Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 602/2020-T
Data da decisão: 2021-06-28  IRC  
Valor do pedido: € 184.518,18
Tema: IRC. Despesas não documentadas
Versão em PDF

 

Sumário:

 

Não podem ser tidas como despesas não documentadas e sujeitas a tributação autónoma, as despesas que se encontram reflectidas na contabilidade do sujeito passivo e justificadas quanto à sua natureza, origem ou finalidade, através da documentação junta e da informação complementar prestada pelo sujeito passivo no âmbito dos procedimentos de inspecção tributária e de reclamação graciosa.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1.            A... LDA, com o número de pessoa colectiva ..., com sede na Rua do ..., nº..., ..., ...-... ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade dos actos de liquidação de IRC em sede de tributação autónoma, referentes ao ano de 2015, no valor de € 24.161,12, e ao ano de 2016, no valor de € 160.357,06, e, bem assim, do despacho de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzido.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

Na sequência de uma acção inspectiva, a Autoridade Tributária efectuou correcções aritméticas em sede de IRC, no montante de € 12 700,71 e de € 205.000,00, relativamente aos exercícios de 2015 e de 2016, respectivamente, por entender, quanto à primeira correcção, que o conteúdo da factura apresentada não permite aferir a que título foram prestados os serviços e se eram da responsabilidade do sujeito passivo, e quanto à segunda correcção, por considerar que  o registo contabilístico foi efectuado com base em mera nota de lançamento sem qualquer documento de suporte.

 

O referido montante de € 12 700,71 respeita a despesas de consultadoria jurídica tendo em vista a eventual constituição e registo no Japão de uma sociedade, cujos sócios seriam a Requerente e uma outra sociedade de direito japonês, correspondendo a custos com honorários dos advogados por serviços jurídicos prestados, e cujos documentos de suporte da despesa, de onde consta o descritivo dos serviços prestados, foram entregues à Autoridade Tributária no âmbito do procedimento inspectivo.

 

O valor de € 205.000,00 corresponde a custos realizados com a candidatura apresentada a um concurso no âmbito do Instituto da Vinha e do Vinho, envolvendo um conjunto de actividades desenvolvidas principalmente na China, relacionadas com feiras, exposições, provas de vinho, e que se encontram documentados através de facturas pro-forma e facturas que identificam a natureza das transações. Além de que o projecto foi auditado pelo Instituto da Vinha e do Vinho, em vista à possibilidade de disponibilização das verbas de instâncias europeias, e por outras entidades administrativas, como seja a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território.

 

Em qualquer dos casos, os gastos enquadram-se na actividade empresarial da Requerente e são dedutíveis nos termos do artigo 23.º do CIRC e não podem ser entendidos como despesa não documentadas para efeitos de sujeição a tributação autónoma. Sendo que a Requerente, no decurso do procedimento inspectivo, juntou documentos que esclarecem quaisquer dúvidas ou divergências que possam ter sido suscitadas.

 

Conclui no sentido de que as liquidações adicionais e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa enfermam de erro nos pressupostos de facto e de direito, pelo que devem ser anuladas.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta, quanto às despesas consideradas como não documentadas do período de 2015, que os fundamentos e justificações apresentadas pela Requerente continuam a não esclarecer, sem margem para dúvidas, de que o gasto registado na contabilidade de € 12.700,71, alegadamente incorrido para pagamento de honorários ao advogado B..., localizado no Japão foi suportado para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Não sendo possível confirmar se na realidade esse gasto registado na contabilidade corresponde ao documento apresentado e se eram da responsabilidade da requerente.

 

Relativamente à correcção fiscal relativa ao exercício de 2016, refere-se que, no decurso do procedimento de inspeção, os serviços verificaram que a requerente tinha procedido à contabilização em gastos – Trabalhos especializados – outros, no montante de € 205.000,00, sem qualquer suporte documental, ou seja por mero registo contabilístico.

 

Tratando-se, em qualquer dos casos, de despesas não documentadas, havia lugar à sua  desconsideração fiscal do gasto, ao abrigo da alínea  b) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, com sujeição a tributação autónoma, nos termos do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC.

 

Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.

                2. No seguimento do processo, e tendo a Requerente prescindido da produção de prova testemunhal, por despacho arbitral de 21 de Maio de 2021, foi determinada a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas, por se entender que não existiam quaisquer novos elementos sobre que as partes se devessem pronunciar, para além dos já constantes da documentação junta ao pedido e do processo administrativo apresentado pela Requerida.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 29 de Janeiro de 2021.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A) A Requerente tem como objecto social a importação, a exportação, o armazenamento, a distribuição por grosso e a retalho para comércio e indústria, de todos os tipos de alimentos frescos e preservados, bebidas com e sem álcool, e como actividade complementar realiza consultadoria, formação, transferência de tecnologia resultante de investigação científica, prestações de serviços relacionados com a produção industrial vitivinícola e comércio internacional de bebidas alcoólicas.

B) A Requerente foi alvo de uma acção de inspecção com referência aos exercícios fiscais de 2015 e 2016, credenciada pelas Ordens de Serviço nºs OI2018... e OI2018... .

C) Em resultado da acção de inspeção, a Autoridade Tributária efectuou, entre outras, correções aritméticas ao resultado anteriormente apurado em sede de IRC, com referência ao exercício de 2015, no montante de € 12.700,71, e, com referência ao exercício de 2016, no montante de € 205 000,00.

D) Os fundamentos das correcções em IRC encontram-se descritas no Relatório nos seguintes termos:

 

III- Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável

[…]

D Da análise aos documentos de suporte aos reconhecimentos contabilísticos.

[…]

D.1. – Fornecimentos e serviços externos

Ano de 2015

[…]

b) Através da consulta aos documentos que serviram de suporte aos reconhecimentos contabilísticos, constatou-se que foram contabilizadas despesas, cujos reconhecimentos assentam em meras notas de lançamento sem quaisquer documentos de suporte, designadamente (Vide: Anexo 5 do Mapa de Trabalho):

QUADRO 8

GASTOS CONTABILIZADOS EM 2015 SEM DOCUMENTO DE SUPORTE

N.º Registo Contabilístico             Data      Valor     Observação

1200075               31-12-2015          12.700,71 €       

1200050               31-12-2015          1.130,87 €          (a)

TOTAL                  13.831,58 €       

Observação: (a) - Nesta situação apenas foram considerados os valores contabilizados na conta 626399

                              

Assim sendo, esses gastos não são aceites fiscalmente nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC e sujeitos a correcção ao abrigo do n.º 1 do artigo 17.º daquele código.

Mais, tais gastos ficam sujeito a tributação autónoma à taxa de 50%, nos termos do n.0 1 do artigo 88.º do CIRC.

Ano de 2016

[…]

h) Analisado o registo contabilístico abaixo identificado, verificou-se que o mesmo foi efectuado com base em mera nota de lançamento sem qualquer documento de suporte, o que impossibilita aferir da veracidade dos factos subjacentes ao mesmo (Vide: Anexo 12 do Mapa de Trabalho):

QUADRO 13

GASTOS CONTABILIZADOS EM 2016 SEM DOCUMENTO DE SUPORTE

N.º Registo Contabilístico             Data      Valor

300021  31-03-2016          205.000,00 €

TOTAL                  205.000,00 €

Nestes termos, esse gasto não é aceite fiscalmente nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC e será objecto de correcção ao abrigo do n.º 1 do artigo 17.º daquele código.

Mais, tal gasto fica sujeito a tributação autónoma à taxa de 50%, nos termos do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC.

E) Em relação ao direito de audição exercido pela Requerente, o Relatório de Inspecção Tributária efectua a seguinte apreciação:

 

A. ARGUMENTOS DO SUJEITO PASSIVO E SUA ANÁLISE:

Ano de 2015:

I. Alínea b) do ponto D. 1 — Fornecimentos e Serviços Externos:

Registo contabilístico n.º 1200075 - 31.12.2015 (12.700,71€)

Relativamente a esta alínea, o sujeito passivo alega que os documentos subjacentes ao registo contabilístico 1200075, de 2015.12.31, no valor de 12.700,71€, não se encontravam no arquivo contabilísticos exibido aquando dos procedimentos inspetivos.

Porém, o sujeito passivo vem agora alegar que aquele registo contabilístico respeita a um pagamento de honorários de advogado (B...) localizado no Japão, anexando como justificativo uma factura em idioma inglês, datada de 2015.08.11, no montante de 1.524.000,00 (lene japonese), um extrato bancário do banco L... onde é assinalado um movimento datado de 2015.08.19, no montante de 3.300,00€ e, uma confirmação de transferência à ordem de B..., datado de 2015.09.11, no montante de CHY 65.000,00 (lene chinese) que à taxa de câmbio daquela data perfazia 9.062,17€, efetuada através de uma conta do Bank I... (I...) cujo número de conta difere da conta identificada pelo sujeito passivo como pertencente a si, o que totaliza transferências bancárias de 12.362,17€, valor que porém não corresponde ao contabilizado (Vide: Anexo 2—do direito de audição).

A dita factura refere:

Em inglês texto original Tradução

Invoice Factura

Leqal advisinq for reqistration Of H…

(capital of 6 milion JPY)

1.1. Report for preparation of a standard articles of incorporation in English and Japanese

                1.2. Report for I at           overnmental     rocedures           1.            Assessoria iurídíca para o reqistro de H... (capital de 6 milhões de JPY — Ienes ia poneses)

1.1 Relatório para preparação de artigos de incorporação padrão em inglês e japonês

1,2 Relatório para rocedímentos ovemamentais le ais

requested by Law in Japan

1.3. Report for legal representative requests.    solicitados por lei no Japão

1.3 Relatório para solicitações de representantes legais.

 

Ora, considerando o conteúdo da factura apresentada, o mesmo não permite aferir a que título os mesmos foram efetivamente suportados e se na realidade esses gastos eram da responsabilidade do sujeito passivo,

Neste sentido, ponderados os factos acima refletidos, infere-se de forma clarividente que o sujeito passivo não apresentou elementos de prova que inverta o entendimento plasmado no projeto relatório, pelo que, não lhe assiste razão.

Registo contabilístico n.º 1200050 - 31.12.2015 (1.130.87€)

Quanto ao presente registo contabilístico, o sujeito passivo vem alegar que tais gastos respeitam a acidentes de trabalho, da Companhia de Seguros J..., que foi integrada na K...— Companhia de Seguros e que apesar de várias tentativas não conseguiu obter uma segunda via das facturas/recibo.

Resumidamente, o sujeito passivo não juntou elementos de prova que sustentem aquele reconhecimento contabilístico, pelo que se mantém o prévio entendimento vertido no projeto relatório

[…]

 

Ano de 2016

1.            Alínea h) do ponto D.1 – Fornecimentos e serviços externos

No que se refere aos factos evidenciados na alínea h) do ponto D, 1 — Fornecimentos e Serviços Externos, no valor de 205.000,00€, o sujeito passivo vem agora remeter facturas e documentos de transferências bancárias a fim de justificar aquele movimento contabilístico.

Porém, comparando aqueles elementos de prova com os factos evidenciados no registo contabilístico em causa, ressaltam discrepâncias quanto ao desenrolar dos acontecimentos, nomeadamente quanto à cronologia do registo, conforme melhor se expõe:

QUANTO AO REGISTO CONTABILÍSTICO

a)            O registo contabilístico é único e foi efectuado e, 2016.03.31, no valor total de 205.000,00€;

b)           Na nota de lançamento subjacente, foi lançado e reconhecida e desreconhecida a dívida ao fornecedor “1 TO 8” e, de imediato, gerada a dívida a favor do sócio gerente C... registado,

c)            As facturas remetidas como elemento de prova, as quais totalizam 205.000,00€, são as seguintes:

Invoice n.º 21, de 2016.03.08, no montante de 6.550,00€;

Invoice n.º 31 de 2016.03.22, no montante de 7.370,00€;

Invoice n.º 39, de 2016.03.26, no montante de 31.200,00€;  Invoice n.0 45Y de 2016.04.01 , no montante de 27.000,00€;

Invoice n.º 46, de 2016.04.01, no montante de 27.800,00€;

Invoice n.º 153, de 2016.06.17, no montante de 25.650,00€;

Invoice n.º 165, de 2016.06.23, no montante de 17.650,00€; Invoice n.0 169, de 2016.06.25, no montante de 7.550,00€;

 Invoice n.º 300, de 2016.09.01, no montante de 27.000,00€;

Invoice n.º 369, de 2016.11.15, no montante de 21.680,00€;

 Invoice n.º 370, de 2016.11.16, no montante de 5.550,00€.

d)           Comprovativos de transferências bancárias, efetuadas a partir da conta..., da  entidade bancária I..., a favor de D... sociedade IJnipessoal, Limitada as quais totalizam 218.552,42€, conforme cotação à data retirada do site https://wwwl...

Data: 22.05.2018 - montante: CNY 21.150,00 (2.815,33€);

                Data: 31.05.2018 - montante: CNY 34.888,00 (4.678,91€);

Data: 08.06.2018 - montante: CNY 56.480,00 (7.481,03€);

Data: 02.07.2018 - montante. CNY 350.000,00 (45.238,00€);

Data: 31.08.2018 - montante: CNY 31.438,OO (3.935,16€);

Data: 19.09.2018 - montante: CNY 52.440,00 (6.537,37€);

Data: 28.11.2018 - montante: CNY 130.000,00 (216.529,00€):

Data: 28.11.2018 - montante: CNY 200.000,00 (25.429,30€);

Data: 28.11.2018 - montante: CNY 136.000,00 (17.291 90€);

Data: 29.11.2018 - montante: CNY 490.000,00 (62.278,10€);

Data 17.12.2018 - montante: CNY 145.000,00 (18560,40€)

Data 28.12.2018 - montante; CNY 61.000,00 (7.777,92€)

 

III  - ANÁLISE DOS FACTOS E CONCLUSÃO

Ora, do confronto documental resultam as seguintes discrepâncias:

a)            A data do reconhecimento contabilístico não tinham sequer sido emitidas grande parte das facturas ora remetidas, pelo que, fica impercetível como é possível em 2016.03.31, por contrapartida da conta do fornecedor registar na integra valores que apenas foram facturados à posteriori;

b)           Os comprovativos de pagamento remetidos não evidenciam a que facturas se referem;

c)            Os supostos pagamentos, apenas foram efectuados no decurso de 2018, pelo que não se entende como o desreconhecimento da dívida àquele fornecedor tenha sido logo contabilizado em 2016.03.31 e essa dívida tenha sido gerada a favor do sócio-gerente, nessa mesma data;

d)           O número da conta bancária utilizado para efetuar aquelas transferências bancárias, não foi identificada pelo sujeito passivo como pertencente a si, pelo que se desconhece a sua titularidade (Vide: Anexo 14— do Mapa de trabalho);

e)           Os valores das transferências divergem do valor facturado;

Perante o exposto, verifica-se que elementos de prova ora apresentados divergem com a factualidade subjacente ao registo contabilístico efectuado.

Nestes termos, concluiu-se peta inexistência de factos suscetíveis de alterar as correções anteriormente projetada, pelo que não assiste razão ao sujeito passivo quanto a esta questão.

F) Na sequência do Relatório de Inspecção Tributária, foram emitidos os actos de liquidação adicional de IRC nº 2020..., no valor a pagar de € 24.161,12, com referência ao exercício de 2015, e nº 2020..., no valor a pagar de € 160.357,06, com referência ao exercício de 2016, que incluem juros compensatórios.

G) A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações adicionais, que veio a ser indeferida por despacho do Director de Finanças de ..., de 4 de Agosto de 2020, notificado pelo ofício dessa mesma data.

H) A decisão de indeferimento manifesta concordância com a informação dos serviços, em que se refere, além do mais, o seguinte:

IRC 2015

 10- No que se refere ao IRC de 2015, correcções no valor de 12.700,61€, alega que o custo diz respeito a constituição e registo de uma sociedade, cujos sócios seriam a aqui reclamante e uma empresa japonesa. Alega que junta factura e email dos advogados com os serviços discriminados.

11-Cumpre informar que no relatório de inspecção, página 23, consta:” Relativamente a esta alínea, o sujeito passivo alega que os documentos subjacentes ao registo contabilístico 1200075, de 2015.12.31, no valor de 12.700,71€, não se encontravam no arquivo contabilísticos exibido aquando dos procedimentos inspetivos. Porém, o sujeito passivo vem agora alegar que aquele registo contabilístico respeita a um pagamento de honorários de advogado (B...) localizado no Japão, anexando como justificativo uma factura em idioma inglês, datada de 2015.08.11, no montante de 1.524.000,00 (Iene japonese), um extrato bancário do banco L...onde é assinalado um movimento datado de 2015.08.19, no montante de 3.300,00€ e, uma confirmação de transferência à ordem de B... datado de 2015.09.11, no montante de CHY

65.000,00 (Iene chinese) que à taxa de câmbio daquela data perfazia 9.062,17€, efetuada através de uma conta do Bank I... (I...) cujo número de conta difere da conta identificada pelo sujeito passivo como pertencente a si, o que totaliza transferências bancárias de 12.362,17€, valor que porém não corresponde ao contabilizado”. “Ora, considerando o conteúdo da factura apresentada, o mesmo não permite aferir a que título os mesmos foram efetivamente suportados e se na realidade esses gastos eram da responsabilidade do sujeito passivo. Neste sentido, ponderados os factos acima refletidos, infere-se de forma clarividente que o sujeito passivo não apresentou elementos de prova que inverta o entendimento plasmado no projeto relatório, pelo que, não lhe assiste razão”.

12-         Na página 24 e 25 da petição da reclamação apenas foi junto uma troca de emails datados de 20 e 21 de agosto de 2015 entre C... e B... .

13-         De acordo com o artigo 23º do CIRC, são dedutíveis os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a irc.

14-         Os novos elementos juntos pelo sujeito passivo não provam a que titulo foram efectuados estes gastos e se os mesmos visavam garantir ou obter rendimentos.

15-         Esclarecendo que de acordo com o artigo 23º nº 3 do CIRC, com a redacção em vigor desde 01-01-2014, os gastos devem estar comprovados documentalmente, devendo contar os elementos do artigo 23 nº 4, sendo que, quando o fornecedor esteja obrigado a emissão da factura, o documento comprovativo dos gastos deve assumir essa forma, de acordo com o artigo 23º nº 6 do CIRC, com redacção em vigor desde 01-01-2014.

16-Embora o sujeito passivo tenha junto uma factura no procedimento inspectivo, constatou-se no relatório de inspecção que esta não cumpria os requisitos do artigo 23 nº 4, nomeadamente a descriminação dos serviços prestados, de modo a que se perceba o seu enquadramento no 23 nº 1 do CIRC.

17-Acrescentando-se que a factura é datada de 11-08-2015 e o registo contabilístico foi efectuado com data de 31-12-2015, com valor diferente do valor constante da factura.

18-Sendo que inicialmente o reconhecimento contabilístico foi efectuado com base em mera nota de lançamento, sem qualquer documento de suporte, e dos dados que dispomos, não se pode fazer a ligação desta factura ao gasto em causa.

19-Pelo que não se pode aceitar o gasto contabilizado de 12.700,61€, de acordo com o artigo 23-A nº 1 b) do CIRC.

 

IRC 2016

29- No que se refere ao IRC de 2016, correcções no valor de 205.000€, alega o reclamante juntar prova dos custos e explica que a diferença entre as facturas e os pagamentos ficou a dever-se as condições de pagamento que foram permitidas entre cliente e fornecedor.

30-No relatório de inspecção informou-se que se detetou durante o procedimento inspectivo o registo de um gasto no valor de 205.000€, datado de 31-03-2016, sem qualquer documento de suporte, apenas tendo por base uma mera nota de lançamento. Esse gasto não foi aceite de acordo com o artigo 23-A nº 1 b) do CIRC.

31-No exercício da audição prévia no procedimento inspectivo constatou-se:” Ora, do confronto documental resultam as seguintes discrepâncias: a) À data do reconhecimento contabilístico não tinham sequer sido emitidas grande parte das facturas ora remetidas, pelo que, fica impercetível como é possível em 2016.03.31, por contrapartida da conta do fornecedor, registar na integra valores que apenas foram facturados à posteriori; b) Os comprovativos de pagamento remetidos não evidenciam a que facturas se referem; ”” Os supostos pagamentos, apenas foram efectuados no decurso de 2018, pelo que não se entende como o desreconhecimento da dívida àquele fornecedor tenha sido logo contabilizado em 2016.03.31 e essa dívida tenha sido gerada a favor do sócio-gerente, nessa mesma data; d) O número da conta bancária utilizado para efetuar aquelas transferências bancárias, não foi identificada pelo sujeito passivo como pertencente a si, pelo que se desconhece a sua titularidade (Vide: Anexo 14 – do Mapa de trabalho); e) Os valores das transferências divergem do valor facturado; Perante o exposto, verifica-se que elementos de prova ora apresentados divergem com a factualidade subjacente ao registo contabilístico efectuado.

Nestes termos, concluiu-se pela inexistência de factos suscetíveis de alterar as correções anteriormente projetada, pelo que não assiste razão ao sujeito passivo quanto a esta questão.” 32-O sujeito passivo agora em reclamação graciosa vem alegar que junta prova dos custos e explica que a diferença entre as facturas e os pagamentos ficou a dever-se as condições de pagamento que foram permitidas entre cliente e fornecedor.

33- Vemos que foram juntas as facturas e as denominadas facturas proforma. As facturas equivalem às facturas juntas ao procedimento inspectivo, mas agora foram juntas as pró-formas:

Invoice n.º 21, de 2016.03.08, no montante de 6.550,00€;- proforma invoice nº 156 de 21.10.2015.

Invoice n.º 31, de 2016.03.22, no montante de 7.370,00€; proforma invoice nº 157 de 21.10.2015.

Invoice n.º 39, de 2016.03.26, no montante de 31.200,00€; proforma invoice nº 158 de 21.10.2015.

Invoice n.º 45, de 2016.04.01, no montante de 27.000,00€; proforma invoice nº 160 de 21.10.2015.

Invoice n.º 46, de 2016.04.01, no montante de 27.800,00€; proforma invoice nº 159 de 21.10.2015.

Invoice n.º 153, de 2016.06.17, no montante de 25.650,00€; proforma invoice nº 161 de 23.10.2015.

Invoice n.º 165, de 2016.06.23, no montante de 17.650,00€; proforma invoice nº 162 de 3.10.2015.

Invoice n.º 169, de 2016.06.25, no montante de 7.550,00€; proforma invoice nº 163 de 23.10.2015.

Invoice n.º 300, de 2016.09.01, no montante de 27.000,00€; proforma invoice nº 170 de 30.10.2015.

Invoice n.º 369, de 2016.11.15, no montante de 21.680,00€; proforma invoice nº 171 de 30.10.2015.

Invoice n.º 370, de 2016.11.16, no montante de 5.550,00€. proforma invoice nº 173 de 30.10.2015.

34-O que se pretende é que seja efectuada prova do gasto contabilizado no valor de 205.000€, datado de 31-03-2016, sem qualquer documento de suporte, apenas tendo por base uma mera nota de lançamento. Esse gasto não foi aceite de acordo com o artigo 23-A nº 1 b) do CIRC.

35-De acordo com acórdão do TCAS de 24-03-2009, PROCESSO 02794/08: “A factura pró-forma é um documento que, embora sob a forma de factura, apenas representa uma proposta do vendedor pelo qual define as características da mercadoria que se propõe vender, preço, despesas com expedição e outros gastos inerentes. IX) -Assim, a Factura Pró-forma, é um documento que acompanha o objecto, para indicar o valor da mercadoria sem valor comercial. É um documento dirigido a Empresa-Empresa que acompanha uma amostra ou produto para teste, sem existir transacção comercial. X) –Por esse prisma, as “facturas pró-forma” não respeitam a efectivas transmissões de bens ou prestações de serviços, nem a qualquer efectivo pagamento, pelo que, em termos contabilísticos esta factura não terá qualquer valor, sendo este unicamente para efeitos estatísticos. XI) -Em suma: a designação Pró-forma é uma expressão latina que significa «por formalidade» e a factura pró-forma é frequente no comércio internacional, indicando as quantidades das mercadorias em trânsito para efeitos estatísticos e alfandegários e incluindo elementos contratuais que só interessam ao importador e ao exportador, como, por exemplo, as condições de pagamento.”

35-         Pelo que, não podem as facturas proformas justificar o gasto contabilizado. E relativamente as facturas, já foi fundamentado em sede do procedimento inspectivo, o porque se não se aceitarem, aderindo-se a esta fundamentação, conforme referido no parágrafo 31 desta informação.

36-         Pelo que, não se pode aceitar o gasto no valor de 205.000€, uma vez que, não está documentado de acordo com o artigo 23-A nº 1 b) do CIRC.

37- Assim, não vislumbramos ainda que a reclamante tenha feito prova suficiente, em sede deste procedimento, capaz de pôr em causa as correcções efetuadas, como lhe é exigido pelo artigo 74.º da LGT.

I) Tendo sido a Requerente notificada para exercer o direito de audição prévia relativamente ao projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, os serviços prestaram a seguinte informação complementar:

             IRC de 2015

47-         Relativamente aos serviços no valor de 12.700,71€, refere que se trata de um gasto dedutível para efeitos de apuramento do lucro tributável. Os mercados chinês e japonês apresentam grandes restrições á constituição de sociedades e á abertura de contas bancárias relativamente a cidadãos não residentes. São grandes as diferenças entre o modo de operar no mercado interno e no mercado chinês e japonês. Uma empresa portuguesa encontra-se impedida de abrir uma conta bancária na china, o que se deduz pelo facto, de não poder abrir uma sucursal. Existem grandes entraves à saída de capitais por parte de entidades chinesas. Por todos estes motivos se utiliza uma conta bancária diferente da identificada pelo sujeito passivo como pertencente a si. A conta bancária era da sócia do sujeito passivo á data dos factos, sendo a única solução para obter o pagamento dos produtos exportados de Portugal para a China. O procedimento adotado foi validado por auditorias do E... e do F... . A despesa em causa diz respeito a gastos de prospecção e análise jurídica que a reclamante incorreu ao tentar entrar no mercado japonês. O dispêndio ocorrido está relacionado com serviços de consultadoria e não com a criação em si de uma qualquer entidade.

48-         No que se refere à conformidade da factura emitida com as normas aplicáveis, alega a reclamante que um solicitador japonês a operar em território japonês, ainda que preste serviços a uma entidade portuguesa, não esta sujeito á obrigação de emissão de factura de acordo com o artigo 36º do CIVA, não lhe sendo aplicável o artigo 23 nº 6 do CIRC. Os requisitos aplicáveis aos documentos comprovativos são apenas os constantes do artigo 23 nº 4 a) c) d) e e).

49- No que diz respeito á alegada diferença entre os valores pagos e os dispêndios realizados, alega que a moeda japonesa e a moeda chinesa não são moedas voláteis pelo que podem ser usadas taxas médias para a semana ou mês em que a transacção é realizada, para efeitos de mensuração. Acresce ainda que o dispêndio tem de cobrir o preço fixado em Yene japonês.

50-Cumpre informar quantos aos argumentos deduzidos pela reclamante:

51-No procedimento inspectivo foi desconsiderado o gasto no valor de 12.700,71€ nos termos do artigo 23-A nº 1 b) do CIRC, uma vez que, o seu reconhecimento contabilístico assentava em mera nota de lançamento.

52-Pelo que, o reclamante tem de fazer prova do registo contabilístico 1200075, de 2015.12.31, no valor de 12.700,71€, uma vez que, de acordo com o artigo 74 n1 da LGT, o ónus da prova recai sobre quem os invoca.

53-Apesar dos vários factos alegados, a reclamante não demonstra que a factura datada de 11 de Agosto de 2015 corresponde ao lançamento contabilístico 1200075. A factura é datada de 11-08-2015 e o registo contabilístico foi efectuado com data de 31-12-2015, com valor diferente do valor da soma das transferências.

54-         A taxa de câmbio utilizada no procedimento inspetivo foi a do dia da transferência.

55-         De acordo com o parágrafo 21 da NCRF 23:” Uma transacção em moeda estrangeira deve ser registada, no momento do reconhecimento inicial na moeda funcional, pela aplicação à quantia de moeda estrangeira da taxa de câmbio entre a moeda funcional e a moeda estrangeira à data da transacção.”

56-         A conta utilizada tal como alegado pelo reclamante não pertence á sociedade.

57-Quanto aos requisitos da factura, e indo de encontro ao defendido pela reclamante que, apenas os elementos referidos no artigo 23 nº 4 a) c) d) e e) deveriam constar da factura, continuamos a defender que não foi cumprido o requisito previsto na alínea c), não sendo discriminados os serviços prestados.

58-Assim, não se fazendo a ligação da factura em causa ao movimento 120075, estamos perante uma despesa não documentada, que está sujeito á tributação autónoma.

                IRC 2016

[…]

62- Relativamente ao IRC referente ao exercício de 2016 e no que respeita á dedutibilidade dos gastos, alega a reclamante que o registo contabilístico a que se alude no relatório de inspecção não contempla qualquer prejuízo para o Estado Português, porquanto o mesmo foi considerado como um gasto. Alega ainda que estamos perante um prestador de serviços residente em Macau que não se encontra obrigado ás formalidades do artigo 36º do CIVA, mas apenas aos requisitos do artigo 23 nº 4 do CIRC. Apesar de em Março de 2016 só terem sido emitidas pela prestadora de serviços três das facturas, a reclamante já tinha como certo o gasto no montante de 205.000€, equivalente à soma das facturas proforma. Os pagamentos são efectuados em modalidade contacorrente. É irrelevante o momento em que o pagamento foi efectuado. O erro que possa ter ocorrido na contabilidade apenas tem impacto nas contas de balanço e não na demonstração de resultados.

63 – Cumpre informar.

64 - Durante o procedimento inspectivo constatou-se o registo de um gasto no valor de 205.000€, datado de 31-03-2016, sem qualquer documento de suporte, apenas tendo por base uma mera nota de lançamento. Esse gasto não foi aceite de acordo com o artigo 23-A nº 1 b) do CIRC. 65-Nesse lançamento contabilístico foi reconhecido o gasto e reconhecida a dívida ao fornecedor

“1To 8” e imediatamente desreconhecida a dívida ao fornecedor e gerada a dívida a favor do sócio-gerente. Todos estes lançamentos são datados de 31-03-2016.

66-Vem o reclamante alegar que o erro que possa ter ocorrido apenas tem impacto nas contas de balanço, uma vez que é irrelevante a data do pagamento.

67-         O reclamante continua sem demonstrar como em 2016.03.31, por contrapartida da conta do fornecedor, foram registados valores que apenas foram facturados à posteriori, e sendo os supostos pagamentos efectuados no ano de 2018, como o desreconhecimento da dívida àquele fornecedor tenha sido logo contabilizado em 2016.03.31 e essa dívida tenha sido gerada a favor do sócio gerente, nessa mesma data;

68-         O erro contabilístico ocorrido não permite associar as facturas enviadas pelo sujeito passivo, ao gasto contabilizado no valor de 205.000€. Uma vez que, não estando ainda prestados os serviços, ou seja, suportados os gastos de acordo com o artigo 18º do CIRC, como pode a reclamante contabilizar um gasto, apenas com base nas facturas pro-forma.

69-         Sendo uma despesa não documentada está sujeita a tributação autónoma.

70-         Assim, propõe-se o indeferimento do pedido de reclamação graciosa sendo o reclamante notificado da decisão, na pessoa do mandatário, constituído em sede de audição prévia.

 

J) Foi junto ao pedido arbitral como documento n.º 6, que aqui se dá como reproduzido, factura emitida a favor da Requerente, pelo solicitador japonês G..., referente a assessoria jurídica para registo da H... e assessoria fiscal para registo da H... .

L) Foram juntas ao pedido arbitral como documentos n.ºs 7 e 8, que aqui se dão como reproduzidos, facturas pro-forma e facturas emitidas a favor da Requerente, referentes a serviços prestados na China e no Japão.

M) Foi junto ao pedido arbitral como documento n.º 9, que aqui se dá como reproduzido, que se refere à candidatura apresentada pela Requerente ao concurso n.º 1/2016, lançado pelo Instituto da Vinha e do Vinho, IP, tendo como objectivos comerciais o aumento do valor de venda do vinho e o aumento da notoriedade dos produtos vendidos no mercado chinês e a exploração de novos mercados em Singapura e Cabo Verde.

N) A Requerente procedeu ao pagamento voluntário do imposto devido.

O) A Requerente apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em 5 de Novembro de 2020.

 

Factos não provados

 

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e em factos não questionados pelas partes.

 

               

Matéria de direito

 

5. A Requerente discute a sujeição a tributação autónoma de gastos, no montante de € 12.700,71, realizados com a prestação de serviços de consultadoria jurídica e fiscal, tendo em vista a constituição e registo no Japão de uma sociedade, e de gastos, no montante de € 205.000,00, respeitantes a actividades desenvolvidas principalmente na China, sob a égide do Instituto da Vinha e do Vinho, com a finalidade da internacionalização da empresa na área vitivinícola. Refere que as despesas se encontram justificadas através de facturas e facturas pro-forma apresentadas no decurso do procedimento inspectivo e do procedimento de reclamação graciosa, e que constituem os documentos n.º 6 (referente aos serviços de consultadoria) e n.ºs 7 e 8 (referentes às restantes actividades empresariais).

 

Como resulta da matéria de facto dada como assente, no Relatório de Inspecção Tributária, as despesas em causa foram consideradas como despesas não documentadas e sujeitas a tributação autónoma por se entender que assentam em meras notas de lançamento contabilístico sem os correspondentes documentos de suporte. Em sede de audiência do interessado, os serviços inspectivos mantiveram as conclusões do Relatório por considerarem que a factura entretanto junta relativa aos serviços de consultadoria não permite aferir a que título os serviços foram efectivamente prestados e se esses gastos eram da responsabilidade do sujeito passivo, e relativamente aos gastos no montante de € 205.000,00, por subsistirem discrepâncias no confronto documental entre o registo contabilístico, as facturas apresentadas e os comprovativos de transferências bancárias (cfr. ponto IX do Relatório de Inspecção Tributária e, em especial, a “análise dos factos e conclusão”, como consta da alínea E) da matéria de facto).

 

Na informação que serviu de base ao indeferimento da reclamação graciosa, acrescenta-se, relativamente às despesas com consultadoria, que a factura junta no âmbito do procedimento inspectivo, não preenchia os requisitos do artigo 23.º, n.º 4, do CIRC, e, nomeadamente, a menção da discriminação dos serviços prestados, e que se verifica uma discrepância quanto à data da factura (11 de Agosto de 2015) e do registo contabilístico (31 de Dezembro de 2015), bem como quanto ao valor em causa, não podendo estabelecer-se a necessária correlação entre a factura e o gasto. E no tocante às despesas realizadas em 2016, refere-se ainda que as facturas pró-forma, apresentadas em sede de reclamação graciosa, não permitem justificar os gastos contabilizados por não comprovarem a efectiva transmissão de bens ou prestação de serviços, nem revelarem um efectivo pagamento.

 

Em informação complementar produzida na sequência do exercício do direito de audição, destinada a apreciar os argumentos aduzidos pela Requerente, os serviços mantiveram a proposta de indeferimento da reclamação graciosa por não ter sido feita prova suficiente da correlação entre os documentos justificativos e os gastos contabilizados (cfr. alínea I) da matéria de facto).

 

Para a análise da questão, interessa começar por ter presente as disposições dos artigos 23.º e 23.º-A do Código de IRC, que definem os gastos e perdas dedutíveis para a determinação do lucro tributável e os encargos que não são dedutíveis para esse efeito, mesmo que contabilizados como gastos do período de tributação.

Como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 23.º do Código do IRC, os gastos dedutíveis “devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”. E no caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: a) nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; b) números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional; c) quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; d) valor da contraprestação, designadamente o preço; e) data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados” (cfr. n.º 4).

 

Tratando-se, no caso, de aquisição de bens ou serviços, a documentação exigível seria a constante do n.º 4, que, na redacção resultante da reforma de IRC de 2014, consagrou o entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência no sentido de considerar como bastantes, para a dedutibilidade do gasto, os elementos que identifiquem a operação realizada (sujeitos, objecto, data e preço). E que afasta, por conseguinte, os requisitos mais exigentes do artigo 36.º, n.º 5, do Código do IVA quanto às formalidades das facturas para efeito do direito de dedução do imposto (cfr. GUSTAVO LOPES COURINHA, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, 2019, Coimbra, págs. 105-106).

 

Por seu lado, o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea b), do Código do IRC especifica como encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação, entre outros, as "despesas não documentadas".

 

Como despesas não documentadas devem entender-se aquelas que não têm por base qualquer documento justificativo ou de suporte documental a nível contabilístico, e, como tal, não especificam a sua natureza, origem ou finalidade (acórdão do TCA Sul de 7 de Fevereiro de 2012, Processo n.º 04690/11). Havendo de distinguir-se entre as despesas não documentadas e as despesas não devidamente documentadas, isto é, aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação" e que apenas acarretam a não dedutibilidade para efeitos fiscais.

 

Ainda segundo o acórdão do STA de 7 de Julho de 2010 (Processo n.º 0204/10), a apreciação da existência ou não da devida documentação é feita tendo por objecto o acto através do qual o sujeito passivo suporta o encargo ou a despesa que é susceptível de afectar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC.

 

De todas as referidas disposições, conclui-se que são dedutíveis, para a determinação do lucro tributável, todos os gastos e perdas que tenham conexão com a actividade empresarial (artigo 23.º), com exclusão, entre outras, das despesas não documentadas (artigo 23.º-A, n.º 1, alínea b)).  E, por outro lado, para efeito do controlo do lucro tributável, sobre o sujeito passivo incidem obrigações acessórias que não se cingem às obrigações declarativas, como a referente à declaração periódica de rendimentos (artigo 120.º), mas incluem obrigações contabilísticas, como as mencionadas nas disposições dos artigos 17.º, n.º 3, e 123.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), que pressupõem que o lucro tributável seja determinado com base na contabilidade. Ou seja, o ponto de partida da quantificação da base tributável é o resultado líquido do exercício, o qual se apura através dos registos contabilísticos.

 

Quanto à prova documental dos gastos, e mesmo que se considere exigível que do documento justificativo constem os elementos que identifiquem ou operação ou a transacção realizada, não poderá perder-se de vista a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nomeadamente no acórdão Barlis proferido no Processo n.º C 516/14, quanto às formalidades das facturas para efeitos de IVA. O TJUE tem salientado que as especiais exigências quanto ao teor das facturas não podem ser atendidas de modo absoluto e mesmo nos casos em que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais que sejam exigidos a respeito das facturas emitidas, nem por isso se deverá negar o direito de deduzir o montante de imposto por estes suportado a montante, conquanto estejam verificados os respectivos requisitos materiais. Para o efeito, esclarece o Tribunal de Justiça que a Administração não deverá apenas ter em conta as facturas em si consideradas, mas também as informações complementares prestadas pelo sujeito passivo. No fundo, o TJUE admite a prevalência da substância sobre a forma com intuito de garantir que os eventuais vícios formais das facturas não obstam ao direito de o sujeito passivo deduzir o montante de imposto que tenha suportado a montante para a prática das operações sujeitas a IVA.

 

Transpondo esta orientação para a dedutibilidade de gastos para efeitos fiscais para determinação do lucro tributável em IRC, não pode deixar de reconhecer-se que a Administração Tributária deverá atender aos elementos complementares que tenham sido fornecidos pelo contribuinte de modo a aferir a fiabilidade dos dados inscritos na contabilidade e das operações comerciais que tenham sido realizadas (cfr., neste sentido, o acórdão proferido no Processo n.º 773/2019-T).

 

6. Revertendo ao caso concreto, os argumentos inicialmente aduzidos pela Autoridade Tributária para a qualificação das despesas em causa como não documentadas consistem em considerar que as despesas assentam em notas de lançamento contabilístico sem os correspondentes documentos de suporte. Tendo sido juntos, no decurso do procedimento inspectivo, documentos justificativos dos gastos, e exercido pela Requerente o direito de audição, a Administração invocou, quanto às despesas com consultadoria, que a factura não preenche os requisitos do artigo 23.º, n.º 4, do CIRC e suscita dúvidas quanto à efectiva realização do gasto e a responsabilidade do sujeito passivo pelo encargo. Quanto às despesas realizadas em 2016, apontam-se discrepâncias relativamente aos documentos apresentados pela Requerente, que integravam facturas e documentos comprovativos de transferências bancárias, concluindo-se pela inexistência de elementos factuais que pudessem alterar o entendimento anteriormente expresso no projecto de Relatório de Inspecção Tributária.

 

Todas essas considerações foram retomadas na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que assenta essencialmente na ausência de prova bastante que permita associar as facturas aos gastos contabilizados.

 

Passando a analisar todos os elementos probatórios carrreados pela Requerente no âmbito do procedimento inspectivo e de reclamação graciosa e juntos ao pedido arbitral, o que se constata é que a factura relativa a serviços de consultadoria identifica o prestador dos serviços e o adquirente, bem como a denominação dos serviços prestados, a data e o valor da contraprestação (documento n.º 6). Por outro lado, as facturas e facturas pro-forma que integram os documentos n.ºs 7 e 8, que respeitem às despesas no valor global de € 205.000,00, igualmente discriminam os elementos a que se refere o artigo 23.º, n.º 4, do CIRC, constando do procedimento inspectivo os documentos comprovativos das transferências bancárias efectuadas para pagamento dos serviços prestados.

 

O documento n.º 9 junto ao pedido arbitral, que se reporta à candidatura apresentada pela Requerente no âmbito de um concurso n.º 1/2016 aberto pelo Instituto da Vinha e do Vinho, IP, tendo como objectivo a comercialização de vinho no mercado chinês, igualmente reforça o carácter empresarial das despesas e a viabilidade da realização das operações comerciais que se encontram descritas nos documentos justificativos. E não tem cabimento a referência feita, na informação que serviu de base ao indeferimento da reclamação graciosa, à inidoneidade das facturas pro-forma para a demonstração da efectiva prestação de serviços, quando o certo é que a Requerente juntou não apenas esses elementos, mas também as correspondentes facturas, o que permite verificar a plena correspondência entre os descritivos e os valores considerados em cada um desses documentos.

 

E cabe referir, como se reconhece no relatório de inspecção tributária, que as despesas foram contabilizadas através de notas de lançamento.

 

Face à prova produzida e a informação complementar prestada pelo contribuinte, a Administração Tributária limita-se a assinalar divergências ou deficiências formais, sem pôr em causa a genuinidade dos documentos e a substância das operações, e abstendo-se de realizar quaisquer outras diligências instrutórias em benefício da verdade material que permitissem obter os esclarecimentos que se entendessem ainda necessários.

 

Ora, perante a factura que constitui o documento n.º 6 junto ao pedido, apresentada no âmbito do procedimento tributário, e as explicações prestadas a esse propósito pelo contribuinte, não é aceitável que continue a colocar-se a dúvida sobre a efectiva realização da despesa e a responsabilidade do sujeito passivo pelo pagamento, quando se trata de uma despesa contabilizada e a própria factura especifica a natureza dos serviços que foram prestados. E, do mesmo modo, os documentos n.ºs 7 e 8 juntos ao pedido arbitral e igualmente apresentados perante a Autoridade Tributária na fase administrativa, identificam os dados essenciais das operações realizadas que, na sua globalidade, correspondem ao gasto contabilizado no exercício de 2016 de € 205.000,00.

 

Haverá de concluir-se, face a todo o exposto, que, estando em causa despesas que têm por base documentos justificativos ou de suporte contabilístico que permitem especificar a sua natureza, origem ou finalidade, tais despesas não podem ser tidas como não documentadas, verificando-se a ilegalidade das liquidações adicionais em IRC por violação das disposições conjugadas dos artigos 23.º-A, n.º 1 alínea b), e do artigo 88.º, n.º 1, do Código de IRC.

 

 

Juros compensatórios

 

7.  A Requerente impugna igualmente a liquidação de juros compensatórios em relação aos actos tributários de liquidação de IRC.

 

Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

 

Como tem sido entendimento corrente, os juros compensatórios devidos nos termos da referida disposição constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente. Tratando-se de uma indemnização de natureza civil, ela só exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa actuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência.

 

A procedência do pedido arbitral torna necessariamente inexigível o pagamento de juros compensatórios, pelo que também nesse ponto o pedido é procedente.

 

III – Decisão

Termos em que se decide julgar procedente o pedido arbitral e anular os actos de liquidação adicional de IRC n.º 2020..., no valor de € 24 161,12 referente ao ano de 2015, e nº 2020..., no valor de € 160 357,06, referente ao ano de 2016, bem como à decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzido.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 184.518,18, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 28 de Junho de 2021

  

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

Martins Alfaro

(com declaração de conformidade nos termos do artigo 15.º-A da Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março)

 

A Árbitro vogal

Rita Guerra Alves

 

 

Exmo. Senhor

Juiz Árbitro Presidente

 

Nos termos do disposto no artigo 15.º-A, do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01 de Maio, a Decisão Arbitral relatada por V. Exa., no processo em referência, tem o meu acordo e consequente voto de conformidade.

 

Lisboa, 25 de Junho de 2021

Martins Alfaro