SUMÁRIO:
1. De acordo com a verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS) estão sujeitos a imposto, além dos prédios habitacionais (previstos na alínea a) do número 1 e do n.º 2 do artigo 5.º do CIMI), os terrenos para construção (previstos na alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo do CIMI), desde que tenha sido autorizada ou esteja prevista construção destinada a habitação.
2. Compete à Requerida demonstrar que os terrenos para construção tinham autorização, projeto ou previsão de edificação prevista para habitação.
3. Sem a demonstração dessa efetiva potencialidade de edificação não se mostra aplicável a verba 28.1 da TGIS
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros (árbitro presidente), Marisa Almeida Araújo e Nuno Cunha Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 27 de janeiro de 2021, acordam no seguinte:
I. Relatório
A A..., S.A., sociedade com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., (adiante apenas “Requerente”) veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante apenas designado por RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a constituição de tribunal arbitral.
A Requerente pretende a pronúncia do presente tribunal arbitral coletivo com vista à anulação das decisões de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados e, em consequência:
(i) À anulação total das liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2016 ..., 2016 ... e 2016 ..., de 05.04.2016 relativamente ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo matricial U-...;
(ii) À anulação total das liquidações de Imposto do Selo n.ºs Liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2016..., 2016... e 2016... de 05.04.2016 relativamente ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ... sob o artigo matricial U-...;
(iii) Ao reembolso das quantias indevidamente pagas a título de Imposto do Selo no valor agregado de € 74.978,93; e,
(iv) Ao reconhecimento do direito da Requerente a juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor de 4% sobre as quantias indevidamente pagas a título de Imposto do Selo.
A Requerente alega, sumariamente, o seguinte,
1. Em 31.12.2015, a Requerente era proprietária dos prédios inscritos na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo matricial U-... o qual corresponde ao lote n.º ... do Alvará de Loteamento n.º .../1992 conforme alterado pelos sucessivos Aditamentos (com os n.ºs .../98 de 14.08.1998, .../2001 de 12.05.2001, .../2002 de 12.12.2002 e .../2003 de 11 de Dezembro de 2003) e do prédio inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ... sob o artigo matricial U-... para o qual foi aprovado, em 2008, um projeto de arquitetura para construção de um prédio com afetação a habitação coletiva e a comércio (em diante abreviadamente designado de “Terrenos para Construção” ou individualmente “Terreno U-...” e “Terreno U-...”).
2. O Terreno para Construção U-... resultou de uma operação de loteamento (no âmbito da qual tal o terreno passou a constituir o lote ...), tendo sido emitido para o efeito, pela Câmara Municipal de ..., o alvará de loteamento n.º .../92 sendo que, de acordo com o referido alvará de loteamento, o Terreno para Construção (i.e., o lote correspondente ao Terreno ...- Lote...) destinava-se exclusivamente a escritórios.
3. Nos termos do aditamento n.º .../98 do referido alvará que foi emitido em 14.08.1998, o anterior proprietário do Lote ... solicitou a “alteração ao uso dos lotes três, quatro e cinco para usos alternativos, sendo a mudança pretendida para os lotes três e quatro de escritórios para escritórios e/ou habitação e no lote cinco de escritórios e comércio para escritórios e/ou habitação, sem aumento das áreas de construção” .
4. Deste modo, segundo a Requerente, de acordo com a certidão emitida pela Câmara Municipal de ... relativa ao Terreno da ... (lote ...) em 16.03.2007, “(...) o destino do lote número quatro é de escritórios e/ou habitação, logo poderá ser somente escritórios, somente habitação ou ambos os usos”.
5. Conclui a Requerente, por isso que, o Terreno para Construção destina-se à construção de um prédio a afetar a usos cumulativos ou alternativos habitação e/ou serviços, podendo mesmo destinar-se à construção de um prédio a afetar exclusivamente a serviços, motivo pelo qual é ostensivamente artificial concluir que o Terreno para Construção U-... tem edificação prevista ou autorizada exclusivamente para habitação.
6. No que diz respeito ao Terreno para Construção U-... o mesmo não foi objeto de qualquer alvará de loteamento ou de construção, tendo sido apenas sujeito a um pedido de informação prévia e, posteriormente, à aprovação do projeto de arquitetura apresentado para o mesmo.
7. Segundo a Requerente, de acordo com o despacho de aprovação do referido projeto de arquitetura, a construção prevista para o terreno não se destina exclusivamente a habitação e a informação técnica anexa ao despacho de aprovação do projeto de arquitetura apresentado para o Terreno para Construção U-... refere expressamente que: “O Requerente, na qualidade de proprietário do terreno afeto a este processo, localizado na praça onde confluem as avenidas ... e ..., apresenta um projeto de arquitetura referente a obras (...) para construção de um edifício de habitação coletiva e comércio, constituído por duas caves, rés-do-chão e seis andares, dos quais os dois últimos são recuados relativamente ao alinhamento face à via pública. (...)”.
8. Concluindo a Requerente que, ainda que o projeto de arquitetura apresentado pela Requerente para o Terreno de ... tenha sido aprovado, a aprovação em causa refere-se à construção de um prédio destinado a habitação coletiva e a comércio (e não exclusivamente a habitação).
9. Apesar de nenhum dos Terrenos para Construção ter edificação prevista ou autorizada para habitação, segundo a Requerente, foi esta notificada:
(i) das liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2016..., 2016... e 2016..., de 05.04.2016, referentes às três prestações do Imposto do Selo do Terreno para Construção U-..., no valor agregado de € 56.987,05 (correspondente a três prestações de € 18.995,69 cada uma) resultante da aplicação da taxa de 1% sobre o VPT inscrito na matriz predial urbana em 31.12.2015 (€ 5.698.704,89); e,
(ii) das liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2016..., 2016... e 2016..., de 05.04.2016, referentes às três prestações do Imposto do Selo do Terreno para Construção U-..., no valor agregado de € 17.991,88 resultante da aplicação da taxa de 1% sobre o VPT inscrito na matriz predial urbana em 31.12.2015 de € 1.799.188,44.
10. As Liquidações Contestadas foram emitidas em 05.04.2016 nos termos da verba 28.1 da TGIS, na redação dada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, que passou a abranger expressamente os terrenos para construção com edificação prevista ou autorizada exclusivamente para habitação no âmbito de incidência objetivo do Imposto do Selo.
11. Os valores do imposto liquidados pela AT e pagos pela Requerente resultam da aplicação da taxa de Imposto do Selo em vigor no ano de imposto de 2015 (correspondente a 1%) aos VPTs dos Terrenos para Construção inscritos na matriz predial urbana a 31.12.2015:
i) Artigo matricial: ...; Afetação: Terreno para Construção; VPT € 5.698.704,89; Imposto de Selo: € 56.987,05
ii) Artigo matricial: ...; Afetação: Terreno para Construção; VPT € 1.799.188,44; Imposto de Selo: € 17.991,88;
12. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto de selo, no total de € 74.978,93.
13. Concluindo a Requerente que, para além do evidente défice de fundamentação de que padecem as Liquidações Contestadas, as mesmas assentam no pressuposto (errado) de que os Terrenos para Construção têm edificação prevista ou autorizada exclusivamente para habitação, o que não tem qualquer correspondência com a realidade.
14. Segundo a Requerente, na determinação dos VPTs: do Terreno para Construção U-..., a AT aplicou indevidamente um coeficiente de localização de 1,85; e, do Terreno para Construção U-..., a AT aplicou indevidamente um coeficiente de localização de 1,60.
15. Para além do exposto, a Requerente conclui ainda que que a fórmula de cálculo do VPT utilizada pela AT não expurgou, como se impunha nos termos legais, a majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.
16. Tais erros na fórmula de cálculo de determinação dos VPTs dos Terrenos para Construção motivaram a apresentação, pela Requerente, de pedidos de avaliação relativamente aos referidos terrenos, concluindo a Requerente que, ainda que se concluísse que os terrenos em análise se enquadram objetivamente no âmbito da verba 28.1 da TGIS, sempre existiria um excesso de imposto liquidado pela AT e pago pela Requerente no valor mínimo de € 52.043: € 34.051 (= € 3.405.148,49 *1%) por referência ao Terreno U-... acrescidos de € 17.992 (= € 1.799.188,44*1%) por referência ao Terreno para Construção U-... .
17. A Requerente é do entendimento que as Liquidações Contestadas assentam em diversos erros sobre os pressupostos de facto e na aplicação do direito, imputáveis à AT, na medida em que (i) incidem sobre Terrenos para Construção que estão totalmente excluídos do âmbito de incidência objetivo da verba 28.1 da TGIS; (ii) padecem de vício de falta de fundamentação; e, (iii) incidiram sobre VPTs fixados de acordo com uma fórmula de cálculo ilegal.
18. A Requerente apresentou os pedidos de revisão oficiosa com fundamento em erro imputável aos serviços e junto dos Serviços de Finanças de ... e de ... (serviços de finanças da localização dos Terrenos para Construção U-... e U-..., respetivamente), as entidades competentes para a decisão dispunham de um prazo legal de quatro meses para proferir decisão, o qual terminou no dia 06.08.2020 na medida em que os pedidos de revisão oficiosa foram ambos apresentados em 06.04.2020.
19. Não tendo sido objeto de decisão expressa formou-se presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.
20. A Requerente entende que os Terrenos para Construção em análise não têm edificação prevista ou autorizada exclusivamente para habitação pelo que não poderiam ter sido tributados em Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS na redação em vigor à data dos factos, o que inquina de ilegalidade e determina a anulabilidade das Liquidações Contestadas.
21. Por outro lado, as Liquidações Contestadas padecem ainda de vício de falta de fundamentação substancial e, na sua emissão, a AT incumpriu o ónus da prova que sobre si impende de provar os factos constitutivos do seu direito a tributar.
22. Sem conceder no exposto, a Requerente entende ainda que os Terrenos para Construção estivessem abrangidos no âmbito de incidência objetivo da verba 28.1 da TGIS - o que apenas admite por mero dever de patrocínio sem, contudo, conceder - as Liquidações Contestadas sempre seriam ilegais por terem considerado no cálculo do Imposto do Selo a pagar os VPTs das parcelas dos Terrenos para Construção sem edificação prevista ou autorizada para habitação e por assentarem em VPTs determinados de acordo com uma fórmula de cálculo ilegal (conforme tem vindo a ser decidido, de forma uniforme e reiterada, pelos tribunais superiores).
23. Desta forma a Requerente entende que as Liquidações Contestadas assentam assim em diversos erros sobre os pressupostos de facto e na aplicação do direito que são inequivocamente imputáveis aos serviços da AT, peticionando a procedência dos pedidos de pronúncia arbitral formulados.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “AT” ou “Requerida”).
Em 5 de novembro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes, notificadas dessa designação em 28 de dezembro de 2020, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 27 de janeiro de 2021.
Em 16 de abril de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por exceção, dilatória e perentória, e por impugnação e pugna pela improcedência e consequente absolvição da instância e do pedido, respetivamente, alegando sumariamente que,
(i) Quanto à defesa por exceção
1. A Requerida alega a incompetência do tribunal arbitral para se pronunciar do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa sendo que a exceção dilatória obsta a que o tribunal conheça do fundo ou mérito da causa, o que determina a absolvição da Requerida da instância.
2. Por outro lado a Requerida alega a caducidade do pedido de pronúncia arbitral, defendendo que sendo o tribunal arbitral incompetente para conhecer atos de indeferimento tácito, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT o prazo para apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral é de 90 dias contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, in casu, termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.
3. Segundo posição da Requerida, a Requerente vem impugnar os seguintes atos de liquidação:
i) Nota de cobrança n.ºs 2016..., 2016... e 2016..., de 05.04.2016; com pagamento a Abril, Julho e novembro de 2016 respectivamente;
ii) Nota de cobrança n.ºs 2016..., 2016... e 2016... de 05.04.2016; com pagamento a Abril, Julho e novembro de 2016 respectivamente;
4. Segundo a Requerida, o prazo para a apresentação do pedido de pronúncia arbitral é de 90 dias contados a partir daquelas datas, terminando a julho de 2016, outubro de 2016 e fevereiro de 2017 e respetivamente, concluindo que o presente pedido de pronúncia arbitral apresentado em 04.11.2020 é manifestamente extemporâneo, concluindo pela absolvição da instância.
(ii) Da defesa por impugnação
5. A Requerida defende que os documentos probatórios carreados aos presentes autos arbitrais permitem concluir que a afetação de cada um dos prédios apesar de não exclusivamente afeta a habitação, tinha ainda assim essa finalidade.
6. Assim sendo, todos os documentos juntos sob os números 2, 3, 4 e 5 juntos com a PI, evidenciam que os prédios em causa são terrenos para construção com afetação habitacional, nos termos do art. 6.º, n.º 3 do CIMI, e nessa medida, cabem no âmbito da incidência objetiva da Verba 28.1 da TGIS.
7. Ao que cumpre, relativamente à incidência subjetiva da Verba 28.1 da TGIS fazer o enquadramento jurídico subjacente à matéria objeto do presente pedido de pronúncia: 45.º A Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, veio alterar o art.º 1º do CIS, e aditar à TGIS a Verba 28.1.
8. O IS passaria assim a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
9. Posteriormente, com a alteração promovida pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, à verba 28.1 do C.I.S., passaram a estar expressamente abrangidos por aquela os terrenos “…para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”, e o respetivo VPT é superior a € 1.000.000,00.
10. Segundo a Requerida, na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afetação habitacional em sede de IS, há que recorrer ao CIMI a definição que permite aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no n.º 2 do art. 67.º do CIS na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro. 49.º Sobre o “Conceito de prédio”, dispõe o nº 1 do art.º 2.º do CIMI que, “1-Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”.
11. Resulta assim daquela norma, segundo a Requerida, que a noção de prédio fiscal implica a), um atributo físico - ser uma fração de território, b), um atributo patrimonial - faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva, e c) um atributo económico - tenha em circunstâncias normais um valor económico.
12. Ainda de acordo com o disposto no nº 1 do art. 6º do CIMI, os prédios urbanos dividem-se em prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.
13. Prescrevendo o n.º 2 que “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”. A referida norma integra assim, segundo a Requerida, no conceito de prédios urbanos os terrenos para construção, definindo-os, no n.º 3, como “terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas, ou que de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos”. (Redacção da Lei nº 64-A/08, de 31-12).
14. Por outro lado, a noção de afetação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis na medida em que a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.
15. O VPT fixado para o terreno para construção em causa não padece de qualquer ilegalidade por ter sido apurado com base nas fórmulas e nos coeficientes a que se referem nos artigos 45º, 41º, 43º e 38º, todos do CIMI.
16. Concluindo a Requerida que, de qualquer forma, o objeto do presente pedido arbitral consiste na impugnação do VPT do terreno para construção em causa como resulta da causa de pedir e do pedido constantes na petição arbitral.
17. Estabelece o nº2 do artigo 15º do CIMI que nos prédios urbanos, como são os terrenos para construção, a avaliação é direta. 115.º E o nº1 do artigo 86º da LGT refere que a avaliação direta é suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta, consignado também o artigo 134º do CPPT que os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.
18. Ora, os atos de fixação dos valores patrimoniais, quando inseridos num procedimento de liquidação de um tributo, são atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, nos termos do artigo 86º, nº1 da LGT e do artigo 134º do CPPT.
19. Na medida em que a atribuição da natureza de ato destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vícios deste ato para efeitos de impugnação contenciosa, os vícios do VPT não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.
20. Concluindo a Requerida que não haverá assim possibilidade de apreciação da correção do ato de fixação do VPT na impugnação do ato de liquidação de IS, tendo aí de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação.
21. E, para além disso, os prédios em causa se subsumem cabalmente na definição de terreno para construção para efeitos da verba 28.1 da TGIS, na redação dada pela Lei 83-C/2013.
22. Assim sendo, as liquidações em crise consubstanciam uma correta interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 83-C/2013, que expressamente prescreve como elemento objetivo de incidência os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista seja para habitação com um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00.
23. No que respeita à falta de fundamentação Requerida entende que não tem qualquer sustentação a tese da Requerente relativamente à falta de fundamentação dos atos tributários. Tendo presente no que respeita à fundamentação dos atos administrativos que o ato está fundamentado quando, pela motivação aduzida, se mostra apto a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respetiva lesividade.
24. Concluindo que a fundamentação é clara, suficiente e congruente, pelo menos a ponto de ser percetível à luz do homem médio e, mais importante, percetível à leitura da Requerente.
25. Quanto as juros indemnizatórios, uma vez que, à data dos factos, a Administração tributária fez a aplicação da lei, vinculadamente, nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT.
26. Para além disso, já que enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação, quando não é feita por iniciativa do contribuinte no prazo de reclamação administrativa, como é o caso dos presentes autos, apenas haverá direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, al. c) da LGT.
27. Quanto à alegada violação do princípio da legalidade, a AT conclui que está adstrita ao cumprimento do princípio da legalidade, enunciado nos artigos 266.º n.º 2 da CRP e concretizado nos artigos 55.º da LGT e no artigo 3.º do CPA e 8.º n.º 1 da LGT, o que implica que a Administração só pode fazer aquilo que a legalmente lhe for permitido e não tudo o que não é proibido. Estando assim, a Administração tributária vinculada ao princípio da legalidade, não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou e que estejam em vigor no ordenamento jurídico e também por força do disposto no artigo 55º da LGT.
28. Perante a posição descrita sumariamente, a Requerida pugna pela improcedência do pedido arbitral.
Por despacho de 19 de abril de 2021, o tribunal concedeu à Requerente a oportunidade de se pronunciar quanto à matéria de exceção, exercendo esta o respetivo contraditório.
A Requerente veio responder, no seu requerimento de 4 de maio de 2021, à matéria de exceção, considerando-as improcedentes, concluindo que o tribunal arbitral é materialmente competente para apreciar do pedido.
Quanto à caducidade do direito de ação, a Requerente sustenta que:
1. O objeto imediato do pedido arbitral, apresentado pela Requerente, traduz-se nas decisões de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa das liquidações de Imposto do Selo emitidas por referência ao ano de imposto de 2015, correspondendo tais liquidações aos atos mediatos do pedido arbitral apresentado.
2. Segundo a Requerente a própria Requerida não nega que assim seja, quando afirma, na sua Resposta, que o objeto imediato do pedido arbitral apresentado consiste nas decisões de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa - cf. artigos 1.º e 15.º da Resposta.
3. A Requerente apresentou pedidos de revisão oficiosa das liquidações de IS no dia 06.04.2020 e, por conseguinte, dentro do prazo legal que dispunha para o efeito.
4. Por conseguinte, a AT dispunha de um prazo de quatro meses para proferir decisão no contexto daqueles procedimentos de revisão oficiosa, o qual terminou no dia 06.08.2020.
5. Conforme demonstrado no pedido arbitral apresentado formou-se presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado precisamente no dia 06.08.2020, contando-se o prazo de 90 dias para apresentação do pedido de pronúncia arbitral a partir da formação da presunção de indeferimento tácito.
6. O pedido arbitral apresentado, pela Requerente, no dia 04.11.2020, contra as decisões de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa é, pois, tempestivo, não assumindo o termo do prazo de pagamento voluntário das liquidações de Imposto do Selo qualquer relevância nesta matéria.
7. Concluindo, assim a Requerente, pela tempestividade do pedido.
Por despacho de 31 de maio de 2021, o Tribunal Arbitral fixou o dia 21 de junho de 2021 como data previsível para a prolação da decisão final.
II. Saneamento
1. Tendo sido suscitada a competência material do Tribunal Arbitral importa em primeiro lugar, por constituir matéria de exceção dilatória e, portanto questão prévia, pronunciarmo-nos sobre esta.
A Requerida, na resposta, apresentou, também, a defesa por exceção invocada uma vez que se trata de um indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa e, portanto, não houve, de facto, análise sobre o mérito do ato de liquidação.
A Requerente apresentou pedido de constituição do Tribunal para se pronunciar sobre a constitucionalidade e legalidade das liquidações de imposto de selo ao abrigo da verba 28.1. da TGIS, sendo que a questão que se coloca, assim, é se o tribunal arbitral é competente para apreciar o pedido contra o indeferimento tácito dos pedidos de revisão da liquidação sub judice.
Cumpre decidir.
O artigo 2.º do RJAT determina o seguinte relativamente à competência dos tribunais:
“1 — A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.”.
Por sua vez, a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, aprovada ao abrigo do artigo 4.º n.º 1 do RJAT estabelece os termos de vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD, tendo determinado a vinculação da AT à apreciação de pretensões relativas a impostos, com as exceções previstas nas alíneas a) a d) do artigo 2.º daquela portaria.
Neste ponto seguimos diversas decisões do CAAD, nomeadamente no processo 630/2015-T, bem como nos processos 320/2015-T e 323/2015-T, considerando que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação a legalidade de atos de liquidação de tributos, ou seja, atos através dos quais se apura o valor do imposto a pagar. Assim, pode o sujeito passivo optar por proceder à impugnação direta do ato tributário ou, em alternativa, a lei concede-lhe a faculdade de optar, pela via administrativa, impugnando administrativamente o ato e, posteriormente, intentar a respetiva impugnação judicial ou pedido de pronúncia arbitral, em caso de indeferimento, expresso ou tácito.
Os atos que decidem sobre pedidos de revisão de ato tributário constituem atos de segundo e terceiro grau na medida em que comportam a apreciação de legalidade de atos de primeiro grau, ou seja, atos de liquidação e só assim não sendo caso tivesse havido por parte da AT qualquer recusa do pedido de revisão oficiosa com fundamento em efetiva questão prévia e, portanto, prejudicial àquela apreciação, que obstasse ao conhecimento da legalidade do ato o que, conforme resulta dos presentes autos, não foi o caso.
O artigo 2.º n.º 1 alínea a) do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da declaração de ilegalidade do ato de segundo grau, nem os casos em que essa declaração de ilegalidade é pedida na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do ato tributário.
Pode, a este propósito, afirmar-se, na senda da decisão proferida no âmbito do processo n.º 630/2015-T, que “o indeferimento tácito constitui uma ficção destinada a possibilitar o uso dos meios de impugnação contenciosos (artigo 57.º n.º 5 da LGT). Afigura-se, assim, que o segmento do artigo 2.º/1 do RJAT que faz alusão a pretensões referentes a pedidos de “declaração de ilegalidade de atos” abrange a declaração de ilegalidade de indeferimentos tácitos de atos de liquidação de Imposto de Selo, de harmonia com o disposto nos artigos 2.º n.º 1 alínea a) e 10.º n.º 1 do RJAT, conjugado com o artigo 102.º n.º 1 alínea d) do CPPT”.
Como tal, tem de entender-se que cabe no escopo da competência dos tribunais arbitrais a apreciação daqueles atos.
Por isto, concluímos que o tribunal arbitral, nos termos do artigo 2.º n.º 1 alínea a) do RJAT, pode sindicar a legalidade do ato de liquidação de imposto, também nos casos em que a declaração de ilegalidade pode ser obtida na sequência da declaração de ilegalidade de atos de segundo ou terceiro grau.
Improcede, assim, a exceção de incompetência suscitada pela Requerida.
Desta forma, o Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
2. Foi ainda suscitada, pela Requerida, a caducidade do direito de ação que, afigurando-se também, como matéria de exceção que obsta ao conhecimento do fundo ou mérito da causa – caso fosse procedente – que cumpre, desde já apreciar,
A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral em que requer a anulação das decisões de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados e, em consequência, a anulação total das liquidações de IS que foram objeto de tais pedidos de revisão oficiosa.
A Requerente apresentou pedidos de revisão oficiosa das liquidações de IS no dia 06.04.2020 – facto que a Requerida não contesta – tendo a AT um prazo de quatro meses para proferir decisão no contexto daqueles procedimentos de revisão oficiosa, o qual terminou no dia 06.08.2020 – facto este que a Requerida também não contesta.
O pedido arbitral apresentado, pela Requerente, no dia 04.11.2020, contra as decisões de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa, ou seja, dentro do prazo de 90 dias a contar da decisão de indeferimento tácito, nos termos do art. 10.º do RJAT.
Improcede, desta forma, a exceção invocada pela Requerida.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Admite-se a cumulação de pedidos nos termos dos arts. 3.º do RJAT e 104.º do CPPT atendendo à identidade de factos tributários.
III. Fundamentação
III.I. Matéria de facto
A. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
1. Em 31.12.2015, a Requerente era proprietária do prédio inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo matricial U-... – conforme Doc. N.º 2 junto com o PPA.
2. O prédio corresponde ao lote n.º... do Alvará de Loteamento n.º.../1992 conforme alterado pelos sucessivos Aditamentos (com os n.ºs .../98 de 14.08.1998, .../2001 de 12.05.2001, .../2002 de 12.12.2002 e .../2003 de 11 de Dezembro de 2003) – conforme Docs. N.os 3 junto com o PPA.
3. O Terreno para Construção U-... resultou de uma operação de loteamento (no âmbito da qual tal o terreno passou a constituir o lote ...), tendo sido emitido para o efeito, pela Câmara Municipal de ..., o alvará de loteamento n.º .../92 - Doc. n.º 3 do PPA.
4. Do alvará de loteamento, o Terreno para Construção (i.e., o lote correspondente ao Terreno ...- Lote ...) destinava-se exclusivamente a escritórios – Doc. n.º 3 do PPA.
5. Nos termos do aditamento n.º .../98 do referido alvará que foi emitido em 14.08.1998, o anterior proprietário do Lote ... solicitou a “alteração ao uso dos lotes três, quatro e cinco para usos alternativos, sendo a mudança pretendida para os lotes três e quatro de escritórios para escritórios e/ou habitação e no lote cinco de escritórios e comércio para escritórios e/ou habitação, sem aumento das áreas de construção” - conforme doc n.º 3 do PPA.
6. Da certidão emitida pela Câmara Municipal de ... relativa ao Terreno da ... (lote ...) em 16.03.2007, resulta que “(...) o destino do lote número quatro é de escritórios e/ou habitação, logo poderá ser somente escritórios, somente habitação ou ambos os usos” - cf. Docs. N.o 3 do PPA.
7. Em 31.12.2015, a Requerente era proprietária do prédio inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ... sob o artigo matricial U-... – conforme Doc. N.º 2 junto com o PPA.
8. Para o qual foi aprovado, em 2008, um projeto de arquitetura para construção de um prédio com afetação a habitação coletiva e a comércio (em diante abreviadamente designado de “Terrenos para Construção” ou individualmente “Terreno U-...” e “Terreno U-...”) – Conforme Doc. N.º 4 do PPA.
9. O Terreno para Construção U-... não foi objeto de qualquer alvará de loteamento ou de construção, mas foi sujeito a um pedido de informação prévia e, posteriormente, à aprovação do projeto de arquitetura apresentado para o mesmo, resultando do despacho de aprovação do referido projeto de arquitetura, a construção prevista para o terreno não se destina exclusivamente a habitação – Doc. N.º 4 junto com PPA.
10. Da informação técnica anexa ao despacho de aprovação do projeto de arquitetura apresentado para o Terreno para Construção U-... refere expressamente que: “O Requerente, na qualidade de proprietário do terreno afecto a este processo, localizado na praça onde confluem as avenidas ... e ..., apresenta um projeto de arquitectura referente a obras (...) para construção de um edifício de habitação colectiva e comércio, constituído por duas caves, rés-do-chão e seis andares, dos quais os dois últimos são recuados relativamente ao alinhamento face à via pública. (...)” - cf. página 2 do Doc. N.º 4 do PPA.
11. O PDM ... em vigor à data dos factos (2015) na mesma é definido o uso do solo de ... onde está localizado o Terreno para Construção U-... como sendo para serviços – Doc. N.º 5 do PPA.
12. Nas declarações Modelo 1 do IMI que estiveram na origem das avaliações dos Terrenos para Construção, não foi indicada nenhuma afetação para os mesmos, porquanto, no que respeita aos terrenos para construção, a declaração Modelo 1 do IMI não contém qualquer campo relativo à afetação - Doc. N.º 6 do PPA.
13. A Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2016..., 2016 ... e 2016 ..., de 05.04.2016, referentes às três prestações do Imposto do Selo do Terreno para Construção U-..., no valor agregado de € 56.987,05 (correspondente a três prestações de € 18.995,69 cada uma) resultante da aplicação da taxa de 1% sobre o VPT inscrito na matriz predial urbana em 31.12.2015 (€ 5.698.704,89); e das liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2016..., 2016... e 2016..., de 05.04.2016, referentes às três prestações do Imposto do Selo do Terreno para Construção U-..., no valor agregado de € 17.991,88 resultante da aplicação da taxa de 1% sobre o VPT inscrito na matriz predial urbana em 31.12.2015 de € 1.799.188,44 – Doc. N.º 7 do PPA.
14. As liquidações foram emitidas a 05 de abril de 2016, tendo os valores liquidados pela AT resultaram da aplicação da taxa de Imposto do Selo, nos termos da verba 28.1 da TGIS, na redação dada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, em vigor no ano de 2015.
15. Para o terreno com o artigo..., o valor do imposto do selo apurado foi de € 56.987,05 (com VPT de € 5.698.704,89) – conforme Liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2016..., 2016... e 2016..., de 05.04.2016 juntas aos autos.
16. Para o terreno com o artigo..., o valor do imposto apurado foi de € 17.991,88 (com VPT de € 1.799.188,44) - Liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2016..., 2016... e 2016... de 05.04.2016 juntas aos autos.
17. Das liquidação referidas nos números anteriores não consta qualquer indicação quanto ao destino dos terrenos para construção em apreço nos autos.
18. A Requerente procedeu ao pagamento do valor integral do imposto de selo no montante de € 74.978,93.
19. A Requerente apresentou, no dia 06.04.2020, dois pedidos de revisão oficiosa das Liquidações Contestadas com fundamento em diversos erros imputáveis aos serviços da AT – Doc. N.º 1 do PPA.
20. A AT não se pronunciou.
21. A Requerente apresentou o presente PPA a 4 de novembro de 2020.
22. Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.
23. Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes e nos documentos juntos por estas ao presente Processo.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.
III.II Matéria de Direito (fundamentação)
Considerando a posição assumida pela Requerente e o respetivo petitório são as seguintes as questões decidendas – que se apresentam por ordem de raciocínio lógico:
1. Os Terrenos para Construção em análise não têm edificação prevista ou autorizada exclusivamente para habitação pelo que não poderiam ter sido tributados em Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS na redação em vigor à data dos factos, o que inquina de ilegalidade e determina a anulabilidade das Liquidações Contestadas?
2. As Liquidações Contestadas padecem ainda de vício de falta de fundamentação substancial e, na sua emissão, a AT incumpriu o ónus da prova que sobre si impende de provar os factos constitutivos do seu direito a tributar?
3. Se os Terrenos para Construção estivessem abrangidos no âmbito de incidência objetivo da verba 28.1 da TGIS as Liquidações Contestadas sempre seriam ilegais por terem considerado no cálculo do Imposto do Selo a pagar os VPTs das parcelas dos Terrenos para Construção sem edificação prevista ou autorizada para habitação e por assentarem em VPTs determinados de acordo com uma fórmula de cálculo ilegal?
Cumpre decidir.
1. Os Terrenos para Construção em análise não têm edificação prevista ou autorizada exclusivamente para habitação pelo que não poderiam ter sido tributados em Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS na redação em vigor à data dos factos, o que inquina de ilegalidade e determina a anulabilidade das Liquidações Contestadas?
A sujeição a IS dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS, efetuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.
A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro veio alterar a redação da norma, que passou a ser seguinte:
“28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” (nos artigos 2.º a 6.º do Código do IMI enumeram-se as espécies de prédios).
É no presente quadro jurídico que importa apreciar a qualificação jurídica dos prédios sobre o qual incidiu o imposto em crise.
Quanto a esta matéria foram tomadas um conjunto de decisões idênticas, pelo CAAD, entre outros, nos processos 53/2013-T, 49/2013-T, 42/2013-T, 180/2013-T, 75/2013-T, 215/2013-T, 240/2013-T, 284/2013-T, 288/2013-T, 310/2013-T, 12/2014-T, 151/2014-T, 202/2014-T, 210/2014-T, 276/2014-T, 514/2014-T, 516/2014-T, 523/2014-T, 599/2014-T e 663/2014-T, 467/2015-T, 615/2015-T, 630/2015-T, 447/2016-T, 467/2016-T.
Também o STA já se pronunciou quanto a esta matéria e, nesta altura, afigura-se-nos útil a referência ao acórdão do STA de 09/04/2014 (proc. n.º 1870/13), entre outros arestos do STA como, entre outros, dos acórdãos proferidos em 26/10/2016, no proc. 0886/16em 9/9/2015, no proc. nº 047/15; em 8/7/2015, no proc. nº 0573/15; em 17/6/2015, no proc. n.º 1479/14; em 27/5/2015, no proc. nº 0387/15; em 29/4/2015, no proc. n.º 021/15; em 15/4/2015, nos procs. n.ºs 01481/14 e 0764/14; em 5/2/2015, no proc. n.º 1387/14; em 5/11/2014,no proc. n.º 530/14; em 29/10/2014, no proc. n.º 864/14; em 24/9/2014, nos procs. n.ºs 01533/13, 0739/14 e 0825/14; em 10/9/2014, nos procs. n.ºs 0503/14, 0707/14e 0740/14; em 9/7/2014, no proc. nº 0676/14; em 2/7/2014, no proc. nº 0467/14; em 28/5/2014, nos procs. nºs. 0425/14, 0396/14, 0395/14; em 14/5/2014, nos procs. nºs. 055/14, 01871/13 e 0317/14; em 23/4/2014, nos procs. nºs. 270/14 e 272/14; e em 9/4/2014, nos procs. nºs. 1870/13 e 48/14, que, detalhadamente, faz a seguinte análise histórica da evolução e enquadramento da verba 28, ora em análise:
«O conceito de “prédio (urbano) com afetação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba nº 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6º do Código do IMI. Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superiora 1 milhão de euros)».
Antes da alteração legislativa que passou, de forma inovadora, a incluir os referidos terrenos para construção, mostrava-se necessário averiguar, fazendo uso dos diversos elementos interpretativos se, na ausência daquela referência literal, tais terrenos poderiam, ainda assim, ser incluídos no âmbito de incidência objetiva da verba 28. É por essa razão que se compreende que o referido aresto tenha prosseguido, dizendo que, não tendo o legislador esclarecido « (...) em relação às situações pretéritas [i.e., liquidações anteriores a 2014], como a que está em causa nos presentes autos, não parece poder perfilhar-se [quanto a estas] a interpretação do recorrente, porquanto não resulta inequivocamente, nem da letra, nem do espírito da lei, que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objetiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo».
E continua «Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador».
Resulta ainda da douta decisão que « do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei nº 55-A/2012 (Proposta de Lei nº 96/XII – 2ª, Diário da Assembleia da República, série A, nº 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de os esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de2013, no processo nº 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série nº 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades».
«O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os nºs. 1 e 2 do artigo 45º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6º do CIMI)».
E acrescenta «Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba nº 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41º do Código do IMI)».
Assim, em jeito de súmula, «atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno».
Concluindo o STA que «(…) resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba nº 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro».
Da mesma forma, no acórdão do STA, de 14-05-2014, processo n.º 046/14, refere-se que “não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI – subsidiariamente aplicável ao Imposto de Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral – uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto de Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional.”
Podemos assim concluir que os “terrenos para construção”, não podem ser considerados como “prédios com afetação habitacional” para efeitos de aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
Para além disso, quanto às matérias abrangidas pela reserva de lei, atente-se ao artigo 103.º, n.º 2 da CRP e ao artigo 8.º da LGT. Segundo estas normas o princípio da legalidade fiscal abrange a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. Isto é também referido na obra “O Princípio da Legalidade Fiscal” de Ana Paula Dourado, Almedina, 2007, página 106.
Sendo a verba 28.1 TGIS uma norma de incidência, abrangida pelo princípio da legalidade fiscal, é proibida a sua aplicação analógica a situações aí não expressamente previstas.
Da mesma forma, também não será de admitir uma interpretação extensiva da referida verba que permitisse incluir na expressão constante da lei os terrenos para construção. Sobre interpretação rege o artigo 11.º, n.º 1 a 3 da LGT e o art.º 9.º do Código Civil.
Entendemos que não é possível uma interpretação da referida verba que inclua na mesma os terrenos para construção, já que a mesma sempre teria que ter um mínimo de correspondência na letra da lei, o que não ocorre.
Também na decisão arbitral proferida no processo n.º 467/2015-T, de 4/2/2016, citada na decisão arbitral proferida no processo 294/2016/T e 454/2016-T, não se deve concluir, de imediato e sem mais, que o prédio em causa possa, à data dos factos, ser sujeito a Imposto do Selo, nos termos da verba 28.1 da TGIS (na sua redação atual), isto porque: “(…) a questão essencial que, [no contexto da nova redação da verba 28.1 da TGIS, dada pelo art. 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12,] se coloca, é a saber se, … «sem [...] aquela previsão ou expectativa de ‘edificação para habitação’ [...] concretizada», se poderá aceitar a aplicação do Imposto do Selo aqui em análise [...]. Para responder à referida questão, afigura-se como particularmente útil a ponderação do seguinte: «No que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma [CIMI], devem, como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como; - aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para esse efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituada pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no art. 875.º CC.» [vd. António Santos Rocha / Eduardo José Martins Brás – Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados). Coimbra, Almedina, 2015, p. 44]”.
Os prédios da Requerente são terrenos para construção e não se pode concluir que se está perante prédios com afetação habitacional, pelo que não incide sobre esses prédios o Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS.
Veja-se a este propósito, na senda da decisão 467/2016-T, JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES, (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo. Coimbra, Almedina, 3.ª ed., 2015, págs. 110 a 112): “O direito a construir não está ínsito no direito de propriedade, mas só nasce ex novo no património do proprietário quando um ato administrativo da entidade pública competente reconhece e autoriza o proprietário a construir ou a lotear. [...] só quando esse direito se constitui na esfera jurídica do proprietário é que o Código do IMI estabelece que estamos perante um terreno para construção”.
Assim, e continuando na senda daquela decisão, “(…) parece claro que para a verificação da previsão normativa não basta a mera inscrição matricial de um prédio como terreno para construção afeto a habitação, porquanto o recorte da incidência objetiva ora em apreço não abdica da demostração de uma efetiva potencialidade de edificação, necessariamente revelada pela existência de suportes documentais que a autorizam. O mesmo é dizer que a incidência do imposto, para efeitos do disposto na verba 28.1 da TGIS, só se materializa, e mesmo assim não em termos definitivos ou completos, com a verificação de uma “afectação efectiva”, para utilizar a feliz expressão de JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES (ob. cit., p. 507)”.
Ora, sem a demonstração expressa, no próprio ato de liquidação, dessa efetiva potencialidade de edificação não se mostra aplicável a verba 28.1 da TGIS e, contudo, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS não basta essa efetiva potencialidade de edificação.
É necessário demonstrar que a edificação, autorizada ou prevista, é exclusivamente para habitação.
O mesmo é dizer que não pode ser para fim diverso do que habitação, já que a edificação para comércio ou indústria não dará lugar à aplicação das normas a que vimos fazendo referência, não havendo qualquer indicação do que se destinaria a habitação, em sentido próprio, de outras que pudessem ter afetação alternativa.
O que é seguro concluir é que o legislador não pretendeu tributar em sede de IS, por aplicação da verba 28.1. da TGIS, os terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista tivesse por destino escritórios ou serviços. Quis apenas tributar aqueles que se destinassem a habitação. Ora, atenta esta opção legislativa, que pode efetivamente suscitar o problema de saber se tal desiderato se mostra compatível, nomeadamente, com o princípio constitucional da igualdade tributária, não pode aplicar-se aquela verba a um imóvel para o qual se tivesse autorizado a construção, por exemplo, de escritórios.
Onde o legislador distingue, não pode o intérprete-aplicador pretender ignorar a distinção. Assim, sempre seria necessário, para preenchimento da norma de incidência, que o prédio seja habitacional ou, não o sendo, seja terreno para construção e que tenha sido autorizada ou esteja prevista construção destinada exclusivamente a habitação.
De acordo com a verba 28.1 da TGIS estão sujeitos a imposto, além dos prédios habitacionais (os da alínea a) do número 1 e do n.º 2 do artigo 5.º do CIMI), os terrenos para construção (i.e., a espécie de prédio previsto na alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo do CIMI), desde que tenha sido autorizada ou esteja prevista construção destinada a habitação.
Na senda da decisão n.º 447/2016-T do CAAD, esta prova sempre caberia à Requerida e deveria aliás constar da fundamentação do ato de liquidação, o que não se verifica no caso em apreço, não tendo ficado demonstrado que os terrenos para construção em discussão tivessem autorização, projeto ou previsão de edificação prevista para habitação, por forma a estar sujeito a IS nos termos da Verba n.º 28.1 da TGIS. Isto porquanto, conforme resulta da decisão 454/2016-T “(…) a prova daqueles pressupostos legitimadores da tributação competia à Requerida (…)” que não o demonstra e constitui facto cuja prova deve caber à Requerida, por constituir um facto essencial à integração da norma, enquanto elemento de incidência real do imposto e ser, portanto, constitutivo do direito a liquidá-lo, devendo constar do próprio ato de liquidação, o que não se verifica.
Assim, sem a demonstração dessa efetiva potencialidade de edificação não se mostra aplicável a verba 28.1 da TGIS e, contudo, para efeitos da aplicação da aludida verba 28.1 da TGIS e, não bastando essa efetiva potencialidade de edificação, que esta, ainda que autorizada ou prevista, é para habitação. O mesmo é dizer que não pode ser para fim diverso do que habitação, já que a edificação para comércio ou indústria não dará lugar à aplicação das normas a que vimos fazendo referência há, no mínimo, vício de fundamentação, por ausência de explicitação de que a totalidade do prédio, caso estivesse autorizado ou previsto, se destina a habitação.
Por este facto, verifica-se omissa a devida fundamentação do ato de liquidação por ausência de explicitação e motivação, nos atos sub judice, que o terreno para construção em discussão tivesse autorização, projeto e previsão de edificação prevista e, cumulativamente, se a mesma estava destinada a habitação por forma a estar sujeito a IS nos termos da Verba n.º 28.1 da TGIS, nos termos do art. 77.º da LGT, é anulável em conformidade com o disposto no art.º 99.º, alínea c) do CPPT e art.º 163.º do CPA, ex vi do art. 2.º, alínea d) do CPPT e, para além disso, sempre a liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida enferma de vício de violação daquela verba n.º 28.1 TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135.º do CP).
Fica prejudicado, por desnecessário, o conhecimento dos demais vícios apontados pela Requerente.
Dos juros indemnizatórios
A Requerente pede a condenação da AT a devolver os tributos indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios.
O artigo 43.º n.º 1 da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, o erro que afeta as liquidações de Imposto de Selo é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira que praticou os atos de liquidação por sua iniciativa, pelo que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento de cada uma das quantias até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
Como resulta do referido artigo 43.º n.º 1 da LGT, o direito a juros indemnizatórios depende do pagamento de dívida tributária em montante indevido.
Enfermando de ilegalidade a liquidação de Imposto de Selo, são devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento por parte da AT, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º n.º 2 do CPPT.
Da responsabilidade pelo pagamento de custas arbitrais:
Nos termos do artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, ex vi 29.º, n.º 1, e) do RJAT, estabelece que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
Em face do exposto deve a Requerida ser condenada em custas.
Decisão
Nestes termos, e com a fundamentação supra, decide-se:
a. Julgar improcedentes as exceções dilatórias de incompetência do tribunal arbitral e caducidade do direito de ação.
b. Julgar procedentes os pedidos da Requerente e, em consequência, anular os atos de liquidação em crise, devendo a Requerida, por efeito da anulação, devolver à Requerente todas as quantias que esta pagou acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios.
Valor do processo:
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.º-A, n.º 1 do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 74.978,93.
Custas:
Custas a suportar pela Requerida, no montante de € 2.448,00, cf. artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique.
Lisboa e CAAD, 24 de junho de 2021
O Tribunal Arbitral Coletivo,
Manuel Luís Macaísta Malheiros
(Árbitro Presidente)
Marisa Almeida Araújo
(Árbitro Vogal)
Nuno Cunha Rodrigues
(Árbitro Vogal)