Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 364/2020-T
Data da decisão: 2021-06-18  IRS  
Valor do pedido: € 19.918,42
Tema: IRS — mais-valias imobiliárias; reinvestimento; habitação própria e permanente; domicílio fiscal
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O árbitro Ricardo Marques Candeias, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, decide nos termos que se seguem:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

A.

1.            No dia 15 de julho de 2020, A…, com residência na Rua ………., em Lisboa, e domicílio fiscal na Colômbia, portador do cartão de cidadão n.º ……., válido até 27/02/2029, contribuinte n.º ………, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), pedindo, a título principal, a anulação da liquidação de IRS n.º 2019 …………, no montante de € 19.779,70, a anulação da liquidação de juros compensatórios, IRS 2019 …………, no montante de € 138,72, e consequentes restituições, bem como o pagamento de juros indemnizatórios até à data do reembolso efetivo; subsidiariamente, veio pedir a anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2019 …………., no montante de € 19.918,42, restituindo-se o valor, indevidamente pago, ao Requerente, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, contados desde a data do primeiro pagamento (04-09-2019), até à data do reembolso efetivo (crédito na conta do Requerente), a anulação da liquidação de juros compensatórios, IRS 2019 …………, no montante de € 138,72, restituindo-se o valor, indevidamente pago, ao Requerente, acrescido dos juros indemnizatórios até à data do reembolso efetivo.

2.            No dia 16 de julho de 2020 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado ao Requerente e à AT.

3.            O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, 1, e artigo 11.º, 1, b), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4.            Em 03 de setembro de 2020 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

5.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 06 de outubro de 2020.

6.            No dia 18 de novembro de 2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

7.            A 15 de abril de 2021 foi realizada uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escrita sucessivas, no prazo de 15 dias.

8.            Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art. 21.º, 1, e 2, RJAT, considerando a prorrogação de dois meses já determinada.

9.            O SP apresentou as suas alegações escritas.

10.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 1, a), 5.º e 6.º, 1, do RJAT.

11.          As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

12.          O processo não enferma de nulidades.

13.          Nada obsta a que seja apreciado o mérito da causa.

 

B. Posição das partes

                Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, que tem domicílio fiscal na Colômbia desde novembro de 2015, tendo o seu agregado familiar, constituído pelo seu cônjuge e três filhos permanecido em Portugal. Em 2018 o Requerente alienou a fração autónoma “AH”, correspondente ao ….º andar …., do prédio sito na ………., inscrito na matriz sob o n.º …., imóvel, até esta data destinado a habitação própria e permanente, sua e do seu agregado familiar. O valor realizado na venda daquela fração foi integralmente reinvestido na aquisição da fração “L”, correspondente ao …...º andar do prédio sito na ……………., em Lisboa, destinada a habitação própria e permanente, sua e do seu agregado familiar.

                Porque o rendimento foi obtido em Portugal, em 29 de junho de 2019 submeteu o anexo G da declaração modelo 3 — declaração de IRS — referente ao ano de 2018, apenas para declarar as mais-valias obtidas com a transmissão do património imobiliário e o respetivo reinvestimento, fazendo constar o estado civil de “separado de facto". Desta declaração resultou a nota de liquidação de IRS n.º 2019 ………….., no montante de € 19.779,70, correspondente à tributação das mais valias imobiliárias auferidas. No dia 24 de setembro de 2019, o Requerente e o seu cônjuge apresentaram uma reclamação graciosa, somente para efeitos de alteração do estado civil para "casados", com tributação separada, tendo esta merecido o devido deferimento. Consequentemente, a liquidação de IRS n.º 2019 ………… foi anulada, e os € 19.779,70 devolvidos ao sujeito passivo. Ato contínuo, a AT notificou o Requerente da liquidação de IRS n.º 2019…………., no montante de € 19.779,70, para pagar até ao dia 25 de novembro de 2019, e respetivos pagar juros compensatórios, no montante de € 138,72. Não se conformando nem com a liquidação de IRS n.º 2019 …………, no montante de € 19.779,70, nem com a liquidação de juros compensatórios IRS 2019 ……….., no montante de € 138,72, a 7 de janeiro de 2020 o Requerente reclamou graciosamente, pugnando pela ilegalidade de ambas, com fundamento em vicio de violação da lei.

                Entende o Requerente que preenche os requisitos previstos no art. 10.º, 5, CIRS, para efeitos de exclusão da tributação de ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, porquanto, quer o imóvel alienado quer o imóvel adquirido se destina(va)m a habitação própria e permanente destes. Daí o ato de liquidação em causa ser ilegal.

                Subsidiariamente, entende que "o Tribunal teria de decidir pela ilegalidade parcial da liquidação, na medida em que ao tributar a totalidade das mais-valias resultantes da alienação onerosa de imóveis, por sujeitos passivos com domicílio fiscal noutro país, aplicando o n.º 3 do artigo 43.º do CIRS a cidadãos nacionais com domicílio fiscal em Portugal, está em desconformidade com o direito comunitário, particularmente, com a liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.º do Tratado sobre Funcionamento da União Europeia (correspondente ao anterior artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia), constituindo uma situação de discriminação entre residentes (fiscais) em Portugal e residentes noutro Estado-Membro da União Europeia."

                Por sua vez, a AT veio defender-se por impugnação, concluindo que a liquidação em causa não padece do vício alegado na medida em que o domicílio fiscal do sujeito passivo é, para as pessoas singulares, o local da residência habitual, sendo que desde 2 de julho de 2012 o Requerente designou representante fiscal e alterou o seu domicílio fiscal para o estrangeiro, não sendo desde essa data residente em Portugal. Deste modo, não se encontra preenchido o requisito da habitação própria e permanente para efeitos de exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias realizadas.

                Além do mais, considera a AT, quanto ao pedido subsidiariamente apresentado, que sendo o requerente residente na Colômbia, país terceiro à União Europeia, a legislação da União Europeia, e consequentemente a jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE, não lhe é aplicável. Com efeito, não estando em causa uma potencial discriminação relativamente a um residente da União Europeia, mas a um residente num Estado terceiro (Colômbia), então o artigo 43.º, CIRS, não se aplica.

                Acresce que o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de 2007OUT11, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos ns 7 e 8 (agora 9 e 10) ao art. 72.º do Código do IRS pela Lei 67-A/2007, de 31 de dezembro.  Para efeitos de tributação pela taxa do artigo 68.º, ou seja, como residente, era necessário ter preenchido os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do CIRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro), o que não se verificou.

                Quanto aos juros indemnizatórios, conclui-se, desde logo, que não se mostra preenchido o requisito que exige a existência de um erro na liquidação imputável aos serviços. Dependendo o direito aos juros do disposto no art. 43.º, 1, LGT, e não se verificando a sua hipótese, só resta à pretensão do Requerente o decaimento.

                Conclui pedindo que seja julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

II. DECISÃO

 

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

A.           O Requerente é casado com B…. sob o regime da comunhão de adquiridos, tendo nascido três filhos dessa relação: C….., NIF ………; D….., NIF ………; e E…, NIF ……...

B.            Por escritura pública de permuta datada de 22 de dezembro de 2000 o ora Reclamante e o seu cônjuge declararam adquirir para habitação própria e permanente a fração autónoma “AH”, correspondente ao …..º andar …., do prédio sito na ………., inscrito na matriz sob o n.º …. pelo valor de 144.406,00 euros.

C.            O Requerente, engenheiro civil de profissão, apresentou a 9 de novembro de 2015, junto do Instituto dos Registos e do Notariado, pedido de alteração de morada para ………., Bogotá, Colômbia.

D.           Por escritura pública de compra e venda com hipoteca, de 24 de novembro de 2017, B…., por si e em representação do Requerente, declarou comprar a fração “L”, correspondente ao …...º andar do prédio sito na Rua ……….., inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia do Areeiro, Lisboa, pelo preço de 450.000,00 euros, assim como declarou destiná-la a habitação própria e permanente, sua e do seu agregado familiar.

E.            Por escritura pública de compra e venda com hipoteca, de 2 de fevereiro de 2018, B….., por si e em representação do Requerente, declarou vender a citada fração autónoma “AH" pelo preço de 367.500,00 euros.

F.            Os Requerente e mulher pagaram uma remuneração de 22.601,25 euros à F…….Mediação Imobiliária, Lda como contrapartida pelos serviços de mediação na venda da referida fração "AH".

G.           O remanescente do preço recebido foi totalmente reinvestido na aquisição da fração “L”, considerando que além do pagamento da comissão à mediadora, tiveram ainda de suportar custos com comissões e impostos relacionados com o reembolso antecipado de empréstimo que tinha contraído para aquisição da referida fração "L".

H.           A 29 de junho de 2019 o Requerente submeteu o anexo G da declaração modelo 3 — declaração de IRS — referente ao ano de 2018, para declarar as mais-valias obtidas com a transmissão do património imobiliário e o respetivo reinvestimento, no estado civil de “separado de facto”, tendo ainda preenchido o campo 8, quadro 04 "Não residente".

I.             Do Anexo G resulta a declaração de alienação onerosa de direitos reais sobre o identificado bem imóvel, tendo 183.750,00 euros como valor de realização e 72.203,96 euros como valor de aquisição, respetivamente, dos anos de 2018 e de 2000, tendo sido suportadas despesas e encargos de 11.300,62 euros (quota parte de 50%).

J.             Tal declaração foi aceite e validada pela AT, dando origem à liquidação de IRS n.º 2019 ……….., relativa a 2018, no valor de 19.779,70 euros, que foi paga no dia 4 de setembro de 2019.

K.            A AT aplicou a taxa de 28% sobre a totalidade do rendimento declarado, ou seja, das mais valias referidas.

L.            No dia 24 de setembro de 2019, o Requerente e o seu cônjuge apresentaram junto dos Serviços de Finança de Lisboa … reclamação graciosa para efeitos de alteração do estado civil para casados, com tributação separada, que mereceu despacho de deferimento de 3 de outubro de 2019 pelo Chefe do Serviço de Finanças.

M.          A liquidação de IRS n.º 2019 ………. foi anulada e os 19.779,70 euros foram devolvidos ao SP.

N.           A AT emitiu liquidação de IRS n.º 2019……….., no montante de 19.779,70 euros, datado de 11-10-2019, e ainda liquidação de juros compensatórios no montante de 138,72 euros, considerando o período de cálculo de 01-07-2019 a 02-09-2019, liquidações que foram pagas pelo SP a 25 de novembro de 2019.

O.           O Requerente reclamou graciosamente a 7 de janeiro de 2020 da liquidação de IRS n.º 2019……….., no montante de 19.779,70 euros, e ainda da liquidação de juros compensatórios no montante de 138,72 euros, alegando que o reinvestimento se deu para aquisição de um imóvel para habitação própria e permanente, sua e do seu agregado familiar.

P.            Decorreram quatro meses desde a data de entrada da referida reclamação, não tendo a mesma merecido qualquer decisão por parte da AT.

Q.           B…. declarou a 28 de janeiro de 2020 junto da AT que o seu agregado familiar é composto por ela, pelo ora Requerente e pelos já identificados três filhos e que a habitação permanente e do referido agregado familiar se situa em R …………, AREEIRO - LISBOA (doc. 14, junto com o PPA).

R.            O cônjuge do SP e os filhos destes centravam a sua vida doméstica, onde pernoitavam, recebiam os amigos e familiares, festejavam aniversários e datas festivas como o natal e a páscoa na fração "AH".

S.            Depois de adquirida a fração "L" o lar e centro de vida doméstica do cônjuge do SP e dos seus filhos passou a ser neste imóvel.

T.            O SP vem em número não apurado mas que será de cinco a seis vezes por ano a Portugal.

U.           Na fração "AH" pernoitava, tomava as refeições, recebia os amigos e familiares, a correspondência da Ordem dos Engenheiros Técnicos bem como dos bancos, e convivia com o seu agregado familiar, tendo, depois de adquirida, passado a manter esta prática já na fração "L".

 

A.2. Factos dados como não provados

                Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

                Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

                Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

                Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, 7, do CPPT, os depoimentos prestados e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

                Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

               

                Considerando o alegado pelas partes e ainda a matéria de facto dada como provada, a questão a dirimir consiste em saber da exclusão (SP) ou não exclusão (AT) da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, conforme prevê o art. 10.º, 5, CIRS. Subsidiariamente coloca se também o tema da aplicação ou não do art. 43.º, 3, CIRS, a não residentes em Portugal.

                Vejamos.

                As mais-valias constituem incrementos patrimoniais tributáveis, de acordo com a teoria do rendimento-acréscimo que enforma o CIRS.

                Tratando-se de rendimentos excecionais, no sentido de que não provêm do exercício de uma atividade produtiva, surgem por vezes de modo inesperado e se concentram no período de tributação em que são efetivamente realizados, o legislador do Código do IRS sentiu a necessidade de ponderar “o regime tributário adequado em face da excessiva gravosidade que a tributação englobada poderia gerar”, prevendo “um específico regime de tributação, envolvendo uma substancial dedução à matéria coletável” (cfr. o ponto 12 do Preâmbulo do Código do IRS), regime que contempla a exclusão da tributação das mais-valias realizadas com a alienação de imóveis destinados a habitação própria e permanente dos sujeitos passivos ou do seu agregado familiar, segundo um sistema de roll over, exclusão que terá como propósito “eliminar os obstáculos, relacionados com a tributação do rendimento, à mudança de habitação por parte dos indivíduos e famílias que disponham de casa própria”  (cf. Proc. 311/2020-T, CAAD ¬— Pres. Carlos Fernandes Cadilha).         

                Prescreve o art. 10.º, 5, 6, CIRS, o seguinte:

                São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;

d) (Revogada.)

6 - Não haverá́ lugar ao benefício referido no número anterior quando:

a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;

b) Nos demais casos, o adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data da realização, devendo afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização;

c) (Revogada.)

d) Os imóveis que tenham beneficiado de apoio não reembolsável concedido pelo Estado ou outras entidades públicas para a aquisição, construção, reconstrução ou realização de obras de conservação de valor superior a 30 % do valor patrimonial tributário do imóvel para efeitos de IMI, sejam vendidos antes de decorridos 10 anos sobre a data da sua aquisição, da assinatura da declaração comprovativa da receção da obra ou do pagamento da última despesa relativa ao apoio público não reembolsável que, nos termos legais ou regulamentares, não estejam sujeitos a ónus ou regimes especiais que limitem ou condicionem a respetiva alienação.

                Por sua vez, positiva o disposto no art. 13.º, 4, a), que "O agregado familiar é constituído por os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, ou os unidos de facto, e os respetivos dependentes".

                Importa ainda considerar, ainda no mesmo preceito, o disposto no seu anterior número 11 (atual número 12): "O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.".

                Desta forma, o art 10.º, 5, CIRS, contém uma norma de delimitação negativa da incidência sobre o valor de realização que venha a ser reinvestido, cumpridos os respetivos pressupostos, de verificação cumulativa: (i) que quer o imóvel “de partida” (o imóvel alienado), quer o imóvel “de chegada”  (o imóvel adquirido com reinvestimento do produto da alienação do imóvel anterior), situado em território português ou no território de outro Estado membro da UE ou do EEE) tenham como destino a habitação própria e permanente do contribuinte ou do seu agregado familiar; (ii) que o reinvestimento do valor de realização do imóvel “de partida” seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores, contados da data da realização; e que, (iii) o reinvestimento (ou a intenção de reinvestir), ainda que parcial, seja comunicado pelo sujeito passivo na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação (cf. Proc. 311/2020-T, CAAD ¬— Pres. Carlos Fernandes Cadilha).

                Alicerçando-se no quadro legal referido, o SP considera que residência e domicílio fiscal não são conceitos necessariamente sinonímicos. É possível que o SP tenha domicílio fiscal num determinado local e a sua residência habitual — e/ou a sua habitação própria e permanente — noutro local. Compete ao SP alegar e provar qual o imóvel afeto à sua habitação própria e permanente se pretender usufruir das vantagens que o legislador definiu tendo-a como pressuposto.

                Em sentido contrário, a AT, esgrima a sua argumentação baseando se no disposto no art. 19, 1, a), LGT, que postula: "O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário, para as pessoas singulares, o local da residência habitual.".

                Baseando-se nesse preceito, e alegando que desde 2 de julho de 2012 o SP designou representante fiscal e alterou o seu domicílio fiscal para o estrangeiro, não sendo desde essa data residente em Portugal, conclui então que de modo algum o SP pode beneficiar do disposto no citado art. 10.º, 5, CIRS, pois ele exige, desde logo, que os ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel afeto à residência habitual do SP (a habitação própria e permanente) seja em Portugal.

                Como resulta da posição das partes, o punctun cruxis do tema é o de saber se residência habitual e/ou habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar é sinonímico ou não de "domicílio fiscal" e vice-versa.

                Ora, tendemos a considerar que as expressões referidas não são juridicamente sinonímicas ou, em determinadas circunstâncias, não o poderão ser.

                Se, por um lado, o legislador não utilizou a expressão 'domicílio fiscal' no disposto no art. 10.º, 5, CIRS, para que o SP pudesse dele beneficiar — utilizou a expressão habitação própria e permanente ¬—, por outro, é o legislador, no já citado art. 13.º, 10, que determina uma presunção de que o domicílio fiscal pode ser qualificada como a habitação própria e permanente do SP, mas, com a ressalva, que esta presunção é ilidível, pois a lei admite prova em sentido contrário. Isto é, o SP pode demonstrar que, embora seja a sua habitação própria e permanente, não é o seu domicílio fiscal. Esta última afirmação, inclusive, colhe diretamente da lei (art. 10.º, 6, a), CIRS): o imóvel pode ser o domicílio fiscal do SP mas não se encontrar afeto a habitação própria e permanente deste.

                Como já se disse no proc. 322/2020-T, CAAD, que subscrevemos, "o conceito de “habitação própria e permanente” assume uma especificidade própria que não se confunde com residência habitual ou domicílio fiscal, ainda que possa comungar destes dois conceitos".

                Também aqui se acolhe o entendimento sustentado pelo STA, STA, Processo n.º 01077/11.9BESNT, de 14.11.2018, segundo o qual “[o] que se mostra relevante para o legislador é que o produto da venda de um determinado imóvel com determinação afetação —habitação própria e permanente — seja reinvestido noutro imóvel com a mesma afetação, impondo apenas uma limitação temporal no que respeita ao reinvestimento e à afetação do imóvel destino do reinvestimento".

                Ora, resulta claro da matéria dada como provada que o SP assim como o seu agregado familiar faziam do imóvel que foi alienado a sua habitação própria e permanente, e que o imóvel adquirido continuou a cumprir esse destino.

                Deste modo, e sem mais considerandos, deve considerar-se procedente o pedido do Requerente e proceder-se à anulação dos atos de liquidação impugnados pela Requerente nos termos do artigo 163.º, CPA, aplicável ex vi artigo 29.º, 1, a), RJAT.

                Quanto ao pedido formulado subsidiariamente.

                O Tribunal tem o dever de se pronunciar sobre todas as questões, abstendo-se de se pronunciar sobre as que não deva conhecer (art. 125.º, 1, in fine, CPPT).

                Contudo as questões sobre que recaem os poderes de cognição do Tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (...)”.

                Em face da solução dada à questão relativa aos pressupostos da tributação do rendimento do Requerente pelo regime aplicável as mais-valias, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões incluídas no pedido de pronúncia arbitral.

Quanto aos juros indemnizatórios.

Determina o art. 24.º, 5, RJAT, que "“é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, 1 e 2, e 100.º, LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Determina o art. 24.º, 1, b), RJAT, que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

Consequentemente, terá de se proceder ao reembolso do montante pago pelo SP, na sequência da anulação do ato de liquidação já melhor identificado, de modo a que se reconstitua a situação que existiria se não se tivesse cometido a ilegalidade já identificada.

Deste modo, considerando o disposto no art. 61.º, CPPT, como se verificam preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, o SP terá direito a esses juros, calculados à taxa legal sobre o montante pago por excesso contabilizados de acordo com o disposto no art. 61.º, 3, CPPT.

* * *

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Julgar procedente o pedido de anulação da nota de liquidação de IRS n.º 2019 ………., no montante de € 19.779,70, a anulação da liquidação de juros compensatórios, IRS 2019 …………, no montante de € 138,72;

b)           Condenar a AT a devolver à Requerente o valor pago, no valor de € 19.918,42, e respetivos juros indemnizatórios;

c)            Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 19.918,42, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.224,00 euros nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto no artigo 22.º, n.º 4, RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa

18 de junho de 2021

 

O Árbitro Singular

(Ricardo Marques Candeias)