em Estado-Membro da UE, como é o seu caso. E, no que à incidência objectiva respeita, estabelece a norma que o Tributo incide - ao que aos autos releva - sobre o Passivo apurado pelos sujeitos passivos (ainda que deduzido, quando aplicável, de determinados seus elementos).

A Requerente não discute pois a sua qualidade de “Sucursal UE”  para efeitos de incidência de CSB nem, bem assim, a efectiva existência nas suas contas reportadas ao ano de 2018 de um Passivo. De montante igual àquele que considerou para efeitos de CSB, conforme preencheu na respectiva Modelo 26 que atempadamente submeteu.

Aquilo que a Requerente questiona – e nessa base vem colocar em crise a autoliquidação – é que, ao estar a ser-lhe assim aplicado o regime jurídico da CSB, se esteja a agir de forma legal. Melhor explicado, a Requerente invoca o regime jurídico da CSB ser violador da lei, seja da nossa Lei Interna, Constituição incluída, seja do Direito da União Europeia. Por várias razões que invoca, como apreciaremos, e que assim a levam a, como refere, não concordar com a incidência. Que a levam, pois, a defender que o regime lhe não deverá ser aplicado, por ilegal. 

A questão prende-se, afinal – e à parte, agora, o invocado vício de violação de reserva de lei  (que apreciaremos já de seguida) -, em súmula, com o facto de a sua natureza jurídica ser a de Sucursal. E Sucursal UE. Daí fazendo a Requerente decorrer duas principais consequências, com fundamento nas quais vai, depois, concluir pela ilegalidade do regime. Refere, por um lado, que sendo Sucursal UE não lhe pode advir qualquer benefício da CSB (ou, melhor, que não é nem nunca será beneficiária de quaisquer prestações que a entidade à qual a receita da CSB se destina possa levar a cabo). Sendo Sucursal UE, é a Sede e não ela Requerente quem tem que cumprir rácios de solvabilidade e outros e, assim também, são as entidades do país da Sede as responsáveis por quaisquer questões relacionadas com uma sua eventual resolução. Por outro lado, sendo Sucursal, não lhe é possível ter capitais próprios. Nem fundos próprios. E, assim, encontra-se numa situação discriminatória comparativamente às instituições de crédito com sede em Portugal. Que os podem ter e assim fazer uso do segmento da norma de incidência objectiva em que se permite a dedução daqueles elementos no apuramento da base tributável composta pelo Passivo.

Por fim invoca ainda o regime ser violador da Directiva 2014/59/UE, de 15 de Maio de 2014 (doravante também “BRRD” ).

Vejamos.

*

 

Iniciando então pela questão B) (cfr. supra).

 

B)           O regime jurídico da CSB viola o Princípio da legalidade tributária, nas vertentes reserva de lei formal e material, incorrendo em violação dos art.ºs 8.º, n.º 1 da LGT e 103.º, n.º 2 da CRP, e do art.º 165.º, n.º 1, al. i) da CRP, e padecendo por esta via a Liquidação de vício de violação de lei?

 

Alega a Requerente que o legislador tributário ao criar o regime da CSB, nos termos em que o fez, incorreu em violação, desde logo, seja do art.º 8.º, n.º 1 da LGT, seja do art.º 103.º e, refere também, do art.º 104.º, da CRP. Seja do art.º 165.º, n.º 1, al. i) da CRP. Pretende a Requerente assim referir que, mesmo sendo a CSB uma Contribuição, ainda assim lhe deve ser aplicável o regime dos impostos, mesmo que com especificidades. Entende a Requerente, neste sentido, que o Tributo teria necessariamente que ser criado por Lei Parlamentar, e que todos os respectivos elementos essenciais deveriam necessariamente desta constar. E que tal não sucedeu. Com efeito, defende, no que se refere às taxas e à base de incidência as mesmas foram fixadas por Portaria, e não por Lei ou por Decreto-Lei autorizado, mais não tendo a liberdade de conformação do Governo por via regulamentar ficado devidamente balizada na Lei (Lei OE 2011). Resultando assim violado o princípio da reserva de lei parlamentar, sendo a regulamentação da CSB organicamente ilegal e inconstitucional. E os art.ºs 3.º e 4.º do regime-jurídico da CSB ilegais e inconstitucionais, por violação da reserva de lei material. Vícios que por sua vez se comunicam à autoliquidação.

 

Apreciando.

 

E assente que é que perante uma inconstitucionalidade orgânica ou formal, como assim também perante uma inconstitucionalidade material, deve o Tribunal deixar de aplicar as normas tributárias em causa. Vejamos, porém, se é este o caso.

 

No que à inconstitucionalidade orgânica ou formal se refere, diga-se que independentemente da posição que se siga quanto à dependência, ou não, em matéria de Contribuições Financeiras , na criação do seu regime concreto em cada caso e enquanto na ausência de Regimes Gerais, de uma Lei da Assembleia da República (ou de Decreto-Lei do Governo mediante Lei de Autorização daquela), o certo é que, na situação - ou seja, no caso da CSB - o problema não se chega a colocar.

 

Com efeito, quer se entenda aplicável na matéria - em face do disposto pelo legislador Constituinte na segunda parte do art.º 165.º, n.º 1, al. i) aquando da quarta revisão e enquanto não seja dado cumprimento ao comando ali contido no sentido da criação de Regimes Gerais - o Princípio da reserva de lei formal tal como para os impostos stricto sensu, quer, diferentemente, se entenda que, tendo o legislador Constituinte expressamente previsto para a matéria (taxas e contribuições financeiras) uma reserva de lei menos exigente, a saber reportada aos Regimes Gerais, não será aplicável - na criação destes tributos em concreto (mesmo que na ausência de Regimes Gerais) - aquela mesma exigência de regime, a conclusão a que somos sempre lavados é uma: a de que não foi infringido o preceito Constitucional pertinente, a saber o art.º 165.º, n.º 1, al. i).

 

Dispõe o preceito, sob a epígrafe “Reserva relativa de competência legislativa”, que é da exclusiva competência da AR legislar, salvo autorização ao Governo, sobre as seguintes matérias: (…) “i) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas;”.

 

Ora, tendo a CSB sido criada por Lei da Assembleia de República (“AR”) – a saber, pela Lei do OE 2011  (art.º 141.º) - não se vê como pudesse considerar-se estar o ali disposto a ser infringido. Pois que se cumpriu precisamente o regime mais exigente. Foi a AR quem legislou, criando o Tributo e estruturando o respectivo regime jurídico.

 

No mais, e quanto à alegada incompleitude de delimitação do âmbito de poderes conferidos ao Governo para regulamentação do regime assim criado, não colhe a argumentação da Requerente. No regime jurídico, a saber no seu art.º 8.º, dispôs o legislador parlamentar assim, sob a epígrafe “Regulamentação”: “A base de incidência definida pelo art.º 3.º, as taxas aplicáveis nos termos do art.º 4.º, bem como as regras de liquidação, cobrança e pagamento da contribuição são objecto de regulamentação por portaria do Ministro das Finanças, ouvido o Banco de Portugal.”  E, por sua vez, no art.º 3.º, quanto à incidência objectiva, “A contribuição sobre o sector bancário incide sobre: a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido dos fundos próprios de base (Tier 1) e complementares (Tier 2) e dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos; / b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.”, e no art.º 4.º, quanto à taxa, assim: “1 - A taxa aplicável à base de incidência definida pela alínea a) do artigo anterior varia entre 0,01 % e 0,05 % em função do valor apurado. / 2 - A taxa aplicável à base de incidência definida pela alínea b) do artigo anterior varia entre 0,000 10 % e 0,000 20 % em função do valor apurado.”.

 

Ora, o que o legislador parlamentar fez - e reportamo-nos aqui aos dois elementos essenciais a que a Requerente se reporta (a base de incidência e a taxa) – foi, de forma suficiente, estabelecer a base de incidência e, bem assim, os limites mínimo e máximo das taxas  aplicáveis. Fê-lo de forma inovadora. E permitiu (incumbiu) - cfr. art.º 8.º, supra - ao Governo vir, depois, com vista à boa execução da Lei, regulamentar o por si AR legislado, mediante regras de desenvolvimento do que ali já se determinou. Mediante Portaria, acto de natureza regulamentar, pelo seu carácter geral e abstracto. Acto este cujas normas (regulamentares) se encontram na dependência das normas constantes daquela Lei. E que é, com efeito, o que se passou no caso. Como se conclui atentando, agora, nas normas da Portaria a respeito.

Assim, no respectivo art.º 3.º, repete-se o disposto no art.º 3.º da Lei e, de seguida, no art.º 4.º, sob a epígrafe “Quantificação da base de incidência”, vêm desenvolver-se os dois conceitos base constantes do art.º 3.º da Lei (e repetidos no art.º 3.º da Portaria), a saber, os conceitos de “Passivo” e de “Instrumentos financeiros derivados”. Quanto ao primeiro conceito o fazendo ao longo de dois números e suas alíneas (n.º 1, al.s a) a f) e  n.º 2, al.s a) a c)  do art.º 4.º, Portaria), e quanto ao segundo num único número (n.º 3 do art.º 4.º, Portaria).

Por sua vez, no art.º 5.º, sob a epígrafe “Taxas” estabelece-se, fixando, uma em cada um dos seus dois números, a taxa aplicável à parte (ao montante) da base de incidência correspondente ao Passivo, e a taxa aplicável à parte (ao montante) da base de incidência correspondente ao valor nocional dos Instrumentos financeiros derivados. O que se faz dentro dos limites mínimo e máximo estabelecidos previamente pelo legislador parlamentar (no art.º 4.º da LOE 2011). O que também, sempre se diga, veio a suceder depois nas vezes em que, por Portarias em anos posteriores, se vieram a alterar as ditas taxas (inclusive após as Leis do OE 2014 e 2016, nas quais o legislador parlamentar alterou os intervalos de taxas, cfr. art.º 4.º do regime jurídico / art.º 5.º da Portaria).

Atentando em qualquer destes dispositivos da Portaria, não se detecta carácter inovador. Mas sim carácter de regulamentação complementar da disciplina que vem já estabelecida na Lei do OE. É nesta que encontramos a regulamentação primária das referidas matérias  - cfr. art.ºs 3.º e 4.º da LOE 2011, supra. Seja o que se delimita como base de incidência, seja o que se determina quanto a taxas aplicáveis. Quanto aliás a este último ponto não sendo a técnica (mínimos/máximos) totalmente desconhecida em matéria de impostos stricto sensu também. E quanto ao primeiro não deixando de o ali legislado ser determinável . Desde logo com base nas regras contabilísticas aplicáveis.

 

E, da mesma maneira, chegamos à conclusão de que os elementos essenciais base de incidência (incidência, objectiva) e taxas foram determinados de modo suficiente por Lei, a mesma Lei que criou o Tributo – tudo como determinado no art.º 103.º, n.º 2 da CRP. Que rege assim: “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, (…).”. E assim também se respeitando o disposto no art.º 8.º, n.º 1 da LGT, que dispõe: “Estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, (…).”.

 

O Princípio da reserva de lei, seja na sua vertente formal ou orgânica, seja na sua vertente material, resulta pois respeitado. Tudo, pois, de acordo com a exigência máxima, a (incontestadamente) necessariamente aplicável em matéria de impostos stricto sensu. E assim, nenhuma ilegalidade nem Inconstitucionalidade (porque inexistentes) se podendo comunicar à autoliquidação da Contribuição (sobre o Sector Bancário)  por aqui.

 

E que assim é também já Doutamente se foi decidindo seja no STA , em sucessivos Acórdãos, seja mais recentemente no Alto Tribunal Constitucional.  Entre os primeiros pode ver-se, por todos, e porque seguido depois em diversos outros, o Acórdão do STA de 19.06.2019, proc. 02340/13, em julgamento ampliado. E v., já posterior e confirmativo também do mesmo sentido ali seguido, o Douto Acórdão do TC N.º 268/2021, proc. 1010/19, de 29.04.2021 .

 

Neste último, entre o mais, se tendo decidido não julgar inconstitucional:

“i. A norma dos artigos 3.º e 8.º do RJCSB segundo a qual a determinação rigorosa da base de incidência objetiva da CSB é remetida para um diploma regulamentar;

ii. A norma dos artigos 4.º e 8.º do RJCSB segundo a qual as concretas taxas da CSB são definidas por um diploma regulamentar;”, e

“vi. A norma do artigo 4.º da Portaria CSB, com a redação aplicável quer em 2014, quer em 2015, que disciplina um dos elementos essenciais do tributo, como é o caso da base de incidência objetiva;

vii. A norma do artigo 5.º da Portaria CSB, com a redação aplicável quer em 2014, quer em 2015, que disciplina um dos elementos essenciais do tributo, como é o caso das taxas concretas aplicáveis;”

 

E, sempre se diga, o facto de neste último Aresto se ter por referência o regime jurídico da CSB como em vigor em 2014 e em 2015 não prejudica a decisão neste mesmo sentido no presente caso, que se reporta a factos posteriores e, assim, ao regime como em vigor após a alteração ao mesmo introduzida pela Lei OE 2016. Com efeito, não só a Requerente se não reporta a este respeito à versão como resultante da dita alteração , como também a alteração operada não é de molde a afectar o que vem de se concluir (nem a incidência objectiva nem as taxas ficaram, pela alteração, menos determinadas na Lei).

 

E no Acórdão referido do STA, por seu lado, se lendo, entre o mais: “(…) no caso da CSB, o respectivo regime jurídico (…) aí constando a incidência subjectiva e objectiva e as margens de variação das taxas aplicáveis (…), sendo que a Portaria (...), para a qual também se remete, se limitou à densificação das características essenciais do regime jurídico da CSB (…). Daí que não ocorra, portanto, inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade fiscal das normas de tal Regime Jurídico (art.º 103.,º, n.º 2 da CRP), nem inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio da reserva de lei formal (art.º 165.º, n.º 1, al. i) da CRP), das normas da Portaria (…).”

Por fim refira-se que a Requerente, a certo passo, ao tratar deste mesmo vício, refere também o art.º 104.º da CRP, expondo apenas que o mesmo se deve entender aplicável às Contribuições e que determina, juntamente com o art.º 103.º da CRP, a necessidade de previsão dos elementos essenciais dos tributos em Lei da AR . Assim, e por tudo o que antecede, também não se vê como descortinar o regime em causa violar o art.º 104.º da CRP. Que não viola, pela mesma fundamentação supra. E ainda que a Requerente ao ter invocado  o artigo tivesse tido em em vista o respectivo n.º 2 (que determina que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real), o que não expressou, não só não aportou qualquer fundamentação a respeito, como o princípio em causa não resultaria só por si violado como consequência do regime jurídico da CSB. 

Passando-se, assim, à questão que segue.

 

C)           O regime jurídico da CSB viola o Princípio da igualdade, na sua expressão de Princípio da equivalência, no caso das Sucursais UE, incorrendo em violação dos art.ºs 13.º da CRP e 5.º, n.º 2 da LGT, e padecendo por esta via a Liquidação de vício de violação de lei?

 

Alega aqui a Requerente, sem prescindir quanto ao alegado vício acabado de apreciar, que tendo o legislador qualificado o tributo em questão como Contribuição, por consequência a autoliquidação se encontra ferida de ilegalidade. Por violação do Princípio da equivalência, como critério do Princípio da igualdade tributária. E por violação do Princípio da proporcionalidade e da capacidade contributiva da própria Requerente.

 

É que, expõe citando Doutrina, tratando-se de uma Contribuição, a CSB dirigir-se-á à compensação de prestações que são presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo. Sucedendo que - segundo alega - “não identifica quaisquer prestações que se possam ter por, ainda que presumivelmente, provocadas pelos respectivos sujeitos passivos ou que por eles sejam, igualmente ainda que de modo presumido, aproveitadas e que a CSB possa visar compensar.” Desde logo quando se trate de sujeito passivo Sucursal UE, como no seu caso. Pois que, constituindo a receita da CSB fundos próprios do Fundo de Resolução (“FdR”) , o qual tem por objecto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal (“BdP”) (e desempenhar funções em execução de tais medidas), e não podendo o BdP aplicar medidas de resolução às Sucursais UE , torna-se evidente que a CSB por si paga nunca poderá ser aplicada em medidas de resolução da Instituição de Crédito que integra, que é residente na UE.

 

Em suma, a receita da CSB é fundo próprio do FdR. O FdR só disponibiliza recursos para financiar medidas de resolução a determinar pelo BdP. O BdP não tem competência para determinar a resolução de Sucursais UE. Tanto assim sendo que as Sucursais UE não são participantes do FdR . Consequência: a CSB paga por si Requerente só serve “para financiar medidas de resolução de Instituições de Crédito residentes em Portugal, bem como as outras entidades sujeitas a medidas de resolução do Banco de Portugal”.

 

Concluindo assim a Requerente não existir qualquer necessidade de compensação, ainda que presumida ou indirecta, de qualquer prestação pública que seja por si provocada ou aproveitada. Não existem, tais prestações. Nem mesmo que de modo difuso. Nem podem presumir-se.

 

Não há uma contraprestação, não há uma contrapartida genérica, porque o BdP não pode aplicar medidas de resolução às Sucursais UE.

 

E, assim, a CSB não colhe fundamento no Princípio da equivalência: não há, no que respeita a si Requerente, Sucursal UE, nem custos, nem benefícios, mesmo que presumidos, que a CSB se destine a compensar. O Princípio em causa resulta violado, e assim os art.ºs 13.º da CRP e  5.º, n.º 2 da LGT. Ilegalidade e Inconstitucionalidade que afectam o regime jurídico da CSB, e Portaria, e se reflectem na autoliquidação em crise.

Mais, os Princípios da igualdade e uniformidade tributária são também violados por agravamento da tributação de certo grupo de contribuintes – as Sucursais UE. Não há “uma mínima adequação e aplicação na justa medida do risco por si [Requerente] suportado, na justa medida da capacidade contributiva nem tão pouco dos potenciais ou reais benefícios  que poderia eventualmente beneficiar.” Com as mesmas consequências: vício de violação de lei e de Inconstitucionalidade material, extensíveis à Liquidação.

 

Vejamos então se assim é.

 

A CSB foi criada, e o respectivo regime  aprovado, vimos já, pela LOE 2011, art.º 141.º. Aí se contêm oito artigos, pela seguinte ordem de assuntos (cfr. epígrafes dos artigos): Objecto (art.º 1.º), Incidência subjectiva (art.º 2.º), Incidência objectiva (art.º 3.º), Taxa (art.º 4.º), Liquidação (art.º 5.º), Pagamento da contribuição (art.º 6.º), Direito subsidiário (art.º 7.º) e, por fim, Regulamentação (art.º 8.º). No art.º 1.º lê-se: “O presente regime tem por objecto a introdução de uma contribuição sobre o sector bancário e determina as condições da sua aplicação”. E no respectivo Relatório OE2011, no ponto respeitante à CSB , assim:

“A Proposta do Orçamento do Estado para 2011 procede ainda à criação de uma contribuição sobre o sector bancário na linha daquelas que foram já introduzidas noutros Estados Membros, com o propósito de aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos, protegendo também, assim, os trabalhadores do sector e os mecanismos de segurança social.

A contribuição incide, assim, sobre as instituições de crédito com sede principal e efectiva da administração situada em território português, sobre as filiais de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efectiva da administração em território português e sobre as sucursais, instaladas em território português, de instituições de crédito com sede principal e efectiva da administração em Estados terceiros.”.

 

Não se encontravam pois, abrangidas, então, as Sucursais UE, como logo pelo Relatório se constatava. E se confirmava pela redacção do art.º 2.º, n.º 1 do regime jurídico.

 

Pela LOE 2016, depois, veio o legislador parlamentar, alterando o regime jurídico, ampliar desde logo a base de incidência subjectiva do Tributo, e assim passar a ali incluir as Sucursais UE. Pela alteração à redacção do art.º 2.º, n.º 1, al. c). Lia-se na redacção inicial do n.º 1 assim:

 

“Artigo 2.º – Incidência subjectiva

1. São sujeitos passivos da contribuição sobre o sector bancário:

a) As instituições de crédito com sede principal e efectiva da administração situada em território português;

b) As filiais em Portugal de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efectiva da administração em território português;

c) As sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efectiva fora da União Europeia.”

 

E, pela alteração em 2016, a redacção da al. c) foi alterada, e passou a ser:

“1. São sujeitos passivos da contribuição sobre o sector bancário:

(…) 

c) As sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efectiva fora do território português.”

 

Por sua vez, no n.º 2 do mesmo art.º 2.º, passou a ler-se:

“2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se instituições de crédito, filiais e sucursais as definidas, respetivamente, nas alíneas w), u) e ll) do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.”

 

E no Relatório OE2016 lê-se, no que à CSB respeita , assim:

“A contribuição sobre o sector bancário, introduzida no Orçamento de Estado para 2011, e que representa a participação do setor na repartição de risco relativa aos eventos no setor bancário, é aumentada neste Orçamento. Este aumento traduz a necessidade de, por um lado, assegurar uma repartição de risco mais adequada entre os contribuintes e o setor bancário e, por outro, num contexto de aumento das responsabilidades do Fundo de Resolução, estabelecer um nível de contribuições que assegure a sua solvência inequívoca. Adicionalmente, neste Orçamento introduz-se, pela primeira vez, uma lógica de tratamento igualitário de todos os participantes no mercado, independentemente do seu estatuto.”

 

No art.º 2.º-A (“Definições”) do RGICSF , para cujas alíneas u), w) e ll) o n.º 2 do art.º 2.º do RJ da CSB remete, por sua vez se lendo, na al. ll): “Para efeitos do disposto no presente Regime Geral, entende-se por: / (…) ll) “Sucursal”, o estabelecimento de uma empresa desprovido de personalidade jurídica e que efectue diretamente, no todo ou em parte, operações inerentes à atividade da empresa de que faz parte.”. E na al. w): “Instituição de crédito”, a empresa cuja atividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria;”.

 

E, diga-se ainda, as Instituições de Crédito são, cfr. Preâmbulo do RGICSF, uma das duas espécies de Empresas Financeiras.

 

No mesmo Diploma - RGICSF - lê-se ainda, com pertinência para o nosso caso, que a receita da CSB se inclui entre os recursos financeiros do FdR. Nos termos do art.º 153.º-F :

                “Artigo 153.º-F

Recursos financeiros do Fundo de Resolução

1 - O Fundo dispõe dos seguintes recursos:

a) As receitas provenientes da contribuição sobre o setor bancário;

b) Contribuições iniciais das instituições participantes;

c) Contribuições periódicas das instituições participantes;

(…)

2 - Os recursos financeiros do Fundo devem ter como nível mínimo o montante correspondente a 1 /prct. do valor resultante da soma do montante dos depósitos garantidos pelo Fundo, dentro do limite previsto (…).

3 - Se, depois de ser atingido o nível mínimo previsto no número anterior, os recursos financeiros do Fundo se tornarem inferiores a dois terços desse nível mínimo, o Banco de Portugal fixa o montante das contribuições periódicas de forma a atingir o referido nível mínimo num prazo de seis anos.

4 - O Fundo pode contrair empréstimos ou outras formas de apoio junto das instituições participantes, das instituições financeiras ou de terceiros caso as contribuições cobradas nos termos do disposto no artigo seguinte e no artigo 153.º-H não sejam suficientes para cumprimento das suas obrigações e para cobertura das perdas, dos custos ou de outras despesas decorrentes da utilização dos mecanismos de financiamento e as contribuições previstas no artigo 153.º-I não estejam imediatamente acessíveis ou não sejam suficientes.

(…) 7 - O Fundo pode igualmente conceder empréstimos a outros mecanismos de financiamento de resolução da União Europeia a pedido destes (...).

(…) 11 - Os recursos provenientes das contribuições referidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 só podem ser utilizados para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 145.º-AA, para reembolsar os empréstimos contraídos pelo Fundo para esses efeitos ou para conceder empréstimos a outros mecanismos de financiamento nos termos do disposto no n.º 8.

 

 

Ainda no RGICSF e sobre o FdR  refiram-se os seguintes dispositivos:

“Artigo 153.º-B

Natureza do Fundo de Resolução

1 - O Fundo de Resolução, adiante designado por Fundo, é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio.

2 – O Fundo tem sede em Lisboa e funciona junto do Banco de Portugal.

3 - O Fundo rege-se pelo presente diploma e pelos seus regulamentos.

 

Artigo 153.º-C

Objeto do Fundo de Resolução

O Fundo tem por objeto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal, nos termos do disposto no artigo 145.º-AB, e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas.

 

Artigo 153.º-D

Instituições participantes do Fundo de Resolução

1 - Participam obrigatoriamente no Fundo:

a) As instituições de crédito com sede em Portugal;

b) As empresas de investimento (...);

c) As sucursais de instituições de crédito não compreendidas no artigo 48.º ;

d) As sucursais das instituições financeiras abrangidas pelo artigo 189.º  (...);

e) As sociedades relevantes para sistemas de pagamentos sujeitas à supervisão do Banco de Portugal.

2 - Ficam dispensadas de participar no Fundo as caixas de crédito agrícola mútuo associadas da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo.

 

(...)

Artigo 153.º-G

Contribuições iniciais das instituições participantes

(…)

Artigo 153.º-H

Contribuições periódicas das instituições participantes

(…)

Artigo 153.º-I

Recursos financeiros complementares do Fundo de Resolução

(…)”

 

Relativamente ainda ao FdR foi aprovado o respectivo Regulamento por Portaria , aí se estabelecendo as regras de organização e funcionamento do mesmo; cfr. Preâmbulo da mesma o Fundo “tem por objeto principal a prestação de apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal”.

 

E voltando ao mesmo Diploma legal - RGICSF -, refiram-se ainda as seguintes normas potencialmente pertinentes, agora já não no Título referente ao FdR:

 

“Título I – Disposições gerais

Artigo 10.º

Entidades habilitadas

1 - Estão habilitadas a exercer as atividades a que se refere o presente diploma as seguintes entidades:

a) Instituições de crédito e sociedades financeiras com sede em Portugal;

b) Sucursais de instituições de crédito e de instituições financeiras com sede no estrangeiro.

2 - As instituições de crédito e as instituições financeiras autorizadas noutros Estados-Membros da União Europeia podem prestar em Portugal, nos termos do presente diploma, serviços que se integrem nas mencionadas atividades e que os prestadores estejam autorizados a efetuar no seu país de origem. (…)

 

Título IV – Atividade em Portugal de instituições de crédito com sede no estrangeiro

Capítulo II – Sucursais

Secção I – Liberdade de estabelecimento em Portugal

Artigo 48.º

Âmbito de aplicação

O disposto na presente secção aplica-se ao estabelecimento em Portugal de sucursais de instituições de crédito autorizadas noutros Estados-Membros da União Europeia ou em Estados pertencentes ao Espaço Económico Europeu e sujeitas à supervisão das respetivas autoridades.

 

(…)

Artigo 52.º

Operações permitidas

Observado que seja o disposto nos artigos anteriores, a sucursal pode efetuar em Portugal as operações constantes da lista constante do anexo I à Diretiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que a instituição de crédito esteja autorizada a realizar no seu país de origem e que constem do programa de atividades referido na alínea a) do n.º 1 do artigo 49.º.

 

Artigo 53.º

Irregularidades

1 - Quando se verifique que uma sucursal não cumpre, ou que existe um risco significativo de não cumprir, as disposições que lhe são aplicáveis, incluindo a lei nacional relativa à supervisão da liquidez, à execução da política monetária ou ao dever de informação sobre operações efetuadas em território português, o Banco de Portugal ordena-lhe que ponha termo à irregularidade ou tome medidas para evitar o risco de não cumprimento.

(…) 5 - Em caso de urgência, o Banco de Portugal pode, antes de encetar o procedimento previsto nos números anteriores, tomar todas as medidas cautelares necessárias a prevenir a instabilidade financeira que seja suscetível de constituir uma ameaça grave para os interesses coletivos dos depositantes, dos investidores e de outras pessoas a quem a sucursal preste serviços, incluindo a suspensão de pagamentos  (...).

6 - O disposto nos números anteriores não obsta a que as autoridades portuguesas competentes tomem todas as providências preventivas ou repressivas de infrações às normas referidas no n.º 1, ou a outras normas determinadas por razões de interesse geral. (…)

 

Artigo 54.º

Responsabilidade por dívidas

1 - Por obrigações assumidas em outros países pela instituição de crédito poderá responder o ativo da sucursal, mas apenas depois de satisfeitas todas as obrigações contraídas em Portugal.

2 - A decisão de autoridade estrangeira que decretar a falência ou a liquidação da instituição de crédito só se aplicará às sucursais que ela tenha em Portugal, ainda quando revista pelos tribunais portugueses, depois de cumprido o disposto no número anterior.

Artigo 55.º

Contabilidade e escrituração

A instituição de crédito manterá centralizada na primeira sucursal que haja estabelecido no País toda a contabilidade específica das operações realizadas em Portugal, sendo obrigatório o uso da língua portuguesa na escrituração dos livros.

 

(...)

(Capítulo II – Sucursais)

Secção II – Países terceiros

Artigo 59.º

Capital afeto

1 - Às operações a realizar pela sucursal deve ser afeto o capital adequado à garantia dessas operações e não inferior ao mínimo previsto na lei portuguesa para instituições de crédito de tipo equivalente com sede em Portugal.

2 - O capital deve ser depositado numa instituição de crédito antes de efetuado o registo da sucursal no Banco de Portugal.

3 - A sucursal deve aplicar em Portugal a importância do capital afeto às suas operações no País, bem como as reservas constituídas e os depósitos e outros recursos aqui obtidos. (…)

 

(…)

Título VII – Supervisão prudencial

Capítulo III – Supervisão

Secção I – Supervisão em geral

(…)

Artigo 122.º

Instituições de crédito autorizadas em outros Estados-Membros da União Europeia

1 - As instituições de crédito autorizadas em outros Estados-Membros da União Europeia e que exerçam atividade em Portugal, desde que sujeitas à supervisão das autoridades dos países de origem, não estão sujeitas à supervisão prudencial do Banco de Portugal.

2 - Compete, porém, ao Banco de Portugal, em colaboração com as autoridades competentes dos países de origem, supervisionar a liquidez das sucursais das instituições de crédito previstas no número anterior.

3 - O Banco de Portugal colaborará com as autoridades competentes dos países de origem, no sentido de as instituições referidas no n.º 1 tomarem as providências necessárias para cobrir os riscos resultantes de posições abertas que decorram das operações que efetuem no mercado português.

(…)

Título VIII – Intervenção corretiva, administração provisória e resolução

Capítulo I – Princípios gerais

Artigo 139.º  - Princípios gerais

1 - Tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro, o Banco de Portugal pode adotar as medidas previstas no presente título.

(…)

 

Capítulo III – Resolução

Secção I – Finalidade, princípios orientadores e requisitos

Artigo 145.º-C

Finalidades das medidas de resolução

1 - Na aplicação de medidas de resolução, o Banco de Portugal prossegue as seguintes finalidades:

a) Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais para a economia;

b) Prevenir a ocorrência de consequências graves para a estabilidade financeira, nomeadamente prevenindo o contágio entre entidades, incluindo às infraestruturas de mercado, e mantendo a disciplina no mercado;

c) Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público, minimizando o recurso a apoio financeiro público extraordinário;

d) Proteger os depositantes cujos depósitos sejam garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e os investidores cujos créditos sejam cobertos pelo Sistema de Indemnização aos Investidores;

e) Proteger os fundos e os ativos detidos pelas instituições de crédito em nome e por conta dos seus clientes e a prestação dos serviços de investimento relacionados.

2 - O Banco de Portugal determina as medidas de resolução que melhor permitam atingir as finalidades previstas no número anterior, cuja relevância deve ser apreciada à luz da natureza e circunstâncias do caso concreto.

(…)

 

Secção VII – Relações com países terceiros

Artigo 145.º-AM

Resolução de sucursais estabelecidas em Portugal de instituições de crédito autorizadas num país terceiro

1 - O Banco de Portugal, quando se verifiquem as condições previstas no n.º 2, pode aplicar medidas de resolução ou exercer poderes de resolução em relação a uma sucursal estabelecida em Portugal de uma instituição de crédito autorizada num país terceiro que (…).(…)

Regressando ao RJ da CSB, atentemos agora também já na base de incidência (incidência objectiva, pois) que foi delineada pelo legislador. No que mais releva para presentes os autos. Seja para a questão em que nos encontramos (alegada violação do Princípio da equivalência) seja tendo também já  em perspectiva o que se irá apreciar mais adiante (alegada violação do Direito da UE, por tratamento discriminatório e violação da liberdade de estabelecimento). Dispunha o art.º 3.º do regime jurídico, na sua versão inicial (LOE2011), assim:

“Artigo 3.º

Incidência objectiva

A contribuição sobre o sector bancário incide sobre:

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido dos fundos próprios de base (Tier 1) e complementares (Tier 2) e dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos;

b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados (…).”

 

Em 2016, pela LOE 2016, o mesmo art.º 3.º do RJ da CSB foi alterado, a par da alteração ao art.º 2.º, n.º 1, al. c) como supra já percorrido (referimo-nos supra ao alargamento da incidência subjectiva, às Sucursais UE), para passar a ler-se (como ainda hoje) assim:

“Artigo 3.º

Incidência objectiva

A contribuição sobre o sector bancário incide sobre:

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integrem os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia (…), pelo Fundo de Garantia do Crédito (…) ou por um sistema de garantia e depósitos oficialmente reconhecido (…), ou considerado equivalente (…), dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central (…).

b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados (…).” [al. sem alterações]

Era esta última, portanto, a versão aplicável ao caso dos autos, em que o que se vem questionar é a autoliquidação do ano de 2019.

 

Na regulamentação, na Portaria portanto (cfr. art.º 8.º do RJ da CSB - “Regulamentação”, supra), estabelece-se, no que ora possa relevar, e na versão aplicável ao caso (i.e., a versão da Portaria após alterada pela Portaria n.º 165-A/2016) assim:

“Artigo 3.º

Incidência objectiva

A contribuição sobre o sector bancário incide sobre:

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integrem os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia (…), pelo Fundo de Garantia do Crédito (…) ou por um sistema de garantia e depósitos oficialmente reconhecido (…), ou considerado equivalente (…), dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central (…).

b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados (…).”

(nota do Tribunal: reproduz o art.º 3.º do RJ da CSB; já reproduzia na versão da LOE 2011, e reproduz, entretanto pois - o art.º 3.º do RJ da CSB - cfr. versão da LOE 2016)

 

Artigo 4.º

Quantificação da base de incidência

1 – Para efeitos do disposto da alínea a) do artigo anterior, entende-se por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com excepção dos seguintes:

a) Elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios;

b) Passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício (…);

c) Passivos por provisões;

d) Passivos resultanes da reavaliação de (…);

e) Receitas com rendimento diferido (…);

f) Passivos por activos não desreconhecidos.

2 - Para efeitos do disposto da alínea a) do artigo anterior, observam-se as regras seguintes:

a) O valor dos fundos próprios, incluindo os fundos próprios de nível 1 e os fundos próprios de nível 2, compreende os elementos positivos que contam para o seu cálculo de acordo com o disposto na Parte II do Regulamento (UE) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, tendo em consideração as disposições transitórias previstas na Parte X do mesmo Regulamento que, simultaneamente, se enquadrem no conceito de passivo tal como definido no número anterior;

b) Os depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia (…) relevam apenas na medida do montante efectivamente coberto por esse Fundo.

3 - Para efeitos do disposto na alínea b) do artigo anterior, (…).”

 

E no Preâmbulo da Portaria , por sua vez, lê-se, entre o mais:

“A Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, estabeleceu (…) um regime (…), definindo os elementos essenciais deste tributo público em termos semelhantes aos de contribuições já introduzidas por outros Estados membros da União Europeia, com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados.

O Governo acompanha a evolução da matéria a nível comunitário (…).

Apelando às noções do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, a contribuição sobre o sector bancário incide, assim, sobre as instituições (…).

A presente portaria densifica também os conceitos relevantes para a determinação da base de incidência estabelecida pela Lei n.º 55-A/2010 (…).

(…) Excluído para este efeito do passivo fica um conjunto de realidades muito circunscrito,  (…), atento o objectivo da mitigação de riscos sistémicos que subjaz largamente à criação desta contribuição. É também o objectivo da mitigação de riscos sistémicos que dita a desconsideração, para efeitos da base tributável, dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia (…) na parcela do respectivo valor que seja objecto de cobertura (…) Idêntica razão explica que não se intgrem na base tributável os instrumentos financeiros derivados de cobertura de risco, bem como (…).”  

 

Já no Preâmbulo da Portaria n.º 165-A/2016, que altera a Portaria, por sua vez, assim:

“A Lei n.º 7-A/2016, (…) procedeu à alteração do regime da contribuição (…), designadamente ao âmbito das incidências subjectiva e objectiva, bem como (…).

Em consequência deve ser alterada a Portaria (…), bem como a declaração de modelo oficial n.º 26 (…).”

 

Por fim, nos Documentos para os quais na Portaria se remete ao densificar o conceito de Passivo e possíveis realidades dele excluíveis (cfr. art.º 4.º, n.º 2, al. a) – e na versão inicial , al. a) e al. b), reportando-se ao Aviso do BdP -, Portaria), dê-se nota, com interesse:

                -  No Aviso do Banco de Portugal n.º 6/2010, de 30 de Dezembro, que cuida a matéria dos fundos próprios, no Preâmbulo, lê-se assim: “(...) Considerando que (…) o regime prudencial dos fundos próprios não deve acolher, diretamente, a classificação entre instrumento de dívida e instrumento de capital consignada nas Normas Internacionais de Contabilidade;”

                -  No Regulamento (UE) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, por sua vez, a matéria já é tratada numa perspectiva precisamente de requisitos prudenciais, o que é incorporado depois já quando aí se tratam os elementos dos fundos próprios (nos art.ºs 25.º e ss, para onde a Portaria remete, desde a alteração em 2016).

 

A terminar este percurso refira-se ainda que – como bem deixou o legislador Nacional reflectido –  v. Preâmbulo da Portaria (supra), v. Relatórios OE (supra), v. DL que alterou o RGICSF em Fevereiro de 2012 e criou o FdR , e em cujo Preâmbulo se lê, entre o mais, “As possíveis vias de superação de tais fragilidades têm sido discutidas em diversas instâncias internacionais, nomeadamente sob a égide da Comissão Europeia, do Financial Stability Board e do G20. A reflexão em curso tem incidido, fundamentalmente, sobre a necessidade de conferir às autoridades de supervisão um alargado conjunto de poderes que privilegiem tipos de intervenção precoce, essencialmente de carácter preventivo. / (...) necessidade de implementar mecanismos que permitam, em situação de grave desequilíbrio financeiro, recuperar a instituição de crédito ou preparar a sua liquidação ordenada, de modo a salvaguardar o interesse essencial da estabilidade financeira. / (…) A promoção da estabilidade do sector financeiro e a maior protecção dos depositantes (…). Neste sentido o Estado Português assumiu o compromisso de reforçar os regimes de intervenção (…) antecipando-se mesmo, na linha do efectuado por outros Estados-Membros da União Europeia (…) ao futuro enquadramento comunitário em questões chave consideradas como de especial relevância para a promoção da confiança no sistema financeiro nacional.”, entre o mais –, a CSB plasma, na sua criação e estruturação (e continuidade no nosso Ordenamento Jurídico), o contexto Europeu e Internacional marcado pela crise financeira Mundial com inícios em 2007. Que, entre tudo o mais, forçou a robustas intervenções por parte dos Estados utilizando avultados recursos públicos, e assim penalizando os contribuintes em geral, com vista a assegurar o bem maior da estabilidade financeira, e a proteger os depositantes.

E que viria a despoletar toda a acção por parte da UE tendo em vista a importância de criar mecanismos para prevenir situações de futuras crises e evitar (prevenir) - ponto que cremos fundamental e a perpassar toda a planificação de medidas neste contexto na UE - a dependência, em tais situações, dos recursos públicos. Ponto que entendemos também evidente na Comunicação da Comissão de 26.05.2010 (COM (2010) 254 final) , documento de valor para a contextualização, também, do “nosso” tributo.

 

*

Retornando ao caso.

Percorrido assim o quadro legal e regulamentar,

Contextualizada a criação da CSB, e a sua estrutura nas vertentes de incidência subjectiva e objectiva.

Vejamos, então.

 

Recorde-se que temos em vista neste ponto a suscitada violação do princípio da igualdade na sua tradução como princípio da equivalência na matéria em que nos movemos – Taxas e Contribuições. Que a Requerente alega violado por a si não lhe poder em nada beneficiar qualquer prestação que venha a ser levada a cabo pela entidade a quem a receita da CSB se destina. Nem ser causadora de uma tal prestação. Uma vez que o BdP não lhe pode aplicar a si Requerente uma medida de resolução. Não pode, portanto, resolver a Sucursal, como Sucursal UE que é.

 

Apreciado, e levando em consideração tudo o que vimos de percorrer.

A CSB deve a sua criação a um contexto de crise do Sistema Financeiro.

Foi com o objectivo de reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados que o legislador a criou. Como expressamente no Preâmbulo da Portaria (supra).

Prevenção de riscos sistémicos. Repartição de riscos mais adequada entre contribuintes e sector bancário. Como expressamente nos Relatórios OE (supra).

E como é conclusão necessária de tudo o que vem de se percorrer.

Assim sendo, é a um grupo delimitado de contribuintes que o tributo se destina. A um sector de actividade. Aqueles que operam precisamente no Sistema Financeiro como seus principais actores. Aqueles, afinal, que maiores benefícios poderão retirar do salutar funcionamento do sistema financeiro e, simultaneamente, maiores causadores poderão ser da sua desestabilização.

Que não aos contribuintes em geral.

 

Quanto a estarmos perante uma Contribuição Financeira.

É reconhecidamente aceite a existência no nosso Ordenamento Jurídico-Tributário de diferentes espécies de tributos.

 

E o que sobretudo as distingue vai já sendo também matéria praticamente assente.  Assim, os tributos que o legislador Constituinte veio reconhecer, aquando da quarta revisão constitucional, no art.º 165.º, n.º 1, al. i), são, a par dos impostos stricto sensu (doravante também “Impostos”), as Taxas e as Contribuições financeiras. Como depois foi reflectido pelo legislador na LGT - v. art.º 3.º, n.ºs 2 e 3.

 

A LGT define em geral os pressupostos tributos, maxime dos Impostos e das Taxas, cfr. art.º 4.º, n.ºs 1 e 2. Doutrina e Jurisprudência vêm densificando ao longo do tempo os conceitos nesta delimitação tripartida dos Tributos.

 

“Os impostos têm sempre por finalidade imediata  o financiamento de despesas públicas, realizadas por entidades de direito público, não directamente individualizáveis (no sentido de que lhes é alheia uma ideia de contraprestação, pelo menos directa) e cujo financiamento é unilateral e autoritariamente imposto com base num princípio de capacidade contributiva. Ou que, nos termos do art.º 4.º, n.º 1 da LGT, assentam essencialmente na capacidade contributiva.  Já as taxas, não obstante terem, tal como os impostos, uma finalidade de financiamento dos encargos com funções públicas, circunscrevem-se ao âmbito de funções públicas individualizáveis, susceptíveis de proporcionar vantagens ou benefícios - que são identificáveis de forma directa, em concreto - a quem as utiliza ou delas simplesmente beneficia. Revestem-se, assim, de carácter não já unilateral mas sim sinalagmático. Esta (também denominada) bilateralidade que as caracteriza decorre da própria natureza do respectivo facto constitutivo da obrigação em causa, seja ele a prestação de um concreto serviço público, a utilização de bens do domínio público ou, ainda, a remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares .”

 

Já as Contribuições são de qualificação jurídica mais difícil. “(...) estaremos aqui perante tributos a meio caminho entre os impostos e as taxas, que reúnem características próprias quer de uma, quer da outra espécie. Uma figura híbrida, a que diversos Autores se vêm referindo como um “tertium genus” de receitas.  Deles é própria também uma contraprestação, porém difusa, não individualizável. Sendo pois os respectivos beneficiários receptores de uma contraprestação colectiva, homogénea nesse conjunto de sujeitos, mas distinta daquela que seria a satisfação do interesse colectivo da comunidade como um todo. Revestem assim natureza grupal, e são também apelidadas de tributos paracomutativos por se entender traduzirem a contrapartida de prestações relativamente às quais apenas se presume (de uma forma mais difusa que nas taxas, mas menos que nos impostos) que os respectivos sujeitos passivos serão beneficiários.”  Ou causadores.

 

Contraprestação, pois, mas difusa - beneficiários presumíveis receptores de uma contraprestação colectiva, homogénea nesse grupo. Ou, bem assim - participantes do grupo  causadores - presumíveis - da necessidade de tal prestação. Sinalagma difuso. No grupo. Causalidade de provocação de custos e respetiva responsabilidade (grupal) igualmente presumidas, num sinalagma difuso.

Como refere Sérgio Vasques, “(...) na conformação das contribuições é a própria provocação ou aproveitamento de uma prestação que assenta em juízos de normalidade, não se podendo dar por segura quanto a cada concreto sujeito passivo.” ; “As contribuições não servem, portanto, a uma troca entre o sujeito passivo e a administração mas a uma troca entre a administração e o grupo em que o sujeito passivo se integra (...)”.

 

E estamos assim no seio de uma necessária equivalência. Precisamente o critério material para a aferição da existência de um efectivo sinalagma que materialmente permita justificar a tributação. Princípio da equivalência como tradução necessária, em matéria de tributos comutativos e paracomutativos, do Princípio da igualdade tributária. Sendo que a equivalência aporta exigências de proprocionalidade, porém não de uma verdadeira equivalência económica, como bem se compreende. No caso das Contribuições estamos perante um sinalagma difuso. E a equivalência que se exige é, necessariamente, uma equivalência jurídica.

 

São tributos que têm como característica, assim também, a respectiva receita se encontrar destinada precisamente aos fins da prestação pública em causa, tendencialmente acompanhados de consignação da mesma, seja material seja orgânica em favor de entidades públicas de base não territorial.

 

Retornando à CSB, a mesma incide sobre o sector bancário, como se percorreu no respectivo regime jurídico, regulamentação e documentação supra, e como a norma de incidência do RJ da CSB reflecte – cfr. art.º 2.º, n.º 1 . Grupo delimitado de contribuintes, o sector bancário. Intervenientes por excelência do sistema financeiro.

A respectiva receita é recurso do FdR, pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, e cujas finalidades se prendem com o apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal, como supra.

As medidas de resolução por parte do BdP pretendem levar à prática uma série de princípios e visam por sua vez uma série de objectivos. À cabeça, a manutenção da estabilidade do sistema financeiro, prevenir o alastrar do risco sistémico, evitar situações de contágio entre entidades, incluindo às infraestruturas de mercado, manter a disciplina no mercado. Salvaguardar os interesses dos contribuintes em geral e, assim, evitar que venha a recair sobre estes o peso da manutenção de tal estabilidade em situações de crise sistémica. Fazendo com que sejam os “actores” os respectivos “pagadores”. À imagem, também, do princípio do poluidor-pagador, se quisermos. Proteger os fundos e os activos detidos pelas instituições de crédito em nome e por conta dos Clientes. V., entre o mais, art.º 145,º-C do RGICSF, supra.

 

E medidas essas que se enquadram num âmbito mais vasto de medidas tomadas e recomendadas a nível internacional e Europeu, com objectivos bastante claros. Plasmados entre o mais nos Diplomas e Documentação a respeito que também percorremos supra. Objectivos esses a que também a criação da CSB obedeceu.

 

Reúnem-se as caraterísticas próprias das Contribuições Financeiras, na CSB.

 

A Requerente é Sucursal de uma Instituição de Crédito, a actuar em Portugal. Como também já percorrido. Enquanto tal, pratica as actividades próprias da actividade bancária, desenvolvendo-as no nosso país . Entidade habilitada a exercer as actividades próprias do sector. No nosso mercado, portanto. Cfr. art.º 10.º, n.º 1, al. b) do RJICSF, supra. Ao assim actuar, capta depósitos no nosso país, e aqui presta aconselhamento financeiro aos seus Clientes recebendo instruções de investimento (v. factos provados supra). Desenvolvendo a sua actividade essencialmente como Advisory Branch  - “Private Banking”, não deixa de se enquadrar na dita actividade, como bem se compreende. E não será por os depósitos ficarem registados como pertencendo ao país da casa-mãe que deixam de ter sido captados em Portugal, sempre se diga. Sendo que o respectivo crédito não deixa de aqui permanecer, na titularidade do Cliente, bem como colaterais e outros relacionados com possíveis aplicações financeiras, também eles podendo, como se compreende, localizar-se em Portugal. Mais, os mercados financeiros não são nacionais, como se sabe, e o dinheiro depositado numa hora pode estar no momento seguinte disseminado por vários pontos do Mundo. A actividade desenvolvida pela Requerente é pois a própria do grupo que o legislador tributário seleccionou para sujeito passivo do Tributo. O sector financeiro. A Requerente pertence ao grupo em causa, e, como aos demais integrantes do mesmo grupo, beneficiam-na as possíveis intervenções por parte do BdP na preservação da estabilidade do sistema financeiro. Como, por outro lado, pode participar activamente na criação de maiores riscos no sistema e contribuir para as crises financeiras que se pretende prevenir e para enfrentar as quais – caso ocorram - se procura assim reunir recursos financeiros especificamente destinados a esse fim. Em separado dos demais recursos do Estado.

 

Não se trata pois, apenas, de uma questão de poder ela Requerente ser ou não alvo de resolução por parte do BdP. O que está em causa, na prestação pública em questão, é muito mais abrangente do que isso. Como bem se compreende pela própria natureza do funcionamento do sistema e dos mercados financeiros. O maior desequilíbrio e/ou o descalabro de uma entidade pode provocar choques ou ondas de choque por todo o, ou parte do sistema. Afectar as demais instituições intervenientes e o mercado como um todo. Os demais integrantes do grupo, pois, antes de quaisquer outros.

Como, na perspectiva simétrica, o comportamento desenvolvido na sua actividade, por qualquer dos intervenientes do grupo, pode ser causa daquelas mesmas ondas de choque. Práticas de maior risco e de menores acautelamentos com garantias seguras poderão, como se sabe, contagiar-se nos seus efeitos de forma abrupta e com resultados imprevisíveis, tendencialmente difíceis de conter e a exigir, lá está, intervenção pública que permita obstar à ocorrência dos piores cenários e que preserve a estabilidade do sistema.

 

Ou seja, contrariamente ao invocado pela Requerente, não será por o BdP não poder resolvê-la que, ainda assim, não poderá, desde logo, ser beneficiária de medidas de resolução  adoptadas pelo BdP (que não a ela directamente dirigida a resolução em concreto). E, por outro lado, não deixará também ela de ser um dos agentes potencialmente causadores dos riscos sistémicos que pela dita actuação do BdP se visa combater. Quer quanto à primeira (ser beneficiária das prestações) quer quanto à segunda (ser causadora das prestações) se bastando o legislador, vimo-lo, com que seja assim presumivelmente. Sem que se cuide de garantir que assim sucede efectivamente no caso concreto de cada sujeito passivo. Basta-se o legislador, em matéria de Contribuições, com a pertença do sujeito passivo ao grupo. Grupo relativamente ao qual se presume afinal o benefício e sobre o qual se há-de reconhecer pender uma especial responsabilidade.

 

Assim, e se é certo que como Sucursal UE não poderá o BdP proceder à sua resolução ,  a Requerente, não obstante, não pode deixar de ser considerada como beneficiária presumível de prestações futuras em que as receitas apuradas com o Tributo serão aplicadas e, bem assim, como presumível causadora (numa responsabilidade própria do grupo) da necessidade de utilização efectiva dessas receitas para o fim a que se destinam. Que é o fim a que se destina, afinal, o Tributo. A preservação da estabilidade do sistema financeiro. Ou, melhor, a reunião de recursos financeiros para fazer face às medidas (prestações públicas) de preservação da estabilidade do sistema financeiro que se revelem necessárias.

 

E sempre se diga. A segurança, ainda que relativa, com que a  presunção é feita, não deixa de ser evidente. Aliás, em qualquer das vertentes (benefícios com a prestação / causação da prestação). Com efeito, uma instituição de crédito, mesmo que desenvolvendo a sua actividade sob a forma de Sucursal, no país em que o faça, e mesmo que sendo Sucursal UE e assim à partida abrangida por medidas de resolução no país da Sede, não deixa de se posicionar precisamente em qualquer daquelas situações no grupo - sector financeiro. Está sujeita, por um lado, a que outras Instituições a actuar no mercado a contagiem, a ela e ao sistema. E está em posição de, no normal desenvolver da sua actividade, causar riscos sistémicos, e contagiar outras. Sem qualquer impedimento de assim suceder porque revista a forma de Sucursal, Sucursal UE (e sem deixar de com isto se reconhecer que há-de ser a entidade responsável no EM da Sede que providenciará aí uma eventual resolução da empresa). Seja no primeiro vector, seja no último, a História, menos e mais recente, é rica em demonstrar que o sistema assim funciona. Não sendo de menosprezar os efeitos de contágio que uma Sucursal UE, até mesmo actuando sobretudo como Advisory Branch, como supra aproximado, pode também ela comportar/aportar. E que os efeitos de uma Sucursal, mesmo que Sucursal UE, podem ser de relevo, não deixa de se poder retirar também do previsto pelo legislador nos dispositivos do RGICSF percorridos acima – v. em especial, supra, os art.s 53.º e 54.º, art.º 122.º, n.ºs 2 e 3.

 

Verifica-se, nesta medida, e por tudo o exposto, cumprido o Princípio da equivalência na CSB também quando aplicado o Tributo às Sucursais UE. Também quando aplicado, pois, à Requerente.

 

E aquilo que também se exige na materialização do princípio da equivalência, em sede de Contribuições, é não uma equivalência económica – no que à medida em que o sujeito passivo suporta o tributo diz respeito – mas a equivalência jurídica. Ainda que de alguma proporcionalidade se deva estar a tratar. O que, diga-se, no caso da CSB é até de relativa fácil apreensão. Senão vejamos. A base de incidência é calculada precisamente tendo em vista apurar aquilo que na contabilidade dos sujeitos passivos represente potencial risco de cumprimento. São os Passivos desde logo o que se tem em vista apurar, para depois se lhe aplicar, sobre o montante em causa, a taxa respectiva. Mas desconsiderando-se nesse Passivo um conjunto de situações que se traduzem, afinal, e em termos simples, em menor risco. Pelo que, como é bom de ver, também aqui, a par de uma proporcionalidade que se pretende apurar (apuramento do montante daquilo que se considera “menos seguro”, que se considere sinal de menor “garantia” de cumprimento de responsabilidades, com vista à, então, liquidação do Tributo), se detectam de algum modo objectivos de modulação de comportamentos, práticas. O que não deixa também de ser característico da parafiscalidade, em que nos movemos. Irá pagar mais quem, afinal, maior Passivo elegível tiver.  Desincentivo, pois, de alguma maneira, ao adoptar de práticas de maior risco no mercado. Mais potenciadoras de riscos sistémicos.

 

Conclui-se, assim, que em nenhuma das análises ao critério da equivalência, no caso da CSB, inclusive quando aplicável a uma Sucursal UE, como é o caso da Requerente, deixa de ter sido cumprido. Não resulta violado o Princípio da equivalência. E, assim, a al. c) do n.º 1 do art.º 2.º do RJ da CSB na versão em vigor desde a alteração operada pela LOE 2016 – não viola o art.º 13.º da CRP, nem o art.º 5.º, n.º 2, da LGT.

 

Verificou-se, na análise, o cumprimento de uma medida de proporcionalidade. Sendo que já quanto à alegada pela Requerente violação da sua capacidade contributiva, diga-se por fim, não se alcança a referência feita, sem qualquer indicação de artigo ou fundamentação. De todo o modo, como a Requerente revela também bem conhecer, o que está em questão é, no caso, por se estar perante uma Contribuição, não o aferir do cumprimento do Princípio da Igualdade na sua vertente/critério de capacidade contributiva mas sim de Princípio da equivalência. Que vem de se confirmar respeitado. Ademais, note-se, o Tributo incide sobre uma realidade concreta que se aparta desde logo da possível medida da capacidade contributiva a que a Requerente se pretenderá referir, estando o legislador no caso a tributar montantes de Passivo (e/ou valor nocional de Instrumentos financeiros).

 

Quanto, por sua vez, à Questão E),

E) O regime jurídico da CSB é contrário ao Direito da UE por ser, em si, violador da Directiva 2014/59/UE? Em particular, cria situação de dupla tributação violadora da Directiva, e/ou implica violação do princípio da livre concorrência assim colocando em causa os objectivos de harmonização da Directiva? Padecendo por esta via a Liquidação de vício de violação de lei?

 

A posição da Requerente neste ponto consta já no relatório, supra. Em suma entende que o regime harmonizado pela BRRD resulta violado pelo regime da CSB, que deveria ter deixado de vigorar com a transposição da Directiva. Sendo as receitas da CSB destinadas ao FdR e não sendo, ela Sucursal UE – cfr. também a Directiva –, uma possível destinatária de medidas de recuperação e de resolução por parte das entidades portuguesas, o regime resulta desrespeitado, ao que acresce que a CSB não vem prevista na Directiva. E assim também se cria situação de dupla tributação pois que também a casa-mãe está sujeita a contribuições previstas na Directiva. Resulta uma oneração acrescida, que viola a liberdade de concorrência.

 

Vejamos.

A Directiva 2014/59/UE, de 15 de Maio de 2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, veio estabelecer um regime harmonizado em matéria de medidas para recuperação e resolução de instituições de crédito e empresas de investimento.  Encontrava-se já em vigor o regime da CSB, portanto. Foi transposta pela Lei n.º 23-A/2015, que alterou o RGICSF e ali também contemplou as então novas contribuições, que por esta via passaram a ser devidas pelas instituições de crédito (sem que incluídas aqui ficassem as Sucursais UE). Ao fazer-se esta transposição ressalvaram-se, expressamente, contribuições então já em vigor a favor do FdR (por força do DL n.º 24/2013, de 19 de Fev.) - as periódicas e as especiais adicionais.

Na Directiva que se transpõe perpassa, por diferentes dispositivos, um princípio de, diremos, mínimo obrigatório (de recursos a reunir), mas acima do qual (para além do qual) não deixarão os Estados de poder ir, preenchidas que estejam determinadas condições. Como é próprio, aliás, em Direito da UE. Na situação, tenha-se em vista que o que se pretende também e em grande parte com todas estas medidas é o proteger da esfera dos contribuintes, ou do Erário Público, como se preferir. Ora protecção essa que desde que cumprida por parte dos Estados nesse mínimo que se determina ser o exigível, a partir daí (para melhor) não deixam os Estados de ser livres de o fazer, criar níveis adicionais de protecção. E é assim que se pode ler no Considerando (104) da Directiva assim: “Como regra geral, os Estados-Membros deverão criar os seus mecanismos nacionais de financiamento, através de fundos controlados pelas autoridades de resolução, a utilizar para os efeitos previstos na presente diretiva. Todavia, deverá prever-se uma derrogação estritamente enquadrada para permitir que os Estados-Membros criem os seus mecanismos nacionais de financiamento através de contribuições obrigatórias de instituições autorizadas nos respetivos territórios não detidas através de fundos controlados pelas respetivas autoridades de resolução, desde que sejam cumpridas certas condições.”  Depois, no art.º 1.º, n.º 2, assim: “Os Estados-Membros podem adotar ou manter regras mais rigorosas ou adicionais em relação às estabelecidas na presente diretiva e nos atos delegados e de execução (...), desde que sejam de aplicação geral e não colidam com a presente diretiva nem com os atos delegados (…).” E, por sua vez, no art.º 100.º, n.º 6, “(...) para efeitos do cumprimento das obrigações que lhe incumbem por força do n. 1 do presente artigo, um Estado-Membro pode criar os seus mecanismos nacionais de financiamento através de contribuições obrigatórias das instituições autorizadas no seu território (…) desde que: (…). Para efeitos do presente número, os meios financeiros disponíveis a ter em conta para atingir o nível-alvo especificado no artigo 102.º podem incluir as contribuições obrigatórias provenientes de um regime de contribuições obrigatórias criado por um Estado-Membro entre 17 de junho de 2010 e 2 de julho de 2014, pagas pelas instituições no seu território para efeitos de cobertura dos custos relacionados com o risco sistémico, a situação de insolvência e a resolução das instituições, desde que (…).”

O legislador manteve em vigor as já referidas contribuições para o FdR.

E manteve em vigor, por outro lado, o regime da CSB.

Não cremos, devidamente interpretada a Directiva e a lógica que lhe está subjacente, que ao legislador estivesse vedado manter essa outra Contribuição em vigor. Com os fins e estruturação que a mesma reveste, que já percorremos.

E, também aqui, não vemos que no caso das Sucursais UE tal deixe da mesma maneira se concluir. Com efeito desde logo, vimo-lo, não deixa de em relação às mesmas se verificar o pressuposto e a finalidade do Tributo. E não deixam os Estados-Membros de estar em condições, mesmo no contexto da vigência da BRRD, de criar, em certos termos, mecanismos adicionais de reunião de recursos financeiros para os mesmos fins.

Quanto por sua vez a uma alegada situação de dupla tributação. Se bem alcançamos a Requerente reporta-se à dupla tributação do Passivo. Passivo que, refere, ser tributado, assim, duas vezes.

Deve começar por notar-se que as situações de dupla tributação não são por si ilegalidades. São fenómenos que tendem a ocorrer, por excelência na tributação internacional, e que, quando assim, beneficiam de mecanismos que visam atenuá-la ou eliminá-la. Pensamos nas CDTs.

Depois cabe referir que as situações que se conhecem de CDTs não têm em vista situações de dupla tributação de Passivos. Nem, tanto quanto se sabe, têm por objecto tributos comutativos e/ou paracomutativos.

Mas ainda que assim não fosse, sempre se diga. Das regras que se conhecem, sempre caberá ao Estado da Residência a eliminação das situações de dupla tributação. Pelo que desde logo a questão seria de colocar nesse Estado, que não Portugal. E, assim também, não perante este Tribunal.

Por fim ainda, com as palavras de Alberto Xavier: “Uma coisa é, na verdade, saber se existe dupla tributação, outra saber se essa dupla tributação se justifica ou, pelo contrário, deve ser eliminada ou atenuada.”

Não ocorre, assim, aqui qualquer vício de violação de lei.

 

Quanto à também aludida pela Requerente violação do Direito da concorrência.

Não indica a Requerente qualquer artigo que considere violado. E apenas refere que as alegadas diferenças de regime que a CSB estabelece geram violação da livre concorrência, e que o princípio é sublinhado na Directiva.

Deve dizer-se que não colhe, quanto a nós, o argumento. Não se compreende em que medida possa estar a livre concorrência a ser violada, ao as Sucursais UE de instituições de crédito estarem a ser chamadas a suportar, no país onde desenvolvem a sua actividade, uma Contribuição Financeira destinada à prevenção de riscos sistémicos e eventos relacionados, aos quais podem presumivelmente dar causa e de cujas prestações públicas de prevenção/reparação podem presumivelmente beneficiar. Mais tendo em conta que, como Sucursais UE que são, não deixando de criar as responsabilidades inerentes à actividade no país onde a desenvolvem, não estão, ainda assim, obrigadas ao cumprimento de capitais mínimos dotados de carácter de permanência e ou ao cumprimento de rácios como as suas concorrentes no mercado, que não Sucursais UE, estão. Quando aquilo que se pretende com a CSB é também, como vimos, conduzir a que as instituições operando no mercado se dotem de maiores condições de solvabilidade e outras. Prevenir ocorrências propiciadoras de crises sistémicas. Tributando-se assim também numa base de alguma proporcionalidade.

Uma eventual violação da livre concorrência poderia ser de ponderar sim, eventualmente, na situação inversa. Em que todos os intervenientes no mercado, os membros que integram o (grupo) sector financeiro estão obrigados a pagar as suas Contribuições para os fins em benefício (antes de mais) do grupo. E as Sucursais UE, também elas integrantes do grupo, o não têm que fazer . Não obstante também elas terem, entende-se, um papel - que não pode deixar de se considerar relevante - a desempenhar na manutenção da confiança nos mercados, minimização de riscos sistémicos e o mais percorrido.

Não se verifica, igualmente por aqui, vício de violação de lei.

 

Quanto à Questão D),

D) O regime jurídico da CSB é contrário ao Direito da UE por violação do Princípio da proibição de tratamento discriminatório consagrada no Artigo 18.º do TFUE e/ou por violação da Liberdade de estabelecimento consagrada no Artigo 49.º do TFUE e padecendo por esta via a Liquidação de vício de violação de lei?

 

Nos termos do Artigo 18.º do TFUE “No âmbito da aplicação dos Tratados, (…), é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.” Conforme Jurisprudência assente do TJUE aqui se incluirão as discriminações em razão da residência. Sendo que, sempre que em outro dispositivo do TFUE se dê concretização à concreta Liberdade fundamental de que se cuide no caso concreto será esse o Artigo a convocar. Nos termos do Artigo 49.º do TFUE “(...) são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro. Esta proibição abrangerá igualmente as restrições à constituição de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado-Membro estabelecidos no território de outro Estado-Membro. (…)”

 

Segundo a Requerente, resulta no seu caso violada, pela aplicação a si da CSB, a sua Liberdade de estabelecimento. Pois que, antes de mais, é Sucursal. Sendo-o, por definição não pode ter Capitais Próprios. Nem fundos próprios. E assim não pode deduzir do Passivo elegível, para a base da CSB, aquilo que, diferentemente, as instituições de crédito com sede em Portugal podem. E contabilisticamente o empréstimo recebido da casa-mãe tem que ser registado na Sucursal como Passivo.

 

Começará por se dizer que já decidiu o TJUE - ainda que em matéria de tributação sobre o rendimento - no sentido de que uma medida fiscal que é suscetível de afectar a liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.º TFUE só pode ser admitida se disser respeito a situações que não são objetivamente comparáveis. Ou se for justificada por razões imperiosas de interesse geral reconhecidas pelo Direito da União. Nesta hipótese, impõe-se ainda que seja adequada a garantir a realização do objetivo em causa e não vá além do que é necessário para alcançar esse objetivo (Acórdão de 31 de Maio de 2018, Hornbach-Baumarkt, C-382/16).

 

Vejamos.

 

À partida, a estarmos perante situações objectivamente comparáveis – a da Sucursal face à das instituições de crédito residentes  - poderia colocar-se então a questão de estar a ser afectada a Liberdade de estabelecimento.

 

A Requerente defende estar a ser discriminada, e assim estar a ser violada a sua Liberdade de estabelecimento, por, afinal, ser Sucursal. Como refere, a sua “ausência de personalidade jurídica determina, entre o mais, a inexistência de capital social e, deste passo, a inexistência de capitais próprios tal como estes são considerados e contabilizados para efeito das instituições de crédito com sede e administração efectiva em Portugal”.  E daqui decorre, defende, a “impossibilidade de aplicar a dedução vertida no art.º 4.º, n.º 1, al. a) da Portaria” às Sucursais UE.

Apela, assim, entenda-se, a estar a ser alvo de um tratamento diferenciado, que resultará numa maior tributação no seu caso, pela sua natureza de Sucursal, comparativamente às entidades residentes em igualdade de circunstâncias.

 

Vejamos então se se verifica desde logo esse tratamento diferenciador. Do qual decorreria uma violação ao exercício da sua liberdade de estabelecimento, passível de dissuadir a Requerente de manter-se (enquanto Sucursal) no território Português.

 

Antes de mais sempre se diga que ao ter escolhido a forma jurídica de Sucursal a Requerente terá ponderado entre as diversas formas possíveis de adoptar para o desenvolvimento do seu negócio em Portugal. E, também, que não estamos a tratar de tributação sobre o rendimento mas sim de um tributo paracomutativo (com uma base de incidência aliás muito específica).

Com efeito, a Requerente invoca, por um lado, o Acórdão do TJUE no Caso Brisal . Como invoca, também, por outro, o entendimento que a Requerida segue em sede de IRC com referência ao tratamento de juros que se vençam em empréstimos concedidos por casas-mãe às Sucursais. Aqui pressupondo, pois, a possível aplicação do mesmo racional. Porém não estamos, insiste-se, em IRC. A razão de ser da tributação (e seus pressupostos), desde logo, como vimos, é totalmente distinta. E os objectivos visados pelo legislador ao tributar aqui são também eles totalmente distintos. Não é convocável, nos termos em que o pretende a Requerente, para esta sede, o que ali refere, como bem se compreende. E mesmo quanto ao Acórdão Brisal sempre se note que no caso o que foi reconhecido foi (em termos aqui muito abreviados e simplificados) que - tendo o Não Residente custos que seriam custos dedutíveis fora ele um Residente - deveria ser-lhe reconhecida a possibilidade de deduzir esses mesmos custos para, igualmente no seu caso, se apurar um rendimento líquido.

 

Pois bem, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos.

Desde logo tivesse a Sucursal os elementos do passivo que o legislador da CSB permitiu desconsiderar da base de incidência e poderia desconsiderá-los .

Não se dá o caso de os ter e não ser admitida a considerá-los (“deduzi-los”) (como melhor veremos).

Para dizer, portanto, que se os tiver há-de “deduzi-los” exactamente como se fora instituição de crédito Residente. O racional do Acórdão Brisal, caso se entendesse convocável, o que não parece, ficaria assim prejudicado à partida. Como também não será de aportar um racional em matéria de dedutibilidade de custos em IRC, e qualificações aí feitas, para o campo da presente tributação. Desde logo quando aquilo que o legislador precisamente convoca, na delimitação da incidência objectiva na CSB, é a contabilidade do SP (não se aplicando, pois, algo de aproximado ao que o art.º 23.º do CIRC representa para apuramento de matéria colectável aí).

Mas nem tão longe seria necessário chegarmos. Como se verá.

 

Apela pois a Requerente a um alegado tratamento discriminatório porque não pode, segundo afirma, ter capitais próprios nem, bem assim, fundos próprios. E assim não pode, ao contrário dos sujeitos passivos de CSB não constituídos sob a forma de Sucursal, deduzir o que quer que seja ao Passivo. Que servirá de base tributável na CSB.

 

Procurando ser sintéticos. Em matéria financeira a contabilidade – sem surpresa – assume papel particularmente relevante. Sem surpresa, por isso também, na delimitação da incidência do Tributo o legislador teve em mente – e por apoio fundamental – a contabilidade. As regras contabilísticas. Por toda a terminologia ali utilizada pelo legislador (na delimitação objectiva da incidência) perpassa o cariz contabilístico da matéria. Direito contabilístico.

 

Com interesse para o caso, dispõe, o art.º 11.º, n.º 2 da LGT, assim: “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.”

Pois bem.

Percorrido o regime jurídico do Tributo conforme consagrado, atento também o teor dos Preâmbulos das Portarias, dos Relatórios OE, e demais supra sumariado, e tendo agora em mente sobretudo a delimitação da incidência, dúvidas não restarão de que - não só na letra da lei, como no espírito do legislador - o que se pretendeu tributar foi aquilo que nas Contas destes sujeitos passivos constituem elementos associados a uma mais provável situação de dificuldade de cumprimento de suas responsabilidades (linguagem menos técnica do que seria a contabilística). E assim, através da tributação, conseguir - entre o mais - que aqueles que com maior probabilidade (atentando na sua realidade contabilística) entrarão em situação “menos segura” para o sistema, tenham que pagar mais (CSB), tenham que contribuir mais para a reunião de fundos que serão destinados aos fins que já conhecemos.

Tendo sido isso que se quis, e atentando agora nas normas aplicáveis, logo após uma breve incursão pela contabilidade.

 

Na Estrutura Conceptual (EC) do SNC, que auxilia à interpretação das normas contabilísticas e que é, também ela, Direito contabilístico, lê-se, entre o mais, quanto ao conceito de Passivo, no ponto 59, que é característica essencial do Passivo a de que “a entidade tenha uma obrigação presente”. E continua: “Uma obrigação é um dever ou responsabilidade para agir ou executar de certa maneira. As obrigações podem ser legalmente impostas (…). As obrigações também surgem, porém, das práticas normais dos negócios, costumes, (…) ou de agir de maneira equilibrada.”

Por outras palavras, mais nossas, o Passivo é uma obrigação que vai dar origem a um exfluxo, a uma saída de dinheiro. Daí se reconhecer um passivo na contabilidade.

Já o Capital Próprio será uma realidade mais difícil de apurar. Desde logo é um activo residual. Que nem o nosso legisador no Código das Sociedades Comerciais densificou.

 

Passando ao normativo da CSB.

 

Quando em 2016 o legislador veio incluir as Sucursais UE entre os sujeitos passivos, note-se, também introduziu, entre vírgulas , ao referir-se ao Passivo e antes de identificar os elementos a deduzir, assim: “O passivo (…) deduzido, quando aplicável, (…);”

 

E nem precisava de o ter feito. Mas dali também decorre que não desconhece o legislador poder haver situações em que do Passivo nada haverá a deduzir.

 

Pois bem. Como se lê na norma de incidência (art.º 3.º, al. a) do RJ da CSB na versão aplicável, supra e art.º 3.º, al. a) da Portaria, que o reproduz, e depois art.º 4.º da Portaria), é àquele Passivo referido no art.º 3.º al. ) que depois se vão “deduzir” (dali, dele, desconsiderar) elementos que caibam em alguma das al.s do n.º 1 do art.º 4º da Portaria. E no n.º 2 deste último ainda se esclarece que, também para efeitos do apuramento do Passivo ali referido no art.º 3.º, al. a), o valor dos fundos próprios há-de calcular-se por apelo ao normativo constante a respeito do Regulamento (UE) ali referido. E já antes (na versão inicial) assim se fazia, mas para Aviso do BdP . Desde logo se recorrermos a estes normativos veremos que para efeitos de sistema financeiro as especificidades são muitas, mesmo na contabilidade. MAs também concluímos, pela conjugação das normas, que tudo o que o legislador determinou poder ser “dedutível” se inclui em fundos – os fundos como vêm referidos na al. a) do art.º 3.º, para a qual em tudo o mais aqui sempre se remete. Ou seja, tudo o que em Portaria o legislador elencou nas als. do art.º 4.º, n.º 1, não pode senão reconduzir-se ao corpo do art.º 3.º, al. a) (iguais nos dois Diplomas). E assim, desde logo, a “questão” dos caitais próprios fica em certa medida ultrapassada.

Mas sempre se continue.

Seja elementos que recaiam na al. a), seja, então, elementos consideráveis “fundos” dedutíveis (e existentes ou não) conforme art.º 3.º, al. a), são elementos que à Requerente não deixa de ser possível ter na sua contabilidade.

 

Assim resulta, desde logo, dos factos provados, supra. V. aí em especial as als. m) e n).

Bem se compreende que não sendo a Sucursal, porque Sucursal UE, obrigada a cumprir os rácios exigidos a outras instituições de crédito, não se paute a mesma por um comportamento mais exigente do que o que lhe é pelo legislador exigível e, assim, não reconheça elementos de capital (e nunca se estará a falar em Capital Social, como também bem se compreende e a Requerente). Que por natureza (ou, melhor, por regras contabilísticas) têm depois uma natureza mais permanente, com restrições de mobilização etc.

Porém, tal não deixa de lhe ser possível fazer.

Resulta da matéria assente, supra. Os recursos disponibilizados à Sucursal forma levados a passivo pois que se ratando de um empréstimo e não intencionando a casa-mãe afectá-los enquanto capital, capital afecto, assim teve que ser. De acordo com as regras contabilísticas aplicáveis.

E não poderia deixar de o ser. Como se sabe às Sucursais é dado pelo legislador para certos e determinados efeitos um tratamento equiparado a uma entidade autónoma. Desde logo para efeitos fiscais, como teria que ser ao se tratar de tributá-las pelo rendimento obtido em Portugal. Daí a equiparação desde logo no CIRC, art.º 2.º. Caso não lhe fosse possível ter Contas como um outro SP como se processaria então o apuramento do seu rendimento? Com efeito, sabe-se, as Sucursais têm em Portugal as mesmas obrigações em termos desde logo de documentação Contabilística que as Sociedades.

Resulta também, para não irmos mais longe, do próprio RGICSF, que em relação às Sucursais (ainda que não UE, porém Sucursais) exige elementos de capital – v. supra.

E que as Sucursais UE não sendo obrigadas a cumprir com elementos obrigatórios de capitais afectos e outros e, assim, de fundos próprios também para os efeitos do art.º 3.º, al. a), não sendo senão legal, também não deixa de ser em contrario do que através da tributação em CSB afinal se pretendeu. Acautelar / prevenir que as entidades que intervêm no sistema se “coloquem” em situações menos “sólidas” e assim em situações mais permeáveis a possíveis fenómenos indesejáveis e até a susceptibilidade de contágio, seja passivo seja activo. Ora, se o que o legislador pretendeu foi levar a que os SP da CSB não tenham situações de menor “capitalização” bem se compreende que ao os SP não se encontrarem “capitalizados” (mais “capitalizados”) também não lhes seja dado - porque a norma de incidência assim é - “reduzir” o montante de Passivo registado na sua contabilidade à base de elementos de Passivo de que não dispõem. Que, assim, acabem por suportar, nesse “não tanto equilíbrio”, um valor maior, se for o caso, de CSB.

O que, bem se vê, não deixa senão de ser coerente com a tributação em que aqui nos movemos. Contraditório seria o legislador ter legislado com os pressupostos e finalidades que o fez e, depois, não ser consequente.

Tudo como já em maior desenvolvimento se viu.

E tendo também em mente, como o legislador expressou no Preâmbulo da Portaria, supra, desde o início: “(...) Excluído para este efeito do passivo fica um conjunto de realidades muito circunscrito,  (…), atento o objectivo da mitigação de riscos sistémicos que subjaz largamente à criação desta contribuição. É também o objectivo da mitigação de riscos sistémicos que dita a desconsideração, para efeitos da base tributável, dos (…).”

 

E não será por na Portaria – regulamentando a norma de incidência da Lei, desenvolvendo-a, pois – se ter vindo fazer referência a “dívidas a terceiros” ao cuidar do Passivo (cfr corpo do art.º 4.º, n.º 1, Portaria, desde o seu início) que o que a vontade do legislador ao delimitar a incidência na Lei ficará afastada.

Desde logo pela relação entre Portaria e Lei.

Mas também porque bem se compreende que também aí os critérios interpretativos deverão ser devidamente aplicados. Tendo que se interpretar que o legislador não quereria, ao alargar a base de incidência subjectiva, ao mesmo tempo restringis a base de incidência subjectiva respectiva.

O legislador, aí, tratou o “caso típico”. Como é comum, bem se sabe, em tantos domínios nas normas fiscais. Tratou – tipificando-o – o caso regra, o caso normal. Sendo que no caso das Sucursais o que há é, de facto, uma equiparação.

E também neste sentido se compreende o aditamento nas instruções de preenchimento da Modelo 26 em relação ao assunto.

 

Não se chega, pois, a colocar uma situação que se devesse depois apreciar à luz da Liberdade de estabelecimento. Não há discriminação, o tratamento conferido pelo legislador ao delimitar a incidência objectiva é o mesmo para os SP abrangidos, pelo que vimos, e não há violação de Direito da UE por aqui.

Consequentemente, também por aqui se não verifica vício de violação de lei.

Quanto por fim à Questão A),

                A) Houve ou não preterição de formalidade legal por vício de falta de fundamentação/fundamentação incongruente?

 

O acto que é objecto do presente processo é, em última análise, o acto de autoliquidação de CSB. Cuja declaração de ilegalidade e anulação se requer, muito embora como objecto imediato do Pedido se apresente, correctamente, o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa. Que manteve na Ordem Jurídica o acto que a antecedeu.

Se é certo que estamos no âmbito de um contencioso de legalidade, é certo também que teremos por objecto a apreciação da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu. Ou seja, com a respectiva fundamentação, contemporânea por isso. Ora o acto de indeferimento da Reclamação Graciosa confirmou a legalidade da autoliquidação em crise. Apreciando a autoliquidação, decidiu pela legalidade da mesma, o que fez com os fundamentos constantes do respectivo projecto de decisão e despacho de indeferimento. A fundamentação deste último há-de entender-se que adere, afinal, à fundamentação subjacente ao acto de autoliquidação, no qual o SP procedeu à liquidação da CSB (que agora vem colocar em crise) por aplicação do RJ da CSB e Portaria.

Sem prejuízo do que antecede, no mais que consta do despacho de indeferimento (v. factos provados) a Requerida, de forma até bastante clara, expôs o seu entendimento de que não lhe é dado apreciar da legalidade e/ou constitucionalidade das normas em vigor, e que era o que ali afinal lhe estava a ser solicitado. Não tendo a Requerente deixado, pois, de conhecer seja em que medida for o iter decisório do despacho de indeferimento, como também decorre dos autos.

Dito isto, a fundamentação a que a Requerida recorreu para decidir como decidiu no procedimento de RG, que é a daí constante, é de molde a aderir à fundamentação que há-de entender-se subjacente ao acto de autoliquidação. Não há incongruência nem se verifica vício de falta de fundamentação.

 

- Quanto ao Reenvio Prejudicial suscitado a título subsidiário.

Não vê o Tribunal necessidade, para decidir a causa, de colocar ao TJUE questões sobre interpretação do Direito da UE. Não se verifica, desde logo, dúvida razoável (cfr. Acórdão TJUE Cilfit).

 

4.2. Questões de conhecimento prejudicado

Fica prejudicado, como supra, o conhecimento das questões de constitucionalidade suscitadas pela Requerente no seu requerimento de resposta à excepção de incompetência, por violação dos art.ºs 13.º e 20.º da CRP, uma vez que a interpretação que se segue não é aquela a que as mesmas vinham imputadas.

 

5. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

A norma tipificadora foi aplicada aos factos nela subsumíveis e nenhum vício de violação de lei material ou formal se verifica.

Pelo que antecede, não há que eliminar efeitos produzidos pelo acto impugnado, que não se encontrando ferido de ilegalidade. Não houve pagamento de quantia indevida, pelo que improcedem estes pedidos (v. art.º 43.º, n.º 1 da LGT).

 

 

6. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o PPA, e assim:

 

a)            Não considerar inconstitucionais os art.º 3.º e 4.º do RJ da CSB;

b)           Não considerar inconstitucionais os art.ºs 4.º e 5.º da Portaria que regulamenta o RJ da CSB;

c)            Não considerar inconstitucional o art.º 2.º, n.º 1, al. c) do RJ da CSB na redacção introduzida pela Lei OE 2016 que passou a abranger as Sucursais UE;

d)           Absolver a Requerida do pedido de anulação da autoliquidação em CSB devida no ano de 2019 e melhor identificada supra;

e)           Absolver a Requerida do pedido de anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa;

f)            Absolver a Requerida do pedido de devolução da quantia paga, de €  11.786,51, e do pedido de juros indemnizatórios.

 

 

7. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 11.786,51.

 

8. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 918,00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 18 de Agosto de 2021

 

O Árbitro,

(Sofia Ricardo Borges)