SUMÁRIO:
I- Os custos e perdas derivados de cumprimento defeituoso de contratos são por princípio dedutíveis, não só não se apurando, no caso, nada em contrário, como se apurando que as relações contratuais onde se fundamentam as responsabilidades assacadas ao contribuinte se enquadram na sua actividade normal.
II- Elaborando o contribuinte as suas demonstrações financeiras individuais de acordo com as NCA, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 1.º do Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal, não lhe será aplicável, para além do mais, a alínea d) do n.º 2 do art.º 1.º, para a qual remete o n.º 1 do art.º 10.º, todos do mesmo Aviso.
III- Não se demonstrando a ocorrência da notificação dos actos de fixação do valor patrimonial de imóveis ao contribuinte, não se poderá concluir que o “valor patrimonial tributário definitivo do imóvel” fosse o indicado pela AT, para efeitos do artigo 58.º-A do CIRC aplicável, nem que se tenha verificado o termo inicial do prazo previsto no art.º 129.º do mesmo código.
IV- Para que não opere o benefício fiscal relativo à majoração de contribuições para associações empresariais, deve ser colocado em causa (para além da sua efectividade e comprovação) pelo menos uma das seguintes quatro coisas:
a. Se a associação beneficiária é uma associação empresarial;
b. Se está em causa uma “quotização”;
c. Se a mesma era obrigatória face aos estatutos da associação beneficiária; ou
d. Se o limite do n.º 2 do artigo 41.º foi excedido.
V- O benefício fiscal previsto no artigo 17.º do EBF, na redacção vigente até 31.12.2002, concedia ao empregador, para efeitos de IRC, a consideração dos encargos mensais decorrentes do novo posto de trabalho, acrescidos de uma majoração de 50%, com o limite máximo de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.
VI- O referido limite máximo trata-se de um limite máximo do benefício concedido, e não de um limite máximo condicionante da concessão do benefício.
VII- O que relevará, para o apuramento do número de saídas relevante no que diz respeito ao benefício em questão, é que o trabalhador se encontrasse em condições de ser elegível nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do EBF, na data da sua admissão.
VIII- Por razões de praticabilidade, celeridade e simplicidade, e para efeitos do cálculo do limite máximo do crédito por dupla tributação internacional, não se deve proceder ao apuramento, ainda que “virtual”, do IRC que seria devido em Portugal relativamente aos rendimentos obtidos no estrangeiro.
IX- A AT está obrigada, em sede de inspecção, a proceder às correcções a favor do contribuinte, que resultem da lei.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. No dia 31 de Dezembro de 2019, A..., S.A., NIPC ..., com sede na ..., n.º ..., ... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º ..., de 06-01-2010 e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º ... e de juros moratórios n.º ..., que se consubstanciaram na compensação n.º ..., de 15-01-2010 e na nota de cobrança n.º ..., referente ao exercício de 2007, no valor de € 1.497.528,35.
2. Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese:
a. No que diz respeito à correcção relativa à provisão para outros riscos e encargos – acções judiciais em curso [n.º 1 do artigo 23.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC], no montante de € 126.884,65, que a indispensabilidade do custo não pode aferir-se em função da sua aptidão para gerar, de imediato, a realização de um ganho, mas apenas com a sua congruência no âmbito da actividade desenvolvida pelo sujeito passivo, sendo que os custos em apreço, quer pela sua natureza, quer pelas circunstâncias em que se verificaram, assumem-se como um risco próprio da actividade bancária, por não ser possível ao Requerente prosseguir aquele fim, visando a obtenção de proveitos, sem que utilize o factor de produção trabalho ou o sistema informático de cujas falhas decorrem aqueles custos;
b. No que diz respeito à correcção relativa à provisão para imparidade em activos financeiros disponíveis para venda [alínea e) do n.º 2 do artigo 57.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, alínea d) do n.º 2 do art.º 1.º conjugado com o n.º 1 do art.º 10.º do Aviso n.º 3/95, de 30/6, do Banco de Portugal], no montante de € 269.442,82, que, de acordo com o disposto na Norma Internacional de Contabilidade (NIC) n.º 39, nos termos da qual foi elaborado o extrato contabilístico referente ao “Relatório e Contas Individual de 2007”, “As perdas por imparidades relativas a títulos de rendimento variável não podem ser revertidas. No caso de títulos para os quais tenha sido reconhecida imparidade, posteriores variações negativas de justo valor são sempre reconhecidas em resultados.”, e que uma vez que inexiste qualquer norma que, no plano tributário, imponha a desconsideração do custo fiscal relativo às aludidas imparidades, entende o Requerente que se encontra, no caso vertente, impossibilitado de realizar o ajustamento pretendido por aqueles serviços;
c. No que diz respeito à correcção relativa à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato [alínea a) do n.º 3 e n.º 4 do artigo 58.º-A e artigo 129.º do Código do IRC], no montante de € 1.034.821,00, que nunca foi devidamente notificado do valor patrimonial definitivo dos imóveis em causa, não podendo o sistema informático da DGCI servir como prova da efectiva notificação de tal acto, pelo que lhe seria impossível efetuar o requerimento previsto no artigo 129.º do Código do IRC, para além de se verificar o vício de violação de lei, por violação do disposto no artigo 58.º-A, n.º 2, conjugado com o disposto no artigo 129.º, n.º 1, ambos do Código do IRC, sendo igualmente desconforme ao princípio da tributação do rendimento real, consagrado no n.º 2 do artigo 104.º da CRP, porquanto o preço efectivo das transacções foi o efectivamente declarado, bem como por violação do princípio da reserva à intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, do princípio do Estado de Direito, previsto no artigo 2.º, da CRP, do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efectiva, previsto nos artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da CRP, do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real, previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, e do princípio da igualdade tributária, previsto nos artigos 104.º, n.º 1 e n.º 2 e no artigo 13.º, todos da CRP;
d. No que diz respeito à correcção relativa à majoração de quotizações [n.º 1 do artigo 23.º e n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC], no montante de € 19.381,71, que a mesma é ilegal face ao disposto no artigo 41.º do Código do IRC, na redacção à data aplicável;
e. No que diz respeito à correcção relativa à criação de emprego [artigo 17.º do EBF], no montante de € 130.791,10, que o método seguido pelos serviços de inspecção tributária com vista ao apuramento dos encargos que ultrapassam o limite legal, consubstanciado na soma dos encargos suportados com a majoração de 50% desses encargos, resulta numa deturpação do regime legalmente preceituado, e que quando o valor dos encargos mensais seja superior ao limite legal de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado, deve ser considerado o valor da majoração correspondente a esse limite;
f. No que diz respeito à correcção relativa ao crédito de imposto por dupla tributação internacional [n.º 1 do artigo 85.º do Código do IRC], no montante de € 1.110.244,07, que nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 85.º do Código do IRC, na redacção à data aplicável, o cálculo do montante a deduzir deverá ser efectuado de forma distinta, porque o termo “fracção do IRC, calculado antes da dedução” pressupõe o apuramento, ainda que “virtual”, do IRC que seria devido em Portugal relativamente aos rendimentos obtidos pela sucursal de Madrid;
g. A benefício do cumprimento do princípio da tributação pelo rendimento real, bem como do princípio da justiça, deverá ser relevado, a favor do Requerente, o montante de € 219.479,65, sendo o mesmo deduzido ao lucro tributável do exercício de 2007;
h. A ilegalidade da liquidação de juros compensatórios.
3. No dia 31-12-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 17-02-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 18-03-2020.
7. No dia 13-07-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.
8. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
9. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
10. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- O Requerente é uma instituição de crédito, sujeita à supervisão do Banco de Portugal, que encabeça o Grupo B..., grupo financeiro multiespecializado centrado na actividade bancária, dotado de uma oferta completa de serviços e produtos financeiros para clientes empresariais, institucionais e particulares.
2- O Requerente apresenta as demonstrações financeiras de acordo com os princípios de reconhecimento e mensuração definidas nas Normas Internacionais de Relato Financeiro (adoptadas pela União Europeia, de acordo com o Regulamento n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho) e nas Normas de Contabilidade Ajustadas (NCA's) estabelecidas pelo Banco de Portugal no Aviso n ° 1/2005, de 21 de Fevereiro e na Instrução n ° 9/2005, de 11 de Março, na sequência da competência que lhe foi atribuída pelo n.º 1 de artigo 115.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
3- Em cumprimento da ordem de serviço n.º ..., por despacho do Director de Serviços da DSIT, de 2009-03-16, procedeu-se a uma acção inspectiva ao A..., SA, que se realizou na Avenida ..., n ° ..., em Lisboa, e que teve início em 2009-07-06.
4- Na sequência da acção inspectiva, com referência à escrita do Requerente do exercício de 2007, foram propostas, para além do mais, as seguintes correcções em sede de IRC:
a. Provisão para outros riscos e encargos – acções judiciais em curso [n.º 1 do artigo 23.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC], no montante de € 126.884,65;
b. Provisão para imparidade em activos financeiros disponíveis para venda [alínea e) do n.º 2 do artigo 57.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, alínea d) do n.º 2 do art.º 1.º conjugado com o n.º 1 do art.º 10.º do Aviso n.º 3/95, de 30/6, do Banco de Portugal], no montante de € 269.442,82;
c. Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato [alínea a) do n.º 3 e n.º 4 do artigo 58.º-A e artigo 129.º do Código do IRC], no montante de € 1.034.821,00;
d. Majoração de quotizações [n.º 1 do artigo 23.º e n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC], no montante de € 19.381,71;
e. Criação de emprego [artigo 17.º do EBF], no montante de € 130.791,10;
f. Crédito de imposto por dupla tributação internacional [n.º 1 do artigo 85.º do Código do IRC], no montante de € 1.110.244,07.
5- O Requerente contabilizou três provisões para acções judiciais em curso (intentadas contra o A...), cujos valores foram os seguintes:
i. € 7.697,57;
ii. € 46.400,00;
iii. € 72.787,08.
6- A provisão no valor de € 7.697,57 corresponde a 50% sobre o valor de uma acção (€ 15.395,14,) intentada contra o A..., por este, alegadamente, não ter procedido ao pagamento de cheque sacado pelo cliente, apesar da sua conta de depósitos à ordem apresentar um saldo suficiente e disponível.
7- A provisão no valor de € 46.400,00 corresponde a uma provisão de 100% sobre o valor de uma acção, em que um cliente alegou que sacou quatro cheques de € 11.600,00 sobre o A... e, posteriormente, solicitou que os mesmos não fossem pagos, com a consequente revogação do cheque, invocando existência de vício na formação de vontade.
8- A provisão no valor de € 72.787,08 corresponde a uma provisão de 50% sobre o valor de uma acção (€ 145.574,16), intentada por um cliente que alegou que o Requerente tinha procedido, indevidamente, ao pagamento dos cheques por sobre si sacados, devido à existência de irregularidades ao nível do endosso.
9- Os SIT consideraram que se estava perante custos que configuram obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que não determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício, na medida em que não eram indispensáveis para a obtenção de ganhos ou proveitos sujeitos a imposto, nos termos do corpo do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC.
10- No âmbito do procedimento inspectivo procederam os SIT à validação do saldo acumulado € 61.667.513,25 da provisão para imparidade de activos financeiros disponíveis para venda (AFDV), registado nas seguintes contas:
a. “...- AFDV - Instrumentos de Capital - Outros residentes - Provisão para imparidades Acumuladas (NCAY)” - €32.049.709,46;
b. “... - AFDV - Outros - Unidades de participação - Provisão para imparidades acumuladas (NCAY)” - € 4.543.670,32;
c. “... -AFDV -Outros -Dívida não subordinada - Provisão para imparidades Acumuladas (NCA)”- €529.855,31;
d. “... - AFDV - Instrumentos de Capital - Não residentes - Provisão para imparidades Acumuladas (NCA)” - € 24.544.278 ,16.
11- Os procedimentos adoptados pelo Requerente, no que respeita às variações de justo valor dos títulos de rendimento variável, podem ser sintetizados da seguinte forma:
a. registo da provisão para imparidade em contas de resultados;
b. posteriores variações negativas do justo valor do título correspondem a reforços da provisão para imparidade em contas de resultados;
c. posteriores variações positivas do justo valor do título origina registo em contas de capitais próprios (reversão da provisão);
d. não sujeita a tributação as reversões das provisões para imparidade para títulos de rendimento variável evidenciadas na contabilidade em contas de capitais próprios.
12- Consideraram os SIT que as provisões para imparidade de AFDV são fiscalmente dedutíveis até ao montante das menos-valias latentes, resultando, conforme evidenciado no anexo n.º 1 ao RIT, uma correcção ao lucro tributável no montante de € 269.442,82.
13- No exercício de 2007, o A... procedeu à venda de diversos imóveis sem ter feito reflectir na declaração Modelo 22 no campo 257 (Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato) do quadro de apuramento do lucro tributável a respectiva correcção, relativa à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis e o valor constante das respectivas escrituras.
14- Através da consulta ao sistema informático da DGCI (aplicação do Património), verificaram os SIT a existência de transmissões de imóveis já sujeitos à avaliação nos termos do n.º 1 do art.º 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro conjugado com o n.º 1 do art.º 38.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), cujo valor patrimonial tributário definitivo, era superior ao valor da respectiva escritura.
15- No exercício de 2007, o Requerente não procedeu à instrução de qualquer processo nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art.º 129.º do Código do IRC.
16- Os seguintes registos postais foram enviados para o domicílio fiscal do Requerente, não sendo possível identificar a pessoa que os recebeu, por a assinatura dos avisos de recepção não ser legível e não constar daqueles o número do documento de identificação de tal pessoa:
i. ...;
ii. ...;
iii. ...;
iv. ...;
v. ....
17- Nos termos do art.º 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), o banco deduziu ao lucro tributável o valor € 4.483.010,51 correspondente à majoração de 50% dos encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato sem termo.
18- Os Serviços de Inspecção consideraram não dedutível ao lucro tributável, nos termos do n.º 1 e alínea d) do n.º 2, ambos do art.º 17.º do EBF, o montante de € 49.062,20, correspondente à majoração dos encargos com os funcionários identificados no anexo n.º 11 do Relatório de Inspecção Tributária.
19- O trabalhador titular do NIF ..., que a AT considerou que não poderia ter sido relevado para efeitos do apuramento das “saídas de trabalhadores”, foi admitido em 1996 e rescindiu o seu contrato de trabalho com o Requerente em 2007.
20- No Relatório de Inspecção Tributária, em que não foi considerada fiscalmente dedutível o custo suportado com "50% da verba do Orçamento Extraordinário, aprovada em CA de 22 de Fevereiro de 2006", nos termos do corpo do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC, tendo procedido à desconsideração da majoração de 50% de € 16.835,00 (€ 8.417,50), aplicada pelo sujeito passivo, nos termos do art.º 41.º do Código do IRC.
21- Em 2007 o Requerente auferiu rendimentos obtidos em Espanha através da sua sucursal em Madrid, que, por sua vez, foram integrados no resultado da actividade global.
22- O requerente declarou no quadro 4 (Rendimentos obtidos no estrangeiro) do anexo H (Operações com não residentes) da declaração anual os seguintes valores:
i. Rendimentos: € 13.023.508,92;
ii. Imposto pago no estrangeiro: € 6.218.968,36.
23- O valor declarado de imposto pago no estrangeiro, corresponde ao saldo da conta "65 - Imposto corrente sobre os lucros".
24- O "Impuesto sobre sociedades" efectivamente suportado em Espanha, de acordo com a informação constante do modelo 200 ("Documento de ingreso o devolucion") da Agência Tributária espanhola foi de € 6.254.695,94.
25- O Requerente procedeu ao acréscimo no campo 217 (Correcções nos casos de crédito de imposto) do quadro de apuramento do lucro tributável da Modelo 22 de IRC, do montante € 6.218.968,36.
26- O Requerente deduziu a mesma importância (€ 6.218.968,36), no campo 353 (Dupla tributação internacional) do quadro do cálculo do imposto da Modelo 22 de IRC, à colecta de IRC, usufruindo, deste modo, do crédito de imposto por dupla tributação internacional.
27- Os Serviços de Inspecção consideraram que, no máximo, o Requerente poderia considerar um crédito de imposto por dupla tributação internacional no valor de € 5.085.590,44, o que resultou num imposto em falta em € 1.110.244,07.
28- Na sequência de tais correcções, o Requerente foi notificado do acto de liquidação objecto da presente acção arbitral, o qual apurou um montante total a pagar de € 1.605.233,85.
29- O Requerente procedeu ao pagamento parcial do imposto e juros compensatórios, referentes à parte da colecta não contestada, no montante de € 107.705,50.
30- No âmbito do processo de execução fiscal n.º ..., o Requerente prestou a garantia n.º ..., no valor de € 1.928.091,00.
31- Na sua autoliquidação de IRC para 2007 o Requerente relevou fiscalmente os montantes referentes às “provisões para imparidade de imóveis”, registando as mesmas na conta “#... - Recuperação de Crédito”, pelo que deveria ter sido deduzido adicionalmente ao lucro tributável, com referência às aludidas provisões, o montante de € 275.076,84.
32- O Requerente, na mesma autoliquidação havia considerado incorrectamente no exercício de 2007 o montante das provisões relativas a “Equipamento – Operações de Leasing” em € 55.597,19 (€ 391.401,16 - € 335.803,97), ascendendo, assim, o valor correto a relevar a seu favor naquele exercício a € 219.479,65 (€ 275.076,84 - € 55.597,19)
33- Em 25 de Maio de 2010, o Requerente apresentou impugnação judicial tendo por objecto o acto de liquidação atrás referido, que correu os seus termos na 5.ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do ... sob o n.º ....
34- Em 31 de Dezembro de 2019, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, o Requerente apresentou naqueles autos de impugnação judicial requerimento com vista à extinção da instância judicial.
35- Por deficiente funcionamento do sistema informático dos tribunais administrativos e fiscais (SITAF), não foi possível ao Requerente obter certidão judicial electrónica do referido pedido de extinção da instância.
36- Em 13-01-2020 o Requerente foi notificado da sentença de extinção da instância proferida no âmbito do processo de impugnação judicial n.º ..., que correu os seus termos na 5.ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do ....
37- Em 05-03-2020 o Requerente foi notificado da aludida certidão judicial eletrónica, tendo procedido, em 26-03-2020, à sua junção nos presentes autos.
38- A parte da liquidação relativa a juros moratórios foi anulada oficiosamente na pendência do processo de impugnação judicial.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , o “relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Os factos dados como provados nos pontos 31e 32 não foram impugnados e resultam dos documentos 21 e 22 juntos pelo Requerente, que não foram impugnados pela Requerida.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
i. Da matéria de excepção
Começa a Requerida a sua defesa, arguindo a impossibilidade originária da lide, e pedindo a sua absolvição da instância, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, nºs 1 e 2, e 577.º, do Código de Processo Civil, ex vi alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT, porquanto, em síntese, considera não existirem elementos que certifiquem que, em 31/12/2019 (termo do prazo para cometimento de processos tributários pendentes para a arbitragem), o processo de impugnação judicial n.º ..., a correr os seus termos no TAF ..., estava extinto, dado que, com o pedido arbitral, não foi junta, nos termos do artigo 11.º do DL 81/2018, de 15 de Outubro, certidão do pedido de extinção da instância, daquele referido processo de impugnação judicial.
Mais argui a Requerida que, estando o processo a correr seus termos junto do TAF ..., na presente acção sempre se verificariam as exceções de litispendência/caso julgado e da caducidade do direito de acção.
Vejamos.
Dispõe o artigo 11.º do DL 81/2018, de 15 de Outubro que:
“1 - Os sujeitos passivos podem, até 31 de dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016, com dispensa de pagamento de custas processuais.
2 - As pretensões a submeter aos tribunais arbitrais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, apenas se admitindo a redução do pedido.
3 - O pedido de constituição de tribunal arbitral, a submeter ao Centro de Arbitragem Administrativa, é necessariamente acompanhado de certidão judicial eletrónica do requerimento apresentado para a extinção da instância judicial nos termos do presente artigo.”
A questão que se coloca a decidir nesta sede prende-se com o incumprimento do disposto no n.º 3 da norma transcrita, bem como com as consequências de tal incumprimento.
A norma ora em apreço institui um regime excepcional, e sumariamente delineado, que deixa de fora a regulamentação de uma série de questões que entretanto se colocaram, ou poderiam ter sido colocadas, como seja a da aplicabilidade, ou não, aos processos migrados, do disposto no artigo 17.º, n.º 2, do RJAT.
Também a questão ora em causa é deixada sem nenhuma solução expressa, cumprindo, por isso ter em conta a finalidade e características gerais do regime em análise.
Tal regime, como é consabido, insere-se num conjunto de medidas destinadas à recuperação de pendências na jurisdição administrativa e tributária, de entre as quais, para o que aqui interessa, se inclui a possibilidade dos sujeitos passivos poderem submeter as suas pretensões impugnatórias aos tribunais arbitrais em matéria tributária, relativamente a processos tributários pendentes que tenham dado entrada nos tribunais tributários até 31 de Dezembro de 2016.
Essencialmente, o que está aqui em causa, é o interesse do Estado de aliviar os seus tribunais tributários de processes pendentes em primeira instância, por um longo período de tempo, sem decisão final, cometendo-os à arbitragem tributária.
Como método de transição de uma sede para a outra, de entre vários possíveis, foi escolhido a necessidade de apresentação de um requerimento para a extinção da instância judicial nos tribunais tributários, e a instauração de um novo processo, em sede arbitral.
A articulação destes dois momentos foi deixada em aberto, não tendo sido, ao que tudo indica, objecto de ponderação legislativa.
Assim, por exemplo, ficou em aberto a questão de saber até quando poderiam ser formulados os requerimentos para a extinção da instância judicial nos tribunais tributários, assim como a de saber se haveria um prazo, após a homologação da desistência da instância judicial, para ser apresentado o pedido de constituição do tribunal arbitral .
É neste contexto de abertura normativa que cumpre interpretar o n.º 3 do art.º 11.º do DL 81/2018, de 15 de Outubro, ora em causa.
Para começar, cumpre notar, julga-se, dois pontos particularmente salientes na norma em questão. O primeiro é o de que a mesma se reporta ao “pedido de constituição do tribunal arbitral” (e não ao pedido arbitral), e o segundo é o de que consagra a exigência de “certidão judicial eletrónica do requerimento apresentado para a extinção da instância judicial” (e não da sentença de homologação do pedido de extinção da instância judicial).
Ora, o pedido de constituição do tribunal arbitral, como se sabe, dá o impulso inicial ao procedimento arbitral (cfr. Capítulo II do RJAT – art.ºs 10.º e ss.), ou seja, não é uma peça do processo arbitral tributário, nem, por isso, este se desencadeia com a sua apresentação.
Quer isto dizer, para além do mais e por exemplo, que a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral não gera, por si, uma questão de litispendência.
Por outro lado, sendo exigida certidão judicial eletrónica do requerimento apresentado para a extinção da instância judicial, e não resultando por qualquer forma do regime em análise um termo inicial do prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, haverá que concluir que este poderá ser apresentado antes do trânsito em julgado da sentença homologatória do pedido de extinção da instância judicial, o que, de resto, é de alguma forma coerente com a circunstância atrás referida, de o pedido de constituição do tribunal arbitral desencadear o procedimento arbitral, já que, como igualmente se apontou, a pendência deste não gera qualquer situação de litispendência, por um lado, e, por outro, a duração de tal procedimento será, por regra, suficiente, para a emissão e trânsito em julgado da sentença homologatória do requerimento apresentado para a extinção da instância judicial, como, de resto, aconteceu no caso, em que aquela foi notificada ao Requerente a 13-01-2020, tendo o procedimento arbitral durado até 18-03-2020.
De tudo isto cumpre concluir desde logo, acompanhando o escrito no processo arbitral 417-2019T, citado pela própria Requerida:
“Certo é que o n.º 3 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018 apenas exige que o pedido arbitral seja instruído com certidão judicial electrónica do requerimento de extinção da instância judicial. Mas esse é um mero requisito formal da apresentação do pedido arbitral que não contende com o regime processual próprio da desistência da instância.”
Ou seja, e desde logo: a exigência de que o pedido arbitral seja instruído com certidão judicial electrónica do requerimento de extinção da instância judicial é um mero requisito formal da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, constituindo um mero início de prova de que se verificarão os pressupostos para a migração do processo, mas nada determinando quanto à admissibilidade ou não da mesma (pense-se no caso de a desistência da instância não ser homologada, ou de a causa não se conter na competência do tribunais arbitrais tributários).
Assim sendo, como se entende que é, a mera falta da junção da certidão judicial electrónica do requerimento de extinção da instância judicial não deverá, por qualquer forma contender com a admissibilidade a acção arbitral tributária, não devendo ser aquela entendida como um pressuposto processual desta.
Por outro lado, e estando em causa um mero requisito formal do pedido de constituição do tribunal arbitral, nada obstará ao seu suprimento, designadamente pela demonstração de que o pedido de extinção da instância foi tempestivo, e de que não se verifica qualquer situação de litispendência (por o processo nos tribunais tributários se ter extinto antes do início do processo arbitral tributário), o que é o caso, improcedendo, por isso, as excepções invocadas pela Requerida, ora em apreço.
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Argui ainda a Requerida, como questões prévias que podem obstar ao conhecimento do mérito:
- A inimpugnabilidade do acto, relativamente à parte das correcções relativas à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato (art.º 58.º-A do CIRC), por não ter sido accionado o procedimento de prova previsto no art.º 129.º do CIRC;
- A incompetência do Tribunal Arbitral para validar os valores de venda dos imóveis pretendido pelo Requerente; e
- A incompetência, em razão da matéria, do Tribunal arbitral para conhecer da falta de notificação do valor patrimonial definitivo dos imóveis.
A competência material dos tribunais arbitrais em matéria tributária, constituídos sob a égide do CAAD é delimitada, como se sabe, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, conjugado com o art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março.
Ora, o que se verifica é que o objecto da presente acção é o acto de liquidação adicional de IRC n.º ..., de 06-01-2010, e actos subsequentes, cuja anulação é peticionada.
O conhecimento e decisão de tal pedido anulatório contém-se, manifestamente, na competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária, constituídos sob a égide do CAAD, contendendo as questões suscitadas, enquanto excepção, pela Requerida com o mérito da causa, e não constituindo óbices ao conhecimento do pedido.
Assim, no que respeita à questão de não ter sido accionado o procedimento de prova previsto no art.º 129.º do CIRC, escreveu-se no acórdão do STA de 06-11-2019, proferido no processo 0264/09.4BELRA 0806/15 que “A apresentação atempada do pedido para demonstração do preço efectivo (instauração do procedimento), previsto no n.º 3 artigo 129.º do CIRC (actualmente, artigo 139.º do CIRC), é condição de procedibilidade da impugnação judicial quando nesta se pretenda discutir o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis.”.
Ora, o que se discute nos presentes autos não é o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis, mas a legalidade da liquidação face aos respectivos pressupostos legais, em termos que se analisarão de seguida, o que poderá levar à procedência, nessa parte, do pedido anulatório.
A questão da validação dos valores de venda dos imóveis pretendido pelo Requerente, não tem repercussão, a não ser na medida que leve à anulação do acto objecto da presente acção arbitral, em termos de pedido, relacionando-se tal questão com a falta de notificação do valor patrimonial definitivo dos imóveis.
Relativamente a esta última questão, o que está em causa nos presentes autos, e na matéria em questão, é saber se a eventual falta de notificação se repercute ou não na legalidade do acto de liquidação sub iudice, matéria para a qual este Tribunal é, evidentemente, competente.
Deste modo, e pelo exposto, improcede igualmente a excepção da incompetência material do tribunal arbitral, invocada pela Requerida.
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ii. Do fundo da causa
Nos presentes autos de processo arbitral, estão em causa as seguintes correcções operadas pela AT e reflectidas no acto tributário que constitui o objecto daquele:
a. Provisão para outros riscos e encargos – acções judiciais em curso [n.º 1 do artigo 23.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC], no montante de € 126.884,65;
b. Provisão para imparidade em activos financeiros disponíveis para venda [alínea e) do n.º 2 do artigo 57.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, alínea d) do n.º 2 do art.º 1.º conjugado com o n.º 1 do art.º 10.º do Aviso n.º 3/95, de 30/6, do Banco de Portugal], no montante de € 269.442,82;
c. Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato [alínea a) do n.º 3 e n.º 4 do artigo 58.º-A e artigo 129.º do Código do IRC], no montante de € 1.034.821,00;
d. Majoração de quotizações [n.º 1 do artigo 23.º e n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC], no montante de € 19.381,71;
e. Criação de emprego [artigo 17.º do EBF], no montante de € 130.791,10;
f. Crédito de imposto por dupla tributação internacional [n.º 1 do artigo 85.º do Código do IRC], no montante de € 1.110.244,07;
g. Correção de lapsos apurados pelo Requerente quanto ao cálculo do IRC;
h. Legalidade da liquidação de juros moratórios.
Vejamos cada uma delas.
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a. Provisão para outros riscos e encargos
No que diz respeito à correcção relativa à provisão para outros riscos e encargos – acções judiciais em curso [n.º 1 do artigo 23.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC], no montante de € 126.884,65, entende, em suma, a Requerente que a indispensabilidade do custo não pode aferir-se em função da sua aptidão para gerar, de imediato, a realização de um ganho, mas apenas com a sua congruência no âmbito da actividade desenvolvida pelo sujeito passivo, sendo que os custos em apreço, quer pela sua natureza, quer pelas circunstâncias em que se verificaram, assumem-se como um risco próprio da actividade bancária, por não ser possível ao Requerente prosseguir aquele fim, visando a obtenção de proveitos, sem que utilize o factor de produção trabalho ou o sistema informático de cujas falhas decorrem aqueles custos.
Como resulta da matéria de facto dada como provada, o Requerente contabilizou três provisões para acções judiciais em curso, cujos valores foram os seguintes:
a. € 7.697,57;
b. € 46.400,00;
c. € 72.787,08.
A provisão no valor de € 7.697,57 corresponde a 50% sobre o valor de uma acção (€ 15.395,14,) intentada contra o A..., por este, alegadamente, não ter procedido ao pagamento de cheque sacado pelo cliente, apesar da sua conta de depósitos à ordem apresentar um saldo suficiente e disponível.
Já a provisão no valor de € 46.400,00 corresponde a uma provisão de 100% sobre o valor de uma acção, em que um cliente alegou que sacou quatro cheques de € 11.600,00 sobre o A... e, posteriormente, solicitou que os mesmos não fossem pagos, com a consequente revogação do cheque, invocando existência de vício na formação de vontade.
Por fim, a provisão no valor de € 72.787,08 corresponde a uma provisão de 50% sobre o valor de uma acção (€ 145.574,16), por o Requerente ter procedido, indevidamente, ao pagamento dos cheques sobre si sacados, devido à existência de irregularidades ao nível do endosso.
Em sede inspectiva, a AT considerou, em suma, que se estava perante custos que configuram obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que não determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício, na medida em que não eram indispensáveis para a obtenção de ganhos ou proveitos sujeitos a imposto, nos termos do corpo do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC, constando do RIT que:
“As provisões em análise, incidem sobre custos originados por erros/lapsos cometidos por colaboradores/sistema informático que consistem em violação de normas internas, estabelecidas pelo sujeito passivo, mais concretamente no previsto no contrato de abertura de conta de depósito de valores subscrito pelo Banco, e pelo não cumprimento do estipulado na Lei Uniforme do Cheque. (...) Isto é, qualquer custo que resulte da violação no disposto na lei (...) ainda que relacionado com a actividade desenvolvida pelo sujeito passivo, não se mostra indispensável à obtenção de ganhos ou proveitos sujeitos a imposto.”.
Ressalvado o respeito devido a outros entendimentos, julga-se que a correcção ora em causa é destituída de fundamento legal, derivando, essencialmente, de uma confusão com a indedutibilidade dos custos previstos na alínea d) do artigo 42.º do CIRC vigente à data do facto tributário.
Com efeito, tal norma exclui do cômputo do lucro tributável os custos e perdas relativos a multas, coimas e demais encargos pela prática de infracções, de qualquer natureza, que não tenham origem contratual, incluindo os juros compensatórios.
Ora, todo o raciocínio que perpassa a fundamentação exteriorizada da correcção em questão se reconduz a tratar os factos em causa nos processos judiciais provisionados como infracções.
Todavia, e sem prejuízo de aqueles factos poderem igualmente configurar a prática de ilícitos contraordenacionais por eventual infracção de normas regulatórias – o que não está, sequer, apurado – o que se verifica é que as acções judiciais em questão revestem-se de natureza civil, estando em causa relações de natureza contratual do Requerente para com os seus clientes.
Ora, tem-se por seguro que os custos e perdas derivados de cumprimento defeituoso de contratos são por princípio dedutíveis, não só não se apurando, no caso, nada em contrário, como se apurando que as relações contratuais onde se fundamentam as responsabilidades assacadas ao Requerente nas acções judiciais em questão se enquadram, manifestamente, na sua actividade normal.
A AT, em sede de apreciação da audiência prévia exercida pelo ora Requerente, afastou-se de fundar a correcção no artigo 42.º do CIRC então vigente, passando a fundá-la exclusivamente no art.º 23.º, mas mantendo, essencialmente a mesma argumentação, não obstante reconhecer que não está em causa a prática de qualquer infracção, que está em causa o incumprimento do contrato de conta de depósito de valores (cfr. pp. 67 e s. do RIT).
De resto, o critério de que qualquer custo que resulte da violação do disposto na lei não é dedutível – para além de carecer totalmente de suporte legal, já que o legislador foi claro, no art.º 42.º/d) do CIRC aplicável, ao delimitar as situações de indedutibilidade nessa matéria – é inaceitável, desde logo porquanto o próprio incumprimento contratual, e consequente violação do contrato, integra uma violação da lei (que impõe o cumprimento daquele), sendo certo que qualquer actividade empresarial integra necessariamente um risco de incumprimento de obrigações contratuais, e afastar a dedutibilidade dos custos e perdas daí decorrente seria, para além do mais, incomportavelmente desconforme à imposição constitucional de tributação do lucro real das empresas.
Deste modo, e pelo exposto, não é possível validar a correcção ora em apreço, que deverá ser anulada, procedendo, nesta parte, o pedido arbitral.
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b. Provisão para imparidade em activos financeiros disponíveis para venda
A presente correcção, no montante de € 269.442,82, funda-se, conforme o RIT, na conjugação do disposto na alínea e) do n.º 2 do art.º 57.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, com a alínea d) do n.º 2 do art.º 1.º e n.º 1 do art.º 10.º do Aviso n.º 3/95, de 30/6, do Banco de Portugal.
Dispõe a referida alínea e) do n.º 2 do art.º 57.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, que:
“Não podem ser deduzidas para efeitos fiscais as «provisões para imparidade» e outras variações de justo valor, excepto se, e na medida em que, as mesmas fossem igualmente dedutíveis caso a entidade aplicasse o Plano de Contas para o Sector Bancário (PCSB) em vigor nesta data, equiparando-se. para este efeito, os títulos classificados em «activos disponíveis para venda», que não correspondam a participações em filiais ou associadas, a «títulos de investimento»”.
Já a alínea d) do n.º 2 do art.º 1.º do Aviso n.º 3/95, de 30/6, do Banco de Portugal, dispõe que:
“As instituições de crédito e as sociedades financeiras, incluindo as sucursais de instituições com sede em países não pertencentes à União Europeia, umas e outras adiante designadas por instituições, são obrigadas a constituir provisões, nas condições indicadas no presente aviso, com as seguintes finalidades: (...)
d) Para menos-valias de títulos e imobilizações financeiras;”
Dispondo o n.º 1 do art.º 10.º do mesmo Aviso:
“Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2, 3 deste número, as provisões a que se refere a alínea d)
do nº 2 do n.º 1.º devem corresponder ao total das menos-valias latentes dos respectivos activos.”.
Face a tais normativos, entenderam os serviços de inspeção tributária que as provisões em causa são fiscalmente dedutíveis até ao montante das menos-valias latentes respeitantes à diferença entre o custo de aquisição e o justo valor das participações relativamente às quais as imparidades são constituídas.
Já o Requerente contra-argumenta, em suma, que, de acordo com o disposto na Norma Internacional de Contabilidade (NIC) n.º 39, nos termos da qual foi elaborado o extrato contabilístico referente ao “Relatório e Contas Individual de 2007”, “As perdas por imparidades relativas a títulos de rendimento variável não podem ser revertidas. No caso de títulos para os quais tenha sido reconhecida imparidade, posteriores variações negativas de justo valor são sempre reconhecidas em resultados.”, e que uma vez que inexiste qualquer norma que, no plano tributário, imponha a desconsideração do custo fiscal relativo às aludidas imparidades, entende o Requerente que se encontra, no caso vertente, impossibilitado de realizar o ajustamento pretendido por aqueles serviços.
Para o Requerente não obstará a tal conclusão o disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 10.º do Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal, porquanto as instituições financeiras que elaborem as suas demonstrações financeiras individuais de acordo com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do Aviso 1/2005 do Banco de Portugal (NCA – Normas de Contabilidade Ajustadas), entre as quais se inclui o ora Requerente , encontram-se impossibilitadas de registar provisões para menos-valias de títulos e imobilizações financeiras, à luz do disposto no n.º 4 do artigo 1.º daquele mesmo Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal, que dispõe que:
“As alíneas c), d) e e) constantes do n.º 2 deste número não são aplicáveis às instituições que preparem as suas demonstrações financeiras individuais de acordo com o disposto nos n.ºs 2.º e 3.º do Aviso do Banco de Portugal no 1/2005 (NCA).”.
Alega o Requerente que está obrigado, à luz do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 1.º do aludido Aviso n.º 3/95, a constituir “Imparidades em títulos e em participações financeiras”, que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 13.°-A do aludido Aviso 3/95, deverão ser, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º do mesmo, definidas através de “instrução do Banco de Portugal”, sendo que a instrução do Banco de Portugal que, expressamente, veio regular a constituição de imparidades para títulos e participações financeiras, efetuadas pelas entidades sujeitas às NCA, foi a Instrução n.º 7/2005, segundo a qual “As provisões a que se refere a alínea b) do número 1 do n.º 1.º do Aviso n.º 3/95 correspondem à imparidade determinada de acordo com as disposições relevantes que constam das Normas Internacionais de Contabilidade (NIC) aplicáveis tal como adoptadas, em cada momento, por Regulamento da Comissão Europeia”.
Também nesta matéria haverá que considerar assistir razão ao Requerente.
Efectivamente, e desde logo, como se escreveu no Acórdão do STA de 23-09-2015, proferido no processo 01034/11, “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional (...) que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário.”.
Neste sentido, e face ao Relatório de Inspecção, é claro e manifesto que a correcção ora em crise assenta, directamente, no disposto na alínea d) do n.º 2 do art.º 1.º e no n.º 1 do art.º 10.º do referido Aviso 3/95, de cuja conjugação a AT retira a conclusão da limitação da dedutibilidade até ao montante das menos-valias latentes respeitantes à diferença entre o custo de aquisição e o justo valor das participações relativamente às quais as imparidades são constituídas.
Ora, como se referiu já, e a AT o reconhece expressamente, o Requerente elaborava as suas demonstrações financeiras individuais de acordo com as NCA, pelo que, e tal como invocado pelo Requerente, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 1.º daquele mesmo Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal, não lhe será aplicável, para além do mais, a alínea d) do n.º 2 do art.º 1.º, para a qual remete o n.º 1 do art.º 10.º, todos do mesmo Aviso.
Como se escreveu no Ac. do STA de 26-04-2007, proferido no processo 0127/07:
“I- Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 33.º do CIRC, na redacção anterior à Lei 30-G/2000, são fiscalmente dedutíveis as provisões constituídas de harmonia com a disciplina imposta pelo Banco de Portugal às empresas submetidas à sua fiscalização.
II - As provisões fiscalmente dedutíveis tanto podem resultar de uma disposição de carácter genérico como de um acto administrativo individual e concreto do Banco de Portugal, de acordo com o n.º 18 do Aviso 3/95.
III - Sendo irrelevante para efeitos de consideração como custo fiscal que a constituição duma provisão que se mostre adequada, do ponto de vista prudencial, resulte de uma prévia determinação do Banco de Portugal ou de uma sua posterior ratificação.”.
Deste modo, não sendo aplicável ao caso do Requerente, por força do n.º 4 do artigo 1.º daquele aviso, a alínea d) do n.º 2 do art.º 1.º, para a qual remete o n.º 1 do art.º 10.º, também do mesmo Aviso, enfermará a correcção ora em apreço de erro nos pressupostos de direito, devendo, como tal, ser anulada, e procedendo, nesta parte também, o pedido arbitral.
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c. Correcção relativa à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato
Nesta matéria, está em causa correcção relativa à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo de um total de 67 imóveis e o valor constante do contrato da sua transmissão [alínea a) do n.º 3 e n.º 4 do artigo 58.º-A e artigo 129.º do Código do IRC], no montante de € 1.034.821,00.
A este propósito o Requerente alega, em suma, que nunca foi devidamente notificado do valor patrimonial definitivo dos imóveis em causa, não podendo o sistema informático da DGCI servir como prova da efectiva notificação de tal acto, pelo que lhe seria impossível efetuar o requerimento previsto no artigo 129.º do Código do IRC, para além de se verificar o vício de violação de lei, por violação do disposto no artigo 58.º-A, n.º 2, conjugado com o disposto no artigo 129.º, n.º 1, ambos do Código do IRC.
Mais argumenta o Requerente que se verifica a violação do princípio da tributação do rendimento real, consagrado no n.º 2 do artigo 104.º da CRP, porquanto o preço efectivo das transacções foi o efectivamente declarado, bem como a violação do princípio da reserva à intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, do princípio do Estado de Direito, previsto no artigo 2.º, da CRP, do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efectiva, previsto nos artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da CRP, do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real, previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, e do princípio da igualdade tributária, previsto nos artigos 104., n. 1 e n.º 2 e no artigo 13.º, todos da CRP.
A Requerida, por seu lado e em suma, alega que o Requerente foi efectivamente notificado do acto definitivo de fixação dos valores patrimoniais, e que, não tendo desencadeado o procedimento previsto no art.º 129.º do CIRC aplicável, não poderá contestar a utilização do VPT ali fixado para fundamentar as correcções ora em causa.
Mais alega não se verificar a violação de qualquer das normas e princípios constitucionais arguida pelo Requerente.
Em causa está, portanto, o teor dos artigos 58.º-A e 129.º do CIRC na redacção aplicável, que, no que ao caso importa, dispõem que:
- “1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
3 - Para aplicação do disposto no número anterior:
a) O sujeito passivo alienante deve efectuar uma correcção, na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;
b) O sujeito passivo adquirente, desde que registe contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário definitivo, deve tomar tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel.
4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do exercício a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.”;
- “1 - O disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.
3 - A prova referida no n.º 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.”.
A questão principal que se coloca nesta sede prende-se com saber:
1) Se a falta de notificação da decisão final do procedimento de avaliação se repercute na legalidade da liquidação de IRC, feita com base no artigo 58.º-A do CIRC aplicável; e
2) A quem compete o ónus da prova da notificação ou da sua falta;
Diga-se, desde logo, que as partes parecem estar de acordo no que diz respeito ao sentido da resposta a ambas as questões, ou seja, de que que efectivamente a falta de notificação da decisão final do procedimento de avaliação se repercute na legalidade da liquidação de IRC, feita com base no artigo 58.º-A do CIRC aplicável, e de que é à AT que assiste o ónus da prova da realização de tal notificação.
Com efeito, é nesse sentido que pugna o Requerente, sendo que a Requerida assim o terá entendido também, tendo desenvolvido um esforço probatório nesse sentido.
E, julga-se, assim deve ser.
É que, como se escreveu no acórdão do STA de 14-10-2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR:
“III - A decisão de avaliação/fixação de valor patrimonial tributário de imóvel que sirva de base à liquidação de imposto a certo contribuinte não produz efeitos em relação a este sem que lhe seja validamente notificada.
IV - A falta de notificação da primeira avaliação constitui uma formalidade preterida em acto preparatório ao procedimento de liquidação. Em consequência, não pode ser validamente efectuada uma liquidação adicional apoiada nessa avaliação sem que, previamente, seja assegurado o direito à segunda avaliação. Estaremos perante um vício intrínseco da própria liquidação e que pode/deve ser invocado na impugnação contenciosa desta.”.
Também no acórdão do mesmo Tribunal de 06-05-2020, proferido no processo 01088/10.1BEAVR, se pode ler que “A decisão de avaliação ou de fixação de valor patrimonial tributário de imóvel que sirva de base à liquidação de imposto a certo contribuinte não produz efeitos em relação a este sem que lhe seja validamente notificada.”.
No mesmo sentido, considera o TCA-Sul, no seu acórdão de 05-11-2020, proferido no processo 1319/08.8BELRS, que “Sendo o acto de avaliação um acto destacável, a falta de notificação do mesmo apenas gera directamente a sua ineficácia e essa ineficácia determina a invalidade dos actos subsequentes do procedimento, por vício procedimental, incluindo o acto final de liquidação.”.
Relativamente à questão do ónus da prova da efectivação da notificação, decidiu-se já que:
“I - O acto de avaliação foi notificado por registo simples – em que a carta é deixada na caixa de correio do destinatário sem que aqueles serviços de distribuição postal desenvolvam qualquer iniciativa tendente a garantir que o destinatário, ou quem esteja no seu domicílio, de facto a receberam.
II - Os registos simples, porque são efectuados por mero depósito da carta na caixa de correio do destinatário, não permitem que a carta seja devolvida por não ter sido reclamada, por não se encontrar ninguém na residência, ou por recusa de recebimento. Estes registos nunca são devolvidos, desde que haja caixa de correio.
III - Dado estar em causa avaliação dos prédios aquando da 1ª transmissão ao abrigo do regime do CIMI, o valor patrimonial tributário do prédio resultante da avaliação, bem como a possibilidade de requerer segunda avaliação deve ser notificado ao sujeito passivo por via postal registada, nos termos do disposto no artigo 15º-E do DL. nº 287/2003.
IV - O registo simples de mero depósito na caixa de correio do destinatário não é a via postal registada que a lei impõe – art.º 15º-E do DL. nº 287/2003 - que seja cumprida na situação sob escrutínio, face ao disposto no art.º 38º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
V - As consequências jurídicas a retirar da preterição da formalidade legal de carta registada há-de fazer-se com base nos direitos que a formalidade visa proteger e, por outro, sobre quem recai o ónus de demonstrar que foi assegurada a cognoscibilidade do acto notificando.
VI - Não há nos autos elementos que permitam concluir que o contribuinte efectivamente recebeu a notificação que os Serviços postais dizem ter deixado na sua caixa de correio. Competia à Administração Tributária que incumpriu a formalidade legal prevista para o efeito, demonstrar que, apesar disso, o contribuinte teve conhecimento do acto impugnado em termos de poder contra ele reagir atempadamente, caso o considerasse ilegal, sob pena de o acto de liquidação que lhe sucedeu ser afectado pela legalidade cometida procedimento que o antecedeu.”.
Deste modo, cumpre, então, verificar se a AT cumpriu o ónus de demonstrar que o contribuinte teve conhecimento do acto de fixação do valor patrimonial e que, por isso, este se tornou definitivo.
É que, como se escreveu no processo arbitral n.º 371/2017, do CAAD , “apenas se pode considerar o valor patrimonial fixado para o imóvel a título definitivo. E a definitividade depende da notificação da fixação ao contribuinte, uma vez que só após a referida notificação está o sujeito passivo em situação que lhe possibilita reagir contra a fixação do valor.”.
Ora, no sentido de preencher o seu ónus probatório, nos presentes autos, a Requerida apenas apresenta 5 avisos de recepção, alegadamente respeitantes à notificação em causa, bem como um print informático onde elenca os prédios cuja disparidade entre o valor escriturado e o VPT definitivamente fixado justifica a liquidação, aqueles valores, a data das escrituras, a data da notificação, bem como uma referência do registo.
Relativamente a este último dado, diga-se que, provavelmente devido à antiguidade dos registos, não é possível confirmar o seu conteúdo, nem mesmo a sua existência, nos serviços postais online disponíveis.
No mais, haverá que considerar insuficientes os elementos probatórios apresentados pela Requerida.
Com efeito, o print informático junto, e impugnado pela Requerente, não se encontra devidamente fundamentado, em termos de poder beneficiar do disposto no artigo 115.º, n.º 1 do CPPT.
É que “o “print informático” extraído da base de dados da DGCI não prova nem a remessa da liquidação para o domicílio do contribuinte, nem o seu recebimento” .
E, como se pode ler no acórdão do TCA-Sul de 13-10-2017, proferido no processo 1245/09.3BEALM:
“I. À Administração Tributária cabe o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos.
II. Não bastando para o efeito, um mero print interno, processado pelos respectivos serviços, mas sim o registo da correspondência emitido pelos CTT, ainda que colectivo, onde constem os elementos aptos a comprovar que a correspondência foi remetida para o domicílio fiscal da contribuinte.”.
Assim sendo, como é, restam os 5 avisos de recepção apresentados pela Requerida.
Relativamente a estes, diga-se desde logo que não é possível reconduzi-los à notificação de qualquer acto em concreto, já que, para o efeito, apenas se dispõe do referido print informático que, como se viu, só por si, não se poderá ter como idóneo para efeitos probatórios.
Mas, mesmo aceitando, que os mesmos se reportam aos actos indicados no print apresentado pela AT (anexo III do RIT), o certo é que, como aponta o Requerente, nos mesmos não está preenchido (ou, pelo menos, não se apresenta visível), o campo relativo ao documento oficial de identificação de quem recebeu a correspondência, como requer o n.º 4 do art.º 39.º do CPPT.
Note-se, aliás, que a exigência da cabal identificação do recepcionante da correspondência não é uma exigência vazia ou meramente formal. É que, constituindo-se aquele na obrigação de entregar a carta ao destinatário, a sua suficiente identificação é imprescindível para, caso tal dever não seja devidamente cumprido, o destinatário poder responsabilizar o recepcionante pelo seu incumprimento.
Assim, e como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 23-03-2017, proferido no processo 473/10.3BESNT:
“Não se cumprindo todas as formalidades da notificação e não se provando que, apesar de elas não terem sido cumpridas, foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a mesma, esta é inválida. Neste caso, sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr.artº.342, nº.1, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.T.), designadamente que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor do destinatário da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido.”.
Deste modo, e não se demonstrando a ocorrência da notificação dos actos de fixação do valor patrimonial dos imóveis em questão, não se poderá concluir que, no caso, o “valor patrimonial tributário definitivo do imóvel” fosse o indicado pela AT, para efeitos do artigo 58.º-A do CIRC aplicável, nem que se tenha verificado o termo inicial do prazo previsto no art.º 129.º do mesmo código.
Desta forma, enfermará a correcção ora em apreço de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo ser anulada e procedendo, também nesta parte, o pedido arbitral.
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d. Correcção relativa à majoração de quotizações
Insurge-se também o Requerente contra as correcções relativas à majoração de quotizações [n.º 1 do artigo 23.º e n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC], no montante de € 19.381,71, argumentando que a mesma é ilegal face ao disposto no artigo 41.º do Código do IRC, na redacção à data aplicável.
Em causa estão contribuições feitas pelo Requerente para duas associações, a C... e a D....
A Requerida entende que não deverá proceder a majoração da quotização por se tratar de uma despesa extraordinária não inerente ao normal e regular funcionamento da associação (no caso da primeira) e que a actividade de formação profissional e de ensino superior, não se pode confundir com uma quota (no caso da segunda).
Dispõe o art.º 41.º, n.º 1, do CIRC aplicável que:
“1 - É considerado custo ou perda do exercício, para efeitos da determinação do lucro tributável, o valor correspondente a 150% do total das quotizações pagas pelos associados a favor das associações empresariais em conformidade com os estatutos.
2 - O montante referido no número anterior não pode, contudo, exceder o equivalente a 2% do volume de negócios respectivo.”.
A Requerida considera, em suma, que apenas cabe na previsão da norma em causa “uma quota que permita o funcionamento da referida associação”, que não poderão ser abrangidas “despesas extraordinárias de uma determinada associação numa quotização que é a mesma independentemente de estudos económicos ou trabalhos de outra natureza e que permitem o seu funcionamento.”, e que “não deverá proceder a majoração da quotização em questão por se tratar de uma despesa extraordinária não inerente ao normal e regular funcionamento da associação”, “porquanto o legislador apenas veio permitir a majoração da quotização que
permita e consubstancie o normal funcionamento associativo.”.
Ressalvado o respeito devido, a interpretação propugnada pela Requerida não tem qualquer suporte no texto legal.
Com efeito, em parte alguma daquele enunciado, se descortina qualquer segmento que permita concluir, como fez a Requerida, que apenas quotas essenciais ao funcionamento da associação podem beneficiar do regime em causa.
Nos termos da lei, os únicos requisitos necessários para que se beneficie de tal regime é que estejam em causa “quotizações” para associações empresariais, e que as mesmas sejam obrigatórias face aos estatutos da associação, bem como que não se exceda o limite previsto no n.º 2 do artigo 41.º em causa.
Daí que para efectuar a correcção ora em apreço, a AT devesse colocar em causa (para além da efectividade e comprovação) pelo menos uma de quatro coisas, a saber:
a) Se a associação beneficiária é uma associação empresarial;
b) Se está em causa uma “quotização”;
c) Se a mesma era obrigatória face aos estatutos da associação beneficiária; ou
d) Se o limite do n.º 2 do artigo 41.º foi excedido.
Ora, as circunstâncias relatadas no RIT não se reconduzem a nenhuma das referidas situações.
Com efeito, a única a que vagamente se poderiam reconduzir era a circunstância de se tratarem de quotizações.
Todavia, não só nem sequer isso é nominalmente feito (a requerida emprega, reiteradamente, a expressão “quotas”, que tem um sentido diferente de quotizações), como a circunstância de se tratar de quotizações, ou não, depende de a contribuição ser, ou não, equitativamente dividida entre todos os associados, o que, de forma alguma, é questionado no RIT.
Note-se, ainda, que o argumento relativo aos estudos económicos constante do RIT é intrinsecamente falacioso.
Efectivamente, e como ali se diz, se um estudo económico for elaborado por uma associação empresarial o custo é majorado em 150%, ao contrário do que ocorreria com qualquer outro sujeito passivo de IRC... Todavia, é requisito de tal majoração que o mesmo seja financiado por quotizações obrigatórias, ou seja, em partes iguais por todos os associados, o que faz presumir um interesse comum e igual de todos os associados... Na ausência de tal interesse, por natureza associativo, cada um dos associados individualmente poderia realizar o mesmo estudo, deduzindo integralmente o respectivo custo, o que não só seria economicamente ineficiente, como fiscalmente ineficiente, já que levaria à dedução de montantes substancialmente mais elevados à receita fiscal no seu conjunto...
Deste modo, e pelo exposto, enfermará a correcção ora em apreço de erro nos pressupostos de direito, devendo por isso ser anulada, e procedendo, consequentemente, nesta parte o pedido arbitral.
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e. Correcção relativa à criação de emprego
Está ora em apreço a correcção relativa à criação de emprego [artigo 17.º do EBF], no montante de € 130.791,10, que o método seguido pelos serviços de inspecção tributária com vista ao apuramento dos encargos que ultrapassam o limite legal, consubstanciado na soma dos encargos suportados com a majoração de 50% desses encargos, resulta numa deturpação do regime legalmente preceituado, e que quando o valor dos encargos mensais seja superior ao limite legal de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado, deve ser considerado o valor da majoração correspondente a esse limite.
Em causa, nesta parte, estão correcções relativas aos montantes deduzidos pelo Requerente no exercício de 2007 a título de “criação de emprego para jovens”, sobre a criação de emprego ocorrida em 2002, e à relevação do limite da majoração admissível.
O Requerente contesta o método de cálculo da majoração, consubstanciado na soma ao valor da majoração dos encargos suportados por forma a aferir do limite fiscal da mesma, por considerar que o mesmo é atentatório da natureza do benefício em causa e da própria norma que o prevê (artigo 17.º do EBF aplicável).
Quanto à relevação do limite da majoração admissível, sustenta o Requerente que excedido o limite legalmente previsto para efeitos da dedução do benefício fiscal à criação líquida de emprego, não há lugar à relevação fiscal de qualquer benefício, o que não significa que o contribuinte não tenha, como efetivamente tem, o direito à dedução do benefício até ao aludido limite.
Esta questão foi já objecto de extensa jurisprudência dos tribunais tributários estaduais, incluindo o STA, tendo-se concluído que “O benefício fiscal previsto no artigo 17º do EBF, na redacção vigente até 31.12.2002, concedia ao empregador, para efeitos de IRC, a consideração dos encargos mensais decorrentes do novo posto de trabalho, acrescidos de uma majoração de 50%, com o limite máximo de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.” .
Quanto ao limite da majoração, a mesma jurisprudência é suficientemente clara, no sentido de que “Este benefício fiscal -majoração de encargos com postos de trabalho novos destinados a trabalhadores com idade não superior a 30 anos- destinou-se, no essencial, a fomentar e apoiar a redução do desemprego dos trabalhadores incluídos na faixa etária inferior a 30 anos de idade permitindo às entidades patronais recuperar em sede de IRC 50% do valor dos encargos -remunerações sujeitas a IRS e Segurança Social da parte da entidade patronal- com correspondência directa na criação líquida de postos de trabalho, com um limite máximo dos encargos mensais de 14 vezes o salário mínimo nacional (SMN) mais elevado, válido por um período de 5 anos.” .
Ou seja, trata-se de um limite máximo do benefício concedido, e não de um limite máximo condicionante da concessão do benefício.
Assim, aderindo-se à jurisprudência indicada, haverá que julgar, também nesta parte, procedente o pedido arbitral.
O Requerente contesta ainda a correcção relativa à criação líquida de emprego ocorrida no ano de 2007, no que diz respeito ao trabalhador titular do NIF ..., que a AT considerou que não poderia ter sido relevado para efeitos do apuramento das “saídas de trabalhadores”.
Conforme é pacífico, o referido colaborador foi admitido em 1996 e rescindiu o seu contrato de trabalho com o Requerente em 2007, nunca tendo sido relevado para efeitos do benefício em causa.
A Requerida, por seu lado, entendeu que é irrelevante o facto de o funcionário ter usufruído ou não do benefício em causa, e que o que releva são as condições em que o colaborador se encontrava à data da sua admissão (nomeadamente a sua idade e o tipo de contrato celebrado na data de admissão).
Em causa, está, nesta parte, a alínea d) do n.º 2 do art.º 17.º do EBF aplicável, que dispõe que se entende por:
“Criação líquida de postos de trabalho a diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respectiva admissão, se encontravam nas mesmas condições.”.
Face à norma legal em causa julga-se que o que relevará, para o apuramento do número de saídas, é que o trabalhador se encontrasse em condições de ser elegível nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do EBF, na data da sua admissão.
Quer isto dizer, desde logo, que não é necessário que o trabalhador em questão tenha, efectivamente, sido eleito pelo sujeito passivo de IRC para gozar do benefício fiscal.
Mas quer dizer, também, que é necessário, para que conte como saída, que o mesmo pudesse, efectivamente, ser elegível pelo sujeito passivo de IRC para gozar de tal benefício, o que significa que um trabalhador que preencha os requisitos para ser eleito para aquele gozo, face ao regime do benefício vigente no momento da saída, mas não os preenchesse face ao regime do benefício vigente no momento da admissão, não deverá contar como saída.
Dito de outro modo, a interpretação que se julga correcta é a de que a expressão “nas mesmas condições” não se reporta às condições concretas do trabalhador que é admitido, mas às condições para ser elegível para efeitos do benefício.
Esta será, ressalvado o respeito devido, a interpretação mais congruente do regime legal, uma vez que as condições de elegibilidade para gozo do benefício podem mudar de uns anos para os outros (como historicamente mudaram), e, sob uma perspectiva de previsibilidade e segurança jurídica, faria pouco sentido que um dado trabalhador pudesse sair num dado exercício, sem que contasse como saída, e no seguinte tal já não acontecesse.
Por outro lado, outra interpretação, que se reconduzisse a considerar que mesmo trabalhadores admitidos anteriormente à entrada em vigor do benefício em questão concorressem para o cômputo do número de saídas, conduziria a situações como a de um trabalhador, por exemplo, com 30 anos de serviço contasse para aqueles efeitos, desincentivando a sua substituição por um jovem, em favor de um trabalhador com mais experiência e formação, contra o propósito do regime em causa que é, justamente, fomentar a criação de emprego para jovens.
Assim, e no caso, tendo o trabalhador ora em causa sido admitido em 1996, não se encontrava em condições de ser elegível nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do EBF, desde logo porque o mesmo não estava em vigor.
Tendo sido entendido de outro modo, verifica-se um erro nos pressupostos de direito do acto objecto da presente acção arbitral, pelo que deve, nesta parte também, proceder o pedido arbitral.
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f. Correcção relativa ao crédito de imposto por dupla tributação internacional
Esta correcção diz respeito ao crédito de imposto por dupla tributação internacional [n.º 1 do artigo 85.º do Código do IRC], no montante de € 1.110.244,07, sustentando o Requerente que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 85.º do Código do IRC, na redacção à data aplicável, o cálculo do montante a deduzir deveria ser efectuado de forma distinta, porque o termo “fracção do IRC, calculado antes da dedução” pressupõe o apuramento, ainda que “virtual”, do IRC que seria devido em Portugal relativamente aos rendimentos obtidos pela sucursal de Madrid.
Essencialmente, louvando-se, essencialmente o Requerente em doutrina que cita , pretende que, na medida em que tal doutrina não foi seguida no RIT, deve a correcção em causa ser anulada.
Em causa está, então, a aplicação do n.º 1 do artigo 85.º do Código do IRC aplicável, que dispõe que:
“1 - A dedução a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 83.º é apenas aplicável quando na matéria colectável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro e corresponde à menor das seguintes importâncias: (...)
a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;
b) Fracção do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos dos custos ou perdas directa ou indirectamente suportados para a sua obtenção.”.
No caso, o Requerente suportou imposto pago no estrangeiro no montante de € 6.218.968,36, valor que deduziu integralmente.
A AT, corrigiu, a final, aquele valor para o montante de € 5.108.724,29, nos termos da alínea b) do artigo referido, chegando àquele valor pela aplicação da taxa de IRC à data (25%), acrescida da taxa máxima de derrama (1,5%), ao rendimento líquido obtido pelo Requerente no estrangeiro.
O Requerente, como se expôs já, entende que o cálculo a efectuar nos termos daquela al. b) do n.º 1 do art.º 85.º do CIRC aplicável, impõe o apuramento, ainda que “virtual”, do IRC que seria devido em Portugal relativamente aos rendimentos obtidos pela sucursal de Madrid.
Relativamente a esta correcção, diga-se desde logo, não poderia em caso algum, julga-se, proceder a pretensão do Requerente, já que o mesmo não demonstra que a mesma tenha sido efectuada em seu prejuízo, ou seja, que o valor de imposto a deduzir segundo o método por si preconizado fosse superior ao que resultou da correcção que contesta.
Sem prejuízo disso, sempre se dirá que não se subscreve o entendimento pugnado pelo Requerente, e pela doutrina em que se sustenta.
Com efeito, e começando por esta, não se descortina na mesma nenhum argumento substancial que justifique a sua adopção, que a própria reconhece ser causa de “morosidade (no caso da existência de diversas sucursais, implica a simulação de diversos lucros tributáveis) e complexidade (inerente, por vezes, ao desconhecimento das realidades que subjazem aos registos contabilísticos das sucursais) da simulação do CDTI”.
Por outro lado, como se explica no Acórdão do STA de 11-05-2016, proferido no processo 0351/14:
“II - Quando uma sociedade comercial sediada em território português possui uma sucursal fora deste território, as operações efectuadas por esse estabelecimento estável têm de ser refletidas na contabilidade da empresa sede e, em consequência, os rendimentos obtidos por esse estabelecimento têm de ser refletidos no resultado da actividade global da empresa, sendo tomados em conta na determinação do lucro tributável desta para efeitos do IRC devido em Portugal, dado o princípio da universalidade – que determina que as entidades residentes são tributadas pela totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora do território nacional. É o que decorre da norma contida no artigo 4º, nº 1, do CIRC.
III - Todavia, em regra, o estabelecimento estável é também tributado em imposto sobre o rendimento no país onde este está situado, o que gera uma situação de dupla tributação internacional dos rendimentos. Razão por que o CIRC, na redacção vigente à data dos factos (1994 e 1995) previa, como mecanismo para atenuar essa dupla tributação, a aplicação do método de imputação ordinária, em conformidade com as normas contidas nos artigos 58º, nº 1, alínea b), 71º, nº 2, al. b), e 73º, todos do CIRC.
IV - Desses preceitos legais resulta que, para efeitos da tributação prevista no art. 4º, nº 1, do CIRC, os rendimentos obtidos fora do território nacional são necessariamente englobados na sua totalidade, e esse englobamento é feito pelas importâncias ilíquidas do imposto pago no estrangeiro, originado tal pagamento um crédito de imposto que é dedutível ao IRC liquidado em Portugal, em conformidade com o disposto no art. 73º do CIRC.
V - O englobamento desses rendimentos pela importância ilíquida do imposto pago, tendo como desígnio assegurar a tributação da totalidade do rendimento obtido pelas entidades que tenham sede ou direcção efectiva em território português, impõe-se ao sujeito passivo, independentemente do uso do crédito que a lei lhe reconhece, e, por conseguinte, não é um regime facultativo, mas, antes, um regime obrigatório, já que se impõe ainda que não seja possível deduzir (total ou parcialmente) o crédito de imposto, designadamente por ausência de colecta.
VI - À data dos rendimentos em causa nestes autos a lei não previa a possibilidade de dedução integral do imposto pago no estrangeiro nos casos de ausência ou insuficiência de colecta, pois não permitia fazer o reporte do crédito de imposto, sendo que a possibilidade de o fazer só veio a ser concretizada através da Lei do Orçamento de Estado para 1999, pelo aditamento do nº 3 ao art. 73º do CIRC, segundo a qual nos casos de insuficiência da colecta no exercício em que os rendimentos obtidos no estrangeiro foram incluídos na base tributável da empresa sede, o remanescente pode ser deduzido até ao fim dos cinco exercícios seguintes.
VII - Razão por que os rendimentos obtidos pelas sucursais de Londres e Zhuhai, nos exercícios de 1994 e 1995, tinham de ser englobados na base tributável da empresa sede pelos valores ilíquidos do imposto ali pago, pese embora as normas (internas e convencionais) não contemplassem uma solução para o problema de o crédito de imposto não poder ser deduzido por ausência da colecta desta empresa.
VIII - Os rendimentos obtidos pela sucursal de Macau em 1994 estavam isentos de tributação, e, por consequência, em relação a eles não se coloca a questão do englobamento. Todavia, a partir de 1 de Janeiro de 1995, e por força das alterações introduzidas pela Lei nº 39-B/94, de 27/12, os rendimentos obtidos pela sucursal de Macau ficaram sujeitos ao regime geral previsto no art. 4º, nº 1, do CIRC, beneficiando do crédito de imposto por dupla tributação, nos termos definidos nos arts. 71º, nº 2, al. b), e 73º, e, por conseguinte, esses rendimentos ficaram sujeitos ao englobamento definido no art. 58º, nº 1, alínea b), do CIRC.
IX - As sucursais, sendo tributadas em imposto sobre o rendimento no Estado onde estão localizadas, têm de determinar nesse país o seu lucro tributável (calculado com base no resultado líquido apurado à luz da contabilidade organizada segundo as regras desse Estado e com observância das regras contabilísticas e fiscais nele vigentes, que estão obrigadas a cumprir), aí podendo deduzir todas as despesas que a legislação desse Estado aceite como dedutíveis para o apuramento do lucro tributável que aí é sujeito a tributação.
X - Todavia, todos os rendimentos obtidos por essas sucursais têm também de ser refletidos na contabilidade da empresa sede e, nesta fase, todas as regras contabilísticas e fiscais a observar são as vigentes em Portugal para o apuramento do lucro tributável da empresa sede residente neste país. Razão por que os gastos (da empresa sede e suas sucursais) são dedutíveis em Portugal apenas na medida em que estejam previstos na legislação fiscal nacional e com os limites que essa lei impõe a tais deduções.”.
Ou seja: o mecanismo do crédito de dupla tributação internacional consiste no englobamento do rendimento líquido obtido no estrangeiro, e, depois, na dedução do imposto ali suportado até ao montante de imposto devido em Portugal que o englobamento daquele rendimento fez acrescer ao que seria devido se não fosse englobado.
Assim sendo, como é, o que se verifica é que se o cálculo fosse efectuado pela AT, como sugerido pelo Requerente e a doutrina em que se louva, de uma maneira mais rigorosa, o montante de crédito de imposto a reconhecer-lhe nunca seria superior ao reconhecido pela AT, já que, em caso algum, o englobamento do rendimento da sucursal no estrangeiro poderá ter dado causa a montante de imposto superior ao que resulta da aplicação ao mesmo da taxa normal de IRC, acrescida da taxa máxima de derrama.
Dito de outro modo, e em suma, entende-se que:
- O método aplicado pela AT é o correcto, e impõe-se por razões de praticabilidade, celeridade e simplicidade;
- Ainda que assim não fosse, o acto não se mostra, em qualquer caso, lesivo para o Requerente.
Assim, e face ao exposto, deverá, nesta parte, improceder o pedido arbitral.
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g. Correção de lapsos apurados pelo Requerente quanto ao cálculo do IRC
O Requerente invoca ainda o princípio da tributação pelo rendimento real, bem como, o princípio da justiça, no sentido de ser relevado, a seu favor, o montante de € 219.479,65, sendo o mesmo deduzido ao lucro tributável do exercício de 2007.
O Requerente suscitou tal questão no exercício do seu direito de audiência prévia, tendo a AT se pronunciado no sentido de que a informação facultada pelo Requerente não se mostrou suficiente para que os SIT procedessem à sua validação, não colocando em causa, todavia, que estivessem obrigados, no caso da suficiência dos elementos, a proceder à correcção peticionada pelo Requerente.
Em sede arbitral o Requerente veio juntar documentação adicional que não foi impugnada nem contestada pela Requerida.
Assim, face ao exposto e aos factos dados como provados nos pontos 31 e 32 da matéria de facto, deve proceder, nesta parte, o pedido arbitral.
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h. Legalidade da liquidação de juros moratórios
Questionou, ainda, o Requerente a legalidade da liquidação de juros moratórios.
Em sede de alegações escritas veio esclarecer que apenas o apresentou por lapso, dado que o mesmo já havia sido atendido antes da propositura da presente acção arbitral.
Verifica-se, assim, uma inutilidade originária da lide, imputável ao Requerente, que deve ser declarada.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Julgar improcedentes as excepções arguidas pela Requerida;
b) Declarar a impossibilidade originária da lide quanto ao pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de juros moratórios;
c) Anular parcialmente o acto de liquidação adicional de IRC n.º ..., de 06-01-2010 e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º ... e de juros moratórios n.º ..., consubstanciados na compensação n.º ..., de 15-01-2010 e na nota de cobrança n.º ..., referente ao exercício de 2007, na parte que reflectem as seguintes correcções ora anuladas:
i. Provisão para outros riscos e encargos – acções judiciais em curso [n.º 1 do artigo 23.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC], no montante de € 126.884,65;
ii. Provisão para imparidade em activos financeiros disponíveis para venda [alínea e) do n.º 2 do artigo 57.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, alínea d) do n.º 2 do art.º 1.º conjugado com o n.º 1 do art.º 10.º do Aviso n.º 3/95, de 30/6, do Banco de Portugal], no montante de € 269.442,82;
iii. Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato [alínea a) do n.º 3 e n.º 4 do artigo 58.º-A e artigo 129.º do Código do IRC], no montante de € 1.034.821,00;
iv. Majoração de quotizações [n.º 1 do artigo 23.º e n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC], no montante de € 19.381,71;
v. Criação de emprego [artigo 17.º do EBF], no montante de € 130.791,10;
vi. Não correção de lapsos apurados pelo Requerente quanto ao cálculo do IRC de 2007;
d) Julgar improcedente a restante parte do pedido arbitral;
e) Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de € 8.550,00 a cargo do Requerente e de € 11.340,00 a cargo da Requerida.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 1.497.528,35, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 19.890,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa
12 de Agosto de 2021
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Jorge Bacelar Gouveia)
O Árbitro Vogal
(João Menezes Leitão)