Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 601/2020-T
Data da decisão: 2021-07-09  IRS  
Valor do pedido: € 14.544,17
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias; Não residentes em território nacional.
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Sumário:

O regime específico de equiparação aos residentes é opcional, e não afasta o carácter discriminatório da norma do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS. Assim, a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, é ilegal por constituir uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            A..., com o número de identificação fiscal ..., residente em ..., n.º..., CP, Málaga, Espanha, veio requerer a constituição de Tribunal arbitral singular, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT), com vista à apreciação da legalidade do ato de liquidação de IRS n.o  2020..., no que se refere às mais-valias imobiliárias, relativo ao período de tributação de 2019, no valor parcial de € 14.544,17, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago, e o pagamento de juros indemnizatórios.

2.            A Requerente fundamenta a sua pretensão na circunstância de em 12.08.2011 ter adquirido, por via sucessória, ¼ da fração C e da fração E do imóvel destinado a habitação, sito em Rua ..., n.º..., do concelho de Lisboa, e correspondente, respetivamente, ao ... Dt.º e ao ... Dt.º do referido imóvel, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o artigo número ... (cfr. Doc. 1 do ppa).

3.            Em 17.09.2019 e 26.11.2019, por escritura pública de compra e venda, a Requerente, vendeu, respetivamente, a sua quota (¼) da fração E e da fração C, do prédio urbano, destinado a habitação, sito em Rua ..., n.º..., do concelho de Lisboa, com a descrição predial e inscrição matricial supra identificadas (cfr. Doc. 2 e 3 do ppa).

4.            As frações E e C do prédio urbano supra identificado foram vendidas, respetivamente, pelo valor de € 220.000,00 e de € 235.000,00, pelo que sendo a Requerente titular de (¼) das frações E e C, do prédio urbano em causa, correspondeu-lhe, respetivamente, o valor de € 55.000,00 e de € 58.750,00.

5.            As mais-valias decorrentes da alienação das referidas frações do prédio urbano, destinado a habitação, sito em Rua ..., n.º..., do concelho de Lisboa, foram declaradas no anexo G da declaração Modelo 3-IRS apresentada pela Requerente em 06.05.2020, na qualidade de não residente, relativamente ao ano de 2019.

6.            No anexo G da declaração Modelo 3-IRS, a Requerente declarou o VPT dos imóveis à data da aquisição, isto é, o valor de € 1.397,66 (fração C) e de € 1.307,47 (fração E), bem como os valores de realização (€ 58.7500,00 e € 55,000,00), ambos correspondentes a ¼ do valor total, ou seja, o valor correspondente à quota de titularidade da Requerente.

7.            Na sequência da submissão da declaração de rendimentos, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o ato de liquidação de IRS, no valor de € 29.106,54, cuja ilegalidade é objeto de impugnação através do presente pedido de pronúncia arbitral.

8.            A liquidação de IRS notificada à Requerente teve por base a mais-valias quantificada na totalidade, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 43.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), tendo a AT desconsiderado a exclusão de tributação de 50% das mais-valias, conforme previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS.

9.            A Requerente considera que o ato de liquidação de IRS do ano de 2019 é parcialmente ilegal porque resulta da aplicação da taxa de imposto ao valor total das mais-valias realizadas, sem recurso à norma de tributação de apenas 50% aplicável aos residentes em território nacional, consagrada no artigo 43.º do Código do IRS.

10.          De acordo com esta norma, os residentes em território nacional apenas são tributados sobre 50% das mais-valias originadas pela alienação de imóveis em Portugal, mas a redução do valor tributável não se estende aos não residentes.

11.          Assim sendo, a norma de direito nacional que exclui os não residentes de uma redução de tributação – e, nessa medida, agrava a sua tributação – restringe a liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nesse sentido se tendo pronunciado o Acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de outubro de 2007, Processo n.º C- 443/06 (Caso Hollmann).

12.          A Requerente considera que o principio da não discriminação, previsto no Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) impõe um tratamento igual entre os cidadãos europeus, independentemente da sua nacionalidade ou residência, pelo que o regime de tributação adotado pela AT constitui uma discriminação injustificada e contrária ao direito da União Europeia, dos residentes noutros Estados-membros face aos residentes em território nacional, violadora do princípio da livre circulação de capitais entre Estados-membros.

13.          A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua resposta, refere que o atual quadro legal já não é o vigente à data da prolação do acórdão do Tribunal de Justiça, tendo em conta que, na sequência dessa jurisprudência, foi efectuada uma alteração legislativa mediante o aditamento dos n.º 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14) ao artigo 72.° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, sendo que esta alteração veio permitir que, tanto os residentes como os não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2, e, por conseguinte, da consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor.

14.          E que o regime escolhido pela Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º do CIRS aplicáveis a não residentes e não aplicáveis a residentes, devendo tal regime ser aplicado “in toto”, pelo que não se pode invocar discriminação negativa como pretende a Requente.

15.          A Requerida, conclui no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

16.          Em 06.11.2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e, em 12.11.2020, foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, em 30.12.2020 foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o ora signatário como Árbitro para integrar o Tribunal arbitral singular, o qual, no prazo legal, comunicou a aceitação do encargo.

17.          Tendo sido notificadas desta designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

18.          Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, em 29.01.2021 verificou-se a constituição do Tribunal arbitral, sendo relevante referir que, para efeitos de cômputo do prazo previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, importa considerar a suspensão de prazos ocorrida nos termos do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação da Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro, e do artigo 4.º desta Lei e do artigo 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05 de abril.

19.          Em 03.03.2021, a Autoridade Tributária e Aduaneira foi notificada do despacho arbitral, no sentido de apresentar resposta ao pedido formulado pela Requerente, nos termos e para os efeitos previstos nas normas do artigo 17.º do RJAT.

20.          Em 09.03.2021, a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida.

21.          Em face do conhecimento que decorre das peças processuais apresentadas pelas Partes – pedido de pronúncia arbitral e resposta da Requerida –, que se julga suficiente para a decisão, por despacho de 08.04.2021, o Tribunal arbitral decidiu: i) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT; ii) determinar que o processo prossiga com alegações, o que veio a acontecer, por parte da Requerente em 30.04.2021, não tendo a Requerida produzido alegações.

22.          No referido despacho arbitral foi ainda determinado fixar o dia 31.05.2021 como data limite para a prolação da decisão arbitral, porém, por congestionamento processual provocado pela suspensão dos prazos processuais ao abrigo do quadro legal referido no ponto 18 não foi possível ao Tribunal proferir a decisão, o que agora se releva.

23.          Nas alegações produzidas, a Requerente reafirma a posição e os argumentos explanados no pedido de pronúncia arbitral, fazendo ainda referência às decisões arbitrais proferidas nos processos arbitrais n.ºs 282/2020-T, 314/2020-T, 318/2020-T e 334/2020-T.

 

II. SANEAMENTO

 

24.          O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

25.          As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

26.          O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

27.          Assim, passa-se à apreciação e decisão do mérito da causa.

 

III - FUNDAMENTAÇÃO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1 Factos provados

 

28.          Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

28.1       Em 12.08.2011, a Requerente adquiriu, por via sucessória, ¼ da fração C e da fração E do prédio urbano, destinado a habitação, sito em Rua ..., n.º..., do concelho de Lisboa, as quais são correspondentes, respetivamente, aos ... Dt.º e ... Dt.º do referido imóvel, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia da ..., do concelho de Lisboa, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o artigo ... .

28.2       Em 17.09.2019 e 26.11.2019, através de escritura pública, a Requerente procedeu à alienação da sua quota-parte (¼) nas referidas frações do prédio urbano identificado no ponto anterior.

28.3       No ano de 2019, a Requerente era residente fiscal em Espanha.

28.4       Em 06.05.2020, a Requerente apresentou a Declaração Modelo 3-IRS, tendo declarado a correspondente mais-valias no anexo G da declaração do IRS.

28.5       A Autoridade Tributária e Aduaneira, com base na declaração de rendimentos apresentada pela Requerente procedeu à realização da Liquidação de IRS, n.º 2020..., no valor de € 29.106,71.

28.6       Esta Liquidação reflete a tributação pela Autoridade Tributária e Aduaneira da totalidade das mais-valias realizadas pela Requerente, na qualidade de não residentes em território português.

28.7       Em 08.09.2020, a Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IRS n.º 2020..., no valor de € 29.106,71.

28.8       O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 05.11.2020.

 

III.1.2 Factos não provados

 

29.          Não existem quaisquer factos não provados que relevem para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e em factos não questionados pelas partes.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

30.          A Requerente não contesta a sujeição a imposto, para efeito do apuramento da mais-valias imobiliárias, dos rendimentos decorrentes da alienação da sua quota-parte nas frações C e E do imóvel, destinado a habitação, sito em Rua ..., n.º..., no concelho de Lisboa.

31.          A Requerente discorda é da não aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, pelo que o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é apenas considerado em 50%, e entende que o ato de liquidação, ao ter sido considerada a totalidade das mais-valias realizadas, constitui uma discriminação negativa dos não residentes restritiva da liberdade de circulação de capitais.

32.          A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em contraposição, que o legislador nacional procedeu já a adaptação do sistema fiscal ao acórdão do TJUE C-443/06, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, que aditou os n.º 7 e 8 (atuais 13 e 14) ao artigo 72.° do Código do IRS, que vieram permitir que não residentes possam optar pela tributação de rendimentos prediais à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do CIRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

33.          Esta questão foi já analisada, em situação similar, em diversas decisões arbitrais (cfr., a título de exemplo, os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 208/2019-T, 830/2019-T, 846/2019-T, 86/2020-T, 282/2020-T, 314/2020-T, 318/2020-T e 334/2020-T), e, quanto a ela, o STA tem igualmente mantido uma orientação uniforme (acórdãos de 16 de janeiro de 2008, Processo n.º 439/06, de 22 de março de 2011, Processo n.º 01031/10, de 10 de outubro de 2012, Processo n.º 0533/12, de 30 de abril de 2013, Processo n.º 01374/12, de 18 de novembro de 2015, Processo n.º 0699/15, de 3 de fevereiro de 2016, Processo n.º 01172/14, e de 20 de fevereiro de 2019, Processo n.º 0901/11).

34.          E a verdade, é que não há motivo para alterar o entendimento então sufragado, que de seguida se procurará sintetizar.

35.          Nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (...)”.

36.          Este tipo de rendimentos, desde que resultantes da transmissão de direitos reais relativos a imóveis situados em território português consideram-se aqui obtidos (Código do IRS, artigos 18.º, n.º 1, alínea h)), ficando, assim, abrangidos pela incidência deste tributo quando auferidos por titulares não residentes (Código do CIRS, artigos13.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2).

37.          Em face do normativo da alínea a) do n.º 4 do artigo 10.º do Código do IRS, o ganho sujeito a tributação é constituído pela diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, sendo este valor atualizado pelo coeficiente de correção monetária e acrescido de encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos e bem assim das despesas necessárias e efetivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação, nos termos dos artigos 50.º e 51.º do mesmo Código.

38.          O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias, integrando a Categoria G do IRS, é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme prevê o artigo 43.º, n.º 1, do citado Código.

39.          No entanto, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, na redação em vigor à data da ocorrência do facto tributário a que se reporta o presente pedido de pronúncia arbitral, o referido saldo, positivo ou negativo, quando respeitante a mais-valias imobiliárias, é apenas considerado em 50% do seu valor, quando “respeitante às transmissões efetuadas por residentes”.

40.          Quando auferidos por sujeitos passivos residentes este tipo de rendimentos é sujeito a englobamento e, em conjunto com outros rendimentos auferidos no mesmo ano pelos respetivos titulares, sobre eles incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º do Código do IRS.

41.          Diversamente, se estes rendimentos forem auferidos por titulares não residentes em território português, são sujeitos a tributação autónoma, incidente à taxa especial de 28% sobre a totalidade das mais-valias, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.

42.          Esta desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias entre os sujeitos passivos residentes e não residentes foi submetida à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, por via de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo STA (acórdão de 28-09-2006, Processo n.º 0439/06).

43.          Em resposta à questão colocada, o Tribunal de Justiça, em acórdão de 11.10.2007, proferido no Processo C-443/06 (Hollmann), declarou que “O artigo 56.º CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”

44.          Foi na sequência dessa decisão, que o STA proferiu o já citado acórdão de 16.01.2008 (Processo 439/06), em que veio a decidir que “O n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art.º 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado-membro da União Europeia.”

45.          Porém, o legislador nacional, por via da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, procurou obviar o tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do Espaço Económico Europeu, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português, aditando ao artigo 72.º do Código do IRS os números 7 e 8 (n.ºs 9 e 10 à data dos factos, na renumeração operada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, a que correspondem os atuais n.ºs 13 e 14), com a seguinte redação:

“9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”

46.          Ao contrário do que entende a Requerida, o regime opcional acima referido não veio sanar o regime discriminatório que se mantém em vigor e foi aplicado à liquidação de IRS ora sindicada.

47.          Após a alteração legislativa acima referida ficaram a vigorar, na área da tributação dos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.

48.          Este regime específico de equiparação aos residentes é opcional, não afastando, contudo, o carácter discriminatório da norma do artigo 43.º, n.º 2, conforme tem vindo a ser decidido em diversas decisões arbitrais.

49.          Com efeito, já na decorrência de situações posteriores à alteração legislativa acima referida, em decisão arbitral de 14.05.2013, Processo 127/2012-T, considerou-se que  “(...) a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art.º 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes. Concluindo aquele aresto que «ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário».

50.          Esta orientação tem vindo a ser acolhida na jurisprudência arbitral, e, designadamente, nas decisões proferidas nos Processos n.ºs 748/2015-T, 89/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 644/2017-T, 370/2018-T, 583/2018-T, 596/2018-T, 600/2018-T, 613/2018-T e 74/2019-T, 904/2019-T, 282/2020-T, 314/2020-T, 318/2020-T e 334/2020-T.

51.          E no mesmo sentido se pronunciou o STA, no acórdão de 20.02.2019 (Processo n.º 0901/11), reportando-se a mais-valias realizadas em 2010, e, portanto, já na vigência das alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, em que se refere o seguinte:

“O Estado Português, através da Lei 3-B/2010 de 28.04, instituiu um regime opcional, ex vi n.ºs 7 e 8 do artigo 72.º do CIRS, com vista à equiparação dos não residentes aos residentes, permitindo àqueles a opção de englobamento dos rendimentos obtidos por mais-valias imobiliárias e, assim, serem tributados em condições similares às dos residentes.

Tratando-se de um regime opcional e mantendo-se o regime geral discriminatório, a sua apreciação foi objeto do Acórdão Gielan de 18.03.2010 do TJUE, que veio a manter as anteriores conclusões referidas no Acórdão Hollmann.

E no caso sub judice foi a Autoridade Tributária que determinou a forma de tributação, através da correção da liquidação, não validando os elementos declarados pelos Impugnantes na sua declaração anual de IRS, não dando hipótese do exercício desta opção aos Impugnantes.

Mesmo assim, tal regime opcional não vem sanar a discriminação entre as normas do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS e o artigo 56.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, já que a norma anterior se manteve como geral, apenas sendo criada uma outra opcional.

Na verdade, já este STA se pronunciou em situação similar à presente - acórdão de 03-02-2016, Processo 01172/14 – negando provimento a um recurso e decidindo no sentido de que tributação em sede de mais valias imobiliárias apuradas por um não residente, devem ser consideradas apenas em 50%, evitando assim a situação discriminatória que a Fazenda Pública pretende ver aqui reconhecida.”

52.          Na linha da jurisprudência do STA e dos tribunais arbitrais, e sem reservas, considera o Tribunal que não se suscitam dúvidas quanto à incompatibilidade com o direito europeu das normas aplicadas à liquidação de IRS impugnada.

53.          Todavia, a Requerida sustenta, que uma interpretação segundo a qual a legislação nacional, após o aditamento dos n.º 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14) ao artigo 72.° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, continua a violar o artigo 63.º do TFUE consubstancia uma discriminação positiva que viola o princípio constitucional da igualdade e o direito europeu.

54.          No entanto, a consideração de que a norma do artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS opera uma discriminação a nível de tributação em relação a não residentes é a que se mostra ser conforme com o direito europeu, segundo a própria jurisprudência do TJUE e, por outro lado, é essa interpretação que elimina a diferenciação de tratamento e restabelece um critério de igualdade na sujeição ao imposto, não podendo falar-se numa discriminação positiva, visto que o que está em causa é a liberdade de circulação de capitais e não um qualquer favorecimento da posição jurídica dos contribuintes não residentes.

55.          Nestes termos, declara-se incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.

56.          Nesta conformidade, o ato de liquidação de IRS supra identificado, desconsiderando aquela limitação, encontra-se ferido de ilegalidade, pelo que o Tribunal determina a sua anulação parcial, nos termos peticionados.

 

IV – JUROS INDEMNIZATÓRIOS

57.          Conjuntamente com o pedido de anulação do ato de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, e o consequente reembolso do valor pago indevidamente, a Requerente requer, ainda, que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.

58.          Dispondo o normativo da alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, sendo que tal dispositivo está em sintonia com o disposto no artigo 100.º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, no qual se estabelece que: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

59.          E que, por sua vez, a norma do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, estabelece que serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."

60.          Há ainda, que referir que, em face da norma do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral, pelo que, assim, importa conhecer do pedido.

61.          O direito a juros indemnizatórios pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido, ou pago imposto indevidamente, e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

62.          No caso dos autos, verifica-se que ocorreu erro de direito, o qual é subsumível no normativo do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, havendo, consequentemente, lugar a pagamento de juros indemnizatórios.

63.          Por todas as razões supra enunciadas, e visto que a requerente em 08.09.2020 (cfr. Doc. 6 do ppa), procedeu ao pagamento integral do imposto, verificando-se que o mesmo é um pagamento parcialmente indevido, reconhece-se à Requerente o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante do imposto indevidamente pago, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do processamento da nota de crédito, conforme decorre do n.º 1 do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

 

V – DECISÃO

Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o ato de liquidação de IRS n.º 2020..., relativo ao ano de 2019, no valor parcial de € 14.544,17, correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total das mais-valias imobiliárias, com o consequente reembolso deste valor à Requerente;

b)           Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data de emissão da nota de crédito;

c)            Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.

 

VI - VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 14.544,17 (catorze mil quinhentos e quarenta e quatro euros e dezassete cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).

 

VII - CUSTAS

 

O valor das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 09 de julho de 2021

 

O Árbitro

Jesuíno Alcântara Martins