DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Dra. Raquel Franco (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-05-2021, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A (doravante “Requerente”), pessoa coletiva de direito português com o número de identificação de pessoa coletiva (“NIPC”) e de identificação fiscal (“NIF”) ..., com sede em ..., ...-... ..., na qualidade de sociedade incorporante de B..., UNIPESSOAL, LDA (sociedade incorporada por fusão na sociedade A..., S.A, doravante referida como “B...”), veio ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação dos actos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e de juros compensatórios com os números 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., no montante total de € 133 018,96.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 26-11-2020.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 18-01-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 03-05-2021.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 07-06-20921, foi dispensada reunião e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) Foi efectuada uma inspecção à A B..., UNIPESSOAL, LDA, incorporada na Requerente, relativa ao período de 2017, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
II.3.1. Natureza jurídica, capital social, sede e responsáveis do sujeito passivo
A B... foi constituída como sociedade por quotas em 2011-01-26, com a designação comercial B..., LDA e sede na ..., ..., na freguesia de ... e ..., no concelho de Oeiras e distrito de Lisboa, O objeto social à data da constituição correspondia a "Exercício da atividade de gestão e consultoria de instalações desportivas e de health clubs, bem como a gestão e exploração de ginásio, educação física, fisioterapia, estética, massagens, tratamentos de beleza e saúde, acupuntura, restauração, formação, realização de estudos de mercado e viabilidade económica e atividades acessórias e/ou conexas, investimentos.".
(...)
Em 2016-09-16 o contrato de sociedade foi objeto de alterações quanto ao objeto social que passa a incluir ".. nutricionismo...".
(...)
Finalmente referir que a B... se encontra cessada desde 18 de abril de 2018 momento coincidente com a conclusão do projeto de fusão no qual a B... participou enquanto entidade incorporada. Efetivamente, em abril do referido ano, por meio de uma fusão por incorporação efetuada, nos termos dos n.ºs 1 e 4, alínea a), do artigo 97.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), deu-se a transferência global do património das sociedades incorporadas (seis entidades, entre elas a B...) para a sociedade incorporante, no caso a entidade C... SGPS S.A.., que atualmente assume a designação de A... SA.
(...)
A B... operou no mercado dos ginásios / centros de fitness, explorando em 2017, dois dos ginásios conhecidos no mercado com a designação comercial "D... com a seguinte localização:
«..., n.º..., Lisboa - ...;
•..., lote ..., Lisboa - ... .
Em 2017, o grupo "D... integrava mais sete ginásios, explorados por outras cinco entidades (todas detidas pela C... SGPS S.A., atrás melhor identificada), localizados em:
«... E..., Unipessoal, Lda, NIF...;
... F..., Lda, Unipessoal, Lda;
O ... G..., Unipessoal, Lda, Unipessoal, Lda;
• ... H..., Unipessoal, Lda, NIF...; o I..., Unipessoal, Lda, NIF...;
«... J..., Unipessoal, Lda, NIF...; e,
• ... K..., Unipessoal, Lda, NIF....
(...)
De acordo com o "Regulamento de utilização - Ginásios A..." disponibilizado pela entidade inspecionada, por intermédio da sua representante legal.
1. Gestão e administração
1.1 A C... S.G.P.S. é a entidade competente pela gestão e administração da marca L... .
1.2 A adesão ao ginásio A... disponibiliza ao sócio dois serviços distintos e independentes:
1.2.a. Disponibilização de instalações e equipamentos para a prática desportiva e física, lazer e prestação de serviços conexos com as mesmas atividades, a definir nas condições particulares, tutelados pelo Instituto Português de Desporto e Juventude;
12.b. Disponibilização de serviços paramédicos de nutrição, a definir nas condições particulares, tutelados pela Entidade Reguladora de Saúde."
Dos elementos recolhidos e disponibilizados pelo contribuinte no âmbito da presente ação inspetiva — os mais específicos, relacionados com a atividade propriamente dita, como o "Regulamento de utilização -Ginásios A...", o "Manual de Operações das Atividades desportivas" e as tabelas de preços, e bem assim, os contabilísticos - não resulta que a B... tenha beneficiado de outros rendimentos que não os derivados da "Disponibilização de instalações e equipamentos para a prática desportiva e física, lazer e prestação de serviços conexos com as mesmas atividades" (incluindo, serviços acessórios relacionados como aluguer de toalhas) e, alegadamente, serviços de aconselhamento nutricional. A contabilidade da B... espelha ainda rendimentos derivados de vendas de merchandizing, vestuário desportivo e suplementos alimentares.
De referir ainda que, ao contrário do que se poderia inferir do disposto no ponto 1.2.b. do "Regulamento de utilização – Ginásios A... ", atrás transcrito para este relatório, em 2017 a B... não se encontrava registada na Entidade Reguladora da Saúde como entidade prestadora de cuidados de saúde. Explicou o contribuinte inspecionado - através do seu representante na cessação, a A..., SA -, em resposta a notificação pessoal e por escrito efetuada em 2019-09-09, na pessoa de M..., procuradora da empresa A..., SA, que o grupo L... entendia que o registo das nutricionistas na respetiva ordem profissional era o registo necessário ao exercício da atividade.
Por último, salientar o facto de que a B... não procedeu à entrega da declaração de alterações a que se refere o artigo 32.º do CIVA e a que estava obrigada aguando da extensão do seu objeto social à atividade de "Nutricionismo".
(...)
III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas ao imposto e matéria coletável
III.1 IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO
III.1.1 Serviços de nutrição / aconselhamento nutricional - Aplicação indevida de isenção de IVA
III.1.1.1 Atividade declarada
De acordo com a informação constante dos quadros 3 e 4 deste relatório, em 2017 a B... reconheceu na sua contabilidade rendimentos no montante de € 1.631.723,07, ao que corresponde um volume de negócios declarado no montante de € 1.605.221,01, na totalidade derivados de vendas e serviços prestados no âmbito do seu objeto social.
Se ao valor do volume de negócios acima referido adicionarmos o montante reconhecido a débito das contas 72113202 e 72113203 designadas por "Diferença Caixa - ..." e "Diferença Caixa - ...", respetivamente, no montante global de € 13.828,48, e que, de acordo com os elementos reunidos no âmbito da presente ação inspetiva, não devem influenciar aquele indicador, temos que o volume de negócios efetivo em 2017 ascendeu a € 1.619.049,49.
Considerando o enquadramento em sede de IVA aplicado pelo contribuinte, podemos dividir as operações ativas geradoras do referido volume de negócios como segue (valores constantes dos balancetes e extratos contabilísticos disponibilizados pelo sujeito passivo inspecionado):
Através da consulta à informação constante do ficheiro SAF-T PT) de faturação, verificamos que as operações ativas sujeitas a IVA e não isentas incluem as vendas e os serviços prestados pela B... a seguir enumerados (os mais relevantes):
• Venda de material e vestuário desportivo e merchandizing;
• Venda de produtos alimentares, vitaminas, suplementos, produtos dietéticos e/ou energéticos;
• Mensalidade, na parte relativa à disponibilização das instalações e equipamentos para a prática de exercício físico, cujo valor unitário varia consoante o plano de frequência/treino escolhido pelo sócio do clube;
• Aulas avulso;
• Taxa de utilização diária (utilização esporádica das instalações e equipamentos para a prática de exercício físico);
• Aluguer das instalações para eventos;
• Orientação de treino;
• Cadeados e aluguer dos mesmos; e,
• Toalhas e aluguer das mesmas.
Com exceção da venda de alguns - não se aplica a todos - produtos alimentares, em que foi aplicada a taxa de IVA reduzida então em vigor (Cf. alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA), a todas as demais operações ativas acima elencadas foi aplicada a taxa normal de 23% (Cf. alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA).
Por sua vez, e, recorrendo à mesma fonte de informação, constatamos que foram consideradas isentas de IVA, por aplicação da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, todas aquelas operações que se encontram descritas nos documentos de faturação como serviços de nutrição.
Estes serviços de nutrição assumiram diferentes valores unitários consoante o plano de frequência/treino escolhido pelo sócio do clube, a que se encontravam associados. Tal conclusão não deixa de ser surpreendente, uma vez que, no decurso da análise efetuada pela IT, não foi recolhido qualquer indício de que o serviço de nutrição alegadamente prestado fosse diferente - menos ou mais completo - consoante o plano escolhido.
Do exposto fica patente o peso significativo que as operações isentas de IVA registaram no conjunto das operações ativas realizadas pela B... em 2017 - em valor, mais de um terço da sua atividade total - operações que, alegadamente. se encontram relacionadas com a prestação de cuidados de saúde, no caso, aconselhamento nutricional. Tendo em conta que estamos perante um operador que essencialmente se move no setor dos ginásios / centros de fitness e não no setor dos prestadores de cuidados de saúde, tal facto mereceu da parte da IT uma análise mais aprofundada e que se descreve a seguir.
Antes, apenas relembrar que a B... não se encontrava em 2017 inscrita como entidade prestadora de cuidados de saúde na Entidade Reguladora de Saúde. Como veremos adiante, tal registo é uma obrigação legal para as entidades que pretendem levar a cabo serviços que consistam na prestação de cuidados de saúde.
No cadastro da AT. a B... também não se encontrava registada para o exercício de atividades nas áreas da saúde humana.
Nos pontos que se seguem descreve-se os fundamentos de direito e de facto que no final conduzirão à conclusão de que o contribuinte aplicou indevidamente a isenção a que se refere o artigo 9.º, al. 1) do CIVA.
III.1.1.2 Da isenção de IVA nos serviços de saúde - Enquadramento Tributário
As isenções de IVA para os serviços de saúde em vigor em território nacional encontram-se previstas nas alíneas 1) e 2) do artigo 9.º do CIVA e resultam da transposição das alíneas b) e c) do artigo 132.º incluído no capítulo 2, designado "Isenções em benefício de certas atividades de interesse gerar da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006, que deu origem ao Sistema Comum sobre o Valor Acrescentado.
De acordo com as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 132.º da referida Diretiva, os Estados-Membros isentam deste imposto:
b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;
c) As prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas tal como definidas pelo Estado-Membro em causa;
As isenções previstas no artigo 132.º da Diretiva Comunitária atrás identificada são de interpretação estrita, dado que constituem exceções ao princípio geral de tributação do IVA, pelo que não visam isentar qualquer atividade de interesse geral, mas unicamente as que aí são enumeradas e detalhadamente descritas6.
Para o caso presente, e sendo clara a não aplicação da isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva, atentemos na norma prevista na alínea c) do n.º 1 do mesmo normativo.
Antes de mais referir que a isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º é aplicável independentemente da forma jurídica - pessoa singular ou pessoa coletiva - do sujeito passivo que presta os serviços médicos ou paramédicos.
O acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no processo C-141/00 (caso Kugler, Colet. P. I-6833, n.º 26) afirma, a respeito da disposição comunitária em análise, que a mesma tem um carácter objetivo, definindo as operações isentas em função da natureza dos serviços prestados sem qualquer imposição quanto à forma jurídica do prestador, bastando estar-se perante serviços médicos e paramédicos que sejam prestados por pessoas que possuam qualificações para o efeito.
Por sua vez, a diversa jurisprudência emanada pelo TJUE vai no sentido de que os serviços de assistência a que se refere a isenção em análise tenham como finalidade diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde, ou seja, terem finalidade terapêutica. O mesmo é dizer que uma determinada prestação de serviço que não é conduzida com o objetivo de diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou quaisquer anomalias de saúde, ainda que na mesma intervenham um médico ou paramédico, não se pode considerar como uma prestação de serviços de assistência para efeitos da aplicação da isenção de IVA em análise.
Apresenta-se de seguida a redação da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA que resultou da transposição da isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva:
Artigo 9.º
Estão isentas do imposto:
1) As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas.
No que respeita às profissões paramédicas estão as mesmas reguladas na legislação nacional através do Decreto-Lei n.º 261/93, de 24-07, compreendendo, nos termos do artigo 1.º deste diploma "...a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação...". Este diploma dispõe em anexo de uma lista das atividades que podem ser consideradas como profissões paramédicas, incluindo no seu ponto 5 a atividade de dietética, definindo-a como sendo a "...aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, querem situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares...".
Para o exercício destas atividades paramédicas são condições obrigatórias a titularidade de curso reconhecido nos termos legais e de carteira profissional (Cf. artigo 2.º do DL n.º 261/93 de 24-07). No caso da atividade de dietética é obrigatório o respetivo curso ministrado em estabelecimento do ensino público, particular ou cooperativo, devidamente reconhecido, e, bem assim, a inscrição na Ordem dos Nutricionistas.
Em face do que antecede, assumindo-se a entidade inspecionada como prestador de serviços de nutrição /aconselhamento nutricional, para o efeito, terá forçosamente de adquirir esses serviços a profissionais devidamente credenciados para o efeito (com curso reconhecido e inscritos na Ordem dos Nutricionistas) (Cf. n.º 4 do artigo 4.º do CIVA).
Por último referir que, de acordo com o previsto no Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22-08, referente à adaptação dos estatutos da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) ao regime estabelecido na lei-quadro das entidades reguladoras, aprovada em anexo à Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, a inscrição/registo válido na ERS constitui condição obrigatória de abertura e funcionamento do estabelecimento prestador de cuidados de saúde.
Pelo interesse que tem para melhor compreensão da matéria em análise, transcreve-se de seguida um artigo da autoria de Alexandre Miguel Mestre (Advogado, Consultor na Abreu Advogados / Docente no Ensino Superior na área de Direito do Desporto / Formador de Ética, Deontologia e Legislação do Fitness no CEFAD /Ex-Secretário de Estado do Desporto e Juventude, gabinete governamental com poderes de tutela sobre os ginásios).
"No processo evolutivo de transição do conceito de ginásio para health club (clube de saúde), ganhou expressão a prestação de serviços de nutrição, materializada em consultas de nutrição (num prisma mais clínico) ou nos ditos serviços de apoio nutricional (num conceito menos personalizado e mais vocacionado para o bem-estar/lazer). Assim, o nutricionista foi-se gradualmente impondo no contexto do fitness e tornando-se num agente necessário e familiar aos olhos dos utentes ou clientes dos Health clubs.
Nesse processo, suscita-se a questão de saber qual o respetivo impacte no plano jurídico-tributário, em particular em sede de IVA. É esse enquadramento que, de forma sumária, procurarei fazer de seguida, num exercício pessoal de interpretação da lei, mas tendo como âncora doutrina, jurisprudência e mesmo a posição da AT (Autoridade Tributária e Aduaneira).
Há duas premissas jurídicas que importa desde logo ter presente: (i) legalmente estão isentas de imposto as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões paramédicas"; (ii) a nutrição/dietética é legalmente considerada como uma atividade/profissão paramédica. Não se pense, porém, que basta a concatenação das referidas duas premissas para que a isenção de IVA seja algo de automático/imediato: há diversas condições que se devem verificar. Importa, então, saber o que deve fazer o prestador dos serviços (PS) na passagem de ginásio para health club, isto é, no início e no desenvolvimento de um processo em que, a acrescer aos serviços de atividade física e desportiva, passa a prestar cuidados de saúde. Vejamos, pois, os passos cronológicos a dar:
1. Alteração do objeto social. Importa que o SP altere os seus estatutos/pacto social de modo a incluir, em toda a extensão, as valências que passa a poder disponibilizar.
2. Alteração do CAE (Classificação Portuguesa de Atividades Económicas). Deve o PS informar AT da realização de uma outra (nova) atividade económica, passando a ter um CAE secundário.
Com efeito, alterando-se quaisquer elementos constantes da declaração de início de atividade, deve o sujeito passivo entregar a respetiva declaração de alterações, no prazo de 15 dias a contar da data de alteração.
3. Registo obrigatório na Entidade Reguladora de Saúde. Sem esse registo válido, no espaço em causa não pode haver prestação de serviços de nutrição.
4. Contratação de nutricionistas certificados. A prestação de serviços de nutrição encontra-se reservada a pessoas tituladas por curso oficial ou seu equivalente legal. Quer isto significar que o exercício válido da profissão de nutricionista depende da prévia inscrição, como membro efetivo, na Ordem dos Nutricionistas. Sem essa habilitação, a faturação da entidade aos clientes não pode beneficiar da isenção de IVA.
5. Faturação adequada. No essencial, há que faturar conforme segue:
a) Só faturar serviços de nutrição efetivamente prestados/realmente utilizados, ou seja, se for disponibilizada ao utente, num pacote, a possibilidade de recorrer, no espaço em causa, aos serviços de nutrição, sem que o utente chegue a beneficiar dessa possibilidade, cabe apenas faturar os serviços de atividade física e desportiva - não procede o argumento de que se debita sempre o serviço de nutrição mesmo se os clientes a ele não recorrerem, situação que tomaria superior o número de serviços faturados aos clientes do que os pagos aos nutricionistas;
b) Se o serviço prestado for unicamente de nutrição (independente da prática de atividade física/desportiva), a fatura emitida deve mencionar a isenção de IVA (IVA 0%), que é aplicável quer quando é o nutricionista a faturar diretamente ao cliente quer quando é o PS a refaturar ao seu cliente o serviço de nutrição que lhe foi faturado pelo nutricionista;
c) Se for cobrado ao utente um valor único e fixo (semanal /quinzenal /mensal /trimestral /semestral /anual), englobando, simultaneamente, a prática da atividade física/desportiva e os serviços de nutrição) não há lugar a isenção de IVA, uma vez que não estamos perante dois serviços distintos e autónomos entre si, mas sim face a um sujeito passivo misto que presta um serviço principal (atividade física e desportiva) e um acessório (nutrição). Uma decomposição artificial dessas prestações de serviços no plano económico conduziria a uma alteração da funcionalidade do IVA (distorcendo a concorrência), pelo que não basta desagregar as prestações principais das acessórias para garantir a isenção de IVA na parcela da componente acessória - in casu a nutrição -, devendo o PS faturar os serviços discriminadamente (a lei assim o impõe) mas liquidar o IVA a 23%"
III.1.1.3 Da atividade efetivamente exercida
III.1.1.3.1 "Manual de Operações das Atividades Desportivas" - Informações relevantes
Em resposta ao solicitado pela IT o contribuinte disponibilizou o "Manual de Operações das Atividades Desportivas" que, facilmente se percebe, é, nos principais pontos, nomeadamente (Cf. Anexo 1):
3. Processo geral do serviço
4. Aplicação dos protocolos de receção do cliente
5. Aplicação de protocolos após receção do cliente transversal a todos os clubes do grupo L... .
Relativamente ao "Processo geral do serviço" o manual de operações apresenta o seguinte esquema:
"Cliente -> Orientação inicial (opcional)/Acons. nutricional (on line) -» Acompanhamento no ginásio e aulas por técnicos de exercício físico, no ginásio identificado como coach."
No ponto 4 do Manual, apresentado sob a epígrafe "Aplicação dos protocolos de receção dos clientes", encontra-se a descrição dos conceitos associados à fase intermédia do "Processo geral do serviço" acima apresentado:
a. Orientação de treino (opcional):
i. Anamnese
ii. Avaliação física:
1. Avaliação da composição corporal...
2. Medição de perímetros...
3. Aferição dos objetivos a atingir
iii. Prescrição B acompanhamento do Treino
b. Aconselhamento nutricional
i. Envio de email automático ao sócio no ato da adesão com questionário Nutricional;
li. Sócio preenche o questionário e envia por email para nutricao@...
iii. Após a receção do questionário nutricional enviado pelo sócio é-lhe enviado a proposta de Plano Nutricional pela Nutricionista;
iv. Colocação de dúvidas ou questões via email (nutricao@...) ou nas sessões presenciais que acontecem de 2 em 2 meses."
O ponto 5. referente à "Aplicação de protocolos após a receção do cliente" serve para descrever.
a. Atividades de trabalho muscular e cardiovascular
i. Equipamentos de força
ii Trabalho muscular:
iii. Equipamentos de cardiovascular:
b. Atividades coletivas:
1. Step...
2. Cycle...
3. Zumba..."
Relativamente a este "Manual de Operações das Atividades Desportivas" da B..., cabe desde logo salientar que o mesmo se refere às "atividades desportivas" e não às "atividades desportivas e de aconselhamento nutricional / nutrição" - como até seria de esperar dado o peso desta última no volume de negócios declarado.
Mas não, estamos perante um manual que regula as atividades desportivas oferecidas por um ginásio cujo core business será esse mesmo - a disponibilização de instalações, equipamentos e profissionais para apoio à prática de exercício físico pelos seus clientes -, no qual o serviço de aconselhamento nutricional aparece na fase intermédia, imediatamente posterior à receção do cliente - ao mesmo nível da orientação de treino (inicial e subsequente) que, ao contrário do aconselhamento nutricional, é apresentada como opcional para o cliente - efetivando-se, alegadamente, à distância (supostamente, o primeiro contacto com o serviço de nutrição é efetuado através de e-mail), e de modo prévio ao serviço principal que é o de permitir e facilitar a prática de exercício físico. A partir dessa fase, o serviço de nutrição engloba apenas a resposta a dúvidas colocadas pelos clientes via e-mail e em sessões presenciais que, segundo o manual, deveriam ocorrer de dois em dois meses.
Por fim, uma pergunta se impõe.
Que razões justificam que a orientação de treino seja apresentada ao cliente como um serviço opcional, faturado para além da mensalidade contratada, e o aconselhamento nutricional, na mesma fase e ao mesmo nível, não o seja?
III.1.1.3.2 Formulário de adesão e "Regulamento de utilização - Ginásio A..."
Solicitamos, no âmbito da notificação pessoal e por escrito efetuada em 2019-09-09, à entidade inspecionada na pessoa da procuradora da representante na cessação - a A... S.A. -M..., cópia dos contratos tipo celebrados com os clientes para as diferentes modalidades oferecidas no período de 2017, alvo da presente análise.
Em resposta o contribuinte apresentou um documento denominado "Formulário de Adesão", que, mais uma vez se constatou, era de utilização transversal a todos os ginásios da marca L... (Cf. Anexo 2).
Esse formulário encontra-se dividido em 4 partes:
1. "Dados do cliente";
2. "Dados da adesão";
3. "Autorização de débito direto";
4. "Termos e condições".
Nos dados da adesão, o cliente é interpelado a escolher o "plano" e os serviços adicionais que pretende.
Os "planos" apresentados nesse formulário estão descritos da seguinte forma:
"Shot(15€)"
"Basic (25€)"
"Basic + (29€)"
"Plus (35€)"
"Pró (39€)"
e, com exceção do preço, sem qualquer informação adicional que os distinga.
Relativamente ao serviço a que o cliente está a aderir a única referência que encontramos neste formulário de adesão é na secção dos "Termos e condições" onde o cliente declara que "...não tenho quaisquer contraindicações para a prática das atividades físicas e/ou desportivas que pretendo levar a cabo no A...".
Por sua vez, no "Regulamento de utilização - Ginásios A..." - aquele que o cliente declara, no formulário de adesão, ter lido e aceite - é referenciado que, com a adesão, os ginásios A... disponibilizam dois serviços distintos e independentes (Cf. Anexo 3):
1. Gestão e Administração
1.1....
1.2...
1.2.a Disponibilização de instalações e equipamentos para a prática desportiva e física, lazer e prestação de serviços conexos com as mesmas atividades, a definir nas condições particulares, tutelados polo Instituto Português de Desporto e Juventude;
1.2.b Disponibilização de serviços paramédicos de nutrição, a definir nas condições particulares, tutelados pela Entidade Reguladora de Saúdo."
No que respeita aos pagamentos, aquele regulamento refere o seguinte: "6. Pagamentos
6.1 O sócio deverá pagar uma jóia no ato da sua inscrição sendo o valor desta determinado pelo ginásio.
6.2 O pagamento pode ser feito de duas formas:
6.2.1 - Pagamento mensal por débito direto.
6.2.2- Pronto pagamento de trimestre, semestre ou anuidade por numerário ou MB.
6.3 O débito direto das mensalidades será efetuado até ao dia 5 de cada mês.
6.4 O ginásio A... reserva-se ao direito de impedir o acesso ao Ginásio a sócios com pagamentos em atraso.
6.5 As taxas poderão ser alteradas anualmente responsabilizando-se o Ginásio pela sua fixação antecipadamente num período de trinta dias.
6.6 Caso o sócio não frequente o ginásio num determinado mês, não é possível transferir esse pagamento para outros meses.
6.7 O pagamento da mensalidade é referente à utilização dos balneários, das aulas de grupo e da sala de exercício mediante o perfil escolhido na sua adesão, [negrito nosso]"
Através de pesquisas efetuadas na Internet constatamos que os "planos" a que se refere o "Formulário de adesão" terão sido comunicados ao cliente como se apresenta:
(Retirado através do link: https://image... )
Relativamente aos elementos analisados neste ponto salienta-se:
• O facto de, na única descrição dos planos de frequência/treino oferecidos pelos ginásios A..., a que tivemos acesso, não se encontrar qualquer menção aos serviços de nutrição alegadamente incluídos nesses planos;
• Mais, em momento algum, é dado ao cliente conhecimento de que uma parte do valor da mensalidade contratada está associada ao serviço de nutrição alegadamente incluído na mensalidade. Pelo contrário. O "Regulamento de utilização - Ginásios A..." refere expressamente no ponto 6.7 "O pagamento da mensalidade é referente a utilização dos balneários, das aulas de grupo e da sala de exercício mediante o perfil escolhido na sua adesão", não fazendo qualquer referência a serviços de nutrição; e,
• Além do mais, não consta que ao cliente tenha sido dada a possibilidade de não incluir no seu pacote os serviços de nutrição e, com isso, de pagar uma mensalidade de menor valor, ao contrário do que acontece com o serviço opcional de "orientação de treino".
III.1.1.3.3 Tabelas de preços em vigor em 2017
De acordo com o solicitado no ponto 9. da notificação pessoal e por escrito efetuada em 2019-09-09, a que já fizemos referência, o contribuinte inspecionado disponibilizou as tabelas de preço em vigor no ano de 2017, relativas aos "planos" em vigor e a "merchandizing e alugueres" (Cf. Anexo 4).
A tabela de preços referente aos "planos" vai de encontro à informação constante do "Formulário de adesão", tendo como única diferença o facto de apresentar mais dois planos do que este último. A saber:
• Estudante: Mensalidade de 25€; e, « Corporais: Mensalidade de 29€.
Nesta mesma tabela consta a existência de uma jóia (inscrição) no valor de 100€.
Neste ponto, e, mais uma vez, salienta-se a inexistência de qualquer informação ao cliente no sentido de que qualquer dos planos contratados inclui um valor associado ao serviço de nutrição alegadamente prestado, não lhe sendo dada a possibilidade de não beneficiar desse serviço a troco de uma mensalidade de valor inferior.
À semelhança do "Manual de Operações das Atividades Desportivas" e do "Formulário de adesão e respetivo regulamento", também o conteúdo da tabela de preços, dão força à IT na formação da convicção de que os 'Serviços de nutrição" faturados e alegadamente prestados pela B... (e pelas demais entidades do grupo, na medida em que os procedimentos que vigoraram são transversais a todos os ginásios A...) a terem existido, apenas lhes poderá ter sido atribuído uma natureza residual relativamente à atividade principal desenvolvida. Essa natureza residual é corroborada pelo facto de nos principais elementos de contacto e abordagem ao cliente - como tabelas de preços, descrição dos planos e formulários de adesão - tais serviços nunca lhe serem comunicados, e mesmo quando há uma breve referência aos serviços de nutrição, aos mesmos nunca é atribuída uma valorização no âmbito dos serviços disponibilizados.
Será que, em alguma circunstância, os serviços de nutrição faturados e alegadamente prestados pela B... constituíram para os seus clientes um fim em si mesmo, ou antes, e, eventualmente, um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal prestado por aquela?
Indo mais longe - dado o conteúdo dos elementos analisados nos pontos III.1.1.3.1. III.1.1.3.2 e III.1.1.3.3 -. será que os clientes quando contrataram o plano de treino que melhor lhes convinha tinham consciência de que o valor que lhes ia ser cobrado correspondia em mais de 35% a serviços de nutrição? Ter-lhes-á sido dada a alternativa de não incluir esse serviço em troca de uma mensalidade de valor inferior?
Do exposto, resultam fortes indícios de que a B... terá cobrado aos seus clientes um valor mensal único e fixo que terá englobado, simultaneamente, a prática da atividade física/desportiva e os serviços de nutrição, e, se assim for, considera a IT. que não há lugar a isenção de IVA, uma vez que não estaremos perante dois serviços distintos e autónomos entre si. mas sim face a um sujeito passivo misto que terá prestado um serviço principal (atividade física e desportiva) e um acessório (nutrição). A comprovar-se esta situação, nada obsta a que o contribuinte discriminasse as prestações de serviços efetuadas na respetiva fatura mas deveria ter liquidado o IVA à taxa normal pelo valor total.
Contudo não é apenas esta natureza residual e caráter acessório dos serviços em análise, alegadamente prestados, que a IT pretende demonstrar. Como se verá de seguida, o que está em causa é mais do que isso, é a efetividade dos serviços de nutrição faturados.
III.1.1.3.4 Pessoal ao serviço da B... e a sua afetação às atividades desenvolvidas
- Inexistência de gastos com pessoal ou de outra natureza subjacentes aos "Serviços de nutrição" alegadamente prestados
No ano de 2017 a B... incorreu em gastos com pessoal no montante global de € 320.570,02. De acordo com as Declarações Mensais de Remuneração (DMR), contou nesse ano com 27 colaboradores.
Por sua vez, de acordo com a contabilidade exibida e através da declaração Modelo 10, constatamos que a B... contou, em 2017, com a colaboração de 125 trabalhadores a título independente, tendo com os mesmos incorrido em gastos no montante de € 184.075,81.
Notificamos, em 2019-10-09, pessoalmente e por escrito, o contribuinte inspecionado, na pessoa da procuradora da representante na cessação oportunamente identificada, para proceder à:
3. Identificação de todos os colaboradores dependentes e independentes informando a função para que foram contratados /tipo de serviço adquirido;
Em resposta, o contribuinte apenas elencou os colaboradores dependentes da B... à data de 2017-12-31, correspondendo apenas a 21 trabalhadores dos 27 que haviam colaborado com a B... em 2017. Os colaboradores identificados foram dados como tendo exercido funções nas áreas de direção, administração e coordenação da atividade geral dos clubes sob a alçada da B... e na área técnica do fitness /exercício físico.
Face à ausência de resposta a uma parte importante do solicitado no ponto 3. da notificação pessoal efetuada, atrás transcrito, poderíamos ter reiterado o pedido, mas não o fizemos.
Não o fizemos porque, na notificação pessoal efetuada em 2019-09-09, nas mesmas circunstâncias, tínhamos solicitado no seu ponto 11:
11. Contratos de prestação de serviços celebrados com os profissionais independentes contratados para prestação de serviços na área da saúde, nomeadamente, nutricionistas e/ou fisioterapeutas.
Mais, no ponto 4 da notificação pessoal efetuada em 2019-10-09, o nosso pedido abrangia:
4. Apresentação de todos os documentos de suporte aos gastos reconhecidos - relacionados com a contratação de profissionais e/ou outros - subjacentes aos serviços de nutrição prestados em 2017;
Como resposta aos referidos pontos 11. e 4., foram obtidas as seguintes respostas, respetivamente:
"...Não existiam, no exercício de 2017, contratos de prestação de serviços celebrados com profissionais independentes para a prestação de serviços na área da saúde, sendo a nutricionista colaboradora do Grupo.
4. Os serviços de nutrição no ano de 2017 foram prestados pela nutricionista do Grupo, Dra. N... NIF... .
Em 14 de janeiro voltamos a notificar o sujeito passivo inspecionado, desta vez, tendo em vista obter informação mais detalhada sobre a forma como os serviços de nutrição faturados teriam sido prestados. No ponto 8. da referida notificação foi pedido ao contribuinte (entre outros esclarecimentos):
8. Relativamente aos serviços de nutrição faturados:
8.1 Informar, a que título, N..., com o NIF..., prestou, em 2017, serviços de nutrição à B..., tendo em conta que não consta que a referida nutricionista tenha sido, naquele período, sua colaboradora dependente ou independente;
Em resposta o contribuinte informou:
1. O contrato da nutricionista era com a H... (detida a 100% pelo grupo), que previa serviços em todos os "Clubes". Acrescentamos que quando se passou a oferecer o serviço de nutrição ainda não se sabia de quantas nutricionistas a empresa iria necessitar. A empresa começou por contratar uma, que teria de dar todas as consultas presenciais que lhe fossem solicitadas nos vários ginásios e responder a todos os mails de pedidos de esclarecimentos enviados pelos sócios clientes. Até ao final de 2017 a nutricionista N... conseguiu cumprir esse objetivo.
Aqui chegados, percebe-se o porquê de não termos reiterado o pedido de informação efetuado no ponto 3. da notificação pessoal e por escrito efetuada em 2019-10-09.
Efetivamente, para o efeito que aqui nos move, a demais informação transmitida pelo contribuinte, em resposta a outros esclarecimentos solicitados, pessoalmente e por escrito, foi a necessária e suficiente para concluir acerca do pessoal contratado, a título dependente e/ou independente, para efeitos de realização dos serviços de nutrição/aconselhamento nutricional faturados pela B... .
Com efeito, concluímos que a B... não contratou diretamente, qualquer profissional - a título dependente ou independente - na área da nutrição.
Impõe-se agora analisar a coerência do alegado pelo contribuinte quanto aos recursos humanos utilizados para prestar os serviços de nutrição faturados em 2017.
Assim, segundo o mesmo, o grupo L..., por intermédio de entidade que o integra - a H... Unipessoal, Lda - terá contratado uma Nutricionista – N...- para prestar serviços de nutrição em todos os ginásios do grupo.
De acordo com a base de dados da AT, N...- licenciada em Ciências da Nutrição e detentora da cédula profissional n.º...- foi, desde setembro de 2016, trabalhadora dependente da entidade H... Unipessoal, Lda (H...), NIF..., a qual, como referenciado atrás neste relatório integrava o grupo L..., explorando o clube de ..., em Lisboa.
Constatamos ainda que, em 2015 e 2016, a mesma profissional prestou serviços enquanto trabalhadora independente naquela e noutras entidades do Grupo L... .
No ano em referência N... auferiu rendimentos brutos de categoria A (sujeitos e não sujeitos a IRS) no montante global de € 17.957,82 pagos pela entidade H..., não constando que tal montante inclua a contrapartida monetária de trabalho extraordinário prestado, ajudas de custo ou deslocações em viatura própria.
O contribuinte disponibilizou cópia do contrato de trabalho celebrado em 2016-09-02, entre a H... e N..., do qual se extraem, entre outras, as seguintes informações:
Cláusula 1ª
1. A primeira contraente [H...] é uma empresa que tem como atividades, entre outras o exercício da atividade de gestão e consultoria de instalações desportivas e de health clubs, bem como a gestão e exploração de ginásios, e vai agora iniciar uma nova atividade ainda de duração incerta de prestação de serviços de nutricionismo.
2. A primeira outorgante integra o denominado "Grupo L..." constituído por diversas sociedades todas pertencentes à sociedade "C..., SGPS, SA" que são titulares e exploram uma rede de estabelecimentos de ginásio e health club que giram no comércio sob a marca e nome "D..." ou simplesmente "...", uns pertencentes à 1.ª outorgante e outros a outras entidades do mesmo referido grupo societário.
3. Ainda para efeitos dos números anteriores...declara-se que a H... representa aqui as demais sociedades do "grupo" relativamente às quais a trabalhadora prestará, igualmente, o seu trabalho, vinculando-se também tais sociedades através dos representantes legais da H..., comuns a todas, sendo a identificação dessas empresas a seguinte:
-B..., Unipessoal, Lda, ...
-I..., Unipessoal, Lda...
-E..., Unipessoal, Lda...
- J..., Unipessoal, Lda...
4. A segunda contraente [N...] é admitida ao serviço da 1.ª contraente, para desempenhar (em regime de exclusividade no que respeita à atividade de Fitness/Ginásio) as funções inerentes à categoria profissional de NUTRICIONISTA, cujo conteúdo funcional é, nomeadamente, o de aconselhamento alimentar pessoal ou on-line aos sócios dos Clubes L..., ..., obtendo um conhecimento alargado dos sócios, das suas necessidades e objetivos,...; elaborará em conjunto com a gerência ou quem esta indicar projeto on-line de aconselhamento nutricional; elaboração de questionários de hábitos alimentares que permitam o envio de uma sugestão de plano alimentar, efetuar o acompanhamento dos clientes on-line ou via email diariamente; realizar sessões presenciais nos diversos Clubes L... para dar apoio e retirar dúvidas aos sócios.
(...)
Cláusula 4.ª
A remuneração base mensal do Segundo Contraente é no montante líquido e fixo de Eur: 1.000,00 (mil euros), a qual inclui subsídio de alimentação...
Cláusula 5.ª
1. Atendendo às necessidades temporárias e natureza das funções para que está a ser contratada, a trabalhadora cumprirá um horário semanal de trabalho de 20 (vinte) horas, de 2.ª a 6.ª, sendo a determinação das horas de início, termo e intervalos de descanso, fixados pela gerência da Empregadora em função das necessidades desta...
2. A segunda outorgante autoriza...qualquer alteração ao horário de trabalho ora estabelecido em função das necessidades da empresa e do respetivo estabelecimento onde aquele exercer a sua atividade.
Cláusula 6.ª
A atividade da segunda outorgante será exercida na sede da empresa e em qualquer outro estabelecimento ou ginásio A... (atual ou futuro) acima referido do território nacional ... devendo efetuar assim todas as deslocações que se mostrem necessárias ou convenientes ao exercício da sua atividade profissional.
Em resumo e de acordo com o contrato de trabalho disponibilizado à IT:
1.N..., foi contratada pela H..., em seu nome, em nome de todas as sociedades que integravam, à data, o grupo L..., mas também em nome daquelas que o viessem a integrar no futuro, para prestar serviços de nutricionista em todos os ginásios que as mesmas exploravam ou viessem a explorar;
2. O conteúdo funcional para que foi contratada revela-se bastante abrangente -"... aconselhamento alimentar pessoal ou on-line aos sócios dos Clubes L..., ..., obtendo um conhecimento alargado dos sócios, das suas necessidades e objetivos,...; elaborará em conjunto com a gerência ou quem esta indicar projeto on line de aconselhamento nutricional; elaboração de questionários de hábitos alimentares que permitam o envio de uma sugestão de plano alimentar, efetuar o acompanhamento dos clientes online ou via email diariamente; realizar sessões presenciais nos diversos Clubes L... para dar apoio e retirar dúvidas aos sócios." - destacando-se, em particular, que, em teoria a Nutricionista deveria adquirir um conhecimento alargado dos sócios, das suas necessidades e objetivos.
3. O horário de trabalho definido no respetivo contrato é de 20 horas semanais, tendo o mesmo sido definido em função das necessidades temporárias e natureza das funções para a qual estava a nutricionista a ser contratada.
Aqui chegados, impõe-se referir que a contabilidade disponibilizada pela B... não espelha tal cenário. Efetivamente, para além do contrato de trabalho analisado, não foi reunida qualquer evidência de que a H... tenha cedido à B... pessoal especializado nesta área da nutrição ou noutra área qualquer. Não existe qualquer débito desse tipo de serviços entre essas duas entidades.
Assim sendo, não resta outra alternativa à IT, que não a de concluir que em 2017 a B... não incorreu em quaisquer gastos com pessoal, ou outros, para prestar os serviços de nutrição que faturou.
Todavia, não podemos encerrar este ponto sem dar conta do seguinte:
Como vimos, no total, este grupo L... integrava, em 2017, seis empresas a operar na mesma área de negócio da B..., as quais, ao todo, exploravam 8 ginásios);
Em conjunto, as entidades que exploraram ginásios do Grupo L... em 2017 declararam como volume de negócios o montante de € 6.780.202,11:
O volume de negócios inscrito no quadro 8 inclui as seguintes atividades:
De acordo com o a informação constante do Quadro 9, do total declarado pelo Grupo enquanto rendimentos derivados do exercício das atividades desenvolvidas no âmbito do objeto social - € 6.822.029,21 - constata-se que € 2.464.553,55 - isto é 36,13% da referida atividade corresponde a, alegadamente, prestação de serviços de nutrição;
Atentos aos esclarecimentos prestados pelo contribuinte (apresentados pela entidade registada como representante na cessação) transcritos para este ponto, somos levados a concluir que, alegadamente, com uma única nutricionista contratada enquanto trabalhadora dependente - à qual foram pagos, por apenas uma entidade do grupo L..., rendimentos brutos no montante de € 17.957,82, o correspondente a € 1.003,01, líquidos, com subsídio de alimentação incluído, e desembolsadas, adicionalmente, apenas as contribuições para a Segurança Social a cargo da entidade empregadora - o grupo L... conseguiu prestar serviços de nutrição em todos os ginásios que explorou em 2017, em Lisboa e em Faro, serviços pelos quais cobrou € 2.464.553,55, isto é, o equivalente a 137 vezes o valor dos rendimentos brutos pagos à profissional que supostamente os terá prestado;
Interpelado para o efeito, o contribuinte não cuidou de alegar ou demonstrar quaisquer outros gastos subjacentes ou diretamente relacionados com a atividade nutricional, designadamente, com as instalações (arrendamento, água, luz, equipamento, limpeza, etc) - que, existindo uma única nutricionista, corresponderiam a um único gabinete, o qual, atendendo à dimensão dos ginásios e das áreas afetas à prática desportiva, representaria uma pequena fração dos mesmos -, com publicidade ou até com comunicação (utilização da internet, por exemplo). Não o terá feito, por os mesmos assumirem uma natureza meramente residual, ou, eventualmente, por efetivamente não ter tido qualquer encargo com essa atividade;
Mas sabemos que o setor económico da prestação de cuidados de saúde, no qual se incluem os serviços de nutrição, é caracterizado por ser mão de obra intensivo, mão de obra essa altamente especializada e por isso também dispendiosa, pelo que é expetável que o valor dos outros gastos, que não com pessoal, subjacentes aos serviços de nutrição alegadamente prestados, a terem existido, tenham tido pouca expressão;
O que não se espera é que o gasto com a mão de obra especializada contratada para prestar tais serviços nas áreas da saúde também o seja, como acontece, quando analisamos os serviços de nutrição prestados pelo grupo L... como um todo. Menosprezando os tais "outros gastos", por meramente residuais, concluímos que, para prestar serviços de nutrição em 2017, no montante de € 2.464.553,55, o Grupo L... despendeu com mão-de-obra especializada menos de € 25.000,00 (já incluídos os descontos para a Segurança Social a cargo da entidade patronal); Mas o cenário ainda piora se passarmos para a esfera individual da B..., é que a mesma não despendeu, para prestação dos serviços de nutrição faturados um único euro com a contratação de profissionais habilitados para o efeito, com curso ministrado em estabelecimento do ensino público, particular ou cooperativo, devidamente reconhecido, e, bem assim, com inscrição na Ordem dos Nutricionistas, condição sem a qual, não pode beneficiar da aplicação da isenção a que se refere a alínea 1) do artigo 9.º do CIVA. Não obstante, pelos referidos serviços cobrou aos clientes o montante de € 576.145,48, valor que considerou isento de IVA ao abrigo daquele normativo legal:
Por outro lado, foram necessários 27 colaboradores dependentes e 125 colaboradores independentes a prestar serviços à B... em 2017, com os quais incorreu em gastos no montante global de € 504.646,83, para efetuar as vendas realizadas e prestar os serviços inerentes à prática de exercício físico no valor de € 1.042.904,01 - ainda que, entre estes, mas em pequeno número, se incluam os responsáveis pela gestão, coordenação e manutenção das atividades dos clubes;
Concebendo, neste momento, já por mera hipótese, a verdade das declarações fiscais apresentadas, da contabilidade exibida e dos esclarecimentos prestados pelo contribuinte, no que respeita à efetividade e grandeza dos serviços de nutrição efetivamente prestados, seríamos levados a concluir que, sem os rendimentos associados aos serviços alegadamente prestados nessa área da nutrição, o resultado antes de impostos da B... passaria de € 1.217,20 para - € 574.928,28 (= € 1.217,20 - € 576.145,48).
Face ao exposto até se impõe a pergunta:
- Qual a racionalidade económica de manter a prestação de serviços inerentes à prática de exercício físico quando o valor acrescentado se concentra na prestação de serviços de nutrição?
No caso em epígrafe a resposta é simples, ninguém procuraria num ginásio os serviços de nutrição por si só sem que lhe fossem prestados os serviços que efetivamente procura, isto é, os serviços inerentes à prática de desporto e exercício físico.
Assim, impõe-se a conclusão:
Ainda que a B... tenha prestado serviços de nutrição, para o que não existe prova, tal poderá ter ocorrido a título meramente residual. A entidade inspecionada não dispunha de estrutura que permitisse que tal tivesse ocorrido de outro modo. Todos os elementos analisados até aqui, relatados nos pontos 1., 2. deste ponto III.1.1.3., e agora também as conclusões relativas à insignificância/inexistência de gastos imputáveis à atividade nutricional alegadamente prestada pela B..., o demonstram.
Aqui chegados, considera a IT ter já reunido prova suficiente para demonstrar que a B... (e, bem assim, as demais entidades do grupo) procedeu, no momento da faturação (e apenas neste, pois é o único momento detetado pela IT em que tal ocorre), a uma discriminação artificial das mensalidades, não só pela sobrevalorização evidente dos serviços de nutrição prestados em detrimento da prática de exercício físico, mas também, e principalmente, porque os indícios apontam no sentido de que tais serviços, na maior parte dos casos não terão sido efetivos, pois a estrutura existente não o permitia.
Essa é a conclusão que decorre da exposição no ponto que se segue, relativo à capacidade da nutricionista contratada pelo Grupo L... para prestar os serviços em crise.
A análise que se segue é feita no pressuposto de que o trabalho da nutricionista não foi debitado pela H... às demais entidades do grupo L... apenas por lapso, ou então, que essa cedência possa ter ocorrido a título gratuito.
Se assim não fosse, era até irrelevante dar seguimento à análise pois a conclusão era óbvia.
III.1.1.3.5 Capacidade para realização dos serviços de nutrição faturados. Impossibilidade da efetiva realização da quantidade de serviços de nutrição faturados.
Se apenas levássemos em consideração, os factos provados no âmbito da presente ação inspetiva, que, no final serão apenas aqueles que importam, encerraríamos o presente ponto, quase sem o começar.
Efetivamente, a B... não espelhou através da sua contabilidade e também não cuidou de, por outros meios, o demonstrar, ter tido ao seu serviço qualquer profissional que reúna as condições legalmente exigidas para a prestação de cuidados de saúde humana, nomeadamente, na área da nutrição, e, portanto, sem mais, conclui-se, de forma categórica, pela impossibilidade de ter prestado quaisquer serviços de nutrição, pelo menos, do ponto de vista que nos prende, ou seja, serviços que pudessem beneficiar da isenção de IVA a que se refere a alínea 1) do artigo 9.º do CIVA.
No entanto o contribuinte alega que a nutricionista contratada pela H...- entidade inserida no grupo L... e que explora o ginásio ...- o foi para prestar serviço em todos os ginásios do grupo, ainda que não tenha sido efetuado o respetivo redébito pela alegada cedência da trabalhadora em questão.
Assim, concedendo, por mera hipótese, que tal tenha acontecido - na realidade a IT só pode basear as suas conclusões em factos provados - serve a exposição que se segue para demonstrar que é manifesta a incapacidade da B... (e também do grupo como um todo) de realizar o número de serviços de nutrição prestados na forma como são descritos, nomeadamente, no "Manual de Operações das Atividades Desportivas". De referir aliás que a conclusão seria a mesma ainda que a nutricionista tivesse sido contratada pela B... para lhe prestar serviços em regime de exclusividade.
De acordo com o ponto 4 do Manual acima referido, apresentado sob a epígrafe "Aplicação dos protocolos de receção dos clientes", o serviço de aconselhamento nutricional prestado pelos Ginásios A... em 2017 corresponde:
b. Aconselhamento nutricional
v. Envio de email automático ao sócio no ato da adesão com questionário Nutricional;
vi. Sócio preenche o questionário e envia por email para nutricao@...
vii. Após a receção do questionário nutricional enviado pelo sócio é-lhe enviado a proposta de Plano Nutricional pela Nutricionista;
viii. Colocação de dúvidas ou questões via email (nutricao@...) ou nas sessões presenciais que acontecem de 2 em 2 meses."
Tendo em vista obter informação mais detalhada sobre a forma como os serviços de nutrição faturados teriam sido prestados, notificamos, em 14 de janeiro do corrente ano, pessoalmente e por escrito, o contribuinte para:
8. Relativamente aos serviços de nutrição faturados:
8.1 Informar, a que título, N..., com o NIF ..., prestou, em 2017, serviços de nutrição à B..., tendo em conta que não consta que a referida nutricionista tenha sido, naquele período, sua colaboradora dependente ou independente;
8.2 Tendo em consideração a V/resposta ao ponto 4. da notificação pessoal e por escrito efetuada em 2019-10-09, solicita-se informação, documentalmente comprovada, referente ao n.º de horas que a nutricionista do grupo L... foi afeia aos ginásios explorados pela B...:
8.3 Apresentar o modelo de questionário nutricional a que se refere a alínea b) do ponto 4 "Aplicação dos protocolos de receção do cliente" do Manual de Operações das Atividades Desportivas.
Em resposta o contribuinte informou:
1. O contrato da nutricionista era com a H... (detida a 100% pelo grupo), que previa a prestação de serviços em todos os "Clubes". Acrescentamos que quando se passou a oferecer o serviço de nutrição ainda não se sabia de quantas nutricionistas a empresa iria necessitar. A empresa começou por contratar uma, que teria de dar todas as consultas presenciais que lhe fossem solicitadas nos vários ginásios e responder a todos os mails de pedidos de esclarecimentos enviados pelos sócios clientes. Até ao final de 2017 a nutricionista N... conseguiu cumprir esse objetivo.
2. A atividade da nutricionista do grupo L... foi afeta aos 8 ginásios explorados pelo Grupo, obedecendo a marcação de consultas a uma lógica de agregação de utentes (as consultas eram agrupadas em cada ginásio, de forma a possibilitar que o atendimento fosse mais eficiente:). Em média foram realizadas 15 consultas de 20 minutos por dia, distribuídas uniformemente, pelos 7 ginásios localizados na zona da Grande Lisboa. As consultas efetuadas no ginásio localizado em Faro obedeciam a um procedimento diferente, face à necessidade de deslocação. Assim, todos os meses, face à marcação de consultas existentes, eram agendados 1 ou 2 dias de consultas presenciais. Em paralelo com a realização de consultas, a atividade desenvolvida pela nutricionista consistia igualmente no acompanhamento dos utentes através da análise dos questionários nutricionais e na resposta às dúvidas /questões colocadas por e-mail.
3. O modelo de questionário nutricional a que se refere a alínea b) do ponto 4 "Aplicação dos protocolos de receção do cliente" do Manual de Operações das Atividades Desportivas -Anexo V.
O modelo de "Questionário_Aconselhamento Nutricional" apresentado consta como anexo ao presente relatório (Cf. Anexo 5), sendo de salientar o facto de que do mesmo apenas constam questões tão básicas como:
» Composição corporal (peso e altura);
« Objetivo atual;
« Hábitos alimentares.
De referir que qualquer pessoa com interesses nas questões alimentares poderia ter elaborado tal questionário.
Por outro lado, é no mínimo questionável - atendendo a que todo o procedimento ocorre por via eletrónica (o clube envia, via e-mail, o questionário ao sócio, que o devolve após preenchimento pela mesma via) - que a informação contida no questionário em epígrafe seja a suficiente para a nutricionista elaborar um plano nutricional individual, sem que sequer tenha observado fisicamente a pessoa.
A não ser que, estejamos perante disponibilização de planos de nutrição padronizados, tendo em conta a composição corporal, objetivos e hábitos alimentares dos indivíduos, o que, se considera, salvo melhor opinião e com devido respeito, estar muito longe de merecer ser tratado como cuidado de saúde (mais não seria que uma ementa recomendada), principalmente na aceção em que tal expressão é acolhida para efeitos da isenção de IVA constante na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA.
Após esta abordagem inicial o sócio tem direito ao esclarecimento de dúvidas via e-mail e em sessões presenciais a realizar de 2 em 2 meses.
Mas afinal qual é a magnitude dos serviços de nutrição faturados pelaB... ?
Através da informação extraída do ficheiro SAF-T(PT) de faturação constatamos que foram faturados em 2017, 61.426 "serviços de nutrição", na totalidade, associados aos diferentes planos de treino em vigor, cuja faturação e pagamento apresenta uma regularidade mensal - Cf. Anexo 6 - discriminados por ginásio como segue:
Consideremos então os seguintes cenários hipotéticos:
1º Cenário
Vamos começar por considerar o cenário que mais beneficiaria a entidade inspecionada:
1. Que a nutricionista do grupo L... apenas exerceu funções na B...;
2. Que prestou as 20 horas de trabalho semanais, sem horas extraordinárias, visto que o rendimento pago à colaboradora é exatamente o que foi contratado;
3. Que não teve férias ou faltas e, portanto, trabalhou as 52 semanas (arredondadas) no ano de 2017.
Mediante estes pressupostos a nutricionista teria prestado:
20 horas * 52 semanas = 1040 horas de trabalho correspondentes a:
1040 horas * 60 minutos = 62.400 minutos de trabalho.
Em face do exposto, concluímos que, nas condições apresentadas, as mais favoráveis ao contribuinte, a nutricionista do Grupo apenas dispunha de:
62.400 minutos / 61.426 serviços de nutrição faturados = 1,02 minutos por serviço de nutrição faturado.
2º cenário
Consideremos agora que os serviços da nutricionista haviam sido repartidos entre todos os ginásios de acordo com o peso dos serviços de nutrição faturados por cada uma delas.
Neste caso a B... teria direito a 23,38% (Cf. Quadro 9) do tempo de trabalho prestado pela nutricionista. A saber:
62.400 minutos * 23,38% = 14.589 minutos disponíveis para a B... .
Neste caso para cada serviço de nutrição faturado a nutricionista dispunha de: 14.589 minutos / 61.426 serviços de nutrição faturados = 0,24 minutos ou seja, menos de um quarto de minuto, por serviço de nutrição faturado.
A mesma análise, mas agora numa outra perspetiva.
Consideremos a informação transmitida pelo contribuinte de que em média a Nutricionista terá dado 15 consultas diárias de 20 minutos cada.
No pressuposto de que:
1. Que a nutricionista do grupo L... apenas exerceu funções na B...;
2. Que prestou as 20 horas de trabalho semanais, sem horas extraordinárias, visto que o rendimento pago à colaboradora é exatamente o que foi contratado;
3. Que não teve férias ou faltas e, portanto, trabalhou as 52 semanas (arredondadas) no ano de 2017, concluímos que, sem qualquer ineficiência, a mesma profissional apenas poderia ter realizado, no ano em análise:
20 horas de trabalho'60 minutos"5 semanas / 20 minutos consulta = 3.120 consultas de nutrição.
ou seja, muito aquém dos 61.426 serviços de nutrição faturados pela B...e, obviamente, menosprezando os números das outras entidades do grupo L....
Atendendo aos números exibidos, afigura-se totalmente desnecessário avançar com mais cenários, que, de todo o modo seriam sempre mais desfavoráveis ao contribuinte.
O contribuinte permitiu-se cobrar aos seus clientes, a título de serviços de nutrição prestados, o valor correspondente a mais de um terço do valor correspondente aos planos de treino escolhidos pelos mesmos -ou seja, um valor diferente, consoante o plano, para serviços que, se tivessem sido realizados incluíam, de acordo com o "Manual de operações das atividades desportivas", exatamente os mesmos procedimentos -sendo que para os prestar e, no melhor cenário, apenas dispunha de 1,02 minuto de trabalho de profissional habilitado para o efeito.
De referir que se em alternativa a análise tivesse sido feita, mês a mês, em nada alteraria as conclusões.
No mínimo, pode a Inspeção Tributária afirmar que o contribuinte faturou consultas de nutrição que garantidamente não foram realizadas, ou, pelo menos, não o foram por profissionais credenciados para o efeito.
O sujeito passivo não faturou serviços de nutrição efetivamente prestados. A referência nas faturas a "serviço de nutrição" terá correspondido na realidade a uma disponibilização do direito de usufruir de uma consulta de aconselhamento nutricional de dois em dois meses, presencial ou via email, e, bem assim a esclarecimentos nesta área, por esta última via, mas nunca a serviços efetivamente realizados. O contribuinte não demonstrou ter qualquer capacidade para tal. Muito longe disso, como se provou.
III.1.1.4 CONCLUSÕES E APURAMENTO DO IVA EM FALTA
A B... declarou para efeitos de IVA que, em 2017, 35,59% da sua atividade total se encontrava isenta ao abrigo da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, por se tratar da prestação de cuidados de saúde.
De acordo com o TJUE considera-se estar perante prestação de cuidados de saúde na aceção da isenção em questão quando os serviços efetuados visaram a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento de doenças ou outra qualquer anomalia de saúde.
Através da análise efetuada à atividade efetivamente exercida pelo contribuinte inspecionado, aferida com base na afetação dos investimentos e gastos incorridos, nomeadamente e de forma mais expressiva, através da mão-de-obra que o sujeito passivo tinha ao seu dispor, concluímos que a estrutura existente tinha como objetivo último e principal a oferta de serviços de ginásio, proporcionando aos seus clientes condições para a prática desportiva acompanhada de monitor ou não.
A B... não tinha então ao seu dispor quaisquer meios humanos, necessários à realização das prestações de serviços faturadas como serviços de nutrição. É condição indispensável para a aplicação da isenção de IVA prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, que as prestações de serviços sejam efetivamente realizadas por profissionais legalmente habilitados para o efeito. Logo, não dispondo de Nutricionista, os serviços faturados como serviços de nutrição não poderiam ter sido considerados isentos, nos termos em que o foram.
Não esquecemos que o contribuinte alegou o facto do grupo L..., por intermédio de uma das entidades que o integra, ter contratado uma nutricionista para prestar 20 horas semanais de serviços de nutrição em todos os ginásios do grupo, 7 em Lisboa e 1 em Faro, sendo efetivamente nesses termos que o contrato de trabalho foi exibido.
Contudo, essa cedência de pessoal não foi demonstrada. A contabilidade não o espelha. Não houve qualquer redébito, por parte da entidade que contratou a nutricionista, a cada uma das entidades que alegadamente dos seus serviços beneficiou.
Ainda assim, procedemos à análise da capacidade da B... para, nas circunstâncias que alegou, poder ter prestado os serviços de nutrição faturados. A conclusão resulta bem patente na exposição feita no ponto III. 1.1.3.5 deste relatório, onde se demonstra que ainda que a nutricionista tivesse sido contratada em regime de exclusividade, a mesma não teria mais do que 1,02 minutos por serviço de nutrição faturado, e, ainda assim não teria tido direito a férias. Não restam assim dúvidas de que em quaisquer circunstâncias a maior parte dos serviços de nutrição faturados não foram efetivamente prestados.
Não correspondendo as importâncias faturadas a efetivas prestações de serviços, antes sim, ao direito à sua eventual execução (ainda assim um direito que não poderia ser exercido pelos clientes, como resulta do que vimos referindo), tais verbas continuam a não preencher os requisitos para serem consideradas como cuidados de saúde. A alínea 1) do artigo 9.º do CIVA refere "prestações de serviços efetuadas..." não comtemplando figuras conexas como o direito à eventual realização dessas prestações de serviços.
Impõe-se ainda referir que o contribuinte não cumpria em 2017 as exigências legais para o exercício de atividades relacionadas com a prestação de cuidados de saúde. Não se encontrava registado para esse efeito na ERS, nem cadastrado na AT para o exercício dessa atividade, ainda que como atividade secundária. Não obstante, constatamos que, com efeitos a partir de 2017-01-01, o contribuinte declarou à AT (através da apresentação, em 2017-02-17, da declaração de alterações a que se refere o artigo 32.º do CIVA) que passaria a sujeito passivo "misto com afetação real de todos os bens", ainda que, da análise efetuada, apenas se conclua que a B... só não deduziu o IVA suportado excluído desse direito face ao disposto no artigo 21º do CIVA.
Para além do já invocado, nomeadamente:
• O facto de não dispor de profissional legalmente habilitado para o exercício da atividade de nutrição;
• As horas de serviços de nutrição que lhe poderão ter sido, eventualmente (e a título gratuito?), cedidas por entidade do mesmo grupo, serem manifestamente insuficientes para realizar os serviços de nutrição faturados; e,
• Até ausência de registo na ERS como prestador de cuidados de saúde;
que, só por si, já seria suficiente para extrair a conclusão essencial, à mesma conduz, a falta de racionalidade económica dos preços alegadamente praticados.
Essa falta de racionalidade económica resulta desde logo evidente através de uma análise do resultado apurado pela B..., por atividade. De acordo com a referida análise, a discriminação efetuada do valor da mensalidade entre serviços de nutrição e serviços de ginásio, a qual decorre da faturação declarada em 2017, permitiu à B... nos primeiros, uma rentabilidade de 100%, e, nos segundos, uma rentabilidade negativa.
As informações recolhidas no âmbito da ação inspetiva demonstram que o aconselhamento nutricional, ou os "Serviços de nutrição" (respeitando a descrição aposta nas faturas), nunca foram apresentados como um fim em si mesmo.
O "Manual de operações das atividades desportivas" coloca-os numa fase intermédia, entre a receção do cliente e o "Acompanhamento no ginásio e aulas por técnicos de exercício físico, no ginásio identificado como coach", a par da orientação de treino, neste caso, e ao contrário do que sucede com os "serviços de nutrição", apenas se o cliente manifestar essa vontade, sendo, à parte da mensalidade objeto de faturação.
Nos formulários de adesão aos ginásios A...- documentos tipificados que se caracterizam pela inexistência de discussão do clausulado -, e bem assim, nas tabelas de preços disponibilizadas à IT, não há qualquer menção aos serviços de nutrição alegadamente incluídos nos planos de treino e muito menos ao peso que os mesmos representam no valor da mensalidade. Também não consta que ao cliente fosse dada a alternativa de utilização das instalações dos ginásios A... apenas para a prática desportiva a troco de uma mensalidade de menor valor. Efetivamente, todas as mensalidades faturadas em 2017, sem exceção, têm incluído os "Serviços de nutrição".
Mais, o "Regulamento de utilização – Ginásios A... ", para o qual remete o Formulário de Adesão, apesar de mencionar a oferta de serviços de aconselhamento nutricional (sendo omisso quanto às condições em que o mesmo é prestado) também refere, expressamente, que o "pagamento da mensalidade é referente à utilização dos balneários, das aulas de grupo e da sala de exercido mediante o perfil escolhido na sua adesão." [negrito nosso]", não obstante na fatura o mesmo valor contratado é discriminado entre estes e o serviço de nutrição.
Atendendo à evidente falta de informação transmitida aos clientes na contratação dos serviços e, bem assim à falta de coerência entre aquilo que é contratado e os serviços faturados, só podemos concluir que os valores faturados pela B... aos seus clientes não estão alicerçados em verdadeiras opções de compra de duas prestações de serviços distintas, por parte destes.
Mais, não nos parece provável que os mais de 10.000 clientes da B... tenham genuinamente desejado adquirir estas duas prestações de serviços. Pelo menos uma parte desses clientes adquiriu o pack de serviços porque entendeu que o preço deste ainda assim era competitivo, mesmo que referido a uma só prestação de serviços.
Os preços fixados pela entidade inspecionada para os dois tipos de prestações de serviços apresentam-se totalmente destituídos de racionalidade económica e contrários às práticas de mercado generalizadas, chegando-se ao ponto de fazer variar o preço de um cuidado de saúde em função da hora em que o respetivo beneficiário vai ao ginásio, da frequência com que o faz ou da sua atividade ocupacional/profissional (estudante/colaborador de empresas com protocolo).
Os preços fixados pela B... para cada um dos planos de treino não foram determinados numa lógica de mercado, são antes, atos arbitrários da entidade inspecionada destituídos de racionalidade económica, verdadeiras manipulações de preços, que põem em causa o princípio da neutralidade do IVA, distorcendo, por esta via, a concorrência.
Esta arbitrariedade na fixação de preços não tendo racional económico é ainda assim muito conveniente, pois propicia resultados e níveis de entrega de imposto, que de outra forma não existiriam.
Em face do exposto fica demonstrado que a B... isentou indevidamente uma parte do valor dos serviços que prestou, mais precisamente a parte correspondente ao que a entidade inspecionada designou por serviços de nutrição.
Esta isenção indevida originou a falta de liquidação de IVA, a taxa de 23%, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, assim como a consequentemente falta de pagamento desse mesmo imposto.
Com base na fundamentação exposta, propõe-se as liquidações adicionais, nos termos previstos no artigo 87.º do CIVA, correspondentes aos cálculos evidenciados no quadro a seguir:
III.1.2 Venda de produtos de nutrição desportiva e suplementos alimentares - Aplicação indevida da taxa de IVA reduzida
O contribuinte inspecionado declarou vendas de produtos à taxa reduzida no montante de € 2.972,96 (valor sem IVA).
Da análise efetuada constatamos que as vendas incidem sobre produtos relacionados com nutrição desportiva e suplementos alimentares (Cf. Anexo 7)
Os produtos em questão não se enquadram em nenhuma das verbas constantes da Lista l anexa ao CIVA e portanto, a B... não deveria ter aplicado sobre estas operações ativas a taxa reduzida mas sim a taxa normal a que se refere a alínea c) do artigo 18.º do CIVA.
Face ao exposto, propõe-se a correção do IVA a entregar ao Estado pela B... em 2017, resultante da liquidação de IVA à taxa normal nas operações em que a mesma aplicou a taxa reduzida, no montante de € 505,41, discriminando-se de seguida por período de imposto (Cf. Anexo 7):
(...)
B) Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IVA 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., no montante total de Euro 133 018,96 e de juros compensatórios no montante total de Euro 14.480,52 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
C) Em 02-09-2016, a empresa H... UNIPESSOAL LDA, que integra o grupo L..., invocando representação de todas as sociedades do grupo, contratou a nutricionista N... para prestar serviços de aconselhamento alimentar pessoal ou on-line aos sócios dos Cubes L... (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
D) A referida N... tem, desde 26-04-2013, a cédula profissional cuja cópia conta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
E) O «Manual de Operações das Atividades Desportivas» utlizado em 2017 pela B... tem o teor que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se inclui, além do mais, o seguinte:
. Aplicação dos protocolos de receção do cliente
a. Orientação de Treino (opcional)
i. Anamnese
ii. Avaliação Física:
1. Avaliação da composição corporal (aferição %mm, %mg, peso, IMC, gordura visceral)
2. Medição de perímetros (abdominal, cintura e anca)
3. Aferição dos objetivos a atingir
iii. Prescrição e acompanhamento do treino
b. Aconselhamento nutricional
i. Envio de email automático ao sócio no ato da adesão com questionário Nutricional
ii. Sócio preenche Questionário e envia por email para nutricao@...
iii. Após a receção do questionário nutricional enviado pelo
sócio é-lhe enviado a proposta de Plano Nutricional pela Nutricionista iv. Colocação de dúvidas ou questões via email (nutricao@... ou nas sessões presenciais que acontecem de 2 em 2 meses
F) O «Formulário de Adesão» que B... apresentava aos interessados em utilizarem os seus serviços tem o teor que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
G) Em 25-11-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
2.2.1. Não se provou que a Requerente tenha efectuado o pagamento das quantias liquidadas.
A Requerente diz que efectuou o pagamento das quantias liquidadas (artigos 27.º e 28.º do pedido de pronúncia arbitral), mas não juntou qualquer documento comprovativo.
2.2.2. Não se provou se foram prestados ou disponibilizados pela B... em 2017 serviços de aconselhamento nutricional aos seus clientes.
No Relatório da Inspecção Tributária considerou-se não estar provado que a B... tenha prestado quaisquer serviços de nutrição e a prova apresentada pela Requerente no presente processo, de natureza documental, não permite concluir que foram prestados serviços desse tipo.
Embora no «Manual de Operações de Atividades Desportivas» se faça referência a «Aplicação dos protocolos de receção do cliente», nada se refere sobre nutrição nos subsequentes «Protocolos após a receção ao cliente» e no «Formulário de adesão» disponibilizado pela B... aos seus clientes não se faz qualquer referência a serviços de nutrição, mas apenas a «prática das actividades físicas e/ou desportivas» e, quanto a «Serviços adicionais», a «Serviço de toalhas» e a «Orientação de treino».
Para além de não terem sido apresentadas provas da disponibilização pela B... de serviços de nutrição, no "Regulamento de utilização - Ginásios A...", que consta da página 179 do processo administrativo refere-se expressamente no ponto 6.7 "O pagamento da mensalidade é referente a utilização dos balneários, das aulas de grupo e da sala de exercício mediante o perfil escolhido na sua adesão", não fazendo qualquer referência a serviços de nutrição.
Além disso, o facto de no «Regulamento de utilização Ginásios A...» se fazer referência, no ponto 1.2.b., a «disponibilização de serviços paramédicos de nutrição, a definir nas condições particulares, tutelados pela Entidade Reguladora da Saúde», não permite concluir que tais serviços tenham sido prestados ou disponibilizados pela B..., no ano de 2017, desde logo porque a definição dos serviços de nutrição a prestar foi relegada para momento posterior e a B... nem sequer estava inscrita na ERS, que era a entidade que se previa que tutelasse os serviços que fossem definidos.
Assim, não se provou que esses serviços de nutrição a definir nas condições particulares tivessem sido definidos e disponibilizados.
O facto de a B... não ter suportado quaisquer gastos relativos a esses alegados serviços de nutrição facturados, inclusivamente com pagamentos à nutricionista ou redébito de pagamentos efetuados pela empresa do grupo que celebrou o contrato com aquela ou aquisição de equipamentos ou qualquer outra despesa, aponta no sentido de não terem sido realizados os serviços facturados pela B... a título de aconselhamento nutricional.
Não pode deixar de ter relevo, na formação negativa da convicção do Tribunal Arbitral sobre a prestação efectiva de serviços de nutrição o facto de não ter apresentado qualquer prova, designadamente através da própria nutricionista que a Requerente diz que os prestou ou qualquer dos seus colaboradores que tivesse conhecimento dessa prestação.
Assim, não se considera provado que os serviços de nutrição a que se alude no Manual de Operações das Actividades Desportivas tivessem sido prestados pela B... . Designadamente não se provou que, no ano de 2017, a nutricionista contratada por outra empresa do grupo tenha prestado qualquer serviço a qualquer dos clientes da B... .
2.2.3. Não se provou que a B... dispusesse, em 2017, de espaço, nas suas instalações, destinado à prestação de serviços de aconselhamento nutricional.
A Requerente indica como prova o documento n.º 3 (artigo 18.º do pedido de pronúncia arbitral) que é um contrato de trabalho celebrado por outra empresa do grupo L..., em que não se faz qualquer referência a qualquer espaço nas instalações da Requerente.
Também não foi apresentada qualquer prova de que existisse esse gabinete em 2017, nem qualquer gasto relacionado com ele, designadamente equipamentos ou mobiliário ou outras despesas.
2.2.4. Não se provou que o Grupo L... tivesse desenvolvido iniciativas de marketing no ano de 2017 relativas a prestação de serviços de carácter nutricional pela B... .
A Requerente faz afirmações sobre gastos com marketing, mas não apresentou qualquer prova de qualquer actividade que tivesse sido desenvolvida.
2.2.5. Não se provou que os clientes da B... pudessem contratar os serviços de ginásio sem pagamento a título de serviços de aconselhamento nutricional, nem que qualquer cliente pudesse aceder a serviços de nutrição sem contratar serviços de ginásio.
Não se provou que qualquer cliente da B... tenha procurado obter prestação de serviços de acompanhamento nutricional.
2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelo Requerente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira e os que constam do processo administrativo.
Não foi apresentada qualquer prova, para além da documental.
3. Matéria de direito
4.1. Enquadramento da questão e posições das Partes
A Requerente facturou aos seus clientes/sócios serviços de nutricionismo, em conjunto com outros serviços, designadamente de prática de actividade desportiva de ginásio.
A Requerente aplica a taxa normal de IVA (23%) aos serviços que presta de actividade desportiva, e aplica a isenção de IVA à prestação de serviços de nutrição.
A Requerente não liquidou IVA pelos serviços de nutricionismo, por entender estarem isentos, com enquadramento na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, que prevê isenção para «as prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas».
A Autoridade Tributária e Aduaneira, no RIT, não questionou que a prestação de serviços de nutrição pudesse beneficiar da isenção referida, mas concluiu que a B... não podia aplicar a isenção pelas seguintes razões, em suma:
• B... procedeu, no momento da faturação, a uma discriminação artificial das mensalidades, não só pela sobrevalorização evidente dos serviços de nutrição prestados em detrimento da prática de exercício físico, mas também, e principalmente, porque os indícios apontam no sentido de que tais serviços, na maior parte dos casos não terão sido efetivos, pois a estrutura existente não o permitia;
• A B... não dispunha de profissional legalmente habilitado para o exercício da actividade de nutrição;
• As horas de serviços de nutrição que lhe poderão ter sido, eventualmente (e a título gratuito?), cedidas por entidade do mesmo grupo, serem manifestamente insuficientes para realizar os serviços de nutrição faturados; e,
• Ausência de registo na ERS como prestador de cuidados de saúde;
• o aconselhamento nutricional, ou os "Serviços de nutrição" (respeitando a descrição aposta nas faturas), nunca foram apresentados como um fim em si mesmo;
• Nos formulários de adesão aos ginásios A... e bem assim, nas tabelas de preços disponibilizadas à IT, não há qualquer menção aos serviços de nutrição alegadamente incluídos nos planos de treino e muito menos ao peso que os mesmos representam no valor da mensalidade.
• não consta que ao cliente fosse dada a alternativa de utilização das instalações dos ginásios A... apenas para a prática desportiva a troco de uma mensalidade de menor valor. Efetivamente, todas as mensalidades faturadas em 2017, sem exceção, têm incluído os "Serviços de nutrição"
A Requerente defende o seguinte, em suma:
– as prestações de serviços de aconselhamento nutricional insere-se no conceito de «outras profissões paramédicas» utilizado a alínea 1) do artigo 9.º do CIVA;
– o registo na Entidade Reguladora da Saúde (ERS) não é essencial para o enquadramento da Requerente na previsão da norma de isenção do CIVA, apenas sendo um elemento, entre outros, a ter em conta para se aferir se o contribuinte reúne as qualificações profissionais para que lhe seja aplicável a isenção, como entendeu o TJUE no acórdão proferido no processo C-597/17, de 27-06-2019;
– o serviço de aconselhamento nutricional é apresentado e disponibilizado ao utilizador no momento do seu ingresso no ginásio, integrando o protocolo de receção ao Cliente;
– foi contratada uma nutricionista, a qual seria responsável pela prestação de todas as consultas presenciais que lhe fossem solicitadas nos vários ginásios e responder a todos as comunicações por correio eletrónico (emails) de pedidos de esclarecimentos enviados pelos sócios/clientes;
– relativamente aos gastos com marketing, o Grupo L... desenvolveu diversas iniciativas nas suas instalações e no seu website;
– apesar de nem sempre estes serviços serem efetivamente utilizados pelos clientes subscritores, cumpre ressalvar que, tal não significa a descaracterização dos mesmos e a sua consequente exclusão do regime de isenção, pois, o serviço em causa consiste na disponibilização das consultas;
– embora as prestações de serviços das diversas áreas sejam autonomizáveis e existam independentemente umas das outras, beneficiam de um facto comum: a reunião num único espaço de pessoas que partilham interesse pelo bem-estar proporcionado pelo exercício físico e pelo planeamento nutricional;
– apesar de todos estes serviços se orientarem a um denominador comum, numa abordagem multidisciplinar, a conjugação dos múltiplos serviços apresentava-se complementar e nunca acessória;
– uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal, quando não constitua, para a clientela, um fim em si, mas um meio de beneficiar de melhores condições do serviço principal prestado;
– as consultas de nutrição e aconselhamento nutricional valem per se, uma vez que prosseguem objetivos próprios e distintos, ainda que convergentes, e o seu sentido não advém estritamente da melhoria dos serviços de ginásio;
– existe uma prestação única quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria caráter artificial;
– não há relação de acessoriedade entre os serviços de ginásio e os serviços de dietética prestados, que constituem só por si “um fim em si mesmo” para os respetivos clientes;
– não pode a Requerente aceitar as liquidação de que foi alvo considerando que o próprio Relatório de Inspeção reconhece que (i) a Requerente faturou a disponibilização de serviços de nutrição de forma a individualizar cada um dos serviços prestados, que (ii) foi contratada – mediante contrato de trabalho - uma nutricionista, habilitada ao exercício da profissão, para prestar esses serviços, que (iii) a Requerente tinha instalações e equipamentos próprios, adequados e necessários para prestar os serviços de nutrição e que (iv) os sócios efetivamente usufruíram dos serviços.
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira reafirma a posição assumida no Relatório da Inspecção Tributária, resumindo-a dizendo que «em suma, os SIT entenderam que, nos serviços como os em apreço, não se verifica a finalidade terapêutica e como tal, não beneficiam da isenção constante da al. 1) do artigo 9.º do CIVA» (artigo 13.º da Resposta) e dizendo, em suma o seguinte:
– a Requerente não prestou, porque não era possível prestar, a esmagadora maioria das consultas que facturou;
– a isenção só se aplica se estiverem em apreço cuidados de saúde efectivamente prestados e que, sendo os serviços facturados, com aplicação da isenção, pela mera disponibilização do direito às consultas e independentemente de serem prestadas, demonstra não se verificar tal finalidade;
– sendo os serviços facturados, independentemente da sua efectiva prestação, por maioria de razão, não se pode ter por verificado qualquer fim terapêutico quando não é efectivamente prestado;
– não se pode dar como provada a finalidade terapêutica nos serviços em apreço (que de resto, no entender da Requerida, nem sequer é alegada);
– deve adoptar-se a jurisprudência do acórdão do TJUE proferido no processo C-581/19 em que entendeu que o fim terapêutico, apenas se verifica quando o serviço seja prestado para fins de prevenção, diagnóstico, ou tratamento de uma doença e regeneração da saúde;
– os serviços em questão, até podem ter num ou noutro caso, uma finalidade terapêutica (na acepção do TJUE), mas em muitos casos, teriam outros objectivos como sejam a obtenção da silhueta desejada, ou melhor performance desportiva, etc.;
– a jurisprudência do TJUE é obrigatória, por força do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.
4.2. Âmbito do contencioso arbitral
O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera anulação em que se visa apreciar a legalidade e declarar a eventual ilegalidade dos actos impugnados, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º, n.º 1, do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].
Por isso, os actos impugnados têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( )
Consequentemente, a fundamentação sucessiva ou a posteriori não é relevante para aferir da legalidade do acto impugnado, quando não acompanhada de revogação e prática de um novo acto ( ) e também o tribunal, constatada a ilegalidade da fundamentação do acto impugnado, não pode substituir-se à Administração Tributária, mantendo na ordem jurídica esse acto com nova fundamentação. Isto é, «o tribunal não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do acto impugnado (já que os seus poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o acto explicitamente partiu), nem pode substituir-se à Administração na determinação de outra matéria tributável (sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária)». ( )
A eventual prática, na sequência da declaração pelo tribunal da ilegalidade do acto impugnado, do «acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral», é tarefa que cabe a Administração Tributária como resulta do teor expresso da alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT.
Neste contexto, há que notar que a hipotética falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição, alegada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta, não foi fundamento das liquidações impugnadas.
Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu no Relatório da Inspecção Tributária que «(i) legalmente estão isentas de imposto as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões paramédicas"; (ii) a nutrição/dietética é legalmente considerada como uma atividade/profissão paramédica» e refere apenas requisitos de natureza formal, para a isenção ser aplicada por ginásios, como alteração do objeto social e da CAE, registo na ERS, contratação de nutricionistas certificados e facturação adequada.
Aliás, esta posição da Autoridade Tributária e Aduaneira está em sintonia com a que adoptou na Informação Vinculativa n.º 9215, de 19-08-2015 ( ) em que concluiu que «os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)».
É à face da fundamentação que consta do Relatório da Inspecção Tributária subjacente as liquidações impugnadas, que tem de ser aferida a sua legalidade.
A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca nas suas alegações o acórdão do TJUE Frenetikexito, de 04-03-2021, processo n.º C-581/19, em que se decidiu que «a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva».
É certo que, na parte em que se refere que o serviço referido «não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva» a doutrina do TJUE poderia justificar que, em vez das correcções que fez, com os fundamentos que utilizou, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuasse diferentes correcções, com distintos fundamentos.
Mas, como já se referiu, o processo arbitral é um meio contencioso de mera legalidade, em que aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foram atribuídos meros poderes de declaração de ilegalidade e consequente anulação de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT.
Estando os tribunais arbitrais sujeitos à lei e obrigados a decidir de acordo com o direito constituído (artigos 203.º da CRP e 2.º, n.º 2, do RJAT) não podem perante a constatação da ilegalidade de um acto liquidação deixar de a declarar, pela hipotética existência de um outro acto legal que poderia ter sido praticado, mas não o foi.
No nosso sistema de administração executiva é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que é conferida competência para a prossecução do interesse público da cobrança de impostos, tendo estes apenas competências de controle da legalidade dos actos que a Autoridade Tributária e Aduaneira praticar no exercício dessa competência, nos termos limitados em que está prevista no RJAT.
Por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não podem, constatada a ilegalidade de um acto de liquidação, deixar de a declarar e substituírem-se à Administração Tributária substituindo o acto ilegal que ela praticou por um acto diferente com a fundamentação e conteúdo que ele próprio adoptaria se fosse a ele, Tribunal Arbitral, e não à Autoridade Tributária e Aduaneira que a lei atribuísse o poder de prosseguir o interesse público da cobrança de impostos.
Na verdade, como resulta do teor expresso do artigo 24.º, n.º 1 do RJAT, em sintonia com o artigo 100.º da LGT, é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não ao tribunal arbitral que a lei impõe o dever de «praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral».
É uma opção legislativa que se justifica porque a admissão, na pendência do processo jurisdicional, de uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os actos impugnados, afectaria o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos artigos 20.º, n.º 1, e 268,º, n.º 4, da CRP, pois prejudicaria a possibilidade de os contribuintes em relação à nova fundamentação utilizarem a globalidade dos meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei para defesa dos seus direitos contra actos de liquidação (reclamação graciosa, recurso hierárquico, revisão do acto tributário e opção pela jurisdição arbitral ou por impugnação judicial perante os tribunais tributários).
Na verdade, se a fundamentação das liquidações tivesse sido a falta de prova da finalidade terapêutica das consultas de nutrição, em vez da acessoriedade em relação aos serviços de ginásio, a defesa da Requerente e a prova que a produzir poderiam ser diferentes.
Assim, a fundamentação a posteriori, não contemporânea do acto impugnado, só pode ser fundamento de um novo acto, eventualmente praticado em execução de decisão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT e 100.º da LGT.
Como lapidarmente esclareceu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 31-01-2018, processo n.º 01157/17, por força do princípio da separação de poderes enunciado nos artigo 2.º da CRP, não sendo o Tribunal um órgão com competências primárias para definir a tributação, «não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do acto impugnado (já que os seu poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o acto explicitamente partiu), nem pode substituir-se à Administração na determinação de outra matéria tributável (sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária)».
Nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, limita-se à "interpretação dos Tratados", e à "validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União", pelo que não se estende à interpretação das normas nacionais sobre a o âmbito dos processos jurisdicionais e sobre a repartição de competências entre os Tribunais e a Administração, na densificação do princípio da separação de poderes.
É apenas quanto às matérias que se inserem nas competências do TJUE que as decisões proferidas em reenvio prejudicial podem ser consideradas obrigatórias (pelo menos, quando não são contraditórias).
De resto, nem existe qualquer norma do direito da União Europeia sobre as competências dos tribunais arbitrais em matéria tributária e tipo de poderes que lhes são atribuídos, sendo matéria que se insere plenamente na discricionariedade do legislador nacional.
Por isso, não havendo qualquer competência do TJUE em matéria de repartição de competências entre Tribunais e Administração Tributária, nem tendo sido proferida qualquer decisão sobre a forma processual adequada à implementação do Direito da União em matéria de isenções de IVA, não há qualquer fundamento para colocar, nesta matéria de definição do âmbito do contencioso arbitral tributário, qualquer questão de violação do artigo 8.º, n.º 4, da CRP ou de consequente inconstitucionalidade.
Assim, como se disse, é apenas à face da fundamentação das liquidações impugnadas que há que apreciar a sua legalidade.
4.3. Apreciação da questão
4.3.1. A falta de registo na ERS
No que concerne à falta de registo na Entidade Reguladora da Saúde (ERS), prevista no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de Agosto, é irrelevante para efeito de tributação em IVA, pois nenhuma norma do CIVA ou da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, lhe dá qualquer relevância, designadamente para efeitos de aplicação de isenções.
As prestações de serviços são tributadas em IVA nos mesmos termos, com as mesmas isenções, independentemente da natureza lícita ou ilícita dos serviços prestados, o que está em sintomia com os princípios gerais da tributação enunciados na LGT, da relevância da substância económica das operações e da tributação de actos ilícitos (artigos 10.º e 11.º, n.º 3).
É esse o sentido a jurisprudência do TJUE, ao dizer no acórdão de 27-06-2019, processo n.º C-597/17, que «o artigo 132.°, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que não reserva a aplicação da isenção que prevê às prestações efetuadas por técnicos de uma profissão médica ou paramédica regulamentada pela legislação do Estado-Membro em causa».
É por essa razão, decerto, que a Informação Vinculativa n.º 9215, emitida em 19-08-2015 nem sequer alude à necessidade de registo na ERS como condição da isenção, apesar de ter sido emitida quando o registo já era obrigatório.
Por isso, ao contrário do que se entendeu no Relatório da Inspecção Tributária, a falta de registo na ERS não constitui uma das «condições obrigatórias» para a Requerente aplicar a isenção.
4.3.2. A não prestação e a não disponibilização de serviços de nutrição por profissional legalmente habilitado para o exercício da atividade de nutrição
A prova produzida não permite concluir que a Requerente, no ano de 2017, tenha prestado quaisquer serviços de nutrição aos seus clientes, nem mesmo que os tenha disponibilizado.
Na verdade, resulta da matéria de facto que a Requerente não tinha qualquer nutricionista ao seu serviço e considerou-se não provado que a nutricionista contratada por outra empresa do grupo tenha prestado qualquer serviço a qualquer dos clientes da B... .
Também não se considerou demonstrado que a Requerente tivesse disponibilizado os serviços de nutrição aos seus clientes, através de profissional habilitado.
Com efeito, para além de não ter qualquer profissional habilitado ao seu serviço, nem ter despendido qualquer quantia com remuneração de um profissional de nutricionismo, no «Formulário de adesão» disponibilizado pela B... aos seus clientes não se faz qualquer referência a esses serviços, embora se façam a outros, como a «prática das actividades físicas e/ou desportivas» e, quanto a «serviços adicionais», um «serviço de toalhas» e um serviço de «orientação de treino».
Para além disso, no "Regulamento de utilização - Ginásios A...", refere-se expressamente no ponto 6.7 "O pagamento da mensalidade é referente a utilização dos balneários, das aulas de grupo e da sala de exercício mediante o perfil escolhido na sua adesão", não fazendo qualquer referência a serviços de nutrição.
Além disso, o facto de no «Regulamento de utilização Ginásios A...» se fazer referência, no ponto 1.2.b., a «disponibilização de serviços paramédicos de nutrição, a definir nas condições particulares, tutelados pela Entidade Reguladora da Saúde», não permite concluir que tais serviços tenham sido prestados pela B..., no ano de 2017, antes pelo contrário, desde logo porque não se provou que tenha sido feita nesse ano a definição desses serviços a disponibilizar tutelados pela ERS, pois nem mesmo foi feita a inscrição na ERS poderia proporcionar tal tutela.
4.3.3. A não aplicação da isenção
Não tendo sido prestados ou disponibilizados serviços de nutrição, não há quaisquer serviços que devessem beneficiar da isenção prevista no artigo 9.º, alínea 1) do CIVA, pelo que a facturação dos pacotes de serviços está sujeita a IVA à taxa de 23% na sua totalidade, a taxa correspondente aos serviços de ginásio que são a única actividade de prestação de serviços que se provou ter concretizado no ano de 2017.
Por outro lado, não se provou que os clientes da Requerente pudessem aderir aos serviços de nutrição anunciados sem adesão aos restantes serviços, pelo que os serviços estavam indissociavelmente ligados.
Como se refere no acórdão do TJUE de 04-03-2021, proferido no processo n.º C-581/19, citado pela Autoridade Tributária e Aduaneira:
37 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, quando uma operação económica é constituída por um conjunto de elementos e de atos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão para determinar se dela resulta uma ou mais prestações (v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, CPP, C-349/96, EU:C:1999:93, n.º 28 e jurisprudência referida), especificando-se que, regra geral, cada prestação deve ser considerada uma prestação distinta e independente, como decorre do artigo 1.º, n.º 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C-231/19, EU:C:2020:513, n.º 23 e jurisprudência referida].
38 Todavia, a título de exceção a esta regra geral, em primeiro lugar, a operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA. É por isso que existe uma prestação única quando dois ou mais elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria caráter artificial [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C-231/19, EU:C:2020:513, n.º 23 e jurisprudência referida].
Não havendo sequer a possibilidade de os clientes da B... poderem optar apenas por um ou outro dos serviços anunciados, está-se numa situação em que verifica esta excepção referida, devendo entender-se que se está perante uma única prestação económica indissociável, a que não é aplicável qualquer isenção.
Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).
A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Assim, tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira, ao afirmar que a B... procedeu, no momento da faturação, a uma discriminação artificial das mensalidades, com sobrevalorização de serviços de nutrição anunciados, mas não prestados.
Sendo autónomos os fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira para sustentar as correcções efectuadas, tendo cada um deles com potencialidade para sustentar as correções efetuadas, o facto de se considerar que tem suporte legal um deles leva a concluir que fica prejudicado, por inútil, o conhecimento do outro, como decorre dos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Na verdade, como vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, quando um acto administrativo ou tributário tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a legalidade de um acto tributário (ou administrativo) é irrelevante que um deles seja ilegal, pois "o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto". ( )
Isto é, se há um fundamento do acto que subsiste, ele não pode ser declarado ilegal, independentemente da eventual ilegalidade de outro ou outros fundamentos.
No caso em apreço, conclui-se que, à face da jurisprudência do TJUE, se está perante uma situação em que não é aplicável a isenção prevista no artigo 9.º, alínea 1) do IVA.
Por isso, improcede necessariamente o pedido de pronúncia arbitral, ficando prejudicado, por ser inútil o conhecimento das restantes questões colocadas.
5. Restituição da quantia paga em excesso e juros indemnizatórios
Não se provou que a Requerente tivesse efectuado pagamento das quantias liquidadas.
De qualquer forma, improcedendo o pedido de pronúncia arbitral de anulação das liquidações, improcede necessariamente o pedido de restituição de quantias pagas e de juros indemnizatórios, que só têm fundamento quando ocorre pagamento indevido (artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
6. Decisão
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
A) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
B) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 147.499,48.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 02-07-2021
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(A. Sérgio de Matos)
(Raquel Franco)
Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 01 de Maio) o Relator atesta o voto de conformidade da Árbitra Vogal Senhora Dr.ª Raquel Franco.
Jorge Lopes de Sousa