SUMÁRIO:
1. Nos termos da alínea e) artigo 277º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do artigo 29º, nº 1 alínea e) do RJAT, a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide;
2. A Requerida satisfez de modo voluntário a pretensão da Requerente;
3. O evento que torna inútil a apreciação do mérito da causa verificou-se depois da constituição do Tribunal Arbitral;
4. Não há, pois, efeito útil na prolação da decisão, termos em que se verifica a inutilidade superveniente da lide.
O árbitro individual, Vasco Valdez, designado pelo CAAD, acorda o seguinte:
I. RELATÓRIO
1- A..., NIF..., casada, residente em França, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral com vista à declaração da ilegalidade da liquidação de IRS 2019..., no valor de 14.458,05€, referente ao ano de 2018, com a consequente anulação do imposto entretanto já pago, acrescido de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 10º, nº’s 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro e do nº 2 do artigo 61º do CPPT.
2- O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida.
3- A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que o Presidente do CAAD designou o signatário, tendo o mesmo aceite o encargo no prazo que lhe foi concedido.
4- Devidamente notificadas as partes dessa designação, as mesmas não manifestaram intenção de recusar o árbitro, pelo que, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 2011-05-11.
5- Em 2021-06-15, a Requerida notificou o CAAD, que, por despacho da Senhora Subdiretora-Geral do Rendimento, de 2021-06-09, foi revogado o ato objeto de impugnação, conforme consta da informação nº 284/2021 da DSIRS, que anexou aos autos.
6- Nesta conformidade, a AT solicitou ao Tribunal que, “atendendo a que o objeto do pedido de pronúncia arbitral está extinto, verifica-se a inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277º, alínea e) do Código do Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente conforme art. 29º, nº 1 do Regime da Arbitragem Tributária, o que desde já se requer”.
7- Notificada a Requerente em 2021-06-16 para se pronunciar quanto ao conteúdo da comunicação feita pela Requerida, esta nada veio aduzir a este propósito.
8- Muito sinteticamente, quanto à questão de fundo, a Requerente alienou em 2018 a quota-parte de bens imóveis que lhe haviam sido atribuídos por herança, em relação às quais a AT viria a liquidar 14.458,05€ a título de mais-valias em sede de IRS, considerando que, por se tratar de uma cidadã não residente em território português, a taxa de 28% seria aplicável à globalidade da mais-valia e não só sobre 50% desta, nos termos do artigo 43º, nº 2 do CIRS.
9- A Requerente pagou o respetivo imposto, em 2019-09-04, mas interpôs reclamação graciosa da liquidação em 2019-12-27, a qual viria a ser indeferida em 2020-10-12.
10- A Requerente invocou diversas decisões do STA e também dos tribunais arbitrais, assim como de jurisprudência do TJUE, sempre no sentido de que havia um tratamento desigual e desfavorável dos não residentes comparativamente com os residentes em território nacional.
11- A AT, no âmbito da apreciação da reclamação graciosa, veio sustentar que o artigo 68º, nº 1 do CIRS havia eliminado tal tratamento desigual ao permitir a tributação em 50% das mais-valias imobiliárias, desde que estas fossem objeto de englobamento com os rendimentos obtidos, ainda que fora do território nacional.
12- Todavia, conforme reconheceu a AT na decisão que revogou o ato de liquidação sub judice, a jurisprudência tem vindo a considerar que o quadro legal em vigor não é conforme com o Tratado de Funcionamento da União Europeia, por constituir uma discriminação negativa suscetível de restringir a circulação de capitais na União Europeia, com destaque para o acórdão uniformizador de jurisprudência do STA de 9-12-2020, proferido no âmbito do Processo 75/20.6 BALSB, bem como para a Decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 18-03-21 proferida no Processo C-388/19 (Caso MK).
13- Em consequência, a AT reviu o entendimento que vinha fazendo sobre a matéria e revogou o ato tributário de liquidação em apreço.
14- Assim sendo, o Tribunal Arbitral, na sequência da revogação do ato e do pedido de reconhecimento da inutilidade superveniente da lide, por despacho de 30-6-2021 dispensou a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, assim como a produção de alegações pelas partes e fixou o dia 30-7-2021 para a prolação da decisão arbitral.
II-SANEADOR
15- As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da portaria nº 112-A/2011, de 22 de março)
16- O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído e o processo não enferma de nulidades.
III- DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
17- O artigo 277º alínea e) do CPC, aplicável ao caso por força do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, dispõe que “a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
18- Ora a inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de um facto novo ocorrido na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão do demandante ou porque o fim visado com a ação foi atingido de outra forma.
19- Ora, no caso concreto, verifica-se que a Requerida veio revogar a liquidação de IRS que havia dado lugar ao presente processo, dando, assim, satisfação por inteiro e de modo voluntário à pretensão da Requerente. Cabe, agora, à Requerida cumprir a obrigação legal de proceder à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse cometido a ilegalidade.
20- Neste caso, a decisão de fundo sobre a questão em apreço mostra-se destituída de efeito útil, pelo que não se justifica a sua prolação.
21- Nestes termos, reconhece-se a inutilidade superveniente da lide, quer quanto ao pedido principal, quer quanto ao subsidiário (pagamento de juros indemnizatórios).
22- Conforme ressalta, entre outras, das decisões arbitrais 412/2012-T, 215/2018-T, 909/2019-T e 356/2020-T, as consequências da revogação serão retiradas pela própria AT que, caso não o faça, poderá ser forçada a fazê-lo por decisão dos tribunais, num processo próprio que não o da impugnação.
23- O que acaba de dizer-se é válido para o pedido principal, assim como para o pedido de juros indemnizatórios, já que o tribunal arbitral não pode prosseguir por efeitos da inutilidade superveniente da lide.
IV- DECISÃO
Termos em que se decide julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de 14.458,05€, que não foi contestada pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12º, nº 2 e 24º, nº 4 do RJAT e 4º, nº 5 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em 918,00€, que fica a cargo da Requerida (artigo 536º, nº3, segunda parte, do CPC).
Notifique.
Lisboa, 7 de julho de 2021.
O árbitro singular
(Vasco Valdez)