Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 24/2013-T
Data da decisão: 2013-10-04  IRC  
Valor do pedido: € 132.381,64
Tema: Natureza jurídica das prestações suplementares; SGPS
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

Requerente: … – Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA

 

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”)

 

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

 

  1. … – Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA (doravante a Requerente) contribuinte nº …, com sede na …, no concelho de …, apresentou, no dia 27 de Fevereiro de 2013, um pedido de constituição de tribunal arbitral para obtenção de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 2º e da alínea a) do nº 1 do artº 10º do decreto-lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante designado apenas por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante a AT ou Requerida) com vista à anulação da liquidação de IRC nº 2012 …, e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2012…, referentes ao exercício de 2008.

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Sr. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida na mesma data.

 

  1. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artº 6 do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicado às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados árbitros o Juiz Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, como Presidente, o Dr. Manuel Carlos Rodrigues e o Dr. Armando Tavares, como vogais, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

 

  1. O Tribunal Arbitral foi constituído em 22 de maio de 2013, em conformidade com a alínea c) do nº 1 do artº 11º do RJAT.

 

  1. No dia 12 de Junho de 2013, pelas 10.30 horas, teve lugar na sede do CAAD – a reunião dos árbitros e dos mandatários das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 18º do RJAT.

 

  1. Ouvidas as partes, decidiram os árbitros, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, o prosseguimento do processo, prescindindo as partes de alegações orais, apresentando por acordo, as respetivas alegações por escrito.

 

  1. As duas partes apresentaram alegações escritas, tendo a Requerente juntado um documento, que é uma cópia de uma acta de 26 de Novembro de 2008. Este documento, porém, já se encontrava no processo administrativo, a fls 212 dos presentes autos e 159 e ss do relatório da ação inspetiva realizada pela AT , uma vez que constitui o anexo VI da referida ação inspetiva, cuja junção foi efetuada pela Requerida com a sua resposta ao pedido da Requerente.

 

  1. A Requerida considerou que o teor do documento junto pela Requerida e a sua invocação constituíram uma alteração substancial da causa de pedir.

 

 

II - SANEAMENTO

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1 do RJAT

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

  1. O processo não enferma de nulidades que o invalidem.

 

  1. Existe uma questão prévia a analisar pelo Tribunal, que se refere à eventual alteração da causa de pedir invocada pela Requerida, que teria sido feita nas alegações da Requerente

 

 

III – A CARACTERIZAÇÃO DO LITÍGIO

 

  1. Questão prévia

  2. Nas alegações finais a Requerente veio invocar e juntar ata nº 2 da … SGPS, SA, defendendo que “não suportou qualquer encargo financeiro para efetuar essas prestações acessórias, já que as mesmas resultam da compensação de um crédito.”

  3. Conforme consta das alegações finais da Requerida, esta considera que com esta invocação verifica-se uma alteração à causa de pedir, referindo que “devem as presentes alegações ser recusadas na parte relativa ao facto de agora considerar não ter suportado quaisquer encargos financeiros com a realização de prestações suplementares, uma vez que este facto consolida uma alteração substancial à causa de pedir para a qual não tem o acordo da Requerida; (…)”

 

  1. A questão principal

 

  1. A questão central do presente litígio é, como a define a Requerente no pedido formulado “saber se as prestações suplementares devem ser qualificadas como partes de capital no âmbito da afetação dos encargos financeiros suportados por uma sociedade gestora de participações…para a aquisição de partes de capital”

 

  1. A Requerente impugna a liquidação feita pela Requerida, considerando ilegal a correção efetuada pela AT, que não considerou como custos € 529.526,50, o que originou que o prejuízo fiscal declarado de € -2.829.793,27 tenha sido reduzido para € -2.300.266,72.

 

  1. Segundo o relatório da inspecção tributária que originou a correção efetuada indicada no número anterior, “tendo em conta que os valores inscritos pela …-SA nas subcontas POC 413 – Investimentos financeiros – Empréstimos de financiamento, correspondem a prestações acessórias não remuneradas (seguem o regime das prestações suplementares), então, em termos contabilísticos e fiscais, as prestações contabilizadas naquelas contas são investimentos financeiros, devendo integrar, no cálculo dos encargos financeiros não dedutíveis nos termos do art.º 32º do EBF, a rubrica “Partes de capital” e não a de “Outros ativos”.

 

  1. Referindo igualmente o relatório que “Face ao explanado, nos termos do art.º 32º do EBF, não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS, as mais e menos valias de partes de capital, nas quais se incluem as prestações suplementares e as prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares, assim como, os encargos financeiros suportados com a aquisição dessas partes de capital”. “Tomando, então, por base a Circular nº 7/2004 da DSIRC e em conformidade com o disposto no nº 2 do artº 32º do EBF, que manda aplicar um método indirecto (pelas razões invocadas no ponto 7 daquela circular, foi efetuada a afetação dos encargos financeiros suportados devido à aquisição de participações sociais”, tendo sido apurados encargos financeiros imputáveis às partes de capital de € 2.720.691,92.

 

  1. Posteriormente, face ao exercício do direito de audição da Requerente, o relatório da inspecção tributária foi corrigido, tendo o valor acima indicado sido corrigido para € 542 127,49, tendo em atenção que parte dos empréstimos eram remunerados.

 

  1. No pedido de constituição do tribunal arbitral a Requerente vem defender que, conforme foi referido na decisão do processo arbitral nº 69/2012-T, “o artº 23º do Código do IRC não pode servir, sob pena de ilegalidade, para, de forma automática, aumentar o volume de encargos financeiros afectos às partes de capital. A aplicação do artº 23º do Código do IRC depende da verificação dos seus pressupostos no caso concreto. (….). Pelo exposto nos nºs anteriores verifica-se que o conceito de partes de capital respeita a partes de capital social e não a partes de capital próprio. O capital social e o próprio são figuras jurídico-contabilísticas diferenciadas não tendo o intérprete da lei fiscal de dar igual tratamento a realidades substancialmente distintas, sob pena de violação do nº 4 do artº artº 11º da LGT, que afasta a interpretação analógica das normas tributárias (…) a regra da exclusão da dedutibilidade dos encargos financeiros suportados em financiamentos afectos à realização de prestações suplementares (…) para efeito de determinação dos encargos, nos termos da circular nº 7/04, os quantitativos referentes a prestações suplementares (…) deverão concorrer para a formação do lucro tributável”.

 

  1. Na sua resposta a AT defendeu a legalidade das correções efetuadas, na medida em que os encargos financeiros suportados com a realização de prestações suplementares não são dedutíveis no termos do art.º 23º do CIRC, ou, caso assim se não entenda, porque os encargos financeiros suportados com a realização das prestações suplementares não são dedutíveis no termos do art.º 31º (atual 32º) do EBF.

 

 

  1. Nas suas alegações finais a Requerente referiu, nomeadamente, o seguinte:

- Toda a argumentação referente à aplicação do art.º 23º do Código do IRC não é aplicável ao presente caso, uma vez que as prestações em causa resultaram da conversão de um crédito sobre a sociedade participada.

 

- Com efeito, ficou provado que a Requerente não suportou qualquer encargo financeiro relativamente a estas prestações acessórias, pelo que não faz qualquer sentido argumentar com a dedutibilidade fiscal de encargos incorridos para realizar prestações acessórias, já que estas não existem.

 

- A expressão “partes de capital” constante do art.º 32º nº 2 do EBF refere-se ao conceito de “participações sociais” (alusivas ao capital social), não sendo pois de incluir naquela expressão as “prestações suplementares” (as quais se integram no capital próprio.

 

- A limitação à dedutibilidade dos encargos financeiros prevista naquela norma do EBF tem de ser estritamente ligada à aquisição de participações sociais abrangidas pela referida isenção.

 

- Qualquer outra interpretação do art.º 32º nº 2 do EBF que impeça a dedução de encargos financeiros suportados com outros ativos (que não partes de capital suscetíveis de beneficiar daquela isenção) será contrária à letra e ao espírito da lei.

 

- Isto porque as prestações acessórias foram (comprovadamente) realizadas sem originar qualquer encargo financeiro para a impugnante, o que significa que, tendo em conta o elevadíssimo valor destas prestações acessórias aqui em causa, a aplicação de um método – não previsto na lei – que imputa encargos financeiros às mesmas está patentemente a desvirtuar a norma aplicável e a fazer incidir IRC sem qualquer base legal para o efeito.

 

  1. A Requerente juntou cópia da acta nº 2, de 26 de Novembro de 2008, da …, SGPS, SA, contribuinte nº …, (que como acima se referiu se encontrava já nos presentes autos arbitrais) em que o ponto 1 era deliberar sobre a realização das prestações acessórias e o ponto 2 deliberar sobre a compensação entre o direito de crédito da sociedade às prestações acessórias a realizar pela sócia única e o direito de crédito desta sócia única sobre a sociedade resultante da venda à sociedade das quotas e/ou acções das sociedades operacionais do Grupo …. Nessa reunião foi deliberado que a sócia única efetuaria prestações suplementares gratuitas no valor de € 233 847 400,00. Foi também deliberado a compensação de tal crédito com a dívida que a …, SGPS, SA tinha perante a sócia única resultante da aquisição desta à sócia única de 74% de ações operacionais do Grupo ….

 

  1. Face ao exposto, entende a Requerente que não assiste razão à AT na correção que efetuou ao lucro tributável daquela, no exercício de 2008, devendo a demonstração da liquidação de IRC e a demonstração de acerto de contas ser anuladas, por as considerar ilegais.

 

  1. Contra-alegou a Requerida, nos seguintes termos:

- Da leitura da petição inicial retirou-se, como causa de pedir dos presentes autos, e de forma resumida, que os encargos financeiros suportados com a realização de prestações suplementares são dedutíveis quer nos termos do artigo 23.º do CIRC – vide artigos 73.º e ss. da douta petição inicial –, quer nos termos do artigo 32.º do EBF, na medida em que essas mesmas prestações suplementares se devem enquadrar para efeitos de alocação dos encargos financeiros na rubrica de “Outros Activos” e não, como a Administração Tributária entende, na de “partes de capital”.

 

- No entanto, agora, em sede de alegações, a Requerente “lembrou-se” – pasme-se – que afinal “nunca suportou qualquer encargo financeiro para realizar as prestações suplementares em causa nos autos” – cfr. artigos 10.º e 12.º das doutas alegações, o que consubstancia claramente uma alteração substancial da causa de pedir.

 

- Nunca, até este momento, havia a Requerente feito tal referência, ou então estaria totalmente destituída de sentido todo o teor da sua petição inicial.

 

- Com efeito, toda a discussão de saber se os encargos financeiros suportados com a realização de prestações suplementares devem ser alocados à rubrica de “Outros Activos” – o entender da Requerente – ou à de “partes de capital” – o entender da entidade demandada, seria completamente fútil e completamente vazia de significado.

 

- Aliás, na medida em que alega uma afectação directa ou específica dos encargos financeiros suportados, ao afirmar que nunca suportou qualquer encargo financeiro para realizar as prestações suplementares em causa nos autos, nem se entende porque se discute a aplicabilidade da circular ao caso concreto, uma vez que esta pressupõe, desde logo, a incapacidade de fazer uma afectação real entre as prestações realizadas e os encargos suportados.

 

- Pelo que forçoso se torna concluir que: ou a petição é inepta – porque se cumulam causas de pedir substancialmente incompatíveis, vide artigo 193.º, n.º 1, al c) do CPC – , ou os respectivos fundamentos ora constantes das alegações apresentadas pela Requerente constituem uma alteração ou ampliação da causa de pedir.

 

- Ampliação essa que não merece concordância por parte da Requerida, conduzindo assim à aplicação do art. 273.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual não havendo réplica e na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor.

 

- A Requerente pressupõe que a contestação tinha como razão exclusiva a dedutibilidade dos encargos financeiros – que agora se descobriu não terem existido – referentes às prestações suplementares efetuadas à …, SGPS, SA, no valor de € 233.847.400,00.

 

- A questão é que a razão que assiste à contestação em nada contende com a referida prestação suplementar em concreto, pois de outro modo, como bem refere a Requerente, o valor das correcções efectuadas pela Administração Tributária seriam substancialmente superiores.

 

- Quanto à alegação de que a contestação contém fundamentação a posteriori, pode facilmente verificar-se que consta do Relatório de Inspecção Tributária, como fundamentação do acto tributário controvertido, a não dedutibilidade de encargos financeiros relacionados com a realização de prestações suplementares.

 

- Igualmente, não foi a contestação que carreou aos autos, como fundamento do acto tributário, o artigo 23.º do CIRC, mas sim o Relatório de Inspecção, ou o teor da petição inicial seria completamente incongruente.

 

- No que diz respeito à verdadeira questão em causa nos autos, e apesar da Requerente circunscrever a questão ao artigo 32.º do EBF, a entidade demandada reitera toda a argumentação expendida referente à aplicabilidade do artigo 23.º do CIRC, ao caso concreto, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida.

 

- As prestações suplementares estão sujeitas ao regime fiscal das mais e menos-valias, na medida em que se encontram registadas na sociedade prestadora, no seu activo imobilizado, pelo que o prescrito pelo artigo 31.º [actual 32.º] do EBF só vem restringir ainda mais essa dedutibilidade, ao não permitir que concorram para a formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital detidas por um ano ou mais tempo, ainda que, eventualmente, esses passassem o crivo do artigo 23.º do CIRC.

 

- A interpretação contrária, isto é, que existem gastos que não são aceites nos termos do artigo 23.º do CIRC, mas podem ser aceites nos termos do artigo 31.º do EBF, conduziria à ilógica conclusão que a regra constante deste último normativo, na parte que limita a dedução de encargos financeiros seria, ela própria, um benefício fiscal, pois permitiria a dedução de encargos que de outro modo não o seriam dedutíveis, face ao disposto no artigo 23.º do CIRC.

 

- Aquela regra – de não dedutibilidade dos encargos financeiros relacionados com a aquisição de partes de capital – é um factor de balanceamento de rendimentos e gastos, ou o reverso do benefício fiscal que é a não tributação do resultado da alienação das partes de capital.

 

- Como muitos outros conceitos constantes do IRC, o conceito de “partes de capital” utilizado no CIRC e no EBF tem a sua origem não no direito societário, mas sim no direito contabilístico.

 

- Em face do Plano Oficial de Contabilidade (POC) – em vigor à data – mas, também actualmente de acordo com o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), as prestações suplementares integram, tal como o capital social, o capital próprio da sociedade recetora das referidas quantias.

 

- É expresso no actual art.46º do CIRC (antigo art.42º) que as prestações suplementares eram activos financeiros, pertencentes ao imobilizado da sociedade investidora e, como tal, sujeitas ao regime geral das mais e menos-valias, tal como as participações sociais pelo que ambas, prestações suplementares e participações sociais eram – e ainda são – partes de capital próprio.

 

- Assim, não discriminando o legislador, para efeitos de dedutibilidade dos encargos financeiros os suportados com a realização de prestações suplementares dos suportados com a aquisição de participações sociais – e atenta a uniformidade do restante regime fiscal e contabilístico – a conclusão interpretativa seria a de que os encargos financeiros suportados para a realização de prestações suplementares deverão ter o mesmo tratamento que aqueles suportados para aquisição de participações sociais.

 

- A expressão “partes de capital” refere-se, no normativo contabilístico em vigor à data, à conta “411 – Partes de Capital”, e foi a esta noção que foi beber o legislador fiscal.

 

- Só as prestações suplementares e as participações sociais – enquanto componentes do capital próprio de outra entidade – são susceptíveis de negócio jurídico. As demais rubricas desse capital próprio – reservas, resultados transitados, resultado líquido do período – não detêm essa virtualidade.

 

- Quanto ao elemento sistemático e literal, o entendimento de que as expressões do IRC provêm do direito societário, olvida um pormenor – no artigo 21.º, n.º 1, al. a) do CIRC, pode ler-se que “Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto a) As entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de acções, bem como as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital”

 

- Seguindo a essa lógica a expressão "capital" utilizada no CIRC deve ser entendida como capital social e a ser assim, as prestações suplementares, na medida em que não são capital social, não são "entradas de capital" mas seriam uma variação patrimonial positiva que concorreria para a formação do lucro tributável na sociedade beneficiária.

 

- Olvida a Requerente que - assente que está a sujeição das prestações suplementares ao regime das mais menos-valias - o regime fiscal das SGPS determina que não concorrem para a formação do lucro tributável as mais-valias e as menos-valias (pormenor constantemente ignorado pela Requerente nos seus articulados) realizadas de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição.

 

- Ou seja, ao abrigo deste regime, as menos-valias derivadas da alienação de prestações suplementares detidas há um ano, ou mais, não concorrem (afastando-se a regra, constante do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC) para a formação do lucro tributável.

 

- Ora, nestes casos, determina igualmente o artigo 31.º do EBF, que os encargos financeiros suportados com a aquisição dessas prestações suplementares detidas há mais de um ano também não concorrem para a formação do lucro tributável.

 

- A interpretação constante da Circular n.º 7/2004, relativamente ao disposto no artigo 31.º do EBF é - grosso modo - a seguinte:

a) se o contribuinte conseguir efectuar uma afectação directa dos encargos financeiros suportados com as participações sociais só esses, em princípio, não concorreram para a formação do lucro tributável. Em princípio, porque pode haver encargos financeiros suportados com participações sociais que concorrem para a formação do lucro tributável - quando a participação for alienada antes de se completar um ano sobre a sua aquisição, como pode haver encargos financeiros relacionados com outros activos que não possam ser deduzidos, v.g. relacionados com a realização de prestações suplementares, nos termos gerais, face ao disposto no artigo 23.º do CIRC;

b) se o contribuinte não conseguir efectuar essa afectação directa, que será a generalidade dos casos, face à natureza fungível do capital, então a circular declara que dever-se-á efectuar uma relação de imputação dos encargos financeiros suportados com as respectivas participações sociais, para aferir da sua dedutibilidade.

 

- De acordo com o entendimento preconizado pela Requerente, os contribuintes que realizassem uma afectação directa teriam encargos financeiros que não poderiam deduzir - os directamente relacionados com a aquisição de participações sociais e com a realização de prestações suplementares -, ao passo que os outros (contribuintes), os que não realizassem uma afectação directa, como é o caso da Requerente, não deduzindo a parte relativa à aquisição de participações sociais deduziria a referente à realização de prestações suplementares.

 

  1. Face ao exposto, entende a Requerida que as alegações proferidas pela Requerente devem ser recusadas na parte relativa ao facto de apenas nas alegações finais ter considerado não haver suportado quaisquer encargos financeiros com a realização das prestações suplementares, uma vez que este facto consolida uma alteração substancial à causa de pedir para a qual não tem o acordo da Requerida;

 

  1. Entende ainda que deve ser negado provimento à presente ação arbitral, na medida em que os encargos financeiros suportados com a realização de prestações suplementares não são dedutíveis nos termos do artº 23º do CIRC, ou, caso assim se não entenda,

 

  1. Que deve ser negado provimento à presente ação arbitral porque os encargos financeiros suportados com a realização de prestações suplementares não são dedutíveis nos termos do artº 31º (actual 32º) do EBF.

 

 

 

IV – MATÉRIA DE FACTO

 

 

  1. Analisadas as provas produzidas nos autos, o Tribunal Arbitral dá como provada a seguinte matéria de facto, com relevância expectável para a decisão da causa:

 

  1. A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de empresas, sendo tributada pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), nos termos do artigo 69.º do CIRC.

  2. No exercício de 2008 o perímetro fiscal do grupo era composto pelas seguintes sociedades:

 

  1. … – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.

  2. … – …, Sociedade Unipessoal, Lda.

  3. ..., Sociedade Unipessoal, Lda.

 

  1. Com base nos valores constantes dos Balancetes Analíticos, antes e após apuramento, a 31.12.2008, a conta 41 – Investimentos Financeiros totalizava o montante de € 283.814.114,31.

 

  1. Deste montante acima indicado, € 233.847.400,00 referem-se a prestações acessórias constituídas pela Requerente na sociedade sua participada …, SGPS, S.A.

 

  1. A constituição das referidas prestações acessórias foi deliberada em 26 de novembro de 2008, conforme ata n.º 2 da sociedade …, SGPS, S.A., anexa ao relatório da inspeção tributária, que se passa a transcrever:

 

“Aos vinte e seis dias do mês de Novembro de dois mil e oito, reuniu, pelas vinte e três horas, na sua sede social em Lisboa, sita na …, a Assembleia Geral da sociedade comercial anónima sob a firma …, SGPS, SA ( adiante abreviadamente a “Sociedade”), pessoa colectiva n.º …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de …, encontrando-se presente a totalidade do capital social, conforme lista de presença que se arquiva, a saber: … – Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, detentora de dez mil acções do valo nominal de cinco euros cada uma, aqui representada por dois dos seus Administradores: Eng. … e Dr. …. - - - -

Tomou a direcção dos trabalhos o Presidente da Mesa, o Sr. Dr. …, coadjuvado pela Secretária da Mesa, a Sr.ª Dr.ª ….- - - - -

O Presidente da Mesa, atento o facto de que se encontrava presente, ou devidamente representada, a totalidade do capital social e que, ao abrigo do disposto no art.º 54º do Código das Sociedades Comerciais, os respectivos representantes deliberaram reunir em Assembleia Geral, sobre as matérias constantes da ordem do dia, declarou a Assembleia validamente constituída e em condições de poder funcionar e deliberar, com a seguinte ordem de trabalhos: - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

Ponto um: Deliberar sobre a realização de Prestações Acessórias.- - - - - - -

Ponto dois: Deliberar sobre a compensação entre o direito de crédito da Sociedade às Prestações Acessórias a realizar pela Sócia Única e o direito de crédito desta Sócia Única sobre a Sociedade resultante da venda à Sociedade das quotas e/ou acções das Sociedades Operacionais do Grupo …. - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

Entrando na discussão do ponto um da ordem de trabalhos, tomou a palavra o Sr. Dr. …, na qualidade de administrador da Sociedade, o qual no uso da mesma informou a Assembleia da assinatura, nesta mesma data, dos contratos relacionados com a Operação de Reestruturação Societária e Operação de Reestruturação da Dívida, aprovados pelo Conselho de Administração da Sociedade em reuniões de 23 de Dezembro de 2008 e 20 de Novembro de 2008, nomeadamente dos Contratos de Cessão de Quotas e Compra e Venda de Acções das Sociedades Operacionais do Grupo …, pelos quais a Sociedade adquiriu à Sócia Única … SGPS, SA, 74% do capital social daquelas Sociedades Operacionais, pelo preço total de 233.847.400,00 € razão pela qual se torna necessário o reforço da situação líquida da Sociedade, mediante a realização, em dinheiro, pela Sócia Única, de prestações acessórias gratuitas no mesmo montante- - - - - - - - - - - - - - -

Submetida a presente proposta à análise e discussão da Assembleia Geral, procedeu-se à sua votação, tendo sido deliberado, por unanimidade, ao abrigo do disposto no artigo 10º do contrato social e das disposições legais aplicáveis por remissão daquele artigo, nomeadamente artigos 210º a 213º do Código das Sociedades Comerciais, disposições essas que a Sócia Única e os membros da administração da Sociedade presentes, declaram estar preenchidas, exigir que sejam prestadas pela Sócia Única, prestações acessórias gratuitas, no montante de 233.847.400,00 € (duzentos e trinta e três milhões oitocentos e quarenta e sete mil e quatrocentos euros), a realizar num prazo de 30 dias a contar da presente deliberação, considerando-se já efectuada a comunicação prevista no n.º 1 do artigo 211º do Código das Sociedades Comerciais.- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

A Sócia Única, representada neste acto pelos seus administradores supra identificados com poderes para o mesmo acto, declarou ainda expressamente por vontade própria, aceitar a realização das prestações acessórias gratuitas supra referidas em montante superior ao previsto no artigo 10º do contrato social.- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

Em seguida, entrando no segundo ponto da ordem de trabalhos, tomou novamente da palavra o Sr. Dr. …, na qualidade de administrador da Sociedade, o qual no uso da mesma, referiu que com a assinatura nesta data dos Contratos de Cessão de Quotas e Compra e Venda de Acções das Sociedades Operacionais do Grupo …, pelos quais a Sociedade adquiriu à Sócia Única … SGPS, SA, 74% do capital social daquelas sociedades operacionais, pelo preço total de 233.847.400,00 € se constituiu uma dívida, em dinheiro, da Sociedade à Sociedade Única pelo mesmo valor, na sequência da deliberação de realização de Prestações Acessórias ora tomada no âmbito do ponto um da ordem de trabalhos desta reunião.- - - - - - - - - - -

Face ao exposto, propôs o Dr. … que se efectue a compensação entre os dois créditos recíprocos acima referidos e consequentemente à sua extinção.- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

Posta primeiro à discussão e, em seguida, à votação, foi a proposta aprovada por unanimidade, tendo sido deliberado efectuar-se a compensação integral entre os supra identificados direitos de crédito da Sociedade sobre a Sócia Única e desta sobre a Sociedade, ambos no montante de 233.847.400,00 € (duzentos e trinta e três milhões oitocentos e quarenta e sete mil e quatrocentos euros) e a sua consequente extinção, dado o preenchimento dos requisitos legais exigidos pelo artigo 847º do Código Civil, considerando-se assim efectuada a declaração referida no artigo 848º do Código Civil entre a Sociedade e a Sócia Única, esta última representada neste acto pelos seus administradores supra identificados com poderes para o mesmo acto.- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

 

  1. Na sequência de uma inspeção tributária realizada à Requerente, cujo relatório junto aos autos lhe foi notificado, a AT apresentou a seguinte correção final ao resultado fiscal declarado pela Impugnante no exercício de 2008:

 

 

  • Resultado fiscal declarado

    Correção

    Resultado fiscal corrigido

    € -2.829.793,27

    € 529.526,55

    €-2.300.266,72

 

 

  1. A referida correção resulta de diferentes interpretações da Requerente e da Requerida na dedutibilidade de encargos financeiros à luz do artigo 23.º do CIRC e do artigo 31.º (atual 32.º) do EBF, bem como da aplicabilidade da Circular 7/2004.

 

  1. Não se provou que a Requerente tivesse incorrido em custos com a realização das prestações acessórias.

 

 

 

V – MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. Questão prévia (alteração da causa de pedir)

 

  1. No que se refere à alteração à causa de pedir, a mesma não é admissível, uma vez que não foi aceite pela Requerida.

 

  1. Porém, o facto de não haver alteração da causa de pedir não significa que o Tribunal não possa apreciar o documento que a Requerente fez juntar com as suas alegações e que, como já se disse, se encontrava já nos autos, como anexo VI ao relatório da ação inspetiva. De acordo com o art.º 515º do CPC (atual art.º 413º, mas com a mesma redação) aplicável por força do disposto na alínea e) do art.º 29ºdo RJAT, O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las.

 

 

 

  1. Quanto ao mérito

 

  1. A questão central dos presentes autos tem a ver, como se referiu, com a natureza jurídica das prestações suplementares. O Tribunal deve apurar se uma prestação suplementar constitui ou não uma “parte de capital” para efeitos do regime contido no art.º 23º do CIRC.

 

  1. É que se as prestações suplementares constituírem partes do capital, assiste razão à AT, devendo manter-se a sua liquidação de imposto; se, por outro lado, as prestações suplementares não forem partes do capital, então a razão assiste à Requerente, devendo ser anulada aquela liquidação.

 

 

  1. A decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 12/2013T, à qual o Tribunal Arbitral adere, pronunciou-se já sobre este assunto e nela pode ler-se o seguinte (nesta decisão regista-se um lapso de escrita, pois não se trata do art.º 32º do CIRC, mas do EBF, lapso que foi corrigido por na presente citação):

Dito ainda por outras palavras: saber se o conceito de partes de capital do art. 32.º do EBF deve ser interpretado em sentido contabilístico (como advoga a requerida), integrando a noção contábil de capital próprio (onde se integra a figura da prestação suplementar); ou ao invés, como sustenta a requerente, se a noção de parte de capital deve ser interpretada num sentido de direito comercial, equivalendo à noção de capital social.

 

A noção de “parte de capital” do art. 32.º do EBF tem de ser interpretada segundo as ferramentas jurídicas ao dispor do intérprete, com o auxílio do elemento literal, sistemático e teleológico.

Vejamos:

Quanto ao elemento literal: a lei fiscal não contém qualquer definição sobre o que entende por “parte de capital” – nem no EBF, nem no CIRC; por outro lado, utiliza por vezes, quer a expressão “capital próprio” (art. 45.º, n.º 3, do CIRC e sobretudo art. 67.º, n.º 5, do CIRC [na versão à data dos factos], quer a expressão de capital social (entrada de capital) – art. 21.º do CIRC.

 

Com isso, o legislador toma uma opção clara: quando se refere à noção de capital próprio, está a circunscrevê-la ao seu sentido contabilístico; do mesmo modo, quando utiliza a expressão capital social está a empregá-la na precisa base comercial e contabilística.

 

Mas a noção de “parte de capital” empregue na lei fiscal em vários domínios (por exemplo, art. 23.º, n.º 3 e 5 do CIRC à data dos factos, art. 45.º, n.º 5, do CIRC, art. 32.º do EBF) deve ser interpretada com o auxílio do elemento sistemático e teleológico, na obtenção de uma solução que respeitando aqueles elementos, caiba legitimamente na letra da lei.

 

O elemento sistemático (e ainda com base literal) descortina-se sobretudo na análise do atual art. 45.º, n.º 3, do CIRC (anterior art. 42.º, n.º 3, do CIRC). Este preceito, na redação introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30/12, vem estabelecer que o saldo das “mais-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital […] bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes de capital próprio, designadamente prestações suplementares”, concorrem em metade do seu valor para a formação do lucro tributável.

 

Este preceito, no que importa ao caso dos autos, cria duas categorias de situações:

  1. Partes de capital no sentido de participações sociais (quotas ou ações) – quando refere as mais-valias e menos-valias por “transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital ” – aliás estes últimos casos só se aplicam a quotas e ações;

  2. Perdas relativas a outras componentes de capital próprio, designadamente prestações suplementares.

Deste preceito retiram-se duas ilações fulcrais para o nosso caso:

1.Para o legislador fiscal, as prestações suplementares não se subsumem no conceito de “partes de capital”. São categorias diversas. Para lá das partes de capital (ações e quotas), existem ainda as outras componentes de capital próprio, onde se incluem designadamente as prestações suplementares. Esta norma (com a redação introduzida para 2006) tem natureza inovatória e não interpretativa da norma anterior (Acórdão 9/2012-T…). A prestação suplementar não está incluída no conceito de partes de capital; subsume-se no conceito de outras componentes de capital próprio, como introduzido na nova lei, que antes de entrar em vigor não considerava em metade as perdas com prestações suplementares, por falta de lei aplicativa.

2.Por outro lado, este aspeto é muito relevante, a lei fiscal, quando quis regular fiscalmente as prestações suplementares, teve o cuidado de o prever expressamente – e não quis que tal conteúdo estivesse incluído no conceito de partes de capital. Ora, no nosso caso, como o art. 32.º, n.º 2, do EBF fala apenas de partes de capital, sem o estender às prestações suplementares, é porque só quis regular e abranger esta situação (ações e quotas). Só os juros ligados à aquisição de partes de capital (ação e quotas) não são aceites em termos fiscais; os conexos com os capitais alheios utilizados em prestações suplementares revestem a natureza de custo fiscalmente dedutível.

 

Advogamos uma interpretação uniforme dos conceitos empregues na lei fiscal (identidade do conceito de partes de capital no art. 45.º do CIRC e art. 32.º do EBF), exceto se o elemento teleológico o contrariar; ou seja, se pela análise da ratio do art. 32.º, n.º 2, do EBF se acabasse por concluir que a noção de partes de capital aí empregue deve ter um sentido diverso do utilizado no art. 45.º do CIRC.

 

Mas não é o caso. O conceito de partes de capital empregue no art. 32.º, n.º 2, do EBF tem o mesmo sentido que no art. 45.º, n.º 3, do CIRC: cinge-se a noção de partes de capital a participações de capital (ações ou quotas), sem se estender à figura das prestações suplementares e ou acessórias.

 

O elemento teleológico corrobora esta tese: o art. 32.º. n.º 2, do EBF radica na não

duplicação de benesses tributárias às SGPS: à isenção das mais-valias com a venda das partes de capital (ações e quotas) não se quis associar a benesse fiscal de permitir a dedução dos juros do financiamento para a aquisição dessas participações sociais.

 

Esta lógica não se aplica às prestações suplementares, pois aí não existe por regra qualquer rendimento e se acaso houver – em situações excecionais e não previsíveis – o mesmo não se reconduz à categoria fiscal das mais-valias.

 

Por regra geral (e a lei fiscal esculpe-se na normalidade), a prestação suplementar não gera qualquer rédito: quem a efetua fica com o direito de receber no futuro o mesmo e exato montante da prestação. Não regista por isso qualquer rendimento. Mais ainda: é concebível falar-se em perdas, nos casos em que o devedor não consiga reembolsar total ou parcialmente a prestação suplementar, por se encontrar em dificuldades financeiras (e aí há um custo); mas nunca existem réditos positivos: se o devedor estiver em excelente situação financeira, tem apenas a obrigação de pagar o valor nominal da prestação, sem que exista qualquer rendimento.

 

E por isso, o art. 32.º, n.º 2, do EBF, quando fala em rendimentos positivos ou negativos das partes de capital, não está a pensar nos réditos das prestações suplementares, mas apenas das ações e quotas – onde a volatilidade do título (ascendente e descendente) constitui o seu ADN genético (e a isenção associada pretende que as SGPS não sejam penalizadas na lógica de substituição de participações).

 

Claro está que é concebível pensar-se em réditos positivos no mercado secundário: na aquisição abaixo do par de prestações suplementares que são depois devolvidas ao par. Mas o art. 32.º, n.º 2, do EBF não está a pensar nestas situações: quer por serem tão inusuais ou insólitas (e a lei esculpe-se nos casos usuais), quer sobretudo porque esse rédito não assume a natureza fiscal de uma mais-valia (a única realidade abrangida pelo art. 32.º, n.º 2, do EBF), mas de outro tipo de rendimento (não subsumível no art. 32.º, n.º 2, do EBF).

 

O art. 45.º, n.º 3, do CIRC – relativo a custos – fala de menos valias para se referir

às perdas com as partes de capital (ação e quotas) e “outras perdas” ou “variações patrimoniais negativas” para se referir às demais componentes do capital próprio, incluindo as prestações suplementares.

 

E compreende-se que assim seja: em geral, o regime das mais-valias visa conceder um regime especial favorável aos imobilizados tangíveis e financeiros (ações e quotas) das sociedades, como forma de combater o efeito de lock-in – fenómeno que no sistema fiscal da realização condiciona o racional fluir económico dos ativos (compra e venda) por razões que se prendem com constrangimentos fiscais (pagamento do imposto). No fundo, evitar o cenário de um sujeito que não vende um ativo (ação ou quota) de que é titular – e todas as razões económicas o aconselham – apenas pelo facto de ir pagar nesse momento um elevado imposto (porque a tributação só é descarregada com a venda do ativo e não na cadência da sua valorização anual). É este motivo que justifica a infra tributação dos ativos tangíveis e financeiros (ações e quotas), corporizado num regime fiscal especial de

tributação das mais-valias.

 

E nada disso se verifica nas prestações suplementares. Elas são devolvidas, ao par, segundo as regras do direito comercial. Não existe, nem que se quer forçar a existência, de um mercado (secundário) de volumosas transações de prestações suplementares. E não é crível que os parcos detentores de prestações suplementares abaixo do par não queiram receber o seu valor nominal, com receio ou temor do pagamento de imposto associado; ou que isso seja um óbice económico tal que justifique criar ou inseri-los no regime especial das mais e menos valias.

 

Em suma: os encargos financeiros suportados pela Requerente com a realização de prestações suplementares acessórias sem juros são dedutíveis em termos fiscais, por não preenchimento do disposto no art. 32.º do EBF. Na aplicação da Circular 7/2004, a Requerente pode incluir prestações suplementares e acessórias (sem juros) como encargos (custos) não imputáveis a partes de capital, concorrendo assim para o lucro tributável.

 

 

  1. No mesmo sentido foi também decidido na sentença proferida no processo 69/2012T, à qual o Tribunal Arbitral adere igualmente. Assim:

 

17. A Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, (Lei do Orçamento do Estado para 2003) procedeu a uma reforma do regime fiscal das SGPS no sentido de o aproximar do modelo holandês e de promover a competitividade das empresas nacionais. (Vd., Reavaliação dos Benefícios Fiscais. Relatório do Grupo de Trabalho criado por Despacho de 1 de Maio de 2005 do Ministro de Estado e das Finanças, Setembro 2005, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º 198, Dezembro 2005, pp. 335-336).

O novo regime, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2003, continuou a incidir sobre as duas áreas fundamentais da fiscalidade das SGPS, atenta a especificidade da sua actividade, ou seja, lucros recebidos e mais-valias realizadas.

 

18. O artigo 38.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, deu uma nova redacção ao artigo 31.º do EBF, (actual artº. 32.º EBF).

O n.º 2 do referido artigo passou a ter a redacção seguinte:

As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”

 

 

19. Perante as dúvidas surgidas quanto ao regime fiscal das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS) e Sociedades de Capital de Risco (SCR) foi publicada a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março da DSIRC.

O n.º 7 da referida Circular estabelece o método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais nos seguintes termos:

(…) dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados da SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição”.

Revela-se, deste modo, que a Circular estabelece um método que permite a afectação dos passivos aos diferentes activos das SGPS. Primeiro, afectam-se os passivos remunerados das SGPS aos investimentos geradores de juros. Depois, afecta-se o remanescente dos passivos aos restantes activos, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

O método previsto na Circular 7/2004, de 30 de março, permite apurar quais os montantes dos encargos financeiros da SGPS que não são dedutíveis.

 

20. O n.º 2 do artigo 31º do EBF (actual n.º 2 do art.º 32º EBF) confere um benefício fiscal às SGPS que contraria o regime geral de tributação das mais-valias e das menos-valias obtidas pelos sujeitos passivos de IRC.

Efectivamente, resulta do teor do n.º 2 do art.º 31º do EBF (actual n.º 2 do art.º 32º EBF) que, as SGPS estão isentas da tributação das mais-valias na alienação de partes de capital, desde que detidas por período não inferior a um ano, mas não podem deduzir fiscalmente os encargos financeiros que suportam para a aquisição dessas mesmas participações. Por consequência, os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS.

Compreende-se, nestes exactos termos, que o propósito do legislador foi obstar que as SGPS acumulassem dois benefícios. Primeiro, a isenção de tributação aplicável aos rendimentos de mais-valias realizados com a alienação de participações sociais e, depois, a inclusão dos custos relevantes relacionados com a obtenção de tais rendimentos no apuramento do lucro tributável.

Certo é que, o benefício fiscal previsto na norma em análise fica limitado, porque tal como afirma José Engrácia Antunes “…esta vantagem fiscal, de resto, é em boa medida mitigada ou anulada pelo facto de os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações não serem tidos como custos elegíveis, não concorrendo assim para o cálculo do lucro tributável da SGPS” (Vd., “A tributação dos grupos de sociedades” in Fiscalidade. Revista de Direito e gestão Fiscal, n.º 45, Janeiro-Março 2011, pp 20).

 

21. Como o n.º 2 do artigo 31º do EBF (actual n.º 2 do art.º 32º EBF) se refere a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital importa esclarecer, de acordo com as regras de interpretação previstas no artigo 10º do EBF e no artigo 11º da LGT, se o conceito de “ partes de capital” é sinónimo apenas de “partes de capital social” ou, pelo contrário, de “partes de capital próprio”.

A Requerida defende que o conceito de “partes de capital” integra não só as partes do capital social, mas também outras componentes do capital próprio, como as prestações suplementares e as prestações acessórias com regime das prestações suplementares. Significa isto, no entendimento da Requerida, que as prestações suplementares e as prestações acessórias com regime de prestações suplementares não integram o capital social, mas constituem elementos do capital próprio da entidade beneficiária e devem ser qualificados como partes de capital para efeitos fiscais (cfr., n.ºs 69º e 70º da resposta da Requerida nos presentes autos arbitrais).

Nem EBF nem o Código do IRC definem o conceito de “partes de capital”.

O Código do IRC utiliza o conceito de “partes de capital”, tal como o de “participação social e capital próprio”. A este respeito, Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis, salientam o seguinte: “(i) legislador tanta emprega a expressão capital social como participação social, mas outras vezes recorre, apenas, a partes de capital, e todas as referencias no Código do IRC a partes de capital, com ou sem aditamento de social, estão associadas, na letra da lei, a participações sociais; (ii) A expressão capital próprio surge, apenas, no n.º 3 do artigo 45º do CIRC e no artigo 67º do Código do IRC a propósito da subcapitalização; (iii) As partes de capital fazem ainda parte de um contexto mais geral, quando o legislador emprega as expressões contabilísticas activos financeiros ou activo imobilizado ou imobilizações financeiras; (iv) O legislador quando pretende estabelecer que o capital a que se está a referir corresponde à noção contabilística de capital próprio, fá-lo de forma expressa e, no caso da subcapitalização, vai ao ponto de adoptar um conceito de capital próprio” /Vd., “Prestações acessórias e partes de capital”, in Revista de Finanças Públicas e direito Fiscal, Ano III, n.º 4, pp 23).

Sucede, porém, que as partes de capital social apresentam diversas características próprias que são diferenciadoras face ao capital próprio. Assim, as partes de capital social são subscritas e realizadas por todos os sócios, conferem direito aos lucros, dão direito ao voto e à informação. No caso de liquidação as partes de capital social da sociedade dão direito à partilha do activo. As partes sociais só são restituíveis, verificadas as condições legais e estatutárias, com a saída do sócio da sociedade e a respectiva amortização dessas partes. São registadas, inicialmente, pelo custo de aquisição e, subsequentemente, pelo custo de aquisição ou pelo método da equivalência patrimonial (MEP), tendo em atenção o valor contabilístico que lhes corresponde nos capitais próprios da participada.

 

22. O capital próprio, como ensina Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis, “… não é uma realidade contabilística concreta, é antes uma realidade ideal, a qual não é passível de apropriação e subsequente transmissão como um todo unitário. Esta realidade contabilística não representa pois bens concretos, representa antes a contrapartida desses bens. Tais bens estão representados no activo e/ou no passivo do balanço da empresa. E, como realidade contabilística ideal, apurada por diferença entre o activo e o passivo, os vários componentes do capital próprio (ou situação líquida) da empresa têm regimes jurídico-contabilísticos diferenciados, com causas e efeitos distintos. Nesta conformidade, o regime do capital social é diferenciado do dos vários componentes do capital próprio (prémios de emissão, prestações acessórias/suplementares, reservas, resultados transitados e resultados líquidos) e estes diferenciados entre si.(Vd., “Prestações acessórias e partes de capital”, in Revista de Finanças Públicas e direito Fiscal, Ano III, n.º 4, pp 21).

 

23. As prestações suplementares, as prestações acessórias e os suprimentos tendem a ser utilizados pelos sócios para suprirem a insuficiência de capital e a subcapitalização das sociedades. (Vd., António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais. Valores Mobiliários e Mercados, 6ª ed., Coimbra Editora, 2011,pp 377).

 

24. As prestações suplementares respeitam a entradas em dinheiro para além do capital social que podem ser exigidas aos sócios das sociedades por quotas, verificados certos pressupostos, para suprir insuficiências de capital (art.º 210º do Código das sociedades Comerciais (CSC),

As prestações suplementares têm dinheiro por objecto, não vencem juros e a sua restituição depende de deliberação dos sócios e do respeito de vários requisitos (vd. artigos 210º n.ºs 2 e 5 e 213º n.º 1 CSC). As prestações suplementares só podem ser restituídas aos sócios nas seguintes condições: (i) desde que a situação líquida não fique inferior à soma do capital e da reserva legal; (ii) o sócio já tenha liberado a sua quota; (iii) não tenha sido declarada a insolvência da sociedade.

As prestações suplementares são empréstimos dos sócios à sociedade, que contrariamente ao capital social, podem ser devolvidas. Por outro lado, as prestações suplementares constituem um reforço do património social dotado de certa permanência, devido às maiores limitações à sua restituição, relativamente a empréstimos ou suprimentos.

O Plano Oficial de Contabilidade (POC), vigente à data dos factos 2, integra as prestações suplementares no capital próprio, mas de acordo com a posição de Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis, que subscrevemos, “…isso, deriva, apenas, de mera comodidade. O capital próprio agrupa contas com características híbridas, configurando aspectos a induzir para se agruparem em capital próprio contas híbridas com assemelhações também a passivo. Atente-se que, no capital próprio, também figuram reservas e resultados transitados, e estas realidades também ao são “Partes de capital”. Efectivamente, as prestações suplementares são um tertium genus que o POC, por motivos práticos, entendeu de considerar no capital próprio” (Vd., “Prestações acessórias e partes de capital”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal n.º 4, Ano III, pp 17).

 

25. Os estatutos nas sociedades por quotas podem estipular outras obrigações de prestações acessórias (art. 209º CSC). Nas sociedades anónimas os estatutos também podem estipular obrigações de prestações acessórias, sendo o regime semelhante ao estabelecido para aquelas sociedades, para onde se remete.

As prestações acessórias podem consistir, quer na obrigação de prestação de um serviço ou trabalho, quer na obrigação de ceder o gozo à sociedade de determinada coisa, móvel ou imóvel, quer de mutuar certa importância a título gratuito ou oneroso.

Nas prestações acessórias a título oneroso, o pagamento da contraprestação ou a restituição, porque não se trata de capitais próprios, não está sujeito ao princípio da intangibilidade do capital social, podendo ser feito independentemente da existência de lucros de exercício (art.º 209º n.º 3 CS).

As obrigações de prestações acessórias transmitem-se juntamente com a quota no caso no caso de serem pecuniárias, caso contrário não se transmitem (vd. art. 209 n.º 2 CSC).

Ancorados nos ensinamentos de Rogério Fernandes Ferreira e de José Vieira dos Reis sustentamos também que: “As partes de capital e as prestações acessórias, por se tratar de figuras jurídico-contabilísticas autónomas e não homogéneas, obedecem a regras de contabilização diferenciadas, não existindo razões (contabilísticas e societárias) próprias que levem à sua integração e/ou equiparação fiscal. E, assim sendo, não se nos afigura justificável qualquer aproximação jurídico-interpretativa de integração e/ou equiparação das partes de capital às prestações acessórias, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos do Código do IRC” (Vd. “Prestações acessórias e partes de capital”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal n.º 4, Ano III, pp 35).

 

26. Note-se, porém, que no direito comercial a doutrina é clara na diferenciação destas figuras, sendo importante trazer à colação a posição de Raul Ventura a afirmar que “Conceptualmente as prestações suplementares aproximam-se das prestações de capital, embora haja entre umas e outras diferenças essenciais, ao passo que as obrigações acessórias nem sequer permitem qualquer aproximação com as prestações de capital” (vd. Sociedades por Quotas. Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, vol. I, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 1989, pp238).

 

27. Os suprimentos não remunerados são empréstimos dos sócios às sociedades e tanto podem ser feitos livremente como em execução de uma obrigação de prestação acessória. Ao contrário das entradas para o capital social, os suprimentos podem ser restituídos aos sócios em qualquer altura, para além de poderem vencer juros.

Os suprimentos não integram os capitais próprios da sociedade, pelo que a sua restituição não está sujeita ao princípio da intangibilidade do capital social, nem depende de prévia deliberação da assembleia geral. Todavia porque a finalidade dos suprimentos é colmatar insuficiências do capital social, a lei faz depender a sua restituição de algumas garantias para a sociedade e para os seus credores (vd., art. 245º n.ºs 1 e 2 CSC).

Relativamente aos suprimentos não remunerados a requerida alega que a ratio que subjaz ao artigo 31º do EBF (actual art.º 32º EBF) assenta no princípio da indispensabilidade dos custos contido no artigo 23º do Código do IRC, no sentido de apenas serem aceites os custos indispensáveis à realização dos proveitos tributários. Sabendo-se que os encargos financeiros suportados com créditos obtidos e utlizados para efectuar suprimentos às participadas não representam um gasto financeiro indispensável á obtenção do proveito sujeito a imposto. Tais encargos financeiros decorrentes de empréstimos bancários aplicados em participadas (a serem considerados) deveriam ser imputados nestas (Cfr., 101º, 103º e 104º da resposta da Requerida nos presentes autos arbitrais).

Não podemos acompanhar esta posição da Requerida.

O n.º 2 do artigo 31º do EBF (actual n.º 2 do artigo 32ª EBF) é um benefício fiscal que consiste para as SGPS num regime especial que contraria o regime geral de tributação das mais-valias e das menos-valias obtidas por sujeitos passivos de IRC. Na aplicação deste benefício fiscal a circular n.º 7/2004, de 30 de Março estabelece um método de imputação presumido dos encargos financeiros às partes de capital.

O artigo 23º do IRC não pode servir, sob pena de ilegalidade, para, de forma automática, aumentar o volume de encargos financeiros afectos às partes de capital.

A aplicação do artigo 23º do Código do IRC depende da verificação dos seus pressupostos no caso concreto. Efectivamente, o n.º 2 do artigo 23º do Código do IRC dispõe que os custos ou perdas terão que ser havidos como indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora.

Na demonstração dos pressupostos relativos à aplicação do artigo 23º do Código do IRC concordamos com a posição de António Martins ao defender que “…os custos derivados do financiamento do activo produtor de rendimento devem também constituir encargos dedutíveis. Eles estão inequivocamente relacionados com a obtenção de proveitos tributáveis, e, à luz do balanceamento entre proveitos e custos, não se entenderia que fossem fiscalmente desconsiderados”. (Vd., António Martins, “Uma nota sobre o conceito de fonte produtora constante do artigo 23º do CIRC: sua relação com partes de capital e prestações acessórias”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal n.º 2, Ano I, pp. 50).

 

28. Pelo exposto nos números anteriores verifica-se que o conceito de “partes de capital” respeita a “partes de capital social” e não a “partes de capital próprio”.

O capital social e o capital próprio são figuras jurídico-contabilísticas diferenciadas não tendo o intérprete da lei fiscal de dar igual tratamento a realidades substancialmente distintas, sob pena de violação do n.º 4 do artigo 11º da LGT, que afasta a interpretação analógica das normas tributárias. (Vd., Diogo Leite Campos, “Direito Tributário”, 2ª ed., Almedina, 2000,pp92).

Deste modo, a regra da exclusão da dedutibilidade dos encargos financeiros, prevista no n.º 2 do artigo 31º do EBF (actual n.º 2 do art.º 32º EBF) suportados em financiamentos afectos à realização de participações sociais não pode ser extensiva a encargos financeiros suportados em financiamentos afectos à realização de prestações suplementares, de prestações acessórias e de suprimentos não remunerados.

Em suma, na aplicação do benefício fiscal previsto no n.º 2 do artigo 31º do EBF (actual n.º 2 do art. 32º EBF) e para efeito de determinação dos encargos, nos termos da Circular n.º 7/2004, os quantitativos referentes a prestações suplementares, a prestações acessórias de capital e a suprimentos não remunerados deverão concorrer para a formação do lucro tributável.

Julgamos, assim, que não assiste razão à Requerida e o despacho objecto de impugnação nos presentes autos arbitrais é ilegal por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.

 

  1. Nos presentes autos arbitrais, a Requerida afirma no n.º 5º da sua resposta que a Requerente suportou encargos financeiros para realizar prestações suplementares e prestações acessórias, sob a forma de prestações suplementares. Porém, com referência a este ponto não indica quaisquer meios de prova. Ora, da acta n.º 2 da … SGPS, SA resulta, como já por várias vezes se viu, que não resultaram encargos financeiros da realização das referidas prestações suplementares.

 

  1. Dispõe o art.º 75º da LGT que “ presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”, e sucede que a AT não suscitou quaisquer dúvidas quanto às declarações ou outros elementos da Requerente, não fazendo, consequentemente, prova do que alegou no n.º 5º da sua resposta. Desta forma, como afirmou a Requerente na sua p.i. n.ºs 78º a 81º:

 

78º

Ora, a Administração Tributária não pode aplicar o método presuntivo previsto na Circular e atalhar caminho aplicando também o art.º 23º do IRC, sob pena de aplicar este último também de forma presuntiva, o que não é legalmente admissível.

 

79º

Se a Administração Tributária considera que a Impugnante contraiu empréstimos para o aplicar em atividades alheias ao seu objeto e que os juros pagos em tais financiamentos não cumprem com o critério da indispensabilidade previsto no artigo 23º do Código do IRC,

 

80º

Então aquela entidade pública tem de demonstrar (o que não o fez) os pressupostos relativos à aplicação deste artigo.

 

81º

Ao aplicar o critério do artigo 23º do Código do IRC a um montante de juros apurados pelo método da Circular, ou seja, por via presuntiva, a Administração Tributária está a violar essa própria norma e os artigos 15º e 17º do Código do IRC e o artigo 104º da n.º 2 da CRP.”

 

  1. Nestes termos, improcede a invocação do art.º 23º do Código do IRC feita pela Requerida. Em consequência, improcede também a aplicação do método de cálculo contido na Circular 7/2004, que é um documento interpretativo, para efeitos de avaliação, do teor do referido art.º 23º

 

  1. E quanto ao art.º 32º do EBF, há que reconhecer que a questão dos presentes autos arbitrais sai do seu âmbito de aplicação, em virtude de a Requerente não ter suportado qualquer encargo financeiro com as prestações suplementares, as quais resultaram da conversão de um crédito de que a Requerente era titular.

 

 

 

VI - DECISÃO

 

Em face do exposto, o presente Tribunal Arbitral decide considerar procedente o pedido da Requerente e, em consequência, mandar anular o ato tributário em análise, consubstanciado na liquidação de IRC n.º 2012 … e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2012 ….

 

Valor: € 132.381,64 (cento e trinta e dois mil, trezentos e oitenta e um euros e sessenta e quatro cêntimos).

 

Custas pela Requerida, no montante de € 3060 (três mil e sessenta euros) nos termos dos art.ºs 2º e 4º do RCPTA

 

Notifique-se

 

Lisboa, 4 de Outubro de 2013

 

 

Manuel Luís Macaísta Malheiros

 

 

Manuel Carlos Rodrigues

 

 

Armando Tavares