Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 747/2020-T
Data da decisão: 2021-06-14  IRS  
Valor do pedido: € 65.417,21
Tema: IRS. Não residente. Residente em Estado Membro da União Europeia. Mais-valias.
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Ricardo Jorge Rodrigues Pereira e Dr. Marcolino Pisão Pedreiro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-05-2021, acordam no seguinte:

               

                1. Relatório

 

A... e B..., NIF português ... e ..., respetivamente, ambos nacionais do Reino Unido, casados entre si e residentes em ..., Londres, ... Reino Unido, ambos representados fiscalmente em Portugal pela C..., Lda., NIF..., com sede em ..., ..., ..., ...-... Almancil, doravante referidos como «Requerentes», vieram, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral  tendo em vista a anulação parcial das liquidações de IRS respeitantes ao ano de 2019, com o n.º 2020..., em nome do Requerente A..., e com o n.º 2020..., em nome de B..., ambas no valor de € 65.417,21.

Os Requerentes pedem ainda a restituição das quantias de € 32.708,61 a cada um, com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 10-12-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 01-02-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 03-05-2021.

A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 07-06-2021, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           Os Requerentes são, e eram em 2019, residentes no Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte;

B)           No ano de 2019, os Requerentes venderam o prédio urbano sito no ..., ..., Aldeamento Turístico do ..., na ..., inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ...sob o artigo ... e descrito no registo predial de ... sob o n.º..., pelo preço de € 807.500 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C)           O referido prédio tinha sido adquirido pelos impugnantes em 2003, pelo preço de € 200.000 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

D)           Conforme anexos G das declarações de rendimentos dos Requerentes, que constam dos documentos n.ºs 4A e 4B, o valor de realização declarado por cada impugnante correspondeu assim a metade do preço total de € 807.500,00, isto é, a € 403.750,00;

E)            O valor de aquisição declarado correspondeu a metade do preço de € 200.000,00, isto é, a que acresceram, por cada um dos Requerentes, despesas de € 46.117,08 relativas quer à compra, quer à venda, designadamente comissão de mediação imobiliária, IMT e IS, e encargos registrais e notariais incorridos;

F)            A AT fixou o valor da mais-valia realizada por cada impugnante em € 233.632,  que corresponde ao valor de realização de € 403.750 deduzido do valor de aquisição de € 100.000, atualizado em função do coeficiente de desvalorização da moeda de 1,24 e acrescido das despesas e encargos de € 46.117,08 (documentos n.ºs 1ª e 1B);

G)           A Autoridade Tributária determinou, assim, como rendimento coletável de cada um dos ora Requerentes a totalidade dessa mais-valia, sobre a qual liquidou imposto à taxa de 28%, emitindo as liquidações com os n.ºs 2020..., em nome do Requerente A..., e 2020..., em nome de B..., ambas no valor de € 65.417,21;

H)           Em 06-08-2020, ambos os impugnantes procederam ao pagamento total das liquidações de IRS referidas, no valor individual de € 65.417,21 (vinhetas apostas pela Autoridade Tributária e Aduaneira nas zonas de «Certificação de pagamento» das demonstrações de liquidação);

I)             Em 09-12-2020, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelas Requerentes.

A única controvérsia sobre a matéria de facto é relativa ao pagamento das quantias liquidadas, que a Autoridade Tributária e Aduaneira diz não ter sido efectuado.

No entanto, as vinhetas apostas nas zonas de certificação das liquidações (cantos inferiores esquerdos) comprovam os pagamentos, já que não é suscitada a questão da sua falsidade.  Aliás, a Autoridade Tributária e Aduaneira nem explica porque é que as referidas vinhetas não confirmam os pagamentos.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Posições das Partes

 

Os artigos 10.º, 43.º e 72.º do CIRC, nas redacções vigentes em 2019, estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 10.º

Mais-valias

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

(...)

 

Artigo 43.º

Mais-valias

1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é: (Redação da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro)

 

a)Integralmente considerado nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, quando os imóveis tenham beneficiado de apoio não reembolsável concedido pelo Estado ou outras entidades públicas, quando o valor total do apoio concedido para aquisição ou para realização de obras seja de valor superior a 30 % do valor patrimonial tributário do imóvel para efeitos de IMI e estes sejam vendidos antes de decorridos 10 anos sobre a data da sua aquisição, da assinatura da declaração comprovativa da receção da obra ou do pagamento da última despesa relativa ao apoio não reembolsável que, nos termos legais ou regulamentares, não estejam sujeitos a ónus ou regimes especiais que limitem ou condicionem a respetiva alienação;(Redação da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro)

b) Apenas considerado em 50 % do seu valor, nos restantes casos. (Redação da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro)

 

(...)

Artigo 72.º

Taxas especiais

1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %:

a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;

 

(...)

 

9 - Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português. (Redação da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

(...)

 

 

 

Os Requerentes eram residentes no Reino Unido e não formularam a opção prevista nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º, pelo que as mais-valias que obtiveram provenientes da venda de um imóvel foram tributadas, em 2019, à taxa de 28% sobre a totalidade do seu valor, em conformidade com o preceituado nos artigos 43.º, n.º 1, e 72.º, n.º 1, do CIRS.

Os Requerentes defendem, em suma, que o regime que resulta destas normas, ao limitar aos residentes em Portugal a redução a 50% do saldo das mais-valias relevantes para tributação, prevista no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, na redacção vigente em 2019, viola o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), por se reconduzir a tratamento discriminatório (menos favorável) para os não residentes e ser, em consequência, restritivo da liberdade de circulação de capitais entre Estados-Membros, pelo que deve ser-lhes aplicado o regime previsto para os residentes.

Quanto à referida opção consagrada nos citados n.ºs 9 e 10  (   ) do artigo 72.º do CIRS, os Requerentes defendem que a possibilidade de opção não afasta em si a discriminação entre residentes no território português e residentes noutro Estado membro da União Europeia, patente no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS.

A Administração Tributária defende, em suma, que a incompatibilidade com o Direito da União é afastada pela possibilidade de opção prevista nos referidos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º.

 

3.2. Questão da compatibilidade com o Direito da União do regime de tributação previsto nos artigos 43.º e 72.º do CIRS para os não residentes

 

O artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS estabelece que «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis».

Nos termos dos n.ºs 1 e 2, alínea b), do artigo 43.º do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, «o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes» e, fora dos casos de imóveis que tenham beneficiado de apoio não reembolsável concedido pelo Estado ou outras entidades públicas (o que aqui não sucede) , «o saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo» é «apenas considerado em 50 % do seu valor».

 Este regime está previsto apenas para as transmissões efectuadas por residentes.

Para os não residentes, prevê-se no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS que são tributadas à taxa autónoma de 28% as «mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado».

No entanto, nos n.ºs 9 e 10 deste artigo 72.º (na redacção da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, estabelece-se que «Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português» e que, «para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes».

Destas normas decorre que existem três regimes essenciais de tributação das mais-valias em sede de IRS:

– para os residentes em território português, vigora o regime previsto no artigo 43.º, em que as mais-valias realizadas são consideradas apenas em 50% do seu valor;

– para os residentes num Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, prevê-se a tributação autónoma nos termos do artigo 72.º, n.º 1, mas com possibilidade de optarem pela aplicação do regime dos residentes em território português, sendo considerados, para efeitos de determinação da taxa, todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes;

– para os não residentes em território português e num Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, prevê-se apenas a aplicação da referida tributação autónoma, sem possibilidade de opção por qualquer outro regime.

 

Os Requerentes não residiam em território português, mas residiam em território de um Estado que, em 2019, era Membro da União Europeia, pelo que o regime aplicável que resulta daquelas normas é o do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, com possibilidade de opção pela aplicação do regime dos residentes em território português, sendo considerados, para efeitos de determinação da taxa, todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

Os Requerentes defendem que a aplicação de tal regime é incompatível com o Direito da União Europeia, designadamente com o no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE (Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), que estabelece que “no âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, por não ser aplicável a excepção prevista no artigo 64.º, n.º 1, nem existir justificação ao abrigo do disposto no artigo 65.º, n.ºs 1 e 3 do TFUE.

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que

– a questão da compatibilidade do regime de tributação de não residentes com o Direito da União Europeia que se previa nas redacções do CIRS anteriores à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro foi apreciada pelo acórdão do TJUE proferido no processo C-443/06, caso Hollmann;

– essa alteração legislativa veio introduzir no ordenamento jurídico um regime que permite a um contribuinte residente no Estado-Membro não ser sujeito a um tratamento menos favorável do que aquele que seria aplicado a um residente em Portugal que se encontrasse em idênticas condições;

– sendo o IRS progressivo, o legislador português entendeu que a tributação deste ganho fortuito seria excessivamente onerosa comparativamente à tributação que incidiria caso esses rendimentos fossem obtidos de forma faseada ao longo do período de detenção do imóvel;

– foi justamente essa circunstância que determinou que o saldo positivo das mais-valias de bens imobiliários fosse englobado (somado aos demais rendimentos) em 50% do seu valor, para efeito de determinação da taxa progressiva, à qual todos os rendimentos seriam englobados para apurar o imposto devido, bem como a taxa aplicável. vide artigo 43.º n. º 2 do Código do IRS;

– e, daí, a consideração do saldo em 50% só fazer sentido para os contribuintes que sejam tributados de acordo com as taxas progressivas previstas no artigo 68.º do Código do IRS, isto é, no caso dos contribuintes residentes, que são os únicos obrigados a englobar aquele saldo (artigo 22.º do Código do IRS), sem possibilidade de verem esse saldo tributado a uma taxa proporcional;

– ou, ainda, para os contribuintes residentes noutro Estado-Membro da União Europeia que escolherem ser tributados por aplicação de uma taxa proporcional ao saldo positivo das mais-valias relativamente aos quais, por natureza, não ocorre o efeito do aumento da taxa de imposto aplicável que o legislador nacional visou atenuar através do referido artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS;

– daqui resulta que só os residentes na União Europeia que escolham ser tributados nos termos previstos e permitidos pelo regime introduzidos pela Lei n.º 67-A /2007, de 31 de dezembro, que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2008, e está vertido no artigo 72.º, atuais n.ºs 12 e 13, podem ser comparados com os residentes em Portugal, no que à tributação de 50% do saldo das mais valias imobiliárias respeita, e só em relação a estes se pode colocar a questão de discriminação (Acórdão Hollmann já referenciado, n.ºs 44, 45 e jurisprudência aí referida);

– importa não esquecer que, sendo o IRS um imposto único e global, a consideração do saldo das mais-valias imobiliárias em 50% deve ser conjugada com a aplicação de uma taxa progressiva que leve em consideração o rendimento global do contribuinte;

– devido aos constrangimentos na obtenção de informação sobre a totalidade dos rendimentos obtidos por residentes na União Europeia, o legislador optou por manter o regime que existia no n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS, o qual funciona como regime supletivo;

– a forma de tribulação escolhida resulta de um ato livre vontade e não de uma aplicação automática de um regime pela administração fiscal portuguesa, decisão essa que pode sempre ser alterada livre de quaisquer encargos, vide art.º 140.º do Código do IRS.

                – acresce ainda, por outro lado, que o exercício da opção na escolha do regime de tributação das mais valias não está dependente ou associado a quaisquer obrigações acrescidas e desproporcionadas aos fins e aos princípios que lhe são inerentes;

– uma interpretação que defenda que ao cálculo das mais valias imobiliárias dos não residentes seria aplicável a taxa de 28% prevista no n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS com a exceção de 50% do saldo, nas mais-valias imobiliárias, a que se refere o artigo 43.º n. º2 do Código do IRS, confere uma opção aos não residentes que nem sequer é facultada aos residentes em território nacional, o que representaria uma injustificada discriminação à luz do Direito da União.

 

No artigo 63.º, n.º 1, do TFUE (anterior artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, “TCE”) estabelece que «no âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros».

 No referido acórdão do TJUE de 11-10-2007, processo C-443/06, proferido no caso Hollmann, foi decidido, a propósito do regime que estava previsto nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, que o Direito da União «se opõe a uma legislação nacional (...) que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».

A Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão ao dizer que, na sequência desse acórdão, foram efectuadas as alterações de 2007 ao artigo 72.º do CIRS, introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que permitiram aos residentes num Estado-Membro da União ou no Espaço Económico Europeu optarem pelo englobamento, o que implica a colocação da questão da compatibilidade do novo regime com o Direito da União, em termos diferentes dos que se colocavam no caso Hollmann.

Mas, a incompatibilidade do novo regime com o direito da União Europeia, apesar de opcional, foi reafirmada pelo TJUE, no acórdão de 18-02-2021, processo n.º C-388/19, em que se concluiu que «o artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável».

Na fundamentação deste acórdão refere-se o seguinte:

25  Importa recordar que o artigo 63.º TFUE proíbe quaisquer restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros, sem prejuízo das justificações previstas no artigo 65.º TFUE.

 26  No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que, tratando-se de mais-valias realizadas no momento da alienação onerosa de um bem imóvel situado em Portugal, o artigo 43.º, n.º 2, e o artigo 72.º, n.º 1, do CIRS previam regras de tributação diferentes consoante os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento residissem ou não no território desse Estado-Membro.

 27  Em especial, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, as mais-valias realizadas por residentes no momento da alienação de bens imóveis situados em Portugal eram apenas consideradas em 50 % do seu valor. Em contrapartida, para os não residentes, o artigo 72.º, n.º 1, do CIRS prévia a tributação dessas mesmas mais-valias sobre a totalidade do seu montante à taxa autónoma de 28 %.

 28  Daqui decorre que, em aplicação destas disposições, a matéria coletável deste tipo de mais-valias não era a mesma para os residentes e para os não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel situado em Portugal, no caso de realização de mais-valias, os não residentes estavam sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que era aplicada aos residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, EU:C:2007:600, n.º 37).

 29  Com efeito, enquanto, por força do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, um não residente era tributado a uma taxa de 28 % aplicada sobre a matéria coletável correspondente à totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável das mais-valias realizadas por um residente permitia que este beneficiasse sistematicamente de uma carga fiscal inferior a esse título, qualquer que fosse a taxa de tributação aplicada à totalidade dos seus rendimentos, uma vez que, segundo as observações apresentadas pelo Governo português, os rendimentos dos residentes estavam sujeitos a um imposto de acordo com uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado era de 48 %, isto embora se pudesse aplicar uma taxa adicional de solidariedade de 2,5 % a rendimentos coletáveis de 80000 euros a 250000 euros e de 5 % acima desse valor.

 30  Ora, no Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, EU:C:2007:600, n.º 40), o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que a fixação, pelo artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, de uma matéria coletável de 50 % para as mais-valias realizadas apenas por sujeitos passivos residentes em Portugal, e não por sujeitos passivos não residentes, constituía uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º TFUE.

 31  Esta constatação não é posta em causa pelo n.º 44 do Acórdão de 19 de novembro de 2015, Hirvonen (C-632/13, EU:C:2015:765), no qual o Tribunal de Justiça declarou que uma diferença de tratamento entre contribuintes não residentes e contribuintes residentes, que consiste em sujeitar os rendimentos brutos dos primeiros a uma tributação a título definitivo a uma taxa única, através de retenção na fonte, ao passo que os rendimentos líquidos dos segundos são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui um abatimento de base, é compatível com o direito da União, na medida em que essa constatação está sujeita, todavia, à condição de a taxa única não ser mais elevada do que a taxa resultante da aplicação efetiva para o interessado da tabela progressiva aos rendimentos líquidos que excedem o abatimento de base. Ora, no caso em apreço, como resulta do n.º 29 do presente acórdão, o regime de tributação diferenciado em causa conduz a que os não residentes sejam sistematicamente sujeitos a uma carga fiscal superior à aplicada aos residentes aquando da realização de mais-valias sobre a venda de imóveis.

 32  Nestas condições, a fixação da matéria coletável em 50 % para as mais-valias realizadas por todos os sujeitos passivos residentes em Portugal, e não para os sujeitos passivos não residentes que optaram pelo regime de tributação previsto no artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE.

 33  Por conseguinte, importa verificar se essa restrição pode ser considerada objetivamente justificada, à luz do artigo 65.º, n.ºs 1 e 3, TFUE.

 

 Quanto à existência de uma justificação para as restrições à livre circulação de capitais à luz do artigo 65.º, n.ºs 1 e 3, TFUE 

34  Resulta do artigo 65.º, n.º 1, TFUE, lido em conjugação com o n.º 3 desse mesmo artigo, que os Estados-Membros podem estabelecer, na sua regulamentação nacional, uma distinção entre contribuintes residentes e contribuintes não residentes, desde que essa distinção não constitua um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.

 35  Há, portanto, que distinguir os tratamentos desiguais permitidos ao abrigo do artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações arbitrárias proibidas pelo n.º 3 do mesmo artigo. A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que disposições fiscais nacionais, como o artigo 43.º, n.º 2, e o artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, possam ser consideradas compatíveis com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, EU:C:2007:600, n.ºs 44 e 45 e jurisprudência referida).

 36  Ora, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os sujeitos passivos residentes e os sujeitos passivos não residentes prevista pela regulamentação portuguesa diz respeito a situações objetivamente comparáveis. Além disso, esta diferença de tratamento não é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

 37  Quanto, em primeiro lugar, à comparabilidade das situações, importa recordar que, no n.º 50 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, EU:C:2007:600), o Tribunal de Justiça já declarou, em primeiro lugar, que a tributação das mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel incide, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, e do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, sobre uma única categoria de rendimentos dos contribuintes, quer sejam residentes ou não residentes. em segundo lugar, que essa tributação diz respeito a essas duas categorias de contribuintes. e, em terceiro lugar, que o Estado-Membro de onde o rendimento coletável provém é sempre a República Portuguesa.

 38  Resulta do exposto, nomeadamente do n.º 29 do presente acórdão, que não existe nenhuma diferença objetiva de situação entre os contribuintes residentes e os contribuintes não residentes, suscetível de justificar uma desigualdade de tratamento fiscal entre eles, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, e do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, no que respeita à tributação do saldo positivo das mais-valias realizadas na sequência de alienações de bens imóveis situados em Portugal. Por conseguinte, a situação em que se encontra um contribuinte não residente, como MK, é comparável à de um contribuinte residente.

 39  Esta constatação não é posta em causa pela ratio legis do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, que prevê o abatimento de 50 % aplicável às mais-valias realizadas pelos residentes, que, segundo o Governo português, consiste em evitar a tributação excessivamente onerosa desses rendimentos considerados anormais e fortuitos, na medida em que nada permite excluir que essa consideração não possa vir a dizer respeito aos sujeitos passivos não residentes.

 40  Quanto, em segundo lugar, à existência de justificações baseadas em razões imperiosas de interesse geral, importa salientar que o Governo português não refere a existência de tais razões. No entanto, alega que, no âmbito da tributação do saldo positivo das mais-valias imobiliárias realizadas em Portugal, o artigo 43.º, n.º 2, do CIRS tem por objetivo evitar penalizar os sujeitos passivos residentes em Portugal ou os sujeitos passivos não residentes que escolham ser tributados como tais nos termos do artigo 72.º, n.ºs 9 e 10, do CIRS, devido ao facto de lhes ser aplicada uma taxa progressiva.

 41  Ora, nos n.ºs 58 a 60 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, EU:C:2007:600), o Tribunal de Justiça considerou que o benefício fiscal concedido aos residentes, que consistia numa redução de metade da matéria coletável correspondente às mais-valias realizadas, excedia, em todo o caso, a contrapartida que consiste na aplicação de uma taxa progressiva à tributação dos seus rendimentos. Consequentemente, no processo que deu origem a esse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que não estava demonstrada uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício através de determinada imposição fiscal e que a restrição resultante da regulamentação nacional em causa não podia, portanto, ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.

               

                Quanto à opção de tributação segundo as mesmas modalidades que os residentes

 42  Antes de mais, há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.º, n.ºs 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.º, n.º 2, desse código permite a um contribuinte não residente, como MK, escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, e outro que não o é.

 43  Ora, cumpre frisar a este respeito que, no caso em apreço, essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

 44  Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.º TFUE em razão do seu caráter discriminatório (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, EU:C:2010:148, n.º 52).

 45  Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, EU:C:2010:148, n.º 53 e jurisprudência referida).

 46  Daqui resulta que a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.º 32 do presente acórdão compatível com o Tratado.

 47  Tendo em conta todas as considerações precedentes, importa responder à questão submetida que o artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.

 

Este acórdão, com manifesta aplicação ao caso em apreço, não deixa qualquer margem para dúvidas para que o entendimento do TJUE é no sentido de que, sendo discriminatório o regime que resulta dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 72.º, n.º 1, do CIRS, a existência de uma opção não tem por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal daquele regime e, por maioria de razão, em situação em que o regime incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte.

                As decisões do TJUE proferidas em reenvio prejudicial têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quanto à «interpretação dos Tratados», o que é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º) (   ).

O reenvio prejudicial que é sugerido pela Administração Tributária está previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b) e no artigo 267.º do TFUE, e é, em princípio, obrigatório quando uma questão sobre a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.

No entanto, quando a lei da União seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81.

 Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º 14).

«Compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça» (acórdãos do TJUE de 10 de julho de 2018, processo C-25/17, e de 02-10-2018, processo C-207/16).     

No caso em apreço, afigura-se que a jurisprudência do TJUE é perfeitamente clara sobre as questões de interpretação do Direito da União que se colocam, pelo que não é necessário proceder a reenvio prejudicial.

                Aplicando aquela jurisprudência ao caso dos autos, constata-se que a aplicação da taxa de 28% prevista no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS a 100% das mais-valias implica necessariamente a incidência de uma carga fiscal mais elevada para os não residentes, pois equivale a uma tributação à taxa de 56% sobre 50% das mais-valias, tributação esta que nunca é atingida com a aplicação das taxas gerais previstas no artigo 68.º para a tributação de residentes (taxa máxima de 48%), mesmo considerando o acréscimo máximo de 5% previsto no artigo 68.º-A a título de taxa adicional de solidariedade.

                Pelo exposto, tem de se concluir que o artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, na medida em que limita a residentes a tributação em IRS considerando apenas 50% do valor das mais-valias, é incompatível com o Direito da União, mesmo com a opção permitida a não residentes nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º do mesmo Código, na redacção vigente em 2019.

                Assim, em face da supremacia deste sobre o Direito Nacional que resulta do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, o artigo 43.º, n.º 2, deve ser aplicado sem aquela limitação a residentes.

                Na mesma linha tem decidido o Supremo Tribunal Administrativo que, no acórdão do Pleno de 09-12-2020, processo n.º 75/20.6BALSB, e considerando que se trata de jurisprudência consolidada, nos acórdãos do Pleno de 20-01-2021, processos n.ºs 56/20.0BALSB e 108/20.6BALSB e de 24-03-2021, processo n.º 82/20.9BALSB.

                Consequentemente, as liquidações impugnadas, ao não aplicarem aos Requerentes a redução do valor das mais-valias que se prevê no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, enfermam de vício de violação de lei.

                Procede, assim o pedido de pronúncia arbitral, quanto aos pedidos de anulação parcial das liquidações, que formularam.

 

               

                4. Restituição de quantia paga indevidamente e juros indemnizatórios

 

                Em 06-08-2020, os Requerentes pagaram as quantias liquidadas, no valor de € 65.417,21 cada um.        

                Os Requerentes pedem a restituição das quantias indevidamente pagas, com juros indemnizatórios.

                De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

                Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

                O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação    ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na  redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na  redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

                Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

                Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

                Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

                Na sequência da anulação das liquidações, cada um dos Requerentes tem direito a ser reembolsados das quantias que pagou indevidamente e cujo reembolso pede, no valor de  € 32.708,61 (cada um).

                No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que não há erro dos serviços pois se limitou a aplicar a lei nacional.

                No entanto, como há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da prática de um acto ilegal, por iniciativa da Administração Tributária, mesmo em situações em que a ilegalidade deriva apenas do direito da União Europeia:

– «em geral, pode afirmar-se que o erro imputável aos serviços, que operaram a liquidação, entendidos estes num sentido global, fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou impugnação dessa  mesma liquidação» (   );

               

                – «Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária pelo art, 43.º da L.G.T., havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à  administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da  lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.

                     Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado» (    );

 

– «há erro nos pressupostos de direito, imputável aos serviços, de modo a preencher o pressuposto da obrigação da Administração de indemnizar aquele a quem exigiu imposto indevido, quando na liquidação é aplicada uma norma nacional incompatível com uma Directiva comunitária» (   );

 

– «os juros indemnizatórios previstos no art. 43ºda LGT são devidos sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo e sem necessidade de mais, pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da correspondente liquidação» (   ).

               

                Assim, no caso em apreço, não sendo os erros que afectam as liquidações imputáveis aos Requerentes, eles são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as emitiu por sua iniciativa.

                Os juros indemnizatórios devem ser contados, relativamente a cada pagamento, desde a data em que foi efectuado (06-08-2020), até ao integral reembolso ao respectivo Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

                5. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)           Anular parcialmente as liquidações de IRS com os n.ºs 2020..., em nome do Requerente A..., e 2020..., em nome de B..., quanto ao valor de € 32.708,61, cada uma;

C)           Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar cada um dos Requerentes da quantia de € 32.708,61;

D)           Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los a cada um dos Requerentes, calculados sobre as quantias a reembolsar a cada um, nos termos do ponto 4 deste acórdão-

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 65.417,21.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

               

Lisboa, 14-06-2021

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Ricardo Jorge Rodrigues Pereira)

(Marcolino Pisão Pedreiro)