DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma e Dra. Sofia Ricardo Borges, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 18-11-2020, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, com o NIF … e sede na …, Queluz… (doravante designada como “Requerente”), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista:
a A anulação do acto de liquidação de IVA n.º 2020 0…, abrangendo o montante de imposto, juros compensatórios e juros de mora vencidos e vincendos;
b A condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor; e
c A condenação da Requerida no pagamento de indemnização à Requerente, por prestação de garantia indevida, no montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 13-08-2020.
Em 19-10-2020, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 18-11-2020.
Em 15-01-2021, a Requerente veio reformular os pedidos, eliminando a referência a indemnização por garantia indevida.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.
Em 23-04-2021, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.
Apenas a Requerente apresentou alegações.
Com as alegações, a Requerente apresentou dois documentos que foram desentranhados.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a A Requerente é um sujeito passivo de IVA enquadrado no regime normal de periodicidade mensal, operando sob o CAE 21201 (Fabricação de Medicamentos), a título de actividade principal, e sob o CAE 010860 (Fabricação de Alimentos Homogeneizados e Dietéticos), enquanto atividade secundária;
b A Requerente integra um Grupo de empresas no qual como sociedade dominante optou pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) em relação a todas as sociedades do grupo, e em 2018 integravam o Grupo, além da Requerente, mais três sociedades, uma delas a B (entretanto denominada C) que era então detida pela Requerente a 96,15% (cfr. RIT);
c Em 18-01-2019, a Requerente pediu o reembolso de IVA no montante de € 1.053.235,87, na declaração relativa ao período 201812;
d Na sequência desse pedido de reembolso foi aberta a Ordem de Serviço n.º OI …, com base na qual foi efectuada uma inspecção à Requerente em sede de IVA, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor, incluindo os seus anexos, se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
I.4. Descrição sucinta das conclusões da ação do inspeção
I.4.1. Correções em sede de IVA
I.4.1.1. IVA em falta -€ 1.695.130,36
Em resultado da ação inspetiva parcial, em sede de IVA foi detetado o incorreto enquadramento da operação de indemnização paga pelo X… ao sujeito passivo, resultando numa dedução indevida. Apurou-se ainda uma dedução indevida de IVA suportado na 'utilização da cantina'.
Conforme fundamentação no capítulo III deste relatório a dedução indevida de IVA, no período 201812, por infração do n.º 1, do artigo 20 º do CIVA totaliza €1.695.130,36.
1.4.1.2. Reembolso solicitado - € 1.053.235,87
O reembolso solicitado no montante de € 1 053.235.87 teve essencialmente origem na dedução efetuada no campo 20 - Imobilizado no montante de € 1.737.654,95, no período 201812.
Nesta dedução está incluído o valor de € 1 694 410,00 resultante de uma operação de cessão de posição contratual, entre o sujeito passivo (cessionário) e a (cedente) B… (agora denominada C…), NIF …, de um contrato de locação financeira celebrado com o Banco X… (locador), que na mesma data é resolvido.
No campo 24 - Outros bens e serviços, no montante de € 48.110,17 está incluído o valor de € 720,36 referente ao IVA suportado na 'utilização da cantina'.
Face ao exposto no capítulo III deste relatório apurou-se que o IVA deduzido nestas duas operações no valor de € 1.695.130,36 foi deduzido incorretamente, pelo que o pedido de reembolso deve ser indeferido na sua totalidade.
(...)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III.1. Origem do crédito de IVA O valor do reembolso solicitado resulta do apuramento de crédito de imposto, na DP do período 201812.
Em grande parte, o crédito de imposto apurado, decorre do valor de imposto deduzido e inscrito no Campo 20 - Imobilizado, no montante de € 1.737.654.95. A dedução resulta essencialmente da fatura n.º FT DLG18/00062, de 2018/12/31, no valor total de € 9.061.410.00, IVA incluído no montante de € 1.694.410,00 (Anexo 1). Esta fatura corresponde a 89% do total da dedução efetuada pela A…, no período 201812.
O fornecedor em causa é a entidade B…, atualmente denominada C…, NIPC … (doravante designada abreviadamente por "BC").
A fatura titula, conforme a sua descrição, o "Valor relativo à cessão de posição contratual no Contrato de Locação Financeira – Referência n.º 20007202 - Celebrado em 27 de dezembro de 2018". com o Banco X…, de um imóvel urbano, inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo …, da União de Freguesias de …, concelho de …, distrito de …, com afetação a armazém e à atividade industrial.
No âmbito desta operação foi também emitida, pelo sujeito passivo ao Banco X SA, NIF 501 214 534, em 2018H2/27, a fatura n.º FVIB144538, a título de "Indemnização por resolução do contrato de Leasing Imobiliário 20007202", no montante total de € 3.692.343,43, com IVA incluído no valor de € 690.438,20 (Anexo 2).
De modo a aferir a dedutibilidade do IVA suportado iremos descrever, nos pontos seguintes, os factos e as operações que estão na origem ao crédito declarado.
III.2. Operações com o imóvel associado
III.2.1. Contratos de locação financeira imobiliária entre o X e a BC.
Em 2003/07/09 foi celebrado um CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRIA [CONSTRUÇÃO], com o n.º 2000253. entre o X… e a BC… (Anexo 3.1), com referência a um prédio rústico sito no lugar de …, freguesia da … e Inscrito na matriz rústica sob o número 5… -Secção R.
Nas cláusulas particulares é estabelecido o seguinte:
(...)
1. Locatário: B (...)
2. Terreno:
- Prédio rústico sito em LUGAR DE …, freguesia de … (...), inscrito (...) sob o artigo 5…-Secção R.
3. Afetação do imóvel:
- O imóvel será destinado a TERRENO
4. Prazo do Contrato: 120
- Início do prazo: Na data de aquisição do imóvel
5.Valor Residual e Preço de Venda:
- Valor Residual: 220 000.00 Eur(...) acrescido do IVA (...)
- Preço de venda, no final do prazo do contrato, será o Valor Residual (...)
6. Início dos trabalhos de construção: Na data de assinatura do contrato de locação.
7. Conclusão dos trabalhos de construção: 6 meses após o início do contraio do locação financeira, prorrogável por período idêntico (...)
5. Valor do Investimento:
- Valor de aquisição do terreno: 4 350 000,00 Eur (...)
- Montante da financiamento à construção: 6 397 264,00 Eur f...), acrescido de IVA (...)
- Sisa: 217 500, Eur(..J
- Despesas Notariais: 35 236,00 (...)
- Montante máximo do investimento: 11 000 000,00 Eur (...)
9. Pré-Rendas:
- Periodicidade: MENSAL
- Modalidade de cálculo: Postecipadas
- Valor inicial do pré-renda por cada mil euros de financiamento: 0.10 / Dia (Dez cêntimos), acrescida de IVA (...)
(...)
- Vencimento da primeira: No último dia do mês de início do contrato
- Vencimento da última: Com a assinatura do Auto de Recepção do Imóvel
10. Rendas:
-Valor da 1ª à 12ª Renda: 33 385,00 Eur (...)
- Valor da 13" a 120º renda: 117 883.29 Eur (...)
Ao valor de cada uma das rendas mencionadas acresce IVA à taxa togai em vigor.
- Periodicidade da cobrança: MENSAL
- Número da rendas: 120
- Modalidade de calculo: POSTECIPADAS (...)
- Vencimento da primeira renda: Um mis após a assinatura do Auto do Recepção do Imóvel.
11. Taxa de referência: EURIBOR a 3 meses do dia 03/07/2003, (...), arredondada à milésima superior.
11.1. Taxa contratual: Taxa de referência acrescida de um spread de 1.50%.
12. Seguros:
- Responsabilidade Civil (...):250.000,00 Eur (...)
- Obras e Montagens no decurso tios trabalhos de construção até i data do Auto de Recepção. 7 000 000,00 Eur (...)
- Valor inicial do conjunto patrimonial que constitui o imóvel locado, para efeitos de seguro: 7 000 000,00 Eur (...)
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14. Renuncia à Isenção do IVA:
Nos termos do n.º 6 do Artigo 12º do C.I.V.A., e ao abrigo do Decreto-Lei n.º 241/86, os
contraentes renunciam à isenção da aplicação do Imposto sobre o Valor Acrescentado no presente Contrato. (...)"
Este contrato foi celebrado com o objetivo da B… construir nesse terreno, um armazém especializado para a indústria farmacêutica, sob a sua orientação, já que dal resultaria o desenvolvimento da atividade por si exercida.
Conforme certidão permanente do registo predial do artigo … da União de Freguesias de …, concelho de …, distrito de Lisboa…, o X… adquire esse imóvel em 2004/04/14,
Em 2004/12/21, o X… e a BC… fazem um aditamento ao contrato de locação inicial (contrato esse que não nos foi facultado), que segundo a BC… não teve nenhuma alteração de impacto, vistos que o valor de financiamento se manteve, assim como as principais cláusulas.
Em 2005/03/08, foi celebrado um acordo de alteração do contrato de locação financeira imobiliária (Anexo 3.2), onde é referido o seguinte:
(...)
b) Os outorgantes acordam em alterar a B' cláusula particular com a seguinte redacção:
8. Valor do Investimento:
- Valor de aquisição do terreno: 4 350 000,00 Eur(..J
- Montante de financiamento à construção: 7397 254.00 Eur (...), acrescido de IVA(...) -Sisa:217500,Eur(...)
- Despesas Notariais: 35 236,00 (...)
- Montante máximo do investimento: 12 000 000,00 Eur (...)
Este acordo veio alterar apenas o "Montante de financiamento à construção" e o 'Montante máximo do investimento' de € 6.397.264,00 e €11.000.000.00 para € 7.397.264,00 e €12.000.000,00, respetivamente. Neste mesmo ano foram feitas melhorias ao Imóvel, pela B….
Para além das alterações já mencionadas e das ocorridas em 2006/07/06 e 2006/10/25, o X e a BC procederam a nova alteração do contrato de locação financeira imobiliária (Anexo 3,3) em 2013/07/10, onde é referido o seguinte:
(...)
b) Os outorgantes acordam, em alterar a 8ª, 9ª, 15ª e 16ª e em aditar a 20ª e 21ª cláusula
particular e em alterar a 8.ª, 10ª, 11ª cláusula particular com a seguinte redacção:
(...)
8. Valor do Investimento:
- Valor de aquisição do terreno: 4 350 000,00 Eur (...)
- Montante de financiamento à construção: 7 397 264,00Eur(...). acrescido de IVA (...)
- Valor das Obras: 201 958,75 Eur (...), acrescido de IVA (...)
- Sisa: 217 500, Eur (...)
- Despesas Notariais: 35 236,00 (...)
- Montante máximo do Investimento: 12201 958.75 Eur (...)
10. Rendas:
- Valor da 1ª à 98ª Renda: conforme cash flow em anexo
- Valor da 99ª à 182ª renda: 86 200,49Eur(.,,)
Todas as rendas são acrescidas do IVA à taxa legal em vigor.
- Periodicidade da cobrança: MENSAL
- Número de rendas: 182
- Modalidade de cálculo: POSTECIPADAS (...)
- Vencimento da primeira renda: Em 05/06/2005.
11. Taxa de referência: Inalterada.
11.1. Taxa contratual; Taxa de referência acrescida de um spread de 1.620%. (...)
Este acordo veio acrescer um valor de obras no montante de € 201.958,75, e consequentemente aumentar o "Montante máximo do Investimento" de € 12.000 000,00 para € 12 201,958,75
Este investimento em obras (cobertura do edifício) implicou o aumento do número de rendas de 120 para 182, do spread de 1,5% para 1,62% e a alteração do valor da renda.
Em abril de 2017, o imóvel juntamente com os seus equipamentos foi avaliado em €10.865.000,00, tendo em consideração, o valor das obras em curso para a ampliação do edifício existente, de acordo com o Relatório de Avaliação do imóvel (Anexo 4).
Em maio de 2017, a BC aprova a revogação do contrato de locação financeira n.º 20000253 e a realização de uma outra operação de locação financeira Imobiliária, de acordo com a ata do seu Conselho de Administração n.º 33 (Anexo 5). A resolução do contrato de locação financeira n.º 2000253 veio a operar-se em 2017/06/09, mediante a assinatura do contrato em anexo (Anexo 3.4).
Assim, o contrato entre o X e a BC, Identificado como 'CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRIA Relocação Referência n.º 20007202 (Anexo 3,5), celebrado em 2017/06/09 e em vigor até 2018/12/27, estabelecia, nas cláusulas particulares, o seguinte:
(...)
1. Locatário: B (...)
2. Imóvel:
- Edifícios destinado a armazém (...) sob o Artigo … da União de Freguesias de ….
3. Afetação do imóvel:
- O imóvel será afecto o INDÚSTRIA
4. Prazo do Contrato: 59 meses
- Início do prazo: Na data da assinatura do presente contrato.
5. Valor Residual e Preço da Venda:
- Valor Residual: 96 000,00, Eur(...) acrescido do IVA (...)
- Preço do venda, no final do prazo do contrato, será o Valor Residual (...)
6. Valor do Investimento:
- Valor da locação: 4 800 000,00 Eur (...)
- Montante máximo do investimento: 4 800 000,00 Eur (...)
7. Rendas:
- Valor da 1' renda: 103 800,27Eur(...), Iva Incluído (...)
- Valor da 2ª a 58ª renda: 84 390,46 Eur (...). Ao valor de cada uma das rendas mencionadas acresce IVA à taxa legal em vigor.
- Periodicidade de cobrança: MENSAL
- Número de rendas: 58
- Modalidade de cálculo: ANTECIPADAS (...)
- Vencimento da primeira renda: Data da assinatura do presente contrato.
8. Taxa do referência: EURIBOR a 12 meses no dia 07/06/2017, (...), arredondada à milésima 8.1. Taxa contratual: Taxa de referência acrescida de um spread de 1,620%,
9. Seguros:
- Responsabilidade Civil(...):250.000,00Eur(...)
- Valor inicial do conjunto patrimonial que constitui o Imóvel locado, para efeitos de seguro: 7 068 800,00 Eur (...)
(...)
11. Renuncia à Isenção do IVA:
Nos termos do n.º 6 do Artigo 2º do C.I.V.A,. e ao abrigo do Decreto-Lei n.º 241/56, os contraentes renunciam a isenção da aplicação do Imposto sobre o Valor Acrescentado no presente Contrato. (...)
Apesar de ser mencionado no ponto 11 das cláusulas particulares, o Decreto-lei n.º 241/86 foi revogado pelo artigo 5.º do Decreto-lei n.º 21/2007. de 29 de Janeiro, que no n.º 2 refere o seguinte:
"2 - As renúncias à isenção validamente exercidas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 241/8$, de 20 ao Agosto, continuam B produzir efeitos enquanto vigorarem os contratos respectivos, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 10.ºdo regime aprovado pelo artigo 3ºdo presente decreto-lei."
Atendendo a que se aplica o Decreto-Lei 21/2007, de 29 de janeiro, ao contrato de locação financeira imobiliária n.º 2007202, o X… efetuou, via eletrónica, um pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia, em 2017/06/08. onde refere que pretende realizar uma operação de locação, pelo valor mensal de € 84.390.46, em que o locatário é a BC… e que se encontram reunidas todas as condições para a renúncia à isenção, prevista no CIVA e no referido regime.
No referido contrato de locação financeira Imobiliária, destacam-se ainda as seguintes cláusulas gerais:
Artigo Quarto (Valor do Investimento)
Um - Para além do valor de locação do Imóvel o locador poderá financiar outro tipo de despesas d/retamente relacionadas com o imóvel, de acordo com a discriminação e montantes estabelecidos nas Cláusulas Particulares.
Dois - Todavia, o montante máximo de investimento que poderá ser exigido ao locador será o também previsto na cláusula seis das Cláusulas Particulares.
Três - No decurso do prazo do contrato e por acordo entre as partes, o montante do investimento poderá ser alterado repercutindo-se os seus efeitos no valor das rendas vincendas.
(...)
Artigo Sexto (Despesas e outros Encargos)
Um - Serão por conta do Locatário todos os impostos (...)
Artigo Nono (Utilização do Imóvel)
Um - O Locatário poderá usar o Imóvel locado no desenvolvimento da atividade referida na cláusula três das Cláusulas Particulares (...).
(...)
Seis - Compete ao Locatário a obtenção de licenças administrativas necessários à legalização do imóvel, eventuais obras ou, ao exercido, no mesmo, da sua actividade.
Artigo Décimo (Cessão e Sublocação)
O Locatário não poderá ceder a sua posição contratual, sublocar ou de qualquer forma permitir a utilização do Imóvel locado a terceiros, total ou parcialmente, sem o prévio e expresso consentimento do Locador.
(...)
Artigo Décimo Terceiro
(Resolução)
Um - O contrato poderá ser resolvido por qualquer das partes com fundamento no incumprimento das obrigações que assiste à outra parte.
Dois - A comunicação da resolução considera-se efectuada e eficaz desde que lenha sido enviada para a última morada que o Locatário tiver indicado ao Locador.
Três - Para além dos fundamentos previstos na lei, o contrato poderá ser resolvido pelo Locador se o Locatário não obtiver qualquer das licenças previstas no número seis do Artigo Nosso destas Cláusulas Gerais, no prazo máximo de um ano após a assinatura deste contrato, ou se lhes forem Impostas limitações ou condicionalismos que Inviabilizem a utilização do imóvel nos termos acordados.
Quatro - O contrato poderá ainda ser resolvido pelo Locador, mediante simples declaração dirigida ao Locatário, caso este se encontre em mora ou em situação do Incumprimento em relação a qualquer obrigação assumida perante o Locador ou perante qualquer entidade que integre o sistema financeiro nacional e internacional ou em relação a qualquer obrigação contributiva fiscal.
Cinco - A faculdade prevista no número anterior pode ser exercida a todo o tempo e o seu não exercício não envolve renúncia.
Seis - Sendo o contrato resolvido nos termos deste artigo, o Locatário continuará vinculado às suas obrigações o devera abandonar de Imediato e devoluto o Imóvel.
Sete - Não procedendo à devolução do imóvel no prazo de trinta dias após o termo do contrato, seja por que forma for, o Locatário constitui-se na obrigação de pagar uma prestação igual à última renda vencida por cada período igual ao do pagamento de rondas contratuais, até à sua efectiva devolução, sem prejuízo da faculdade que assiste ao Locador de reivindicar o imóvel.
Oito - Ocorrendo qualquer uma das circunstâncias que confere o direito do Locador resolver o contrato, em alternativa à resolução, pode o Locador optar por, para além de exigir do Locatário o pagamento do montante de todas as rendas vencidas e não pagas, declarar o vencimento antecipado da obrigação do Locatário pagar as rendas vincendas, caso em que este ficará obrigado ao imediato pagamento da componente de capital destas rendas vincendas, mantendo o direito a utilização do Bem até ao termo do prazo contratual da locação, bem assim, nos termos do contrato, ao exercício de opção de compra do Bem. Ao montante devido correspondente a tais rendas vencidas e não pagas e às mencionadas rendas vincendas antecipadamente declaradas vencidas acrescem, ata efectivo pagamento, juros de mora calculados nos termos do contrato.
Artigo Décimo Quarto
(Indemnização)
A resolução ou caducidade do contrato por força não imputável ao locador, obriga o Locatário a pagar a este, para além das rendas vencidas o não pagas, reembolso das despesas vencidas e não pagas e vincendas e devidas pelo Locatário e correspondentes juros de mora, uma Indemnização de trinta por cento do montante das rendas vincendas. (...)
III.2.2. Operação de concentração da B… e da D…
Durante o ano de 2018, a Autoridade da Concorrência (AdC) aprovou a operação de concentração da D… e da B….
A operação de concentração entre a B… e a D… consistia na transmissão da totalidade dos ativos afetos a unidade de negócio da prestação de serviços da logística da D…, subsidiária da E…, para a B… e subsequente aquisição pela E, de uma participação de controlo da B….
Segundo o sujeito passivo, esta operação de "fusão" entre a B… e a D… não exista em termos jurídicos, mas tão somente em termos económicos. Efetivamente, a fusão económica foi concretizada através de uma entrada em espécie da D… no capital da B…”.
Após a operação, a B… deveria concentrar as suas atividades e as atividades da Aluga, numa única empresa, sendo que 51 % será detida pela E… e D… e 49% pela A….
Para concretização deste negócio foram realizadas inúmeras operações de modo a reduzir os capitais próprios da B e reduzir os montantes da operação.
Refira-se que um dos principais ativos detidos pela B… e pelo grupo A… corresponde ao imóvel/armazém anteriormente descrito, adquirido mediante o contrato de locação financeira mencionado no ponto anterior e contabilizado pelo método financeiro. De acordo com este método, o custo é registado como ativo, a correspondente responsabilidade é registada no passivo e os juros incluídos no valor das rendas e a amortização/depreciação do ativo são registados como gastos no período 3 que respeitam.
Quanto aos equipamentos incorporados no armazém, esses eram propriedade da B…, ainda que aos mesmos estivessem associados contratos de financiamento.
O armazém juntamente com os seus equipamentos foi avaliado, em abril de 2017, por € 10.865 000,00 (Anexo 4 - Relatório de Avaliação do imóvel).
Face à importância do armazém e dos seus equipamentos para o grupo A… e no âmbito da operação de concentração, o Conselho de Administração da B… considerou destacar, em 2018/12/26, ata n.º 38 (Anexo 5), o seguinte:
(vi) o Armazém (em conjunto com os Equipamentos) foi alvo de um estudo de avaliação de mercado no ano de 2017, tendo-lhe sido atribuído o valor de €10.800.000,00 (dez milhões e oitocentos mil euros), sendo que, considerando o valor ainda em dívida ao abrigo do Contrato de Leasing. bem como o valor de depreciações e amortizações já contabilizado, tem-se por adequado que a
transição do Armazém e dos Equipamentos para a esfera da A seja feita por um valor global de € 7.387.000,00 (acrescido de IVA), em que € 3.374.772,52 (acrescido de IVA) corresponderá ao preço da cessão da posição contratual e € 776,112,07 (acrescido de IVA) ao preço global de compra dos Equipamentos, devendo ser acordada com a A… uma forma faseada de liquidação do valor relevante, ainda que, em qualquer caso, até 30 de junho de 2019;
Na mesma reunião, o Conselho de Administração, (ata n º 39) deliberou o seguinte:
UM - Aprovar a cessão, à A... da posição contratual delida pela Sociedade no Contrato de Leasing, devendo a referida cessão de posição contratual ser efetuada pelo preço de € 10,088.887,93 (acrescido de IVA), a pagar pela A à Sociedade de forma faseada até 30 de junho de 2019, devendo a referida cessão ser precedida ou acompanhada de consentimento explícito do Banco X…, o qual poderá, para esse eleito, ser parte ou intervir publicano documento que a titule;
DOIS - Aprovar a venda, pela Sociedade à A…, dos Equipamentos pelo preço do € 776.112,07 (acrescido de IVA), a pagar pela A… à Sociedade de forma faseada até 30 de junho de 2019. B…, bem assim, aprovar a cessão, à A... da posição contratual detida pela Sociedade nos diferentes Financiamentos, desde as entidades financiadoras relevantes nisso consintam ou tenham já consentido e devendo, para o efeito, ser as referidas cessões tituladas em documento escrito;
Note-se que os valores aqui aprovados totalizam 10.865.000,00 (10.068887.93+776.112,07), que correspondem ao valor constante do Relatório de Avaliação do imóvel - Anexo 4
Para concretização da operação de concentração entre a B… e a C… e segundo a ata n.º 38 da Assembleia Geral da BC de 2018/12/27 (Anexo 6) foi aprovado o ponto 2, que se transcreve:
PONTO DOIS; Deliberar sobre (i) a redução do capital socai da Sociedade dos actuais EUR 500.000,00 (quinhentos mil euros) para EUR 69.000.00 (sessenta e nove mil euros), mediante a extinção da 31 000 ações, acompanhada da redução do valor nominal daa ações remanescentes (i.e.,. 69.000 ações) de EUR 5,00 (cinco euros) para EUR 1.00 (um euro), destinada à libertação de excesso da capital, e, em consequência, (ii) a alteração da artigo 4.º dos Estatutos da Sociedade.
Constata-se que se operou uma redução de capital no montante de € 431.000,00, tal como consta da Certidão Permanente. Inscrição n.º 10-AP. 1/20181230, ficando o sujeito passivo como acionista único.
Na mesma data e de acordo com a ata n.º 39 da Assembleia Geral da B (Anexo 6) foi deliberado pelo representante da acionista única, a BC…, o seguinte:
1. Relativamente ao PONTO UM da Ordem da Trabalhos, aprovar a distribuição de reservas livres da Sociedade no montante de € 1749.649.01 (um milhão setecentos e quarenta a nove mil seiscentos e quarenta e neve euros e um cêntimo).
2. Relativamente ao PONTO DOIS da Ordem da Trabalhos, aprovar a distribuição de resultados transitadas da Sociedade no montante de € 452.003.60 (quatrocentos e cinquenta e dois mi! três euros e sessenta cêntimos).
De seguida, o Conselho de Administração em 2019/01/30. ata n.º 41 (Anexo 5) deliberou ainda a distribuição à única acionista doa resultados referentes a 2018, no montante de € 1.396.145,21,
A entrada de capital por parte da D…, na BC veio a ser concretizada em 2019/02/01, segundo a Certidão Permanente, nos termos descritos na ata n.º 42 da Assembleia Geral da BC de 2019/01/31 (Anexo 6), que se transcreve:
Finda esta exposição, e com base nos elementos dela constantes, foi aprovado pela acionista única aumentar o capital social da Sociedade em EUR 33.000,00 (trinta e três mil euros), de EUR 69.000,00 (sessenta e nove mil euros) para EUR 102.000,00 (cento e dois mil euros), mediante 3 emissão de 33.000 novas ações com o valor nominal de EUR 1 (um euro), em que:
a) 32 436 daquelas ações serão integralmente subscritas pala C… e realizadas através do entradas em espécie correspondentes aos elementos corpóreos e incorpóreos, materiais e imateriais que integram a operação e atividade comercial e social associada à logística farmacêutica desenvolvida pela C…, avaliados, para estes efeitos, no montante de EUR 1.513.544.00: (um milhão, quinhentos e treze mil, quinhentos e quarenta e quatro euros), estando, por isso associado à emissão destas ações um ágio de EUR 1.481.108,00 (um milhão, quatrocentos e oitenta e um mil, cento e oito euros), e
b) 564 daquelas ações serão integralmente subscritas pela BC… e realizadas através de entradas em dinheiro, no valor total de EUR 664,00 (quinhentos e sessenta a quatro euros) não havendo lugar à emissão de qualquer ágio relativamente a estas ações
Neste âmbito, mais foi deliberado que o referido aumento de capital será titulado em escritura pública a outorgar com a maior brevidade, devendo o aumento de capital produzir os respetivos efeitos a partir das 00 00 horas do dia 01 de fevereiro de 2019.
No Relatório e Contas, de 2018, da A…, é referido que o "acordo foi concretizado no final de Janeiro de 2019 através da realização de um aumento de capital da B por entrega dos activos da D… e da compra de 19,2% do capital da B pela E, passando esta a deter 51% da entidade combinada. Os Administradores executivos nomeados pela A deterão a maioria da Comissão Executiva."
Face ao exposto verifica-se que a operação entre a B… e a A…, de cessão de posição contratual no contrato de locação financeira do Armazém foi uma operação no âmbito e indissociável do processo de concentração entre a D… e a B…, que para ser concretizada levou à transferência de ativos, redução de capital social de € 500.000.00 para € 69.000,00 e a distribuição de reservas e resultados, para posteriormente emitir novas ações para a entrada da D….
III.2.3. Cessão de posição contratual entre B… e A…
Antes da operação de concentração da B… e da D… tornou-se necessário, ao Grupo A… reduzir o capital da B… e para isso proceder à transferência do contrato de locação financeira Imobiliária, existente entre o X… e a B…, com a Referência n.º 20007202 (Anexo 3.5). Este contrato tinha por objeto o armazém que corresponde à plataforma logística e à sede da B….
Assim, a cessão de posição contratual entre B… e A…, ocorreu em 2018/12/27, mediante a celebração do contrato de cessão de posição contratual, entre o cedente B…, a cessionária A… e a locadora X…, contrato este com a mesma Referenda n.º 20007202 (Anexo 7). Neste contrato a B… cede à A, a posição contratual que assumia no contrato de locação financeira com o X, conforme se transcreve:
"Cláusula Segunda (Cessão)
1. A Cedente, através do presente documento, cede é Cessionária, a posição contratual que assumiu no referido contrato de locação financeira.
2. Com esta cessão de posição contratual, transferem-se para a Cessionária, todas as obrigações e responsabilidades vencidas e vincendas que para a Cedente emanam do mencionado contrato de locação financeira perante a Locadora, bem como todos os direitos que daí provém ou provirem para a Locatária, nomeadamente o direito de opção de compra."
À data da cessão de posição contratual, em 2013/12/27, encontrava-se em dívida no contrato de locação o montante de € 3.294.936.00, conforme referido na Cláusula Primeira do supradito contrato de cessão
No âmbito da cessão de posição contratual foi emitida, pela B… à A… em 2016/12/31 a fatura n.º FT QL…/00062, no montante de € 9.061.410,00, IVA incluído no montante de € 1.694.410 00 (Anexo 1).
A fatura em causa titula, conforme já referido, o valor relativo à cessão de posição contratual no contrato de locação financeira' celebrado com o Banco X, no valor tributável de € 7.367.000,00.
Face a incongruência dos valores atribuídos para a cessão de posição contratual e por consulta ao sistema e-fatura é possível verificar que, a B emitiu para a A, na mesma data, para além da fatura mencionada, mais duas faturas, que na mesma data anulou, por via da emissão de duas notas de crédito (Anexo 8):
Note-se que os valores tributáveis destas faturas vão de encontro com o deliberado na reunião do Conselho da Administração, que consta da ata n.º 39, de 2018/12/28 no entanto as mesmas foram desconsideradas.
Segundo se pode constatar dos documentos inicialmente emitidos, a B emite uma fatura pela “ALIENAÇÃO DA PLATAFORMA LOGÍSTICA” por € 10.865.000,00 (mais IVA), ao mesmo tempo que faz uma nota de crédito no valor de € 3.498.000,00 (mais IVA), para “LIQUIDAÇÃO POR NOSSA CONTA DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO”- Para desconsiderar estes documentos, a B emite a posteriori, uma nota de crédito (que anula a fatura) e uma fatura (para anular a nota de crédito) e emite nova fatura pela diferença, € 7.367.000,00 (10.865.000.00-3.496.000,00) (valores sem IVA), com o seguinte descritivo: 'Valor relativo à cessão de posição contratual no Contraio de Locação Financeira - Referência n.º 20007202 – Celebrado em 27 do dezembro de 2018' (Anexo 1).
Refira-se, no entanto, que na página da 37 do Relatório e Contas, de 2018, da B... é possível ler-se:
Durante o exercício findo em 31/12/2018, a Empresa procedeu à alienação das suas instalações pelo montante de 10.865.000 euros.
Questionado o sujeito passivo relativamente ao contrato do empréstimo contraído por via da cessão da posição contratual no contrato de locação financeira imobiliária, no valor de € 3.498.000,00, este refere:
'O valor (apurado pela B de € 7.367.000.00, corresponde à diferença do valor apurado entre a avaliação do imóvel solicitada para o efeito ao X…, no valor de € 10.865.000,00 (aceite como boa por todas as partes), e a estimativa do valor do saldo do empréstimo contraído por via da cessão da posição contratual no Contrato de Locação Financeira Imobiliária, no valor de €3.498,000,00. Aquando da assinatura do contrato o saldo efectivo do empréstimo contraído por via da cessão da posição contratual era de € 3.294.938,00. Não se trate de um empréstimo novo contraído."
A referida avaliação do imóvel foi concluída em 2017/04/12, data do respetivo Relatório de Avaliação (Anexo 4) e estabelece como Presumível Valor de Transação, o montante de € 10.197,100,00. estabelece ainda como Presumível Valor de Transação após obras o total de € 10.865.000,00. As obras em questão decorreram no ano de 2017, foram posteriores ao Relatório de Avaliação e correspondem a uma empreitada de ampliação do edifício existente, que se perspetivava ser no valor de € 627.000,00.
No âmbito do procedimento Inspetivo foram ainda solicitados os fluxos financeiros resultantes da operação da cessão da posição contratual, tendo-nos sido remetido o seguinte quadro:
Analisados os valores descritos verifica-se que o valor de €2.068.455,71 juntamente com o cheque referente ao IVA (€ 1.694.410,00) totalizam € 3.762.865,71, que corresponde ao saldo credor da conta da '251201 - Descoberto bancario' da contabilidade da A, bem como do saldo devedor da conta '1431 - Outros activos financeiros', da contabilidade da B….
Constata-se ainda, que o efetivo fluxo financeiro decorrente da operação é identificado como doc7 (€2.209.111,36) e corresponde a uma transferência bancária realizada em 2018/12/28.
Os restantes valores não implicaram fluxo monetário já que correspondem a encontros de contas por pagamento de dívidas bancárias da B… (doc4 e doc5), ou por não distribuição de dividendos, de capital social, ou de reservas (doc2 e doc6). De relembrar que a A… em 2018 era sócia maioritária da B….
No que se refere ao doc2, verificou-se que os dividendos distribuídos pela B… referentes a 2018 ascenderam a € 1.396.145,21 e não os referidos no quadro acima (€ 2.068.455,71), subsistindo assim €872.310,50 por saldar.
Relativamente ao doc 6 constata-se ainda que a redução do capital, as reservas legais e as reservas livres operadas pela redução do capital da B ascendem a € 2.632.652.61 e não os referidos no quadro (€ 2.643.124,69), verificando-se a diferença de € 10.472,08. A diferença resulta da redução das reservas legais que totalizaram € 151.612,57, correspondente a uma redução proporcional à concretizada no capital social que se reduziu em 86%. e não os € 162.048,65 referidos pelo sujeito passivo.
No que se refere à questão fiscal da cessão de posição contratual, o sujeito passivo procedeu à dedução do IVA, no valor€ 1.694.410,00, no período 1312.
Para aferir da dedutibilidade do Imposto é necessário ter presente que um dos princípios basilares inerentes ao IVA é a indissociabilidade entre a liquidação de imposto nas operações ativas, da dedução de imposto suportado para a realização dessas mesmas operações. O artigo 20.º do CIVA é o corolário deste mesmo princípio, ao estabelecer que só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões cie bens ou prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas. Desta forma garante-se que efetivamente se tributa o valor acrescentado em cada fase do processo produtivo e por via da cadeia de liquidação e dedução de imposto, este vai onerar o consumidor final.
Neste contexto deverá analisar-se em detalhe a operação ativa subsequente efetuada pela B que lhe permitiu deduzir o IVA em causa, nos termos do citado artigo 20.º. Isto é, saber que transmissão de bens ou prestação de serviços veio a B a operar.
llI.2.4. Resolução do contrato de locação financeira imobiliária entre o X… e a B…
Na mesma data da cessão, em 2018/12/27, o Locador X… e a Locatária B.. acordam pôr termo ao contrato de locação financeira. O ponto Três do respetivo contrato de Resolução por acordo de contrato de locação financeira (Anexo 9) estabelece:
"A título de indemnização à Locatária pela entrega do prédio urbano identificado no Considerando 1) anterior, a Locadora pagará o valor de € 3.001.905,23 (ao qual acresce IVA à taxa legal em vigor) "
Neste âmbito, foi emitida pelo sujeito passivo ao Banco X…, NIF …, em 2018/12/27, a fatura nº FVIB144538…, a título de indemnização por resolução do contrato de locação financeira, no valor tributável de € 3.001.905.23, ao qual acresceu IVA, no valor de €690.438.20 (Anexo 2). A fatura titula "Indemnização por resolução do contrato de Leasing Imobiliário 20007202". Esta "indemnização" não foi registada em conta de ganhos, mas numa conta de financiamentos 25130207 - Contrato de Leasing Imobiliário (Anexo 10).
Será ainda de referir que, à data da resolução encontrava-se em vigor o contrato de locação estabelecido entre o X… e a B..", cuja posição foi cedida à A e que estabelecia a obrigação de indemnização noutro sentido:
Artigo Décimo Quarto
(Indemnização)
A resolução ou caducidade do contrato por força não imputável ao Locador, obriga o Locatário a apagar a este, para além das rendas vencidas e não pagas, reembolso das despesas vencidas e não pagas e vincendas e devidas pelo Locatário e correspondentes juros de mora, uma indemnização de trinta por cento do montante das rendas vincendas.
Atendendo ao caráter residual que o conceito de prestação de serviços possui, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do CIVA considera-se como prestações da serviços todas as operações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões, importações ou aquisições intracomunitárias de bens.
A qualificação de prestação de serviços é aqui de natureza económica e ultrapassa a definição jurídica dada pelo artigo 1154.º do Código Civil, abrangendo a transmissão de direitos, obrigações de conteúdo negativo (não praticar determinado ato) e ainda a prestação de serviços coativa.
Assim, no que concerne à tribulação em sede de IVA, dever-se-á ter em atenção no que se refere às Indemnizações:
• Por um lado, serão tributáveis as indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestações de serviços, enquanto expressão da atividade económica do agente, e como tal configuram uma contraprestação a obter do adquirente relativamente a uma operação sujeita a imposto, enquadrando-se estas operações no âmbito da alínea a), do n.º 1, do artigo 1.º do CIVA. Sublinhando-se nestes casos a existência de um nexo sinalagmático.
• Por outro lado. não são tributáveis as indemnizações que sancionam a lesão de qualquer interesse, sem caráter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços. Estes casos encontram-se excluídos de tributação pela alínea a), do n.º 6, do artigo 16.º do CIVA, ou porque efetivamente não se enquadram na alínea a), do n.º 1, do artigo 1.º do mesmo código, porque assumem aqui um carácter meramente ressarcitório.
Atendendo à importância que reveste a natureza da "indemnização" em causa, já que dela depende a sujeição, ou não a IVA, foram solicitadas Informações adicionais ao sujeito passivo, Solicitou-se justificação para a indemnização paga pelo X, uma vez que as indemnizações estabelecidas no contrato de locação em vigor estavam determinadas noutro sentido (a locatária indemnizaria a locadora e nunca o oposto). Questionou-se se se tratava de indemnização por lucros cessantes, ou por danos causados. Solicitou-se ainda o cálculo do valor da Indemnização paga pelo X.
A A…, em resposta (Anexo 10), refere:
“Contrato da Resolução é um contrato típico, praticado regular e habitualmente pelo Banco que, segundo entendemos, proporcionará ao Banco vantagens actuais e futuras, e celebrado entra as partes sempre que o Locatário necessita do financiamento adicional.
O movimento financeiro corresponde à entrada de fundos no locatário derivada do pagamento da indemnização, o que tem como contrapartida o aumento do endividamento em igual montante.”
No âmbito da resposta facultada e da operação descrita constata-se que efetivamente a natureza do pagamento em causa não se enquadra no conceito de indemnização, já que não é relativa a montantes devidos pelo lesante tendo em vista ressarcir o lesado dos prejuízos que lhe foram causados.
O sujeito passivo afirma ainda que, o "novo contrato celebrado com o X trata-se de uma mera renegociação financeira, não tendo qualquer relação com o valor da indemnização e dos bens da B…."
Constata-se que os fundos facultados pelo X… visam apenas satisfazer a necessidade de crédito da A, sendo o seu valor determinado apenas pela quantificação dessa necessidade. Por este motivo, a justificação para o valor da indemnização assume relevância, para permitir o nexo sinalagmático, dando expressão económica à transação.
Nesta resolução de contrato não se verifica um nexo causal para a determinação de uma indemnização não prevista nos contratos anteriormente celebrados. A razão económica para este fluxo financeiro é a necessidade da A obter financiamento.
Assim, nos termos do n.º 4 do artigo 36.º da LGT, a qualificação deste negócio jurídico efetuada pelas partes, consubstancia uma concessão de crédito, isenta nos termos do artigo 9.º da alínea a), n.º 27), do CIVA, sem possibilidade de renúncia à isenção prevista no artigo 12.º do mesmo código.
Desta forma e concluindo o exposto no ponto anterior deste relatório, nos termos do citado artigo 20.º do CIVA, a A… não veio a operar uma transmissão de bens ou prestação de serviços subsequente à cessão da posição contratual, sujeita e não isenta de imposto, não tendo, nos termos referidos, direito a proceder a dedução do IVA da fatura de cessão de posição contratual, no valor € 1.694.410,00.
III.2.5. Contrato de locação financeira imobiliária entre o X… e a A…
A 2018/12/27 é celebrado um novo contrato de locação financeira imobiliária. Referência n.º 20007956, entre o Banco X…, Locador e a A… na qualidade de Locatário (Anexo 11), com as seguintes cláusulas particulares:
(...)
1. Locatário: A (...)
3. Afetação do imóvel: destinado a armazém/indústria;
4. Prazo do Contrato: 84 meses
- Início do prazo: Na data da assinatura do presente contrato.
5. Valor Residual e Preço de Venda:
- Valor Residual: € 126.000,00 (...) (2% de €6 300.000,00), acrescido do IVA (...)
- O preço de venda, no final do prazo do contrato, será o Valor Residual (...)
6. Valor do Investimento:
- Valor da Locação: € 6 300 000,00 (...)
(...)
- Montante máximo do Investimento: € 6300 000,00 (...)
7. Rendas:
-Valor da 1ª renda: €98 757,07 (...), Iva incluído (...)
- Valor da 2ª à 84ª tenda: € 80 290,30 (...). Ao valor de cada uma das rendas mencionadas acresce Iva à taxa legal em vigor.
- Periodicidade da cobrança: MENSAL
- Número de rendas: 84
- Modalidade de cálculo: ANTECIPADAS
- Vencimento da primeira renda: Data da assinatura do presente contrato.
8. Taxa de referência: EURIBOR a 12 meses no dia 27/12/2018. (...), arredondada à milésima
8.1. Taxa contratual: Taxa de referência acrescida de um spread de 2,5%.
9. Seguros c Comissão:
9.1. Responsabilidade Civil (...):250.000,00 (...)
- Valor inicial do conjunto patrimonial que constitui o imóvel locado, para efeitos de seguro: 7 647 300.00 (...)
12. Alteração Prazo/montante: a cessação na vigência, independentemente do motivo que lhe der origem, ou a não concretização do Joint Venture Agreement já acima identificado, até 30 de junho de 2019, bem como o não reembolso integral do contrato de empréstimo celebrado na presente data entre a Locatária e o X…, nos termos o condições contratualmente previstos, determina, a juízo do Banco e sem necessidade de qualquer acordo adicional da Locatária, o aumento do prazo do presente Contrato de 7 para 10 anos (84 para 120 meses) com alteração do montante da €6.300.00,00, pata € 7.300.000,00, alterando, em consequências as cláusulas respetivas.
13. Liquidação de empréstimos: Na data de formalização do presento contrato, serão liquidados os empréstimos seguintes
o financiamento a médio prazo contratado pela B… (...), no montante atual de €275.645.74;
o desconto de livrança contratado na A… no montante atual de € 124.357,19;
o facilidade em conta crédito contratada pela A (...) com o limite de € 950.000.00 (atualmente utilizada por € 940.350,00):
o facilidade em conta crédito contratada pela F (...) com o limite de € 850.000,00 (atualmente utilizada por € 846.000,00);
o facilidade em conta crédito contratada pela G (...) com o limite de € 150.000.00 (atualmente utilizada por€ 140.000.00).
14. Renúncia à isenção do IVA;
Nos termos do n.º 6 do Artigo 12.º do C.I.V.A., e ao abrigo do Decreto-Lei nº 241/86, os contraentes renunciam à isenção da aplicação do Imposto sobre o Valor Acrescentado no presente Contrato. (...)"
Em comparação com o contrato de locação financeira anteriormente celebrado com a B… (Anexo 3.5) e cedido à A…, o novo contrato aumenta o valor da locação em € 3.005.062,00, ao considerar o valor de investimento igual a € 6.300.000,00. Na altura da cessão, o montante em dívida totalizava € 3.294.938,00.
Neste novo contrato, o prazo é expandido para o dobro, na altura encontrava-se nos 40 meses, tendo-se ampliado para os 84 meses com a possibilidade de chegar aos 120 meses. Por via deste contrato foram liquidados empréstimos do grupo A ao X, num total de € 2.326.352,93.
O novo contrato com o X é na sua essência um plano de financiamento, onde apenas são alterados os montantes de crédito, sendo que a utilização do imóvel não sofre qualquer alteração económica, isto é, continua a ser utilizado como plataforma logística e sede da C.
O X efetuou, ao abrigo do Decreto-Lei 21/2007, via eletrónica, um pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia à Isenção de IVA, em 2018/12/27, onde refere que pretende realizar uma operação de locação, pelo valor mensal de € 105.347,00, em que o locatário é a A….
O valor mensal declarado no certificado de renúncia à isenção de IVA (€ 105.347,08) é superior ao valor da renda indicada no contrato de locação financeira (€ 80.290,30), Verifica-se ainda que este valor €80.290,30 começou, a ser faturado pelo X à A, em 2019/01/25, na fatura n.º FAC C/1…, no valor total de€ 98.757,07 (IVA incluído).
Face aos factos já descritos e reportados a 2018/12/27, os fluxos financeiros existentes na A… deveriam totalizar €6.657,405,43 (€3.692.343,43 + €3.005.062,00), relativos à fatura emitida e ao aumento de valor do novo contrato de locação financeira.
O sujeito passivo ao explicar os fluxos financeiros referentes à fatura da “indemnização”, menciona o seguinte: "O movimento financeiro corresponde a entrada de fundos no locatário derivada do pagamento da indemnização, o que tem como contrapartida o aumento do endividamento em igual montante".
A explicação apresentada (Anexo 10) é de difícil alcance em termos contabilísticos, uma vez que o recebimento de uma fatura não gera endividamento - passivo, antes pelo contrário resulta em liquidez ou em direito a receber - ativo,
No entanto, o fluxo financeiro resultante de uma concessão de crédito efetivamente resulta em endividamento - passivo.
Na contabilidade da A… contam os seguintes movimentos contabilísticos, relativos à operação de cessão de posição contratual do contrato de locação financeira:
Face aos factos e à natureza económica da operação verifica-se que este "contrato celebrado com o X… trata-se de uma mera renegociação financeira, não tendo qualquer relação com o valor da indemnização e dos bens da B". Como é afirmado pelo sujeito passivo em resposta ao ponto 3.3 do Pedido de Elementos n.º 3. (Anexo 10).
Assim, nos termos do n.º 4 do artigo 36.º da LGT, este negócio jurídico efetuado pelas partes, qualifica-se como uma mera concessão de crédito com a garantia sobre o referido imóvel, que para efeitos de IVA é uma prestação de serviços, sujeita, mas isenta, nos termos da alínea a) do n.º 27) do artigo 9.º do CIVA, que não confere direito de dedução.
III.2.6. Sublocação do imóvel entre a A… e a B…
Até 2018, o sujeito passivo era a sociedade dominante de um grupo de sociedades que incluía, entre outras sociedades, a B…. A A… detinha uma participação de 96,15%, no capital social da B. No início de 2019, a B teve uma alteração da composição do capital social, por via do Joint Venture Agreement, diminuindo significativamente a participação da A, passando esta a deter 49%.
A operação de concentração em causa consiste na transmissão da totalidade dos ativos afetos à unidade de negócio da prestação de serviços de logística da D…, subsidiária da E…, para a B…, subsidiária da A… e posterior aquisição pela E à A de uma participação de controlo (de 19,2%) na B…, por meio do Joint Venture Agreement, conforme descrito no ponto III.2.2..
Em 2019 e após a operação, a B, que concentra as atividades desta última e da D numa única empresa, é detida em 51% pela E… e pela D… e em 49% pela A. Nos termos do Acordo Parassocial celebrado, a B será controlada conjuntamente pela E… e pela A….
No procedimento inspetivo foi-nos comunicado que a operação de concentração entre a B… e a D… não existe em termos jurídicos, mas tão somente em termos económicos. Efetivamente, a fusão económica foi concretizada através de uma entrada em espécie da D… no capital da B….
No âmbito do Joint Venture Agreement é estabelecido um Agreement For The Use of a Bulding Together With Equipamento and Relatated Services, i.e., um acordo de utilização de um imóvel juntamente com equipamentos e serviços relacionados entre a A… e a B… (Anexo 12).
O contrato da utilização de imóvel assume-se como um contrato de sublocação entre a A… (detentora do contrato de locação financeira com o X) e a B…, com a duração inicial de 5 anos, de 2019/02/01 a 2023/12/31, renováveis anualmente até um máximo de três renovações. O valor da renda mensal é de € 92.657,52, à qual acresce IVA à taxa legal.
De referir que nas cláusulas particulares do contrato de Locação Financeira Imobiliária - Relocação Referência n.º 20007956 (Anexo 11), celebrado entre o X e a A, na cláusula 10.º, relativa à utilização do imóvel pode ler-se:
"10.1 O locador presta, desde já, o seu acordo à utilização do Imóvel por parte da B…, no âmbito de Joint Venture Agreement e seu Anexo, Contrato de Utilização de Imóvel, formalizado em 6 de Setembro de 2018 entre a B, a D e ainda a Locatária a E, SA. Para o efeito, o Locador autoriza a Locatária a celebrar com e B..., na data da celebração do presente Contrato, um contrato de utilização de imóvel prevendo formos e condições equivalentes aos constantes do Contrato de Utilização de Imóvel anexo ao referido Joint Venture Agreement, acordando as Partes no seguinte:
(i) o contrato de utilização de imóvel deverá conter todas as cláusulas previstas Contrato de Utilização de Imóvel anexo ao referido Joint Venture Agreement, com a exceção da cláusula 10.º (Call and Put Option Rights), devendo, ainda ser eliminadas todas as referências à entidade H., aos direitos de call option e de put option e ao instrumento Option Agreement, adaptando-se as cláusulas relevantes em conformidade;
(ii) a Locatária compromete-se a desenvolver os melhores esforços no sentido de substituir o contrato de utilização do imóvel celebrado na presente data (mediante a respetiva revogação e sucessiva e imediata celebração do Contrato de Utilização de Imóvel anexo ao Joint Venture Agreement) com a maior brevidade possível e sempre antes da concretização do Joint Venture Agreement, devendo, para o efeito, negociar com a E, os necessários ajustamentos à minuta de Contrato de Utilização de Imóvel anexo ao referido Joint Venture Agreement tendo em vista a sua célere celebração; A Locatária reconhece e acorda, porém, que os referidos ajustamentos não podem, de forma alguma, alterar, comprometer ou afetar adversamente as cláusulas referidas no ponto 10.2 infra, cuja previsão, nos termos ali consagrados, são condição indispensável da autorização concedida pelo Locador à utilização do imóvel por parte da sociedade B…;
(iii) o contrato de utilização de imóvel que seja celebrado na presente data deverá vigorar desde a presente data se e até que seja substituído pelo Contrato de Utilização de Imóvel nos termos da alínea (ii) anterior, sem prejuízo do disposto no ponto 10.5 infra;
10.2. A autorização referida no parágrafo anterior fica condicionada a que o contrato de utilização de imóvel comtemple as seguintes cláusulas:
(i) prazo contratual não inferior a 5 anos renováveis;
(ii) renda de montante não inferior ao valor da renda devida ao Locador ao abrigo do presente Contrato, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, e a ser paga pela B…, para a Conta da Locatária associada ao presente Contrato;
(iii) cessão a favor do Locador de todos os direitos relativos a indemnizações ou outros créditos previstos no referido Contrato de Utilização de Imóvel. (...)
10.4. A autorização referida foi conferida no interesse da Locatária, pelo que esta permanecerá integralmente responsável perante o Locador pelo cumprimento de todas as obrigações decorrentes do presente contrato, nomeadamente por assegurar o bom estado de conservação do Imóvel, a sua afetação aos fins para os quais foi locado, bem como o pagamento de todas as despesas e encargos ao mesmo associados.
10.5. Caso não se concretize, até 30 do junho de 2019, o Joint Venture Agreement, o Locador poderá, a seu juízo, prestar o seu acordo a contrato de arrendamento/prestação de serviços que lhe seja apresentado pela Locatária, com cláusulas de conteúdo equivalente e que assegurem o pagamento das rendas decorrentes do presente Contrato.
Constata-se assim, que as condições exigidas pelo X se encontram garantidas no Joint Venture Agreement.
Esta sublocação é o culminar das diversas operações de financiamento, uma vez que esta não altera a natureza económica da utilização inicial do imóvel, uma vez que a BC continua a prossecução da sua atividade no mesmo local.
III.3. Outras situações
Na análise efetuada às restantes deduções efetuadas pelo sujeito passivo na DP de IVA do período 1812, detetou-se que o sujeito passivo deduziu no Campo 24 - Imposto Dedutível - Outros bens e serviços um valor referente à "utilização da cantina".
O montante em causa encontra-se documentado pela Fatura n.º FT FVPB18/Q173, de 2018/12/14, do fornecedor I (NIF …) no valor total de €15.128.56 (Anexo 13).
A fatura em causa diz respeito ao uso da cantina, com itens referentes à utilização da cantina, refeições servidas e pequenos-almoços servidos, todos relativos ao mês de novembro de 2018. O Sujeito passivo não procedeu à dedução dos itens concernentes a refeições e pequenos-almoços, mas deduz o valor de € 720,36 do item relativo à 'utilização da cantina'.
Uma vez que os citados itens da fatura se encontram todos relacionados e indissociáveis do objetivo final que será o fornecimento de refeições aos funcionários do sujeito passivo então, a fatura, na totalidade dos seus itens, não poderia ter sido deduzida.
De harmonia com o disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 21.º do CIVA, o imposto contido nas 'despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas a tabaco' está excluído do direito à dedução. Porém, a alínea b) do n.º 2 do artigo citado estabelece que não se verificará a exclusão do direito à dedução do imposto contido nas "despesas relativas a fornecimento ao pessoal da empresa, pelo próprio sujeito passivo, de alojamento, refeições, alimentação a bebidas, em cantinas, economatos, dormitórios e similares".
No entanto, a disposição prevista na alínea b), do n.º 2, do artigo 21.° tem sempre de ser analisada no contexto da regra geral do direito à dedução, prevista no artigo 20.º do CIVA. Isto é, só haverá possibilidade de exercício do direito à dedução do IVA contido nas referidas despesas, se as mesmas estiverem ligadas à realização das operações previstas no referido artigo 20.º (transmissão de bens a prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não Isentas, bem como as transmissões de bens a prestações de serviços elencadas na alínea b) do citado normativo - isenções completas ou isenções com direito a dedução).
Desta forma, o sujeito passivo apenas poderia proceder à dedução do IVA referente ao fornecimento de refeições, quer se tratasse do custo das refeições em si ou de despesas acessórias a este objetivo, onde se enquadrará a "utilização da cantina", se estas refeições fossem faturadas ao pessoal da empresa
No âmbito do fornecimento de refeições ao pessoal, deverá ainda fazer-se alusão à isenção estabelecida na alínea 36), do artigo 9.º do CIVA, referindo que por força desta Isenção e da já citada alínea a), do n.º 1, do artigo 20.° do mesmo código, não confere o direito à dedução do imposto suportado.
Desta forma conclui-se que o sujeito passivo procedeu à dedução indevida de € 720,36.
e Do Anexo 9 consta o contrato de “Resolução por Acordo de Contrato de Locação Financeira”, de 27.12.2018, entre a Requerente enquanto Locatária e o Locador X…, e nas Cláusulas Dois e Três do mesmo lê-se: “Dois: O identificado contrato de locação financeira é resolvido e considerado sem nenhum efeito a partir da presente data, pelo que a Locatária restitui ao Locador as chaves e posse do imóvel acima identificado, totalmente desocupado de pessoas e bens”, e “Três: A título de indemnização à Locatária pela entrega do Prédio urbano identificado no considerando l) anterior, a Locadora pagará o valor de € 3 001 905,23 (ao qual acresce Iva à taxa legal em vigor);
f Do Anexo 10 constam, entre o mais, um conjunto de respostas dadas pela Requerente à Requerida no âmbito do Procedimento de Inspecção, aí se lendo, entre o mais, e relativamente à “indemnização” (Resposta 1.1. e 1.2.): “Contrato de Resolução é um contrato típico, praticado regular e habitualmente pelo Banco que, segundo entendemos, proporcionará ao Banco vantagens actuais e futuras, e celebrado entre as partes sempre que o Locatário necessita de financiamento adicional. / O movimento financeiro corresponde à entrada de fundos no locatário derivada do pagamento da indemnização, o que tem como contrapartida o aumento do endividamento em igual montante.”;
g O pedido de reembolso teve por base, quanto ao valor de € 1.694.410,00, o IVA liquidado na factura FT DLG18/000…, de 31-12-2018, emitida pela B (doravante «B») referente ao «valor relativo à cessão de posição contratual no Contrato de Locação Financeira – referência 200D7202 – Celebrada e, 27 de dezembro de 2018» no montante de € 9.061.410,00 (anexos 1, 3 e 7 ao RIT, cujos teores se dão como reproduzidos);
h A referida factura titula o preço da cessão à Requerente, operada em 27-12-2018, da posição contratual da B…, no contrato de locação financeira imobiliária referido no RIT, que esta havia celebrado em 9 de Junho de 2017 com o Banco X…, relativo a um imóvel urbano, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da União de Freguesias de …, concelho de …, com afectação a armazém e à actividade industrial)(anexos 2 e 7 ao RIT, cujos teores se dão como reproduzidos);
i A cessão da posição contratual foi sujeita a IVA, em sintonia com as instruções da Autoridade Tributária e Aduaneira (depoimento de BB);
j Imediatamente após a cessão da posição contratual, foi operada, na mesma data de 27-12-2018, entre a Requerente, agora Locatária por via da cessão, e o Banco X…, a resolução por acordo do mesmo contrato de locação financeira (anexos 9 ao RIT, cujo teor se dá como reproduzido);
k Na mesma data de 27-12-2018, foi celebrado entre a Requerente e o Banco X o novo contrato de locação financeira, com renúncia à isenção de IVA, que consta do anexo 11 ao RIT, cujo teor se dá como reproduzido;
l Na sequência do novo contrato de locação financeira, a Requerente celebrou com B, com efeitos a partir de 01-02-2019, o «AGREEMENT FOR THE USE OF A BUILDING TOGETHER WITH EQUIPMENT AND RELATED SERVICES» que consta do anexo 12 o RIT, cujo teor se dá como reproduzido, que se reporta ao uso do imóvel referido);
m A reestruturação societária referida no RIT tinha como objectivo juntar as participações sociais das empresas do grupo, que facilitava o acesso a crédito, transformar a Requerente na holding do grupo e concentrar na Requerente a gestão de todos os imóveis utilizados pelo grupo, por a Requerente ter colaboradores nisso especializados (depoimentos de AA… e BB..);
n O modelo de reestruturação utilizado foi escolhido por não necessitar de autorizações de entidades públicas (depoimento de BB…);
o A resolução do contrato de locação financeira inicial e a celebração do novo foram impostas pelo Banco X…, por ser essa a sua prática no âmbito de contratos de locação financeira, sem admissão de alterações, que consiste em ser resolvido o contrato anterior, com pagamento de um valor pelo Locador pela perda do direito à aquisição do imóvel no final do contrato, e elaboração de novo contrato com o novo titular, com aumento do tempo de vigência (depoimentos de AA… e CC…);
p Este tipo de actuação proporcionou ao Banco X… vantagens pelo aumento do prazo de duração do contrato, com o consequente recebimento de mais rendas do que as previstas no contrato inicial (depoimento da testemunha CC…);
q O imóvel em causa, que é propriedade do Banco, é um edifício especial, com muito equipamento de alta tecnologia, que introduziu uma revolução no mercado da logística (depoimento de BB…);
r A maioria do equipamento do imóvel, mesmo o que está incrustado, é dele amovível (depoimento de BB…);
s A cessão da utilização do edifício efectuada pela Requerente à B, operada pelo «AGREEMENT FOR THE USE OF A BUILDING TOGETHER WITH EQUIPMENT AND RELATED SERVICES» («Agreement»), é um contrato de prestação de serviços em que a Plataforma Logística é cedida pela Requerente à B, e foi acompanhada de um conjunto de serviços a prestar pela Requerente, referidos numa lista denominada como «Schedule 6», designadamente relativos a vigilância e segurança do edifício, gestão e manutenção de espaços exteriores, incluindo espaços verdes e parques, manutenção do edifício e dos equipamentos nele instalados (cláusulas 1.1, 1.2, 6.6 e 22.1 e depoimentos de BB e AA);
t A remuneração do contrato de cessão da utilização do edifício é de € 92.657,52 mensais, mais IVA (ponto 5.1 do «Agreement» e ponto III.2.6 do RIT);
u A indemnização por resolução por acordo do contrato de locação financeira corresponde a parte dos pagamentos efectuados pela B, correspondentes à parte das rendas respeitante a amortizações do imóvel (depoimento de BB);
v Em 27-04-2020, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não se provou que a Requerente tivesse efectuado o pagamento da quantia liquidada, de que depende o direito a juros indemnizatórios, cujo pedido é formulado nos artigos 265.º a 267.º do pedido de pronúncia arbitral.
Na verdade, não foi apresentado qualquer documento comprovativo do pagamento e, pelo contrário, o facto de a Requerente ter vindo, no requerimento de 15-01-2021, que foi instaurado um processo de execução fiscal que ficou suspenso mediante antecipação de penhora sobre equipamentos, deixa perceber que a quantia liquidada não foi paga.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e nos depoimentos de AA…, CC… e BB….
O primeiro era e é administrador executivo da Requerente, o segundo trabalhava e trabalha no Banco X sendo responsável pela área tributária, e o terceiro era e é o revisor de contas da Requerente, tendo todos mostrado conhecer os factos que relataram e aparentado deporem com isenção.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo, tendo o RIT sido junto pela Requerente com o PPA.
3. Matéria de direito
Resulta da matéria de facto fixada que a B… era locatária num contrato de locação financeira imobiliária celebrado com o Banco X… que, na sequência de alterações, tinha por objecto um edifício (armazém) em que estava instalado equipamento de alta tecnologia, pertencente à B….
No âmbito de uma reestruturação do grupo, em que se incluíam a Requerente A…, a B…, a D… e a J…, realizou-se uma operação de concentração, em termos económicos, destas duas últimas e foi decidido concentrar na A… a gestão dos activos imobiliários do grupo, por esta dispor de colaboradores mais adequados a esta gestão.
Relativamente ao referido contrato de locação financeira entre o Banco e a B…, foi efectuada cessão da posição contratual pela B… a favor da Requerente A….
Com referência à cessão de posição contratual, de 27.12.2018, foi emitida, pela B… à A…, uma factura no montante de € 9.061.410,00, com IVA incluído no montante de € 1.694.410,00.
A cessão da posição contratual foi sujeita a IVA, em sintonia com as instruções da Autoridade Tributária e Aduaneira, como referiu a testemunha BB….
Em acto contínuo à cessão da posição contratual, foi resolvido por acordo, a 27.12.2018, o contrato de locação financeira cuja posição contratual de Locatária a Requerente adquirira pela cessão, e celebrado com o Banco X… um novo contrato de locação financeira do mesmo imóvel, com novas condições. As operações de resolução e relocação realizaram-se por tal ser exigido pelo Banco X…, que usualmente faz essa exigência relativamente a operações em contratos de locação financeira.
Com a resolução por acordo do contrato, o Banco X… pagou à A… (já detentora da posição contratual da B…), a título de indemnização pela perda do direito à aquisição do edifício no final do contrato, a quantia de € 3.001.905,23, correspondente a parte dos valores das rendas que já pagara relativo à amortização do valor do imóvel, acrescida do IVA no montante de € 690.438,20.
No âmbito do novo contrato foi acordado o reembolso ao Banco X… de vários empréstimos contraídos por empresas do grupo, no valor global de € 2.326.352,93.
Este novo contrato de locação financeira foi celebrado com renúncia à isenção de IVA.
No período 201812, a Requerente na sua Declaração fez constar como imposto dedutível o referido IVA, no valor € 1.694.410,00, incluído na referida factura relativa à cessão da posição contratual, emitida pela B… à A….
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que esta dedução não seria permitida, pelas seguintes razões, em suma:
– «os fundos facultados pelo X… visam apenas satisfazer a necessidade de crédito da A, sendo o seu valor determinado apenas pela quantificação dessa necessidade. Por este motivo, a justificação para o valor da indemnização assume relevância, para permitir o nexo sinalagmático, dando expressão económica a transação»;
– «nesta resolução de contrato não se verifica um nexo causal para a determinação de uma indemnização não prevista nos contratos anteriormente celebrados»;
– «a razão económica para este fluxo financeiro é a necessidade da A… obter financiamento»;
– «nos termos do n.º 4 do artigo 36.º da LGT, a qualificação deste negócio jurídico efetuada pelas partes, consubstancia uma concessão de crédito, isenta nos termos do artigo 9.º da alínea a), n.º 27), do CIVA, sem possibilidade de renúncia à isenção prevista no artigo 12.º do mesmo código»;
– «desta forma e concluindo o exposto no ponto anterior deste relatório, nos termos do citado artigo 20.º do CIVA, a A não veio a operar uma transmissão de bens ou prestação de serviços subsequente à cessão da posição contratual, sujeita e não isenta de imposto, não tendo, nos termos referidos, direito a proceder a dedução do IVA da fatura de cessão de posição contratual, no valor € 1.694.410,00»;
– «o novo contrato com o X… é na sua essência um plano de financiamento, onde apenas são alterados os montantes de crédito, sendo que a utilização do imóvel não sofre qualquer alteração económica, isto é, continua a ser utilizado como plataforma logística e sede da BC…»;
– o "contrato celebrado com o X trata-se de uma mera renegociação financeira, não tendo qualquer relação com o valor da indemnização e dos bens da B…";
– «nos termos do n.º 4 do artigo 36.º da LGT, este negócio jurídico efetuado pelas partes, qualifica-se como uma mera concessão de crédito com a garantia sobre o referido imóvel, que para efeitos de IVA é uma prestação de serviços, sujeita, mas isenta, nos termos da alínea a) do n.º 27) do artigo 9.º do CIVA, que não confere direito de dedução».
3.1. Objecto do processo arbitral, ordem de conhecimento de vícios e arguição subsidiária de vícios
O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera anulação, em que se visa apreciar a legalidade e declarar a eventual ilegalidade dos actos impugnados, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º, n.º 1, do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].
Por isso, os actos impugnados têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( )
Consequentemente, a fundamentação sucessiva ou a posteriori não é relevante para aferir da legalidade do acto impugnado, quando não acompanhada de revogação e prática de um novo acto ( ) e também o tribunal, constatada a ilegalidade da fundamentação do acto impugnado, não pode substituir-se à Administração Tributária mantendo na ordem jurídica esse acto com nova fundamentação. Isto é, «o tribunal não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do acto impugnado (já que os seu poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o acto explicitamente partiu), nem pode substituir-se à Administração na determinação de outra matéria tributável (sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária)». ( )
A eventual prática, na sequência da declaração pelo tribunal da ilegalidade do acto impugnado, do «acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral», é tarefa que cabe à Administração Tributária, como resulta do teor expresso do n.º 1, do artigo 24.º do RJAT.
Como é característica do contencioso de mera anulação, relativamente a vícios geradores de mera anulabilidade, os poderes de cognição do Tribunal limitam-se aos vícios que sejam imputados pelo impugnante ao acto impugnado, como decorre da parte final do n.º 1 do artigo 124.º do CPPT ao referir a apreciação dos «vícios arguidos que conduzam à sua anulação»
Por outro lado, o artigo 101.º do CPPT estabelece que «o impugnante pode arguir os vícios do acto impugnado segundo uma relação de subsidiariedade».
No que concerne à ordem de conhecimento dos vícios, o artigo 124.º do CPPT estabelece que «o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação» (n.º 1).
Neste segundo grupo de vícios geradores de mera anulabilidade, o Tribunal deve apreciar os vícios pela ordem «indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade», como impõe a alínea b) do n.º 2 do artigo 124.º do CPPT.
De harmonia com o preceituado no artigo 554.º, n.º 1, do CPC, «diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior».
Em meios processuais anulatórios, constituem pedidos distintos os que se baseiam em diferentes causas de pedir, como decorre da parte final do n.º 4 do artigo 581.º do CPC, o que no contencioso tributário corresponde a vícios (fundamentos de anulação) distintos.
Por isso, quando são imputados ao acto impugnado vícios geradores de mera anulabilidade e o impugnante opta pela arguição subsidiária de vícios, o Tribunal tem de os apreciar prioritariamente, em obediência à alínea b) do n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, e só pode conhecer de pedidos de anulação com fundamento em vícios subsidiários «no caso de não proceder um pedido anterior», em sintonia com o citado artigo 554.º, n.º 1, do CPC.
No caso em apreço, a Requerente começa por imputar à liquidação impugnada três vícios de «falta de fundamentação»:
• «1.1. Da falta de fundamentação quanto à definição da cadeia de valor relevante para efeitos de IVA» (artigos 63.º a 76.º do pedido de pronúncia arbitral);
• «1.2. Da falta de fundamentação quanto à aplicação do artigo 36.º, n.º 4, da LGT» (artigos 77.º a 92.º do pedido de pronúncia arbitral); e
• «1.3. Da falta de fundamentação subjacente à (re)qualificação das operações levadas a cabo entre a requerente e o Banco X…» (artigos 93.º a 102.º do pedido de pronúncia arbitral);
Para além de estes vícios serem imputados prioritariamente, a Requerente refere expressamente que a arguição dos restantes vícios é feita subsidiariamente, como se vê pelo artigo 106.º do pedido de pronúncia arbitral:
«106.
Pelo que, desde já, se requer a sua anulação com todos os efeitos legais daí decorrentes.
SUBSIDIARIAMENTE, SEM CONCEDER» (seguindo-se a arguição de vários vícios de «erro sobre os pressupostos de facto e de direito»)
Em resumo:
No caso em apreço, os vícios de falta de fundamentação são invocados a título principal e os restantes a título subsidiário, pelo que Tribunal Arbitral tem de começar a apreciação pelos vícios de falta de fundamentação e só pode conhecer dos restantes vícios no caso de todos os pedidos de anulação com fundamento em vícios de falta de fundamentação improcederem.
3.2. Vícios de falta de fundamentação
Antes de mais, deverão distinguir-se os conceitos de «fundamentação material» e «fundamentação formal».
A falta de fundamentação formal «pode ser entendida como uma exposição enunciadora das razões ou motivos da decisão», enquanto a fundamentação material corresponde à «recondução do decidido a um parâmetro valorativo que o justifique: no primeiro sentido, privilegia-se o aspecto formal da operação, associando-a à transparência da perspectiva decisória; no segundo, dá-se relevo à idoneidade substancial do acto praticado, integrando-o num sistema de referência em que encontre bases de legitimidade». (...)
«O dever da fundamentação expressa obriga a que o órgão administrativo indique as razões de facto e de direito que o determinaram a praticar aquele acto, exteriorizando, nos seus traços decisivos, o procedimento interno de formação da vontade decisória. O dever cumpre-se desde que exista uma declaração a exprimir um discurso que pretenda justificar a decisão, independentemente de esse arrazoado». ( )
3.2.1. Falta de fundamentação formal
Apenas a falta de fundamentação formal constitui vício de forma.
A exigência de fundamentação formal dos actos administrativos lesivos é feita no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, que estabelece, que «agrcem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».
Concretizando o conteúdo da fundamentação no procedimento tributário, o artigo 77.º, n.º 1, da LGT que estabelece a regra geral de que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária».
O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, uniformemente, que a fundamentação formal do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( )
Assim, para a fundamentação ser considerada suficiente não é necessário que sejam apreciados todos os argumentos invocados pelos interessados no procedimento, mas sim que sejam perceptíveis as razões por que se decidiu no sentido em que se decidiu.
Mas, especificamente no âmbito do direito tributário, por força do especialmente preceituado no n.º 2 do referido artigo 77.º da LGT, as exigências de fundamentação são, em certa medida, atenuadas, pois «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».
3.2.2. Falta de fundamentação material
A falta de fundamentação material ou substancial, por incorrecção ou falta de prova dos pressupostos de facto ou erro de direito, poderá consubstanciar vício de erro sobre os pressupostos de facto ou erro sobre os pressupostos de direito.
Neste sentido, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-09-2011, proferido no processo n.º 0494/11:
O facto de, porventura, a valia substancial dos fundamentos aduzidos nesse discurso fundamentador não ser suficiente para retirar a conclusão que aí se retirou, isto é, ser insuficiente ou inapta, do ponto de vista legal, para suportar a correção efetuada, é matéria que não contende com a fundamentação formal do acto, mas sim com a fundamentação substancial, que pode levar à procedência da impugnação por força dos vícios de violação de lei que foram invocados.
Com efeito, não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exatidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. É que, como adverte SÉRVULO CORREIA ("Noções de Direito Administrativo", I, pág. 403.), «a fundamentação pode ser inexata e ser suficiente, por permitir entender quais os pressupostos de facto e de direito considerados pelo autor do acto. Deste modo, a inexatidão dos fundamentos não conduz ao vício de forma por falta de fundamentação. Ela pode sim revelar a existência de outros vícios, como o vício de violação de lei por erro de interpretação ou aplicação de norma, ou (...) por erro nos pressupostos de facto» (...)".
Independentemente da qualificação dos vícios de falta de fundamentação invocados pela Requerente como de falta de fundamentação formal ou material, todos eles são imputados a título principal, pelo que de todos eles há que conhecer antes dos vícios identificados pela Requerente como sendo de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
3.3. Da falta de fundamentação quanto à definição da cadeia de valor relevante para efeitos de IVA (artigos 63.º a 76.º do pedido de pronúncia arbitral)
Neste âmbito, a Requerente imputa vício de falta de fundamentação por, em suma, o TJUE fornecer «três critérios com vista a estabelecer uma relação directa e imediata com uma ou várias operações a jusante que confiram direito à dedução» (critério da inclusão dos custos no preço das operações tributadas, critério do uso ou intencionalidade e critério do nexo causal) e Autoridade Tributária e Aduaneira ter implicitamente optado, com exclusão dos demais, pelo pressuposto da determinação de uma relação directa e imediata com uma operação a jusante, adotando – também com exclusão dos demais – o critério da inclusão dos custos no preço das operações tributadas, sem que tal opção se encontre justificada.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, para além do expor os requisitos essenciais da fundamentação dos actos tributários que atrás se referiram, defende que «decorre das normas que regem o direito a dedução, previstas no Código do IVA, que é dedutível o IVA devido ou pago pela aquisição de bens e serviços para a realização de operações tributadas [al. a) do n.º 1 do art.º 19.º. e n.º 1 do art.º 20.º, ambos do Código do IVA]» e que «a fundamentação que escora as correcções aritméticas no sentido da não dedutibilidade do imposto assenta na falta do pressuposto previsto na regra geral do direito a dedução do art.º 20.º do Código do IVA, ou seja, pela demonstração da realização a jusante de uma operação isenta – concessão de crédito».
O vício que a Requerente imputa, neste ponto, é de falta de fundamentação formal, pois não defende que seja errada a opção pelo critério utilizado.
Pela fundamentação utilizada, sabe-se qual o critério que a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou para apurar o direito a dedução de IVA e, sabendo isso, a Requerente ficou em situação de poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação, estando em condições, designadamente, demonstrar que a opção por tal critério foi errada ou houve erro na sua aplicação concreta ou que há outro critério que deveria ser utilizado e podia conduzir a diferente conclusão.
Neste contexto, há que notar que o referido n.º 2 do referido artigo 77.º da LGT, não exige uma fundamentação exaustiva, estabelecendo que «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária», que se afigura estar satisfeito com a indicação do critério utilizado.
Assim, entende-se que a liquidação impugnada não enferma deste vício que a Requerente lhe imputa.
3.4. Da falta de fundamentação quanto à aplicação do artigo 36.º, n.º 4, da LGT (artigos 77.º a 92.º do pedido de pronúncia arbitral) e da falta de fundamentação subjacente à (re)qualificação das operações levadas a cabo entre a requerente e o Banco X…» (artigos 93.º a 102.º do pedido de pronúncia arbitral)
Estes vícios estão relacionados, pelo que se afigura conveniente apreciá-los conjuntamente.
O artigo 36.º, n.º 4, da LGT, estabelece que «a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária».
Sobre a aplicação do artigo 36.º, n.º 4, da LGT, e requalificação de operações a Autoridade Tributária e Aduaneira, no RIT, afirmou, além do mais, o seguinte:
O sujeito passivo afirma ainda que, o "novo contrato celebrado com o X… trata-se de uma mera renegociação financeira, não tendo qualquer relação com o valor da indemnização e dos bens da B…"
Constata-se que os fundos facultados pelo X… visam apenas satisfazer a necessidade de crédito da A…, sendo o seu valor determinado apenas pela quantificação dessa necessidade. Por este motivo, a justificação para o valor da indemnização assume relevância, para permitir o nexo sinalagmático, dando expressão económica à transação.
Nesta resolução de contrato não se verifica um nexo causal para a determinação de uma indemnização não prevista nos contratos anteriormente celebrados. A razão económica para este fluxo financeiro é a necessidade da A obter financiamento.
Assim, nos termos do n.º 4 do artigo 36.º da LGT, a qualificação deste negócio jurídico efetuada pelas partes, consubstancia uma concessão de crédito, isenta nos termos do artigo 9.º da alínea a), n.º 27), do CIVA, sem possibilidade de renúncia à isenção prevista no artigo 12.º do mesmo código.
Desta forma e concluindo o exposto no ponto anterior deste relatório, nos termos do citado artigo 20.º do CIVA, a A… não veio a operar uma transmissão de bens ou prestação de serviços subsequente à cessão da posição contratual, sujeita e não isenta de imposto, não tendo, nos termos referidos, direito a proceder a dedução do IVA da fatura de cessão de posição contratual, no valor € 1.694.410,00.
(...)
Face aos factos e à natureza económica da operação verifica-se que este "contrato celebrado com o X… trata-se de uma mera renegociação financeira, não tendo qualquer relação com o valor da indemnização e dos bens da B…". Como é afirmado pelo sujeito passivo em resposta ao ponto 3.3 do Pedido de Elementos n.º 3. (Anexo 10).
Assim, nos termos do n.º 4 do artigo 36.º da LGT, este negócio jurídico efetuado pelas partes, qualifica-se como uma mera concessão de crédito com a garantia sobre o referido imóvel, que para efeitos de IVA é uma prestação de serviços, sujeita, mas isenta, nos termos da alínea a) do n.º 27) do artigo 9.º do CIVA, que não confere direito de dedução.
A Requerente imputa vício de falta de fundamentação, neste contexto, porque, em suma:
• a norma constante do artigo 36.º, n.º 4, da LGT, não lhe permite per se desencadear o efeito jurídico que alegadamente pretende;
• esta motivação tem implícita a alegação do abuso de formas jurídicas e a requalificação do negócio jurídico subjacente;
• essa actuação e é legítima à Administração Tributária ou ao abrigo do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da LGT, ou nos termos do artigo 39.º da mesma Lei, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira o dever de comprovar a simulação, demonstrar o prejuízo causado à Fazenda e qualificar o negócio jurídico real (i.e., o pretendido pelas partes);
• o afastamento da presunção de veracidade prevista no artigo 75º, n.º 1, da LGT, implica um ónus de fundamentação que transcende a mera alegação;
• o artigo 36.º, n.º 4, da LGT, por si só, não é uma norma de competência, pois não contém, na sua estatuição, a permissão para que a Administração Tributária possa alterar as formas jurídicas utilizadas pelos particulares;
• verifica-se a contradição entre a norma invocada (artigo 36.º, n.º 4, da LGT) e as consequências que a Requerida visa firmar (donde resulta uma inevitável falácia non sequitur);
• há obscuridade da motivação aduzida, na medida em que o intérprete-destinatário não dispõe de qualquer elemento expresso ao longo do RIT que lhe permita aferir a norma de competência ao abrigo da qual a Requerida se encontra a agir quando opera a (re)qualificação do negócio jurídico subjacente;
• a Requerente não dispõe de elementos de direito substantivo que lhe permitam aferir a legalidade da actuação da AT;
• as referidas contradição e obscuridade equiparam-se, inevitavelmente, à falta de fundamentação do ato, nos termos desencadeados pelo artigo 153.º, n.º 2, do CPA, aplicável ex vi dos artigos 2.º, alínea c), da LGT, e 2.º, alínea d), do CPPT;
• a Autoridade Tributária e Aduaneira não explica, na lógica do imposto, como é que a cadeia de liquidações e deduções pode ser interrompida tendo havido continuidade da operação de locação financeira imobiliária, mediante a respetiva renúncia à isenção e posterior liquidação de imposto nas rendas.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, o seguinte:
• a norma do n.º 4 do art.º 36.º da LGT reflecte o princípio do primado da substância dos contratos sobre a sua forma, típico, mas não exclusivo, do Direito Tributário;
• a qualificação do negócio jurídico efetuada pelas partes deve ceder perante a regulamentação deste, servindo, quando muito, de mais um elemento da sua interpretação;
• a natureza objectiva das operações realizadas pelos sujeitos passivos prevalece face à qualificação contratual que lhe foi atribuída;
• a qualificação jurídica dos negócios não pode decorrer da designação dos documentos, que as partes lhe deram ou lhe vierem a dar, mas antes da análise dos seus elementos essenciais;
• a redacção do artigo 36.º, n.º 4, da LGT, reporta-se à irrelevância da qualificação perante os termos do negócio, permitindo à Autoridade Tributária e Aduaneira atender a estes e não à qualificação atribuída pelas partes;
• a norma do artigo 36.º, n.º 4, da LGT, permite à Autoridade Tributária e Aduaneira ignorar a qualificação jurídica do negócio atribuída pelas partes e não desconsiderar os próprios termos em que ele foi feito e a sua eficácia à face da lei civil ou comercial;
• a AT, na situação vertente, não desconsiderou os termos do negócio, na medida em que verificou todos os contratos celebrados, tendo verificado que o novo contrato de locação celebrado no mesmo dia da cessão de posição contratual era “na sua essência um plano de financiamento, onde apenas são alterados os montantes de crédito”;
• a fundamentação do Relatório de Inspecção não se apoia em elementos “acidentais”, como é erroneamente referido pela Requerente, mas tem antes por base a análise de todos os contratos celebrados, as explicações da Requerente, bem como os respectivos movimentos contabilísticos.
Os vícios que a Requerente imputa à liquidação, neste âmbito, não são apenas, nem mesmo essencialmente, de falta de fundamentação formal, mas sim de falta de fundamentação material, por o artigo 36.º, n.º 4, da LGT não permitir à Autoridade Tributária e Aduaneira a requalificação do contrato de locação financeira celebrado entre a Requerente e o Banco X… como sendo uma «mera concessão de crédito com a garantia sobre o referido imóvel».
Aliás, foi neste contexto que a Autoridade Tributária e Aduaneira se pronunciou sobre esta questão, procurando demonstrar que se está perante uma alteração de qualificação jurídica permitida pelo referido artigo 36.º, n.º 4, da LGT.
No entanto, afigura-se ser claro que é a Requerente quem tem razão, quanto à inviabilidade de, no âmbito do artigo 36.º, n.º 4, da LGT, requalificar o negócio entre a Requerente e o Banco X… como sendo uma «mera concessão de crédito com a garantia sobre o referido imóvel».
Na verdade, como bem diz também a Autoridade Tributária e Aduaneira, o artigo 36.º, n.º 4, da LGT, reporta-se à irrelevância da qualificação perante os termos do negócio, permitindo à Autoridade Tributária e Aduaneira atender a estes e não à qualificação atribuída pelas partes, mas só permite desconsiderar a qualificação e não os próprios termos em que ele foi feito e a sua eficácia à face da lei civil ou comercial.
Ora, no caso em apreço, o contrato celebrado entre a Requerente e o Banco X…, que foi denominado como sendo de locação financeira de imóvel, tem efectivamente as características de um contrato desse tipo e não de uma mera concessão de crédito com garantia sobre o imóvel.
Com efeito, o imóvel pertencia e pertence ao Banco X e não à Requerente e, nos termos do contrato, a Requerente, quanto à propriedade do imóvel, tem o direito de o poder adquirir no final do contrato, pelo preço fixado (artigo 3.º do contrato e cláusula 5.ª das Condições Particulares), podendo utilizá-lo durante a vigência do contrato mediante o pagamento de rendas, características estas que são típicas de um contrato de locação financeira:
«Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados» (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho).
Isto é, os termos do negócio são, efectivamente, os de um contrato de locação financeira e não de um financiamento com garantia sobre o imóvel, que nem é concebível numa situação em que o imóvel que pretensamente serve de garantia pertence ao hipotético mutuante.
Assim, é manifesto que não se está perante uma situação em que há fundamento para alterar a qualificação jurídica do negócio, pois os seus termos essenciais são os típicos de um contrato de locação financeira e não de um financiamento com garantia sobre um imóvel.
Por outro lado, como diz a Requerente, para poder deixar de atender aos termos do negócio e considerar ineficaz, para efeitos fiscais, os termos do contrato de locação financeira celebrado, a Autoridade Tributária e Aduaneira teria de utilizar a cláusula geral antiabuso, prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT ou invocar e demonstrar que se estava perante um negócio simulado, para efeitos do artigo 39.º da mesma Lei.
Mas, não foi invocado qualquer destes fundamentos e o artigo 36.º, n.º 4, da LGT, não viabiliza a desconsideração, para efeitos fiscais, dos termos do negócio.
Assim, tem de se concluir que a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira enferma de vício de falta de fundamentação substancial, pois a norma procedimental invocada não fornece suporte legal para a desconsideração dos termos do negócio, o que se reconduz a vício de erro sobre os pressupostos de direito.
Para além disso, ao fazer referência a um financiamento com uma garantia sobre o imóvel que é objecto do contrato, de que seria beneficiário o Banco que é o seu proprietário, a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira é ininteligível, pois não esclarece a que tipo de garantia se refere, nem deixa entrever que direitos conferiria ao banco uma garantia sobre o seu próprio imóvel.
Por isso, esta posição da Autoridade Tributária e Aduaneira enferma também de vício de falta de fundamentação formal, por obscuridade e insuficiência, que equivalem à falta de fundamentação [artigo 153.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].
Estes vícios justificam a anulação da liquidação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, como vícios de falta de fundamentação.
3.5. Questões de conhecimento prejudicado
Como decorre do exposto, o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado procedente por vícios de falta de fundamentação formal e substancial que se inserem no grupo de vícios que a Requerente imputou à liquidação impugnada a título principal.
De harmonia com o preceituado no artigo 554.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, «diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior».
Assim, procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vícios anteriores aos imputados a título subsidiário, fica prejudicado o conhecimento destes.
4. Pedidos de juros indemnizatórios
A Requerente formula pedidos de juros indemnizatórios (abandonou o pedido de indemnização por garantia indevida, no requerimento apresentado em 15-01-2021).
Mas, como se referiu ao indicar os «factos não provados», não se considerou provado que o pagamento tivesse sido efectuado.
Os juros indemnizatórios dependem do pagamento indevido (artigo 43.º, n.º 1, da LGT), pelo que não há fundamento factual para se decidir neste processo se a Requerente tem ou não a juros indemnizatórios.
Assim, não tendo sido feita prova do pagamento da quantia liquidada, o pedido de juros indemnizatórios tem de ser julgado improcedente, sem prejuízo do eventual direito poder ser reconhecidos à Requerente em execução de julgado, se for caso disso (artigos 100.º da LGT, 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e artigo 61.º, n.º 2, do CPPT).
5. Decisão
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
a julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento nos vícios indicados nos pontos 3.2. a 3.4. deste acórdão;
b anular a liquidação de IVA n.º 31398425, datada de 27-03-2020, no valor de € 1.695.130,36;
c julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 1.695.130,36.
Lisboa, 14-06-2021
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Clotilde Celorico Palma)
(Sofia Ricardo Borges, com a declaração de voto que segue)
Declaração de voto
Tudo visto e ponderado, sou a acompanhar o sentido da Decisão. E, no essencial, a sua fundamentação. Aqui, porém, com a delimitação que procurarei expor. E à qual chegarei após deixar esclarecido o entendimento que tenho do caso. Como segue.
Nos presentes autos estamos perante um acto tributário de recusa de reembolso de IVA solicitado pelo sujeito passivo (“SP”). E consequente correcção.
O pedido de reembolso é submetido pelo SP, a Requerente, a 18 de Janeiro de 2019, logo após ter celebrado, a 27 de Dezembro de 2018, um contrato de cessão da posição contratual, como cessionária - adquirente - da posição de Locatária num contrato de locação financeira imobiliária. Posição que assim adquiriu a uma sociedade consigo integrante do Grupo de empresas, em RETGS, do qual é a sociedade dominante, e sociedade essa por si detida, então, a 96,15%. Doravante também, respectivamente, sociedades “Mãe” / “Filha”.
O valor do reembolso, solicitado pois como resultado do apuramento, pelo SP, de um valor de crédito de imposto na DP do período de 201812, deriva na sua quase totalidade do valor por si inscrito no Campo 20 – Imobilizado. E é essencialmente resultante da Factura que lhe foi emitida, pela Filha, a título de “Valor relativo à cessão da posição contratual do Contrato de Locação Financeira”.
Assim. A Mãe comprou, à Filha, pelo valor de € 9.061.410,00, a posição jurídica subjectiva que a Filha ocupava no contrato de locação financeira, como parte Locatária. Para o efeito tendo - nos termos da Factura (“FC-1”) com data de 31 de Dezembro de 2018, nos autos, emitida pela Filha à Mãe, com data de pagamento de 30 de Janeiro de 2019 - pago (admita-se) à Filha € 7.367.000.00 mais IVA no valor de € 1.694.410,00.
A Requerida recusa o reembolso com fundamento em não existir, subsequentemente à celebração do dito contrato de cessação da posição contratual - a jusante, pois, dessa operação, naquela cadeia produtiva - uma operação sujeita e não isenta que permitisse à Requerente o exercício do direito à dedução do IVA incorrido a montante na aquisição, por cessão, da posição contratual da Filha. A Requerida entende, pois, e assim fundamenta o acto em crise, que a Requerente não veio a operar, em conexão com a operação de aquisição da posição contratual da Filha via contrato de cessão da posição contratual em 27 de Dezembro de 2018, qualquer operação sujeita e não isenta. Como se lê, entre o
mais, no RIT : “(…) nos termos do citado artigo 20.º do CIVA, a A não veio a operar uma transmissão de bens ou prestação de serviços subsequente à cessão da posição contratual, sujeita e não isenta de imposto, não tendo, nos termos referidos, direito a proceder à dedução do IVA da fatura de cessão da posição contratual, no valor de € 1.694.410,00.”
A Requerida fundamenta pois o acto em - em conexão com a cessão - não ter sido praticada pela Requerente uma operação enquadrável no artigo 20.º do CIVA. Inexistindo, assim, operação, ou operações, que a terem sido por si praticadas permitiriam à Requerente deduzir IVA incorrido a montante na cessão. Permitiriam deduzir aquele IVA por si incorrido naquela operação a montante (o IVA no valor de € 1.694.410,00) ao IVA que liquidasse nas suas operações tributáveis a jusante. Que liquidasse em operações a jusante na cadeia produtiva, pois.
A Requerente, pelo contrário, defende que tem direito à dedução do dito IVA, de € 1.694.410,00. Fundamenta o seu pedido em - na sequência do contrato de cessão da posição contratual - ter havido uma “indemnização”, que entende sujeita e não isenta de IVA. E que efectivamente assim foi considerada na respectiva Factura por si emitida ao Banco X (“FC-2”). E refere que a cessão “visou a redução dos capitais próprios” da Filha, e que “foi uma decisão de gestão assente na importância estratégica que o Armazém assume para o Grupo A” . Refere que na mesma data da cessão procedeu à resolução por acordo do dito contrato de locação financeira imobiliária transferido para si através da cessão, e que à resolução se seguiu, por sua vez, a celebração de um novo contrato de locação financeira imobiliária sobre o mesmo imóvel. Tudo na mesma data (27 de Dezembro de 2018). E que o Armazém continua a ser utilizado pela Filha no âmbito da sua actividade ao abrigo de um contrato de prestação de serviços entre Mãe e Filha, por sua vez celebrado após o novo contrato de locação financeira imobiliária (“relocação”).
É aquela “indemnização” que a Requerida, desde logo, na sua fundamentação do acto, defende não consubstanciar uma operação sujeita e não isenta. E fundamenta ainda que, por sua vez, o posterior contrato celebrado (após a resolução por acordo, na mesma data da cessão, do primeiro contrato, o contrato que fora transferido para a Requerente através da cessão) entre a Requerente e o Banco Locador também o não configura. Como bem assim, por fim, o subsequente contrato de sublocação entre a Mãe e a Filha, igualmente não configura uma operação sujeita e não isenta passível de ser enquadrada no art.º 20.º para o efeito da dedução pretendida pela Requerente.
Recorre, ao desenvolver a sua fundamentação, ao art.º 36.º, n.º 4 da LGT.
Mas sempre partindo do mesmo fundamento, e concluindo regressando ao mesmo: o não preenchimento do art.º 20.º do CIVA. Não se chega a preencher a previsão do art.º 20.º do CIVA. Condição para a dedução do IVA da referida Factura emitida pela Filha à Mãe (a FC-1, referente à cessão da posição contratual, recapitule-se, referente pois ao contrato de cessão da posição contratual num contrato de leasing imobiliário em que a Filha, então Locatária, venda à Mãe, que àquela compra, a sua posição subjectiva de Locatária nesse contrato de leasing).
Vejamos.
A Requerente no seu PPA alega que na base do seu pedido de reembolso está essencialmente o valor de IVA originado na referida Factura, a FC-1.
E entende que é seu direito vir a deduzir àquele montante (de € 1.694.410,00) IVA que liquidou. Convoca para o efeito, desde logo, o ter liquidado IVA na FC-2, nos autos, de 27 de Dezembro de 2018, que emitiu ao Banco Locador a título de “Indemnização por resolução do contrato de Leasing imobiliário” (valor base de € 3.001.905,23 acrescido de IVA de € 690.438,20). O que configura, na posição que defende, uma operação enquadrável no art.º 20.º, para efeitos de deduzir, ao IVA por si aí liquidado, IVA por si incorrido na FC-1.
Pois bem.
Não deixaremos de referir que não vemos como ao “cobrar” uma “indemnização” ao Banco a Requerente possa estar a cobrar uma contraprestação por um serviço por si prestado, ou o preço de um bem por si transmitido, no âmbito da sua actividade tributável (como o exige o art.º 20.º do CIVA), no âmbito da sua actividade económica .
E lembremo-nos também, aqui, que, quando os bens/serviços adquiridos a montante, não visem/não se destinem à realização das operações tipificadas no art.º 20.º, o IVA ali incorrido não pode ser deduzido .
Aliás, sempre se recorde que não é facto seguro que todas as entidades que se enquadrem no art.º 2.º do CIVA enquanto Sujeitos Passivos aquiram, e/ou adquiram em todo e qualquer caso, bens e serviços para os fins de subsequentemente com os mesmos (transformados ou não) realizarem operações tributáveis a jusante (outputs).
*
Antes disso, ainda, também não se vê como possa conceber-se estarmos perante um dever de indemnizar (do lado do Banco Locador) por terem sido causados danos ou prejuízos - pelo Banco - à Requerente. Desde logo porque os referidos, pela Requerente, direitos adquiridos - mesmo que os configuremos como expectativas de vir a adquirir o imóvel, de que alegadamente estaria a ser indemnizada - sempre foram adquiridos por si naquele próprio dia, à Filha, e com vontade de, de imediato, serem “perdidos” (o acordo de resolução do contrato naquela mesma e única data assim o demonstra, quanto a nós). E, em todo o caso, mesmo admitindo poder tratar-se de uma compensação por aquilo que já havia sido pago pela Filha ao Banco no anterior contrato a título de amortização de capital/perda do direito à aquisição do imóvel, também não vemos responsabilidade da parte do Banco aí que o obrigasse a indemnizar devolvendo tais montantes …no quadro de uma resolução querida pelo Locatário. Não se vê de onde resulte uma responsabilidade emergente, desde logo, do próprio contrato de Leasing resolvido entre as Partes, de comum acordo, e em cujo clausulado se lê haver dever de compensar, em caso de resolução, não por parte do Locador mas sim por parte do Locatário. Como bem se compreende, a nosso ver também. Responsabilidade contratual não vemos . Tudo isto no contexto de uma operação antecipada e atempadamente delineada, pensada e planeada pelas Partes (como o demonstram, entre o mais, as Actas do Conselho de Administração da Filha, nos autos; e como aliás é argumento da própria Requerente ao longo dos articulados). Empresas Filha e Mãe, em REGTS, e Banco.
E ainda quanto à, assim facturada, “indemnização”, sempre seria de atentar na documetação contabilística da Requerente. Cfr. RIT : a “indemnização” foi registada na contabilidade da Requerente numa subconta de financiamentos 25130207 – Contrato de Leasing imobiliário. Assim, portanto, acrescentamos nós, na classe 25 do Código de Contas – “Financiamentos obtidos”. Conta 2513, destinada a registar os financiamentos obtidos através de contratos de locação financeira.
*
Como quer que seja, não vemos, volte-se atrás, como se possa considerar em qualquer caso preenchido o art.º 20.º do CIVA.
Parece-nos claro que, nessa “indemnização” (e mesmo sem necessidade de cuidar agora de qual seja a respectiva natureza ), a ter sido prestado um serviço não o terá sido por parte da Requerente. Como também não cremos ter sido por esta transmitido - vendido - um bem. Para o efeito do que - prestação de um serviço/transmissão de um bem pela Requerente (outputs), caso tivessem ocorrido - teriam potencialmente sido incorridas por si a montante as despesas (inputs) com a aquisição da posição contratual da Filha (e o IVA da FC-1). Inexiste, pois, esse nexo. Exigido pelo art.º 20.º. Assim, nunca estaríamos por ali numa situação que se enquadrasse na respectiva previsão.
Nem também, diga-se, as despesas incorridas na FC-1 se terão destinado aos gastos gerais da actividade económica desenvolvida pela Requerente, num nexo directo e imediato que aí se pudesse descortinar. Nem tal vem sequer alegado pela Requerente. Como, aliás, a Requerida também refere no RIT.
Nem tal seria demonstrável, até ainda pelas razões que afloraremos de seguida.
*
É da aplicação do art.º 20.º do CIVA que aqui se trata.
Que há-de conjugar-se, desde logo, com o art.º 19.º.
E quanto a nós é logo aqui, neste momento, e no que se exige para efeitos de direito à dedução pela conjugação dos art.ºs 19.º e 20.º, antes de sequer irmos olhar mais adiante - mais “a jusante”, permita-se-nos a expressão (e irmos aferir da natureza da “indemnização”, ou até mesmo da natureza do novo contrato que depois foi celebrado) - que reside o comportamento da Requerente que, ao nosso olhar, a aparta da lei. No que aos presentes autos releva. Senão vejamos.
Após comprar à sua Filha a posição subjectiva de que esta era titular no contrato… o que faz a Requerente? Põe, acto contínuo, termo a esse mesmo contrato. Que acabara, dir-se-ia, de “querer” para si, ao celebrar a cessão. E pelo qual pagara o valor que se viu, acrescido de IVA. IVA que terá pago, é certo, como também é certo, e bem se compreende, IVA que não chega a sair do Grupo, de “casa” pois. E não será complexo o movimento contabilístico respectivo. Estamos no seio de um Grupo de empresas, por opção sujeito ao RETGS. E em que a Requerente, que é quem adquire a posição da anteriormente Locatária no contrato de leasing, a cessionária adquirente pois da posição subjectiva de Locatária naquele contrato de leasing de 2017, é a Mãe, que controla a cedente. No âmbito, insista-se, de um Grupo de empresas. Em que a Mãe paga o IVA em causa nos autos à Filha (FC-1).
Existindo um Grupo existe uma “entidade económica única”. Mais, quando uma entidade controla outra, existe entre elas uma unidade de gestão, que é aliás o que justifica a consolidação de contas . Influência dominante, no caso, da Mãe sobre a Filha, como resulta dos factos, com base seja na documentação nos autos, seja na prova produzida em audiência, desde logo no depoimento de Parte se tendo referido a participação ser de 100%, e tratar-se efectivamente da mesma entidade à data dos factos. Não haverá, diremos, uma total separação de patrimónios. A bem da garantia dos respectivos credores, como também o nosso legislador bem cuidou de acautelar. Para dizer que, e sem maiores desenvolvimentos, não deixará a situação nos autos de dever ser apreciada também assim, naquele que é o seu contexto. Nesse enquadramento, que é aquele em que surge desde logo a operação reflectida na FC-1. Bem como as operações que se lhe seguem.
E o que também aqui está em questão, assim o vemos, é a Requerente poder ir “buscar”, ou não, ao Estado o montante correspondente ao IVA que pagou à sua Filha, intra-Grupo portanto, na cessão da posição contratual. Por ter celebrado o contrato de cessão da posição contratual (doravante também a “Cessão”).
Contrato pois, resultará já claro, que se “queria”, mas não se queria.
Um contrato de cessão da posição contratual, como se sabe, é composto por dois contratos, o contrato que serve de veículo à transmissão da posição contratual subjectiva num outro contrato, e este outro contrato, o contrato-base, que assim é transmitido .
No caso, o contrato-base é um contrato de leasing imobiliário. Contrato típico, que tem ele também uma causa-função. Sem maiores desenvolvimentos, um contrato que se destina, além do mais, e como o próprio legislador expressamente o diz ao tipificá-lo, a “ceder o gozo temporário” de um bem.
Pois bem, estamos perante a locação imobiliária sobre um bem imóvel, destinado à indústria, um Armazém Industrial. Bem que certamente no contexto de um contrato de locação financeira imobiliária tal como o legislador o configurou não será querido para apenas uma fracção de horas. Para, afinal, de imediato se pôr termo ao dito leasing imobiliário. À semelhança do arredamento, com as devidas e necessárias adaptações, causará no mínimo estranheza que não se queira esse contrato senão para nele prosseguir nessa posição contratual (adquirida, no caso, pela Cessão). Com a transmissão do contrato de locação por via da Cessão transmitiram-se um conjunto de direitos e obrigações para a Requerente, as quais – caso o contrao tivesse sido querido com o conteúdo que lhe é próprio – se teriam destinado a permanecer na esfera jurídica da cessionária (Requerente). Segundo as regras da lógica e da experiência não será normal que alguém adquira uma posição contratual num contrato como o em causa, que reveste características de permanência e duração no tempo, que tem por objecto inclusive um Edifício Industrial, no caso, para, de imediato, pôr termo a esse contrato. Acto contínuo a o ter adquirido (através da Cessão). Tudo no contexto que vimos de ver. Grupo de empresas; operação antecipadamente prevista.
Procurando evitar delongas, somos remetidos, entre o mais, para a Teoria Geral do Direito Civil e para as questões da vontade nos contratos, vontade que se exige seja vontade da declaração e, ainda, vontade do conteúdo do negócio. O tipo contratual em causa tem uma causa-função que lhe é própria. Tanto mais sendo um contrato tipificado. E essa causa-função não foi, no caso, resulta-nos claro - resulta claro dos factos, desde logo da imediata resolução por acordo do contrato – não foi, dizíamos, querida.
É de perguntar, então, qual foi a causa da Cessão.
A Cessão foi realizada. Foi contratada uma cessão da posição contratual. Alguma causa terá tido, algum fim terá sido visado. Que não, porém, aquele que lhe é próprio, que não o que é próprio do contrato de cessão e do contrato de locação financeira imobiliária (o contrato-base). Ou, se se preferir, caso este tenha sido querido, tê-lo-á sido como condição para atingir um outro fim ulterior. Este último o fim que terá determinado a vontade das Partes.
Como em Alberto Xavier, ao conceptualizar o Contrato Indirecto em Direito Tributário: “(…) A característica essencial do negócio indireto está na utilização de um negócio típico para realizar um fim distinto do que corresponde à sua causa-função objetiva: daí a referência dos autores ao seu caráter “indireto” ou oblíquo, anômalo ou inusual. (…)”; “Elementos essenciais do conceito de negócio indireto em Direito Tributário são, assim, um elemento objetivo e um elemento subjetivo: o primeiro é constituído pela divergência entre a estrutura (fins típicos) do negócio e os fins que as partes pretendem atingir (...); o segundo é dado pelo fato de a escolha do esquema negocial ser determinada pela intenção de excluir ou diminuir o encargo fiscal.”; “Na simulação há uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada – e daí o seu carácter mentiroso ou enganatório. No negócio indireto não há divergência entre a vontade real e a declarada – e daí o seu carácter verdadeiro. Há, isso sim, uma divergência entre a causa-função típica e os motivos ou fins prosseguidos pelas partes, divergência essa querida realmente e revelada às claras. Por outras palavras: há a utilização de uma dada estrutura ou de uma dada forma para atingir indiretamente um resultado que não é o típico daquela estrutura e daquela forma.”
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E já agora, acrescentaremos nós ainda, também com eventual relevo para os autos. Nem se diga que se em Doutrina Administrariva se determinar que certa operação com um determinado nomen iuris é sujeita a IVA (pensemos aqui apenas agora no nosso IVA) daí necessariamente decorrerá que se porventura a operação que vier a estar em causa não corresponder, na sua materialidade, seja por que motivos for, a esse nomen iuris, a mesma Doutrina será irremediavelmente de aplicar pela Requerida. Alguma forma haverá, que o
Direito exigirá, diga-se, de também nessa sede se poder fazer uso do racional que permite, desde logo por recurso às normas anti-elisivas, afastar situações não queridas pelo Direito.
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Sumariando
De tudo o que vem exposto, desde logo mais atrás, não é possível detectar, a jusante da operação de aquisição por cessão da posição contratual da Filha no anterior (e imediatamente após, revogado) contrato de leasing imobiliário, a jusante da Cessão, operações enquadráveis no art.º 20.º do CIVA. Vimo-lo quanto à FC-2, que se reporta à “Indemnização”. E vêmo-lo ainda por consequência de a isso acrescer o mesmo contrato de Cessão (aí onde se pagou o IVA em causa nos autos) ter sido, de imediato, terminado. Ter-lhe sido posto de imediato um fim. Resolução por acordo. Para depois então, só depois, tudo colocado novamente a zeros (como bem explicou também a testemunha do Locador) se ir negociar e celebrar um novo contrato de locação, do zero, com novas e distintas condições, ainda que sobre o mesmo bem imóvel. A cadeia produtiva não teve uma continuidade após e por virtude da Cessão. Pelo contrário, terminou aí onde terminou aquela. O que a operação de Cessão poderia ter aportado à Requerente para a continuidade da sua actividade económica não o aportou. Pois que a Requerente o não quis. Não quis fazer uso do contrato que assim adquiriu, por transmissão via Cessão, e para a aquisição do qual pagou incorrendo em IVA, o IVA aqui em causa.
A cadeia foi, aí, interrompida. Quebrou-se, assim, o possível nexo com operações que pudessem vir depois a ser praticadas pela Requerente na sua actividade económica nas quais fizesse uso do IVA em que para o efeito incorreu (o IVA em que icorreu na Cessão, o IVA aqui em causa).
A este respeito não deixa também de ser elucidativo, sempre se refira, o depoimento da testemunha ROC da Requerente quando ao pedido de esclarecimento do Tribunal sobre o motivo da Cessão referiu, a terminar, perante a pergunta quanto a onde teria havido valor acrescentado na Cessão, respondeu que, para si, a operação ficou fechada ali, que “essa operação foi como se não existisse, foi uma forma de arrumar a casa”.
O que, acrescentamos nós, não deixa de ser consentâneo também com a Requerente ter de imediato, logo após a celebração da Cessão a 17 de Dezembro, submetido o pedido de reembolso do respectivo IVA a 18 de Janeiro. Sem maiores desenvolvimentos, se se
estivesse por ali a dar continuidade à actividade económica depois… não se poderia eventualmente aguardar para começar a deduzir IVA também ele de elevados montantes nos meses imediatos?
Por outro lado. A cessão da posição no contrato de leasing não teve, no caso, a causa que é aquela em função da qual o Direito considerou a operação merecedora de tutela, regulando-a como a regulou. A causa-função própria do tipo legal esteve ausente. O contrato, diga-se, não revela substância económica. Foi comprado para de imediato ser resolvido. Onde se detecta aí a continuidade da actividade económica ou vontade dela? Qual a substância económica do contrato de Cessão? E aqui, sim, entramos no campo de matéria de delicadeza extrema, como seja a das normas anti-elisivas .
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Aqui chegados.
Não nos parece que não tenha sido considerado no acto, como seu fundamento, precisamente isto, que em primeiro lugar se disse. E que é o cerne de toda a questão dos autos. A não existência de um nexo – como é exigido pelo art.º 20.º – entre a operação a montante em questão (a Cessão) e quaisquer operações a jusante, praticadas pela Requerente na sua actividade económica, enquadráveis na previsão do art.º 20.º, sujeitas e não isentas.
Também assim no RIT a Requerida o expõe.
Diríamos, já a concluir, que no acto em crise o fundamento determinante não deixou de ser considerado, porém não lhe foi dado o valor e o desenvolvimento de que teria beneficiado.
Ainda assim, e em qualquer caso, admitimos, dada a delicadeza dos temas em que nos movemos, requer-se uma fundamentação do acto especialmente e cuidada e desejavelmente fortalecida, como pode ser feita, e como se decide. As normas anti-elisivas existem no nosso Ordenamento Jurídico-Tributário, e devem ser aplicadas. Sem prejuízo, também e sempre, desde logo, dos Princípios Gerais do Direito, também aplicáveis, e do devido enquadramento sistemático seja no nosso Ordenamento Jurídico (Teoria Geral do Direito Civil incluída), seja, em particular, nesta sede, no Ordenamento Jurídico-Comunitário em IVA. Com efeito, para além de tudo o mais, a operação também não passaria, quanto a nós os testes devidos cfr. Jurisprudência do TJUE.
A operação enquadra-se, de facto, numa cadeia de operações, e a Requerida no acto procurou ir ao encontro da respectiva materialidade a fim de, então, fazer aplicar o Direito. O vício que determina a procedência do Pedido não é um vício de violação de lei que se fundamente na impossibilidade legal de praticar o acto em crise.
Acompanho assim, nesta medida, como se decidiu, no sentido de que a Requerida não dispunha - recorrendo, como recorreu, apenas à norma do art.º 36.º, n.º 4 da LGT e não também às demais normas anti-elisivas que aquela desenvolvem - das condições procedimentais para exercer o poder consubstanciado no acto. Como poderá, no respeito do julgado, fazer. A nova conformação da situação é possível - salvaguardado o respeito e prazos de execução espontânea do julgado – e é, quanto a nós, exigível por uma razão de Justiça, na tributação, e realização plena do Direito. Que o Direito Tributário também o é, Direito, que não mera fiscalidade.
Lisboa, 14 de Junho de 2021
Sofia Ricardo Borges