Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 293/2013-T
Data da decisão: 2014-06-09  IUC  
Valor do pedido: € 324,49
Tema: IUC – Incidência subjectiva –Presunções legais
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REQUERENTE: A..., na qualidade de sócio liquidatário da sociedade B... – Transporte Nacional e Internacional de Mercadorias, Unipessoal, Lda

 

REQUERIDA: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

 

 

Decisão Arbitral

 

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

A)    As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral

 

  1. A..., residente na Rua …, …, com o NIF …, na qualidade de sócio liquidatário da sociedade B... – Transporte Nacional e Internacional de Mercadorias, Unipessoal, Lda, NIPC …, doravante designado por Requerente, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, doravante designado por “RJAT” e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de março, para apreciar a demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, tendo em vista a anulação, com fundamento em ilegalidade, da liquidação oficiosa do Imposto Único de Circulação referente ao ano de 2011, referente ao veículo de matrícula ..-..-.., no valor de €324,49, que juntou aos autos como documento nº 1 em anexo à pedido inicial e que se dá por integralmente reproduzido.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 16 de dezembro de 2013, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 17 de dezembro de 2013.

 

  1. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa a ora signatária como árbitro singular. A nomeação foi aceite e, em 3 de fevereiro de 2014, foram as partes notificadas da designação do árbitro, não tendo manifestado a vontade de recusar a designação.

 

  1. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 18 de Fevereiro de 2014.

 

  1. Na mesma data, foi a AT notificada, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 2 artigo 17º do RJAT, para apresentar resposta no prazo legal.

 

  1. A AT apresentou a sua resposta em 21 de março de 2014 e em 10 de abril de 2014 realizou-se a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, da qual foi lavrada ata que se encontra junta aos autos e aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

 

 

B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:

 

 

  1. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade, com a consequente anulação, da liquidação oficiosa de Imposto Único de Circulação e respectivos Juros Compensatórios, referentes ao ano de 2011, respeitante ao veículo de matrícula ..-..-.., no montante de € 324,49, por padecer de vício de violação de lei, alegando em síntese o seguinte:

 

  1. O ora Requerente foi sócio e gerente da sociedade B... – TRANSPORTE NACIONAL E INTERNACIONAL DE MERCADORIAS, UNIPESSOAL, LDA (doravante designada por “B...”) desde a data da sua constituição até à data da sua dissolução, deliberada em 25 de outubro de 2010, registada em 8 de novembro de 2010;
  2.  No âmbito da sua atividade e com vista à prossecução da mesma a referida sociedade adquiriu o veículo de marca Renault, matrícula ..-..-..;
  3. Alega que, ainda antes da dissolução da referida sociedade, a Requerente alienou, em 20.08.2010, o veículo em causa, tendo para o efeito emitido a Fatura e o Recibo que junta como documentos nºs 4 e 5 juntos em anexo ao pedido arbitral;
  4. No dia 6 de agosto de 2013 o Requerente foi notificado, em sede de audição prévia e na qualidade de sócio liquidatário da sociedade B... para se pronunciar sobre a liquidação oficiosa do IUC referente ao ano de 2011 respeitante ao veículo supra identificado;
  5. A ora Requerente exerceu o seu direito de audição, alegou ter alienado o veículo, juntou os documentos que titularam a venda, considerando, por isso, não estar obrigada ao pagamento do imposto.
  6. A AT, em resposta, considerou manter a liquidação oficiosa, por entender que “a obrigatoriedade de pagamento do IUC está directamente relacionada com a entidade em nome da qual se encontra registada a matrícula da viatura (… )”
  7. A fundamentação de direito do pedido de pronúncia arbitral, assenta no artigo 1º, nº1 do Decreto-Lei nº 54/75 de 12 de Fevereiro, relativo ao registo de veículos automóveis, o qual estabelece que “o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques tendo em vista a segurança do comércio jurídico.”
  8.  Alega ainda a Requerente que nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial, aplicável por força do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, o registo apenas “(…) constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define.”
  9.  Acrescenta ainda a Requerente que, no seu entendimento, o artigo 3º do Código de Imposto sobre Veículos consagra uma norma de incidência subjectiva que estabelece, meramente, uma presunção legal ilidível, em conformidade com o que resulta, aliás, do disposto no artigo 73º da Lei Geral Tributária (LGT).
  10. Alega, ainda, que o registo não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua uma condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.
  11. Termina pedindo a anulação da liquidação do IUC e em consequência o reembolso do referido montante ao Requerente
  12. Reclama ainda o direito a juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

 

 

 

C – A RESPOSTA DA REQUERIDA

 

  1.  A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, alegou, em síntese, o seguinte:

                     a.         Não assiste razão à Requerente, porquanto, “o entendimento propugnado pela Requerente incorre, não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC.”

                     b.         Assenta a sua alegação no disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 3.º do CIUC, que determinam, respetivamente, que São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados” e que são sujeitos passivos do IUC “os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”

                     c.         Alega ainda a Requerida que o legislador não usou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito, aliás à semelhança do que sucede em outros normativos legais, exemplificando algumas situações previstas na lei; entende a Requerente que nos casos em que o legislador fiscal utiliza a expressão “considera-se”, não está a estabelecer uma presunção. Entender que o legislador consagrou aqui uma presunção, seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem.

                     d.         Conclui, pois, que no caso dos presentes autos de pronúncia arbitral, o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal.

                     e.         Outra interpretação seria ignorar o elemento teleológico de interpretação da lei: a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC.

                     f.          Reforça esta alegação invocando que este é o entendimento seguido pela jurisprudência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, no âmbito do Processo n.º 210/13.0BEPNF, o qual acolheu a posição sufragada pela AT.

                     g.         Conclui, pela improcedência do pedido arbitral, porquanto os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei, “na medida em que à luz do disposto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do CIUC e do artigo 6.º do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC, tal como atesta a Informação relativa ao histórico da propriedade dos veículos em causa, emitida pela Conservatória do Registo Automóvel.”

                     h.         Por fim alega, ainda, que mesmo que assim se entenda, aceitando-se ser admissível a elisão da presunção à luz até da jurisprudência já entretanto firmada neste Centro de Arbitragem, importará ainda assim, apreciar os documentos probatórios juntos pelo Requerente, e o seu valor, com vista à elisão da presunção, concluindo que os documentos juntos pelo Requerente, para além de não corresponderem à verdade, não titulam a venda do veículo à sociedade C..., LDA, e muito menos demonstram que tal aconteceu.

                      i.          Os elementos de prova carreados pelo Requerente são insusceptíveis de demonstrar os factos alegados, e muito menos para efeitos de elidir a presunção de que não era proprietário do veículo à dat do imposto, ou seja, no ano de 2011.

                      j.          Em consequência conclui, mais uma vez, pela improcedência do pedido arbitral, bem assim como do pedido de juros indemnizatórios.

 

 

 

II. QUESTÕES DECIDENDAS

 

 

  1. Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões a dirimir.

Atenta as posições das Partes assumidas nos argumentos apresentados, constituem questões centrais dirimentes saber:

 

1ª) Da incidência subjectiva do IUC, dos efeitos do registo automóvel e da eventual existência ou não de uma presunção ilidível nesta matéria;

 

2ª) Da procedência ou improcedência do pedido e do direito a pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

 

 

 III - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

  1.  As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (Cfr. 4º e 10º nº2 do DL nº 10/2011 e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março).

 

  1. Verificando-se cumpridos os requisitos exigidos pelo disposto no nº 1 do artigo 3º do RJAT, é admitido no presente processo arbitral a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade dos actos tributários que são objeto deste.

 

  1. O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

  1. Tendo em conta o processo administrativo tributário, a prova documental junto aos autos, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.

 

 

 

IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

A)    Factos Provados

 

 

  1. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
  2. O Requerente é sócio liquidatário da sociedade “B...”, cuja atividade principal consistia no transporte nacional e internacional de mercadorias.
  3. A sociedade “B...”, adquiriu o veículo de marca Renault, matrícula ..-..-.., no âmbito e para prossecução da sua actividade.
  4. Em 20 de agosto de 2010 a sociedade “B...” alienou o veículo referido em b. à sociedade C..., COMÉRCIO DE PEÇAS AUTO, LDA, tendo emitido, para o efeito, a Fatura nº 273 e o respectivo recibo nº 211, juntos aos autos como documentos nºs 4 e 5 anexos ao pedido arbitral.
  5. A sociedade “B...” foi dissolvida, por deliberação de 25 de outubro de 2010, registada em 8 de novembro de 2010.
  6. A 6 de agosto de 2013 o Requerente foi notificado, em sede de audição prévia, na qualidade de sócio liquidatário da sociedade B..., para se pronunciar sobre a liquidação oficiosa do IUC referente ao ano de 2011.

f.       No exercício do seu direito de audição, alegou ter alienado o veículo, juntou os documentos que titularam a venda, processo foi instruído com os documentos constantes do respetivo processo administrativo.

  1. À data do facto tributário, a viatura automóvel referenciada na liquidação de IUC em causa nos presentes autos, encontrava-se inscrita no registo automóvel, ainda, em nome da sociedade representada pelo ora Requerente.

 

 

Do Processo Administrativo junto aos autos pela Autoridade Tributária e Aduaneira resultam ainda provados os seguintes factos:

 

 

  1. A titularidade do registo da propriedade do veículo em causa nos presentes autos passou da Sociedade “B...”, para a titularidade da Sociedade “D... – TRANSPORTE DE PRODUTOS AGRÍCOLAS E MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LDA, com o NIPC …, em 05.01.2012, como resulta de fls. 2 do PA;

 

  1. A Sociedade D... - TRANSPORTE DE PRODUTOS AGRÍCOLAS E MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LDA, adquire a viatura, em 28.09.2010, por compra à sociedade E..., Transportes a … Lda, titulada pela Factura nº 530, constante de fls. 27 do PA.

 

  1.  Para proceder ao registo foi apresentada a declaração de venda que consta de fls.28 e 29 do PA, datada de 03.01.2012, conforme consta de fls. 28 e 29 do PA.
  2. No âmbito do procedimento de liquidação oficiosa foi promovida audição prévia do requerente e o processo foi instruído com os documentos constantes do respetivo processo administrativo.
  3. A Autoridade Tributária e Aduaneira, no âmbito decidiu manter o acto de liquidação, conforme decisão constante de fls. 34 e ss do PA.

 

  1. O imposto único de circulação liquidado foi pago pelo ora Requerente.

 

 

 

B)    FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

 

  1.  Os factos supra descritos foram dados como provados com base nos documentos que as Partes juntaram ao presente processo, a requerente em anexo ao pedido formulado e a AT no processo Administrativo enviado aos autos.

 

 

C)    FACTOS NÃO PROVADOS

 

  1. Não provado que o Requerente tenha alienado o veículo pesado em 03.01.2012 à sociedade “D... LDA” (em conformidade, aliás, com o facto provado em i.)
  2. Não existem outros factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

 

V – FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

  1. Fixada a matéria de facto, importa conhecer das questões de direito relevantes, supra indicadas, correspondendo, em síntese, às questões de ilegalidade suscitadas pela Requerente no presente pedido arbitral.

 

 

 

1ª - Da incidência subjectiva do IUC, dos efeitos do registo automóvel e da eventual existência ou não de uma presunção ilidível nesta matéria

 

 

  1. A primeira questão a decidir consiste em saber qual o sentido e alcance da norma de incidência subjectiva constante do artigo 3º, nº 1, do CIUC e da eventual existência ou não de uma presunção ilidível, conexionada com a questão dos efeitos jurídicos do registo automóvel.

 

Sobre esta questão, as posições das partes resumem-se do seguinte modo: para o Requerente aquela norma consagra uma presunção legal ilidível enquanto para a Requerida a interpretação acolhida pela Requerente é notoriamente errada e “resulta de uma enviesada leitura da letra da lei”, e de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático nem à ratio legis do regime consagrado no CIUC. Cumpre decidir.

 

Dispõe o artigo 3º do CIUC que:

“ARTIGO 3º

 

INCIDÊNCIA SUBJECTIVA

 

1 – São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

2 – São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.

 

 

Estabelece o nº1 do artigo 11º da LGT que “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis”. A interpretação e aplicação da norma jurídica pressupõe a realização de uma actividade interpretativa, a qual deve ser objectiva, equilibrada, e conforme com a letra e o espírito da lei. Qualquer texto, e a lei não é excepção, comporta múltiplos sentidos e contém com frequência expressões ambíguas ou obscuras. Por essa razão, embora a letra da lei seja “o fio condutor” do intérprete, ela há-de ser interpretada tendo em conta os objectivos subjacentes, “a ratio” ou a motivação do legislador ao estabelecer a norma em análise.[1]

 

A estes elementos acresce um outro, de enorme importância, segundo o qual a interpretação da norma jurídica há-de respeitar a “unidade do sistema jurídico”, a sua coerência e lógica intrínseca.

 

Entre nós, o artigo 9º do Código Civil (CC) fornece as regras e os elementos fundamentais para a interpretação da norma jurídica. No que se refere à questão em análise, há que salientar o contributo das decisões arbitrais já proferidas nos processos nºs 14/2013-T, 26/2013-T de 19 de julho de 2013, 27/2013 –T, 217-2013-T de 28 de fevereiro, entre outros, revelando uma apurada reflexão sobre as questões fundamentais em apreciação.

Entende-se que a interpretação da lei fiscal deve obedecer ao disposto no artigo 9º do Código Civil, o qual começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dela o “pensamento legislativo”. Assim, tem vindo a ser reconhecido pela Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, entre outros, nos Acórdãos de 05/09/2012 e 06/02/2013, respectivamente, processos nºs 0314/12 e 01000/12, disponíveis em www.dgsi.pt. A estes princípios gerais acrescem os princípios constantes da LGT, nomeadamente no artigo 73º que estabelece que as presunções contidas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

É, pois, neste quadro de fundo, utilizando os princípios hermenêuticos fundamentais acabados de referir, acolhidos pela Jurisprudência dos nossos tribunais superiores, que devemos procurar encontrar a interpretação adequada aos normativos em presença.

 

  1. Assim, a questão é a de saber se, face ao teor literal do disposto no nº1, do artigo 3º do CIUC, qual o alcance da expressão “considerando-se como tais”, dado que na atual versão o legislador não usou o termo “presumem-se” (o qual constava do extinto Regulamento do Imposto Sobre Veículos).

Ora, podemos facilmente apontar diversos exemplos, extraídos do ordenamento jurídico tributário, em que o legislador optou pela utilização do verbo “considerar”, com um sentido presuntivo. De resto, como já se disse supra, tratando-se de norma de incidência tributária, nunca seria admissível a consagração de uma presunção inilidível. Como afirmam, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na anotação ao nº 3, do artigo 73º da LGT, “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão presume-se ou semelhante (…). No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real”. E, são muitos os exemplos de normas em que é utilizado o verbo “considerar” para estabelecer presunções ilidíveis, como sucede com o disposto nº 2 do artigo 21º do CIRC, no artigo 89-A da LGT ou no artigo 40º, nº1 do CIRS entre outros.

 

Ora, tendo em conta que o sistema jurídico deve formar um todo coerente, os exemplos acima referidos, bem como a doutrina e jurisprudência indicadas, permitem concluir que não é só quando é usado o verbo “presumir” que estamos perante uma presunção, mas também o uso de outros termos ou expressões, como o termo “considera-se” podem servir de base a presunções.

 

 

  1. Posto isto, importa, ainda, para a determinação do sentido da norma constante do artigo 3º do CIUC, a qual sendo a norma de incidência subjectiva do IUC, terá que ser interpretada de acordo com as regras nela previstas para determinação do sujeito passivo. E, como se referiu supra, sendo o elemento literal o primeiro instrumento de interpretação da norma jurídica, em busca do pensamento legislativo, importa confrontá-lo com os demais elementos de interpretação, nomeadamente o elemento racional ou teleológico, o elemento histórico e o sistemático. E, também, nesta linha de reflexão o Tribunal não pode acompanhar a argumentação aduzida pela Autoridade tributária nesta matéria. Assim, e começando pelo elemento histórico, há que referir, que desde a origem do imposto de circulação, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 599/72 de 30 de Dezembro, foi, explicitamente, consagrada uma presunção, relativamente aos sujeitos passivos do imposto como sendo aqueles em nome de quem os veículos se encontravam matriculados ou registados. Essa versão da lei usava a expressão literal “presumindo-se como tais”. Porém, atendendo aos fins do imposto em presença, há que reconhecer que o uso da expressão “considera-se”, na atual versão, contempla uma expressão com um efeito semelhante àquela, consubstanciando, igualmente, uma presunção. Isso mesmo sucede na formulação contida no nº 1 do art.º 3º do CIUC, em que se consagrou uma presunção, revelada por via do uso da expressão “considerando-se”, de significado semelhante e de valor equivalente à expressão “presumindo-se”, em uso desde a criação do imposto em questão.

O uso da expressão “considerando-se” parece encontrar explicação, tão somente, na circunstância de se afigurar mais em sintonia com o reforço conferido à propriedade do veículo, que passou a constituir o facto gerador do imposto, nos termos constantes do artigo 6º do CIUC.

Este entendimento é o único que se afigura adequado e conforme ao princípio da verdade material e da justiça, subjacentes às relações fiscais, com o objetivo de tributar o real e efetivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário por constar do registo automóvel.

Por ser assim, tem de se permitir ao titular inscrito no registo automóvel a possibilidade de apresentar elementos probatórios bastantes para a demonstração de que o efetivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo, e que inicialmente, e em princípio, se supunha ser o verdadeiro proprietário. Caso contrário, aceitar-se-ia a supremacia da verdade formal do registo sobre a verdade material, e seria admitir a violação grosseira dos princípios fundamentais fiscais enunciados e, ainda, do princípio contido no artigo 73º da LGT segundo o qual não existem presunções inilidíveis em matéria de incidência fiscal.

A tudo o que se deixa supra exposto acresceria a violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça, bem como o do inquisitório, consagrados, respectivamente, nos artigos 55º e 58º da LGT.

 

Assim, quanto à incidência subjetiva do imposto, é de concluir que não se verificam alterações relativamente à situação anteriormente em vigor no âmbito do Imposto Municipal sobre Veículos, Imposto de circulação e Imposto de Camionagem, como aliás é amplamente reconhecido pela doutrina, continuando a valer uma presunção ilidível nesta matéria.[2]

De resto, é possível extrair, ainda, um outro argumento do disposto no artigo 7º do Código de Registo Predial (o qual constitui a base jurídica fundamental em matéria de registo de propriedade) o qual dispõe que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”.

Assim, à luz do princípio da uniformidade e coerência intrínseca do sistema jurídico, nenhum fundamento se afigura aceitável para que o princípio vigente no registo de propriedade em geral, sofresse uma inflexão ou mesmo “atropelo” injustificado em matéria de registo automóvel.

 

Eis as razões pelas quais este Tribunal, com o devido respeito, não pode sufragar o entendimento contido na sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, no âmbito do processo nº 210/13.0BEPNF, invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos presentes autos, nomeadamente quando afirma que “a propriedade e a posse efectiva do veículo é irrelevante para a verificação da incidência subjectiva e objectiva e do facto gerador do imposto”.

Mas se alguma dúvida persistisse, sempre se diria que, quanto aos elementos de interpretação de pendor racional ou teleológico, a exposição de motivos da Proposta de Lei N.º 118/X de 07/03/2007, subjacente à Lei nº 22-A/2007 de 29/06, é bastante expressiva ao esclarecer que a reforma da tributação automóvel é concretizada por via da deslocação de parte da carga fiscal do momento da aquisição dos veículos para a fase de circulação e visa “formar um todo coerente” que, embora destinado à angariação de receita pública, pretende que a mesma seja angariada na “medida dos custos ambientais que cada indivíduo provoca à comunidade”, acrescentando-se, a propósito do imposto em causa e dos diferentes tipos e categorias de veículos, que como elemento estruturante e unificador (…) consagra-se o princípio da equivalência, deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária”, referindo, ainda, ser “(…) este princípio que dita a oneração dos veículos em função da respectiva propriedade e até ao momento do abate (…)”.

 

Assim, a lógica e racionalidade do novo sistema de tributação automóvel pressupõe e almeja um sujeito passivo coincidente com o proprietário do veículo, no pressuposto de ser esse, e não outro, o real e efetivo sujeito causador dos danos ambientais, tal como decorre do princípio da equivalência inscrito no art.º 1º do CIUC. Este princípio da equivalência, que informa o actual imposto único de circulação, tem subjacente o princípio do poluidor - pagador, e concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar. Trata-se, afinal, de alcançar as externalidades ambientais negativas que advêm da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários e/ou pelos utilizadores, como custos que só eles deverão suportar.

 

Por isso, a presunção inscrita no art.º 3º do CIUC corresponde à interpretação mais ajustada à prossecução dos objectivos almejados pelo legislador. A não ser assim, estar-se-ia a aceitar a possibilidade de tributar pessoas colectivas ou físicas sem responsabilidade na produção de quaisquer danos ambientais, enquanto os reais causadores desses mesmos danos não estariam sujeitos ao imposto.

                                                                                                                             

 

  1. Em síntese, percorridos todos os elementos de interpretação relevantes, todos apontam no sentido de que a expressão “considerando-se” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se”. Forçoso é concluir que estamos perante a consagração legal de uma presunção.

Em consequência, resulta do disposto no nº 1, do art.º 3º, do CIUC, a consagração de uma presunção legal, que, face ao disposto no art.º 73º da LGT, só pode entender-se como ilidível. Ou seja, os sujeitos passivos do imposto são, presumivelmente, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados. Mas, esta presunção poderá ser afastada ou ilidida caso, no âmbito do procedimento de liquidação em curso, se vier a demonstrar não ser aquele o verdadeiro proprietário do veículo, sujeito passivo do imposto em causa.

 

 

  1. No caso dos presentes autos, está em causa um acto de liquidação de IUC, referente ao veículo de marca Renault, com a matrícula ..-..-.., correspondente ao ano de 2011. Resulta provado nos autos que a sociedade representada pelo ora Requerente, na qualidade de sócio liquidatário, alienou o referido veículo à Sociedade “C... LDA”, em 20.08.2010, tendo emitido os correspondentes documentos contabilísticos, factura nº 273 e recibo nº 211, juntos aos autos.

Sucederam-se posteriores alienações do mesmo veículo a outras sociedades, conforme resulta dos factos provados nos autos, descritos nos pontos a. a i. da factualidade provada.

Chegados a este ponto cabe esclarecer a questão suscitada pela Autoridade Tributária, no artigo 79º da Resposta e reforçado nas suas alegações orais, a saber: “como é possível que o Requerente tenha alienado o veículo pesado em 03.01.2012 à sociedade D... – TRANSPORTE DE PRODUTOS AGRÍCOLAS E MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO, LDA NIPC …, se conforme diligências de prova efectuadas pelo Serviço de Finanças de …, tal veículo foi vendido àquela sociedade, não pelo Requerente mas pela sociedade E... – TRANSPORTES A …, LDA NIPC …, conforme se atesta da factura n.º 0530 de 28.09.2010 junta com o Processo administrativo a fls. 27.”

 

Pois bem, a perplexidade suscitada pela questão colocada pela AT resulta desta partir do pressuposto de análise do conteúdo da declaração de venda junta aos autos, com base na qual foi operacionalizado o registo a favor da entidade D..., LDA, em 2012. Porém, a declaração de venda junta aos autos enferma de manifesta incongruência e demonstra bem as fragilidades do sistema registral em vigor. Se atendermos à declaração de venda junta aos autos, fácil é de concluir que ela não é fidedigna, não espelha sequer a transmissão de propriedade do veículo comprovada pelos documentos contabilísticos juntos ao PA e é, isso sim, bem demonstrativa das fragilidades documentais em que assenta a suposta verdade registral, a qual, por isso mesmo, só pode entender-se como presuntiva.

 

Se analisarmos, devidamente, todos os documentos contabilísticos juntos ao Processo Administrativo, apenas se pode concluir com certeza que:

 

a)                           em 20.08.2010 ocorreu uma alienação do veículo pesado em causa nos presentes autos, da “B... LDA” (representada pelo ora Requerente) para a sociedade “C... LDA”, titulada pela factura nº 273 e pelo recibo nº 211, juntos aos autos;

b)                          em 28.09.2010 a sociedade D... - TRANSPORTE DE PRODUTOS AGRÍCOLAS E MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LDA, adquire esta mesma viatura, em 28.09.2010, por compra à sociedade E..., TRANSPORTES A … LDA, titulada pela Factura nº 530, constante de fls. 27 do PA.

 

Forçoso é concluir que, entre aquelas duas transacções ocorreu ainda uma outra, ou seja, a aquisição da mesma viatura pela sociedade E..., LDA à C..., LDA, da qual não consta nos autos qualquer documento contabilístico de suporte que a comprove, mas uma coisa é certa a D..., LDA adquiriu a viatura à E... LDA e não, como alega a AT à “B..., LDA”. O que sucede neste ponto é, tão só, um equívoco da AT, assente num documento, esse sim, que não oferece credibilidade por não espelhar a verdade material das sucessivas transmissões ocorridas, e que é a declaração de venda junta ao PA. Acresce que, em 03.01.2012 a sociedade representada pelo ora Requerente se encontrava dissolvida pelo que a declaração contida na declaração de venda constante dos autos, nos termos em que da mesma consta, manifestamente não corresponde à verdade.

 

O Tribunal não pode aceitar como fidedigno um documento que contém elementos ostensivamente falsos, contrariados pelos factos comprovados pelos documentos contabilísticos constantes do Processo Administrativo, aceites fiscalmente, bem assim como pelos factos sujeitos ao registo comercial respeitantes à dissolução da sociedade “B... LDA”.

 

Vejamos pois: a realidade espelhada pela declaração de venda que serviu de base à alteração do registo automóvel, em 2012, não corresponde à verdade material ocorrida na cadeia de transmissões de propriedade do veículo. Mais grave, resulta, ainda, a circunstância da mesma declaração de venda atestar uma qualidade na assinatura aposta pelo ora Requerente que, ao tempo da data nela aposta (03.01.2012), este já não tinha, porquanto a sociedade por si representada estava já dissolvida desde 2010, constando, desde então, para todos os efeitos legais, nomeadamente fiscais, como sócio liquidatário da referida sociedade. Todas estas incongruências e falsidades passaram incólumes e permitiram a realização do registo automóvel nas circunstâncias descritas, o que espelha bem as fragilidades do sistema registral. Acresce que, nem sequer há controlo entre as menções contidas nas declarações de venda para efeitos de registo automóvel e as constantes do registo comercial, pois bastaria esse confronto e facilmente se concluiria que aquela “venda” constante da declaração não poderia ter ocorrido naquela data, naqueles termos, entre aquelas duas sociedades.

De resto é sabido, embora criticável, o mau uso dado pelo giro comercial a estas declarações de venda, o que, se por um lado, pode traduzir alguma negligência por parte dos interessados não pode desculpar as entidades públicas de, no exercício das suas funções, mormente registrais, reforçarem as suas exigências formais na verificação da sua autenticidade.

 

Assim, o que releva para este Tribunal são os documentos contabilísticos juntos aos autos que atestam as alienações ocorridas e consideradas como provadas. Documentos esses relevados fiscalmente e não postos em causa pela Autoridade Tributária.

Releva, obviamente, também o facto da sociedade representada pelo ora Requerente se encontrar dissolvida desde 25.10.2010, devidamente registada desde 08.11.2010, figurando, desde então, o ora Requerente como seu sócio Liquidatário, factos devidamente comprovados nos autos e reconhecidos pela própria Autoridade Tributária.

Já quanto à declaração de venda constante do PA, como se disse supra, o seu conteúdo é claramente incongruente face á verdade material comprovada e, ao demais, contém elementos cuja veracidade oferece dúvidas sérias, pelo que o Tribunal não a pode aceitar como fidedigna, nomeadamente, no que toca à data nela aposta e à qualidade da assinatura do Requerente.

 

Eis mais uma razão, a somar a todas as que já sobejamente se explanaram, para considerar que o registo apenas estabelece uma presunção a qual pode e deve ser ilidida quando as evidências nos conduzem a uma verdade material inequívoca sobre a propriedade do veículo, contrária à que resulta do registo.

 

Assim, no caso concreto dos autos, a devida análise dos elementos probatórios juntos pela Requerente e pela Requerida com a junção do PA, permitem ao Tribunal considerar como ilidida a presunção constante do registo automóvel, e considerar que tendo ocorrido a alienação da viatura em causa em 20.08.2010, a sociedade representada pelo ora Requerente não era já o sujeito passivo de imposto no período a que se refere a liquidação impugnada, ou seja 2011.

 

 

  1. Da análise dos documentos juntos aos autos pela Requerente e Requerida é possível concluir que a Autoridade Tributária se encontrava na disponibilidade de todos os elementos informativos sobre a situação concreta da viatura constante da liquidação de imposto impugnada.

Ao que acresce que o princípio do inquisitório, fixado no art.º 58º da LGT, estabelece que a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.

Da análise dos elementos constantes do processo administrativo, nomeadamente no âmbito do exercício da audição prévia do ora Requerente, é possível inferir que, os elementos probatórios relevantes para a correta tomada de decisão se encontravam na disponibilidade da AT.

 

 

  1. A decisão da AT, porém, partiu de um pressuposto segundo o qual o IUC é devido pelo titular inscrito no registo automóvel, independentemente da posterior demonstração de que a propriedade pertence a terceiro. Trata-se da questão, aliás recorrente, de aferir dos efeitos jurídicos do registo automóvel em matéria de incidência de IUC.

Porém, como se deixa exposto, o entendimento deste Tribunal Arbitral é outro, é o de que o disposto no nº 1 do art.º 3º consagra uma presunção, sendo esta a interpretação que mais está em sintonia com o princípio da verdade material que a lei impõe.

Relativamente à questão do valor jurídico do registo, importa notar, desde logo, que em sede geral o registo tem uma função de publicidade. Segundo o nº 1 do art.º 1 do DL n.º 54/75, de 12 de fevereiro (CRA - na última versão introduzida pela Lei 38/2008 de 11 de agosto), relativo ao registo de veículos automóveis, dispõe que o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico.

Importa, ainda, ter em conta que o art.º 7º do Código do Registo Predial (CRP), aplicável supletivamente ao registo automóvel, por força do art.º 29º do CRA, dispõe que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”

 

Assim, é forçoso concluir que o registo definitivo mais não constitui do que a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos exactos termos do registo, a qual é ilidível, admitindo, por isso, prova em contrário.

E, sobre este ponto, atendendo à função legalmente reservada ao registo de publicitar a situação jurídica dos bens, forçoso é concluir, no caso dos veículos automóveis, que apenas nos permite presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular inscrito no registo.

O registo não tem, pois, natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador. Pelo que, os adquirentes dos veículos tornam-se, assim, proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, por mero efeito do contrato, com registo ou sem ele.

 

Isto mesmo resulta do disposto no nº 1 do art.º 408º do Código Civil, segundo o qual a transferência de direitos reais sobre as coisas é determinada por mero efeito do contrato, sendo um desses efeitos a a transmissão da coisa ou a titularidade do direito (cfr. alínea a), do art.º 879º do referido Código Civil).

 

No caso dos presentes autos, a viatura mencionada na liquidação de imposto impugnada foi vendida em 20.08.2010, pela sociedade “B... LDA”, ou seja, em datas anterior à data do facto tributário e da exigibilidade do imposto. Se o adquirente do veículo, enquanto seu “novo” proprietário, não promoveu o registo seu favor, presume-se, para efeitos do nº 1 do art.º 3º do CIUC, que o veículo continua a ser propriedade da pessoa que o vendeu e que no registo se mantém seu proprietário, sendo, porém, certo que tal presunção é ilidível, seja por força do estabelecido no nº 2 do art.º 350º do Código Civil, seja à luz do disposto no art.º 73º da LGT. Daí que, a partir do momento em que se afaste a referida presunção, mediante prova em contrário, a AT não poderá persistir em considerar como sujeito passivo do IUC o vendedor do veículo, que, no registo, continua a constar como seu proprietário.

 

Também depois de tudo o que se deixa exposto é forçoso concluir que o ora Requerente provou que à data do facto tributário a sociedade sua representada já não era proprietária da viatura em causa nos presentes autos, pelo que se considera ilidida a presunção.

Assim, quanto à ilisão da presunção, o Requerente, relativamente aos factos provados, alegou e provou os factos necessários e suficientes ao afastamento da presunção, oferecendo para o efeito documentos bastantes: fatura e recibo comprovativos da alienação da viatura. Os documentos apresentados são meios de prova com força bastante para ilidir a presunção fundada no registo, tal como consagrada no nº 1 do art.º 3º do CIUC, documentos, esses, que gozam, aliás, da presunção de veracidade prevista no nº 1 do art.º 75º da LGT e que a AT não questionou ou impugnou.

 

  1. O entendimento da AT, plasmado nos autos, segundo o qual os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo e sem admissão de prova em contrário, as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem considerar os elementos probatórios juntos aos autos, para identificação dos efetivos e verdadeiros proprietários dos veículos, seria admitir a liquidação ilegal de IUC assente na errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjetiva do Imposto Único de Circulação. Tal interpretação do disposto no art.º 3º do CIUC é ilegal e conduz à prática de liquidações ilegais de imposto sobre veículos automóveis, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que impõe a anulação dos correspondentes atos tributários.

 

Não assiste, pois, razão à Requerida AT, quando insiste que o entendimento defendido pela Requerente, perspetiva a consagração de uma presunção no nº 1 do art.º 3º do CIUC, assente numa interpretação contra legem, resultante de uma leitura enviesada da letra da lei e violadora da unidade do sistema jurídico.

 

  1. Em consequência de todo o supra exposto, resulta que a liquidação é ilegal e deve ser anulada, procedendo-se, consequentemente, ao reembolso ao Requerente do montante de imposto indevidamente pago.

 

 

 

2ª - DA PROCEDÊNCIA OU IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO E DO DIREITO A PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

 

 

  1.  Dispõe a alínea b) do nº 1 do art.º 24º do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.

 

Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no art.º 100º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a) do nº 1 do art.º 29º do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

 

Assim, no caso dos presentes autos, há que aplicar os supra mencionados princípios e, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso do montante pago, seja a título do imposto pago, seja dos correspondentes juros indemnizatórios, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

Ainda quanto aos juros indemnizatórios, atento o disposto no artigo 61º do CPPT e preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do art.º 43º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre a quantia de €324,49, que serão contados desde a data em que foi efectuado o pagamento até integral reembolso dessa mesma quantia.

 

 

VI - DECISÃO

 

Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:

 

A) - Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação de IUC, respeitante ao ano de 2011, impugnada nos presentes autos, anulando-se, consequentemente, o correspondente acto tributário;

 

B)- Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de €324,49, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde o dia do pagamento efectuado até ao integral reembolso do mencionado montante, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efetuar este pagamento.

 

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC (ex-315º, nº 2) e 97º - A, nº1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €324,49

 

 

Custas: Nos termos do disposto no nº 4 do art.º 22º do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €306,00, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Registe-se e notifique-se. 

 

Lisboa, 09 de Junho de 2014

 

O Árbitro singular,

 

 

 

(Maria do Rosário Anjos)

 



[1] Neste sentido, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Discurso Legitimador, p. 175 e ss.

 

[2] Neste sentido, cfr. Afonso, A. Brigas e Fernandes, M. (2009) Imposto Sobre Veículos e Imposto Único de Circulação, Coimbra Editora, p. 187