Sumário:
I - As normas das alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA não contêm uma qualquer presunção implícita do carácter não empresarial ou não profissional das despesas, mas constituem normas de incidência tributária que operam objectivamente em face dos elementos da facti species tidos como pressupostos tributários, apenas dependendo da subsunção jurídica dos factos à previsão normativa;
II - As mesmas disposições mostram-se ser conformes o princípio da proporcionalidade, na medida em que não excluem do direito à dedução de IVA todas as despesas incorridas com a organização ou a participação em congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e eventos similares, mas estabelecem um regime de dedução parcial e em diferente percentagem consoante o sujeito passivo intervenha como organizador ou participante;
III - As restrições ao direito à dedução de imposto constantes desses preceitos encontram-se cobertas pela disposição derrogatória do artigo 17.º, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva, reproduzida no artigo 176.º da Directiva 2006/112/CE, que autorizam os Estados membros a manterem nessa matéria a legislação pré-existente, pelo que tais restrições não implicam uma violação do princípio da neutralidade visto que se encontram justificadas à luz do próprio direito europeu a título de excepção ao regime de dedução comum;
IV - A possível violação do princípio da igualdade coloca-se quando se verifique um tratamento diferenciado entre operações tributáveis idênticas ou semelhantes do ponto de vista do consumidor, não sendo posto em causa esse princípio se o operador económico, por efeito da impossibilidade de exercer o direito à dedução, fica em situação similar aos consumidores finais.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A A..., portadora do NIF..., com sede na R. ..., nº..., ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade das liquidações adicionais de IVA, relativas aos anos de 2015 e 2016, no valor total de € 74.386,31, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente foi objecto de um procedimento externo de inspecção tributária no âmbito do qual foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária em que se concluiu que a Requerente deduziu imposto referente a aquisição de bens e serviços mencionados na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA sem atender aos limites previstos no n.º 2 do mesmo artigo.
A Requerente discorda das correcções propostas tendo em consideração que a A... (A...) é uma entidade sem fins lucrativos que, para cumprir os seus objectivos estatutários, tem de desenvolver actividades de apoio aos empresários e as despesas de aquisição de serviços em causa incluem-se nessas obrigações estatutárias, tratando-se de aquisição dos serviços destinados à execução de projectos de financiamento comunitário desenvolvidos pela A... para alavancar a actividade económica dos empresários agrícolas.
Entre essas actividades contam-se as seguintes.
No âmbito do projecto Compete Internacionalização, a A... desenvolveu um programa de acção, no período compreendido entre 1/01/2014 e 30/06/2015, assente na participação colectiva de empresas nacionais num conjunto seleccionado de exposições internacionais do sector agroalimentar, que tinha como objectivos aumentar de forma sustentada as exportações das empresas do sector agro-alimentar, alargar a base dos habituais mercados de destino dos produtos portugueses, potenciar a criação de novas empresas exportadoras, melhorar a notoriedade dos produtos agro-alimentares nacionais nos mercados internacionais, associando-lhes uma imagem de qualidade, genuinidade e inovação e promover a imagem da fileira agrícola nacional.
No final de 2012, a A... em parceria com a AEP - Associação Empresarial de Portugal, a AIP - Associação Industrial de Portugal e o IAPMEI, apresentou uma candidatura do projecto "Portugal Sou Eu" que se realizou de 15/11/2012 a 31/01/2015, e tinha como objectivo melhorar a competitividade das empresas portuguesas, promover o equilíbrio da balança comercial, combater o desemprego e contribuir para o crescimento sustentado da economia.
O Projecto 020477046398 Medida/Acção 422, no âmbito do Programa Desenvolvimento Rural (PRODER), que terminou em 31/12/2015, tinha como objectivo dinamizar a rede de informação da agricultura portuguesa e para esse efeito foi criada a Rede de divulgação a nível do tratamento contabilístico e fiscal das empresas e a Rede de apoio e promoção de novos agricultores em vista a melhorar o tratamento e o acesso à informação necessária para o arranque de uma actividade empresarial do sector agrícola e para o desenvolvimento das actividades já existentes.
O Projecto POISE – Reforço da Capacitação Institucional dos Parceiros Sociais enquadra-se no âmbito do concurso para apresentação de candidaturas do Programa Operacional Inclusão Social e Emprego (POISE), Tipologia de Operação 1.16 – Reforço da capacitação institucional dos parceiros sociais com assento na Comissão Permanente de Concertação Social.
O Projecto 20/APVMPT/2016, desenvolvido entre 1/01/2016 e 31/12/2016, no âmbito do projecto de Apoio à Promoção de Vinhos em Mercados de Países Terceiros gerido pelo Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), continuou a desenvolver o trabalho iniciado com o projecto do QREN ao nível da internacionalização de empresas do sector agro-alimentar, em particular do vinho. De acordo com o Aviso de Abertura de Concurso n.º1/2016 são elegíveis acções de participação em eventos, feiras ou exposições.
O Projecto PDR2020-214FEADER-006965, no âmbito do PDR2020, regulado pela Portaria n.º 165/2015, de 3 de Junho, prevê a realização de acções de informação sendo elegíveis nos termos do artigo 8.º desse diploma, entre outras, as despesas com locação dos espaços onde decorrem as actividades da acção de informação, bem como dos bens ou equipamentos necessários à sua realização.
Em todas estas situações, relativamente a despesas de prestação serviços, designadamente despesas de locação de salas, a Requerente deduziu o IVA segundo o método pro rata.
Nos termos da referidas disposições do Código do IVA, a exclusão do direito à dedução quanto a despesas relativas a viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias, motos ou motociclos, as despesas de representação, considerando-se como tais, nomeadamente, as despesas suportadas com recepções, refeições e viagens, em sede de IVA, ou relativamente às quais apenas se permite uma dedução parcial de imposto, é particularmente penalizadora para a Requerente, implicando um encargo excessivo e desproporcional e desconforme ao princípio da neutralidade do imposto.
A neutralidade fiscal é o princípio fundamental que rege o IVA é que é alcançado essencialmente através do funcionamento do mecanismo do direito à dedução.
De acordo com as regras do Direito da União Europeia, o critério determinante para a dedutibilidade do IVA pago a montante é a utilização dos bens ou dos serviços para a realização de operações tributáveis, sendo que o direito à dedução não pode ser limitado e apenas poderão ser objecto de exclusão as despesas que não tenham carácter profissional.
Nesse sentido, o direito à dedução do IVA deve ser interpretado de forma lata e as administrações tributárias dos Estados-membros deverão agir em conformidade com a interpretação do TJUE, afigurando-se que, neste ponto, o legislador nacional, ao transpor a Directiva IVA, foi para além das regras direito europeu, criando situações susceptíveis de violar a neutralidade do imposto.
A jurisprudência arbitral tem vindo a admitir que as presunções previstas no artigo 21.º do CIVA se reportam a regras relativas à incidência do imposto que devem ser consideradas ilidíveis, por força do disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária (LGT), o que veio a ser considerado, em particular, relativamente a eventos promocionais em que o IVA deverá ser dedutível na totalidade sem qualquer restrição, por aplicação do disposto nos artigos 21.º, n.º 1, alínea d), do CIVA e 73.º da LGT.
Princípio que deve ser igualmente aplicável em relação a despesas estritamente relacionadas com a actividade profissional de uma associação sem fins lucrativos, obrigatoriamente assumidas para fazer face a compromissos de representação dos seus associados no contexto de projectos comunitários de financiamento.
A admitir-se que o artigo 21.º do Código do IVA estabelece uma presunção inilidível, a norma viola o princípio da proporcionalidade, na medida em que impossibilita o sujeito passivo de comprovar que as despesas em causa têm fins empresariais e são, como tal, passíveis de dedução.
Acresce que a Administração Fiscal, ao fundamentar esta exclusão geral e sistemática do direito à dedução do IVA no risco de fraude ou de evasão fiscais resultante do carácter misto (privado e profissional), das despesas em causa, estabelecendo uma presunção inilidível, viola o princípio da igualdade, na medida em está a impedir os sujeitos passivos de deduzirem o IVA efectivamente suportado em despesas profissionais, tratando-os como simples particulares sem direito à dedução.
Conclui no sentido de ter sido violado o princípio da neutralidade do IVA consagrado nas normas do Direito da União Europeia, bem como, o princípio da proporcionalidade e o princípio da igualdade tributária.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que o direito à dedução do imposto é um mecanismo preponderante do imposto do IVA, garantindo a neutralidade do imposto, mas comporta excepções que permitem aos Estados, dentro de determinadas condições, limitar e/ou excluir esse direito, como é caso do artigo 21.º do Código do IVA, que se caracteriza como uma norma anti-abuso e se mostra conforme à Directiva IVA.
O artigo 21.º do Código do IVA visa precisamente evitar a dedução de IVA suportado com despesas que, pelas suas características e natureza, facilmente poderiam ser desviadas para consumos privados, ou, no todo ou em parte, a fins alheios aos empresariais ou profissionais de um sujeito passivo e encontra-se em consonância com a cláusula standstill constante do artigo 176.º da Diretiva 2006/112/CE (e já provinha do 17.º, n.º 6, da Sexta Diretiva), segundo a qual os Estados-membros podem manter todas as exclusões já previstas na respetiva legislação nacional em 1 de Janeiro de 1979 ou na data da adesão à Comunidade Europeia.
As normas que excluem a dedução do IVA quanto a despesas com viaturas de turismo, alimentação, bebidas ou despesas de recepção encontravam-se já em vigor quando a Sexta Diretiva iniciou a sua vigência no ordenamento jurídico nacional, em 1 de Janeiro de 1989, e o facto do artigo 21.º do CIVA não conter uma limitação geral do direito à dedução, mas sim limitações especificas para determinados bens e serviços, como as que estão em análise, não contraria o direito europeu, mesmo nos casos em que estejam em causa bens ou serviços com utilização predominantemente ou exclusivamente profissional.
Por outro lado, o artigo 21.º do CIVA não contém qualquer presunção passível de ser ilidida, mas constitui uma norma anti-abuso específica que estipula limitações ao exercício do direito à dedução do IVA, visando evitar a fraude e evasão fiscais, de modo que as exclusões ao direito à dedução apenas deixam de ter aplicação quando se verificarem os pressupostos objectivos previstos no n.ºs 2 e 3 desse artigo, não sendo possível afastar as exclusões mediante a prova de que as despesas têm “carácter estritamente profissional”.
A referida disposição também não viola o princípio da igualdade na medida em que o regime legal é aplicável, em igualdade de circunstâncias, a todos os sujeitos passivos.
Conclui no sentido da improcedência do pedido.
2. No seguimento do processo houve lugar à reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada à produção de prova testemunhal indicada pelas partes.
Em alegações, a Requerente e a Requerida procuraram fixar os factos que consideram como assentes e mantiveram quanto à matéria de direito as suas anteriores posições.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os árbitros foram designados pelas partes, tendo o Conselho Deontológico designado o árbitro presidente, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 21 de Outubro de 2020.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente é uma confederação patronal que tem como associados Associações, Cooperativas, Federações e Uniões que representam cerca de 230.000 empresários agrícolas.
B) É parceira social do Governo, integrando o Conselho Económico e Social, e participa na Comissão Permanente de Concertação Social, e tem o estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública.
C) Nos termos definidos pelos Estatutos, a A... tem por missão:
a) A defesa e representação, nos planos interno e externo, dos interesses da agricultura nos vários domínios em que se concretiza, do desenvolvimento rural e da preservação dos recursos naturais, bem como a salvaguarda dos interesses dos empresários e proprietários agrícolas enquanto sujeitos da actividade económica;
b) Representar, nos planos interno e externo, os interesses dos agricultores, em colaboração com as associações filiadas;
c) Representar as actividades confederadas junto de todas as entidades públicas, privadas ou sindicais, nacionais e estrangeiras;
d) Cooperar com as mesmas entidades com vista à realização de iniciativas de interesse mútuo;
e) Intervir em negociações colectivas de trabalho e celebrar convenções colectivas de trabalho nos termos da lei e do mandato que lhe vier a ser conferido pelas associações filiadas;
f) Promover e apoiar a investigação tecnológica e a formação empresarial e profissional dos empresários agrícolas, sobretudo dos jovens agricultores;
g) Promover e apoiar a formação dos dirigentes e técnicos das organizações de agricultores, dos agricultores e de outros intervenientes no mundo rural;
h) Organizar e manter serviços de interesse para os empresários agrícolas e para a agricultura em geral;
i) Participar na constituição de outras pessoas colectivas;
j) Filiar-se noutras pessoas colectivas;
k) Exercer todas as actividades de representação da agricultura nacional, dentro do seu âmbito que não estejam expressamente mencionadas e que não sejam proibidas por lei;
l) A recolha, tratamento e difusão da informação no meio rural junto das organizações de agricultores e de todos os intervenientes.
D) A Requerente encontra-se enquadrada em sede de IVA no regime normal de periocidade mensal como um sujeito passivo misto, encontrando-se colectada para o exercício das seguintes actividades: Principal: “Actividades de organizações económicas e patronais” (CAE 94110); Secundário 1: “Formação profissional” (CAE 85591); Secundário 2: “Restaurantes (CAE 56107);
E) A Requerente foi objecto de um procedimento externo de inspecção tributária, credenciado pelas Ordens de Serviço O12018... e O12018..., relativas aos anos de 2015 e 2016, que determinou correcções em sede de IVA nos montantes globais de
€ 41.541,21 e € 28.200,97, relativamente aos anos de 2015 e 2016, respectivamente;
F) O Relatório de Inspecção Tributária fundamenta as correcções nos seguintes termos:
III.1.2 - IVA Deduzido indevidamente - artigo 21.º do CIVA
A regra geral do direito à dedução comporta algumas exceções, as quais se encontram previstas no artigo 21.º do CIVA, e estão sobretudo relacionadas com imposto relativo a aquisições de determinados bens ou serviços cujas caraterísticas os torna não essenciais à atividade produtiva. Não obstante as exclusões previstas no n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, o n.º 2 do mesmo artigo, permite, em certos casos, a dedução, ainda que, nalgumas situações, parcial do IVA incluído nessas despesas, nomeadamente as despesas resultantes da organização e participação em congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares.
Assim, o n.º 1 do artigo 21.º do CIVA exclui do direito à dedução o IVA contido, entre outras, nas seguintes despesas, conforme as alíneas c) e d):
c) Despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens;
d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de receção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais receções; Ao mesmo tempo que o n.º 2 do mesmo artigo 21.º do CIVA, prevê que não se verificará, contudo, a exclusão do direito à dedução, entre outros, nos seguintes casos, conforme as alíneas d) e e):
d) Despesas mencionadas nas alíneas c) e d), com exceção de tabacos, ambas do número anterior, efetuadas para as necessidades diretas dos participantes, relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados diretamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto será dedutível na proporção de 50%;
e) Despesas mencionadas na alínea c) e despesas de alojamento, alimentação e bebidas previstas na alínea d), ambas do número anterior, relativas à participação em congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados diretamente com as entidades organizadoras dos eventos e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 25%; Somente as situações previstas no n.º 2 do artigo 21.º do CIVA permitem afastar, ainda que parcialmente, a exclusão do direito à dedução do imposto contido nas despesas elencadas no n.º 1 do mesmo artigo.
Com efeito, para que seja possível deduzir o imposto previsto nas exclusões do artigo 21.º, n.º 1, do CIVA não basta que os bens ou serviços sejam efetivamente utilizados para a realização de operações tributáveis.
Se assim fosse, esvaziava-se o conteúdo desta norma, na medida em que já resulta do artigo 20.º do CIVA que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito para a realização das operações tributáveis elencadas naquele artigo, ou seja, ainda que os bens ou serviços possam ser utilizados na atividade do sujeito passivo, e sejam utilizados para a realização de operações sujeitas a imposto, apenas se pode exercer o direito à dedução nas situações e com os limites previstos no n.º 2 do artigo 21.º do CIVA.
Da análise à contabilidade, constatamos que o sujeito passivo deduziu imposto referente à aquisição de bens e serviços, relativos a despesas de receção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e a despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais receções, nomeadamente com a organização e participação em congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, sem cumprir o disposto na norma atrás elencada, ou seja, deduziu o imposto pela totalidade, ou pelo valor da percentagem de dedução (pro rata).
[…]
Tendo em atenção a exclusão do direito à dedução e os limites previstos no n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA, consoante o sujeito passivo atua como organizador (pode deduzir 50% do imposto) ou apenas como participante (pode deduzir 25% do imposto), verificou-se que o sujeito deduziu indevidamente imposto no montante de € 42.859,11 em 2015 e de € 30.940,70 em 2016.
G) Na sequência da notificação do Projecto de Relatório de Inspecção, a Requerente exerceu o direito de audição, concluindo que:
a) Discorda da fundamentação do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária para correcção do IVA dedutível das facturas elencadas no mesmo, uma vez que a A... é uma entidade sem fins lucrativos, que, para cumprir com os seus objectivos estatutários, tem obrigatoriamente de desenvolver actividades de apoio aos empresários;
b) As despesas de aquisição de serviços em apreço fazem parte dessas obrigações estatutárias, sendo a aquisição dos serviços elencados parte da execução de projectos de financiamento comunitário desenvolvidos pela A..., para alavancar a actividade económica dos empresários agrícolas.
H) Na sequência do direito de audição, o Relatório final de Inspecção Tributária admitiu a dedução de IVA relativamente à aquisição de bens e serviços para serem fornecidos na Feira Nacional de Agricultura, nos valores de € 1.904,40 e de € 2.170,48, bem como no que se refere a uma despesa com a actividade “Mercado de Agricultores”, por considerar que essas despesas não estavam excluídas do direito à dedução, nos termos do artigo 21.º do CIVA, e, consequentemente, alterou as correcções propostas de € 43.445,61 e €
30.940,70 para € 41.541,21 e € 28.200,97.
I) As facturas referidas no quadro que segue respeitam a operações realizadas pela Requerente, na qualidade de participante, no âmbito do projecto Compete Internacionalização, um programa de acção que decorreu entre 1 de Janeiro de 2014 e 30 de Junho de 2015 e que envolveu a participação colectiva de empresas nacionais em exposições internacionais do sector agroalimentar:
Movimento Contabilístico Valor do IVA Factura Valor do IVA Deduzido Organiza (O) Participa (P) Limite nº2 artº 21º CIVA Valor do
IVA
dedutível Valor
Deduzido
Indevidamente
2015-01-27 00060 1073 10.071,70 10.071,70 P 25% 2.517,93 7.553,77
2015-03-16 00060 3016 4.048,00 4.048,00 P 25% 1.012,00 3.036,00
2015-04-01 00060 4012 3.765,02 640,05 P 25% 160,01 480,04
2015-04-24 00060 4054 480,64 81,71 P 25% 20,43 61,28
2015-04-24 00060 4056 6.320,40 6.320,40 P 25% 1.580,10 4.740,30
2015-04-27 00060 4057 11.500,00 11.500,00 P 25% 2.875,00 8.625,00
2015-05-06 00060 5001 920,00 920,00 P 25% 230,00 690,00
2015-05-06 00060 5002 966,00 966,00 P 25% 241,50 724,50
2015-06-25 00060 6171 344,43 58,55 P 25% 14,64 43,91
2015-06-30 00060 6258 805,00 136,85 P 25% 34,21 102,64
39.221,19 34.743,26 8.685,82 26.057,44
J) As facturas referidas nos quadros que seguem, emitidas em 2015 e 2016, respeitam a operações realizadas pela Requerente, na qualidade de participante, no âmbito do projecto "Portugal Sou Eu", que se realizou entre 15 de Novembro de 2012 e 31 de Janeiro de 2015, em parceria com a AEP - Associação Empresarial de Portugal, a AIP - Associação Industrial de Portugal e o IAPMEI:
Movimento Contabilístico Valor do IVA Factura Valor do IVA Deduzido Organiza (O) Participa (P) Limite nº2 artº 21º CIVA Valor do IVA dedutível Valor
Deduzido
Indevidamente
2015-06-19 00060 6181 10.046,40 1.707,89 P 25% 426,97 1.280,92
2015-08-06 00060 8032 1.081,00 183,77 P 25% 45,94 137,83
2015-09-11 00060 9125 236,90 40,27 P 25% 10,07 30,20
2015-09-11 00060 9125 172,50 29,33 P 25% 7,33 22,00
2015-12-01 00060 12268 828,00 215,28 P 25% 53,82 161,46
12.364,80 2.176,54 544,13 1.632,41
Movimento Contabilístico Valor do IVA Factura Valor do IVA Deduzido Organiza (O) Participa (P) Limite nº2 artº 21º CIVA Valor do
IVA
dedutível Valor
Deduzido
Indevidamente
2016-02-15 00060 2058 1.380,00 358,80 P 25% 89,70 269,10
2016-03-09 00060 3068 570,81 148,41 P 25% 37,10 111,31
2016-04-06 00060 4018 1.380,00 358,80 P 25% 89,70 269,10
2016-05-25 00060 5047 7.532,50 1.958,45 P 25% 489,61 1.468,84
2016-06-08 00060 6083 7.532,50 1.958,45 P 25% 489,61 1.468,84
2016-07-01 00060 7001 10.467,30 2.721,50 P 25% 680,38 2.041,12
2016-07-01 00060 7002 1.610,00 418,60 P 25% 104,65 313,95
2016-07-01 00060 7003 1.127,00 293,02 P 25% 73,26 219,76
2016-07-28 00060 7104 83,95 21,83 P 25% 5,46 16,37
2016-07-01 00060 7129 138,00 35,88 P 25% 8,97 26,91
2016-12-12 00060 12021 1.031,46 134,09 P 25% 33,52 100,57
32.853,52 8.407,83 2.101,96 6.305,87
K) As facturas referidas no quadro que segue respeitam a operações realizadas pela Requerente, na qualidade de participante, no âmbito do Projecto 020477046398 Medida/Acção 422, incluído no Programa Desenvolvimento Rural (PRODER), que terminou em 31 de Dezembro de 2015:
Movimento Contabilístico Valor do IVA Factura Valor do IVA Deduzido Organiza (O) Participa (P) Limite nº2 artº 21º CIVA Valor do
IVA
dedutível Valor
Deduzido
Indevidamente
2015-01-26 00060 1086 65,45 11,13 O 50% 5,57 5,56
2015-03-02 00060 3004 28,75 4,89 P 25% 1,22 3,67
2015-03-02 00060 3014 96,60 16,42 P 25% 4,11 12,31
2015-03-05 00060 3022 401,35 68,23 O 50% 34,12 34,11
2015-04-01 00060 4113 172,50 29,33 P 25% 7,33 22,00
2015-05-26 00060 5090 419,75 71,36 P 25% 17,84 53,52
2015-06-25 00060 6085 875,15 148,78 P 25% 37,20 111,58
2015-06-25 00060 6086 529,58 90,03 P 25% 22,51 67,52
2.589,13 440,17 129,90 310,27
L) As facturas referidas nos quadros que seguem, emitidas em 2015 e 2016, respeitam a operações realizadas pela Requerente, na qualidade de organizador, no âmbito do concurso para apresentação de candidaturas do Programa Operacional Inclusão Social e Emprego (POISE), Tipologia de Operação 1.16 – Reforço da capacitação institucional dos parceiros sociais com assento na Comissão Permanente de Concertação Social:
Movimento Contabilístico Valor do IVA Factura Valor do IVA Deduzido Organiza (O) Participa (P) Limite nº2 artº 21º CIVA Valor do
IVA
dedutível Valor
Deduzido
Indevidamente
2015-12-02 00060 12036 1.125,69 292,68 O 50% 146,34 146,34
2015-12-02 00060 12038 831,74 216,25 O 50% 108,13 108,12
1.957,43 508,93 254,47 254,46
Movimento Contabilístico Valor do IVA Factura Valor do IVA Deduzido Organiza (O) Participa (P) Limite nº2 artº 21º CIVA Valor do
IVA
dedutível Valor
Deduzido
Indevidamente
2016-07-12 00060 7036 431,25 112,13 O 50% 56,07 56,06
2016-07-12 00060 7036 55,20 14,35 O 50% 7,18 7,17
486,45 126,48 63,25 63,23
M) As facturas referidas no quadro que segue respeitam a operações realizadas pela Requerente, na qualidade de participante, no âmbito do Projecto 20/APVMPT/2016, desenvolvido entre 1 de Janeiro de 2016 e 31 de Dezembro de 2016, no quadro de Apoio à Promoção de Vinhos em Mercados de Países Terceiros gerido pelo Instituto da Vinha e do Vinho (IVV):
Movimento Contabilístico Valor do IVA Factura Valor do IVA Deduzido Organiza (O) Participa (P) Limite nº2 artº 21º CIVA Valor do
IVA
dedutível Valor
Deduzido
Indevidamente
2016-02-02 00060 2001 11.513,53 2.993,52 P 25% 748,38 2.245,14
2016-02-02 00060 2002 9.529,53 2.477,68 P 25% 619,42 1.858,26
2016-02-02 00060 2003 2.323,79 604,19 P 25% 151,05 453,14
2016-02-15 00060 2066 1.275,63 331,66 P 25% 82,92 248,74
2016-05-23 00060 5039 10.394,55 2.702,58 P 25% 675,65 2.026,93
2016-05-23 00060 5040 6.234,76 1.621,04 P 25% 405,26 1.215,78
2016-06-28 00060 6276 1.148,85 298,70 P 25% 74,68 224,02
2016-06-29 00060 6277 773,11 201,01 P 25% 50,25 150,76
2016-09-26 00060 9035 1.844,13 479,47 P 25% 119,87 359,60
2016-09-26 00060 9036 5.404,41 1.405,15 P 25% 351,29 1.053,86
2016-09-26 00060 9037 1.228,63 319,44 P 25% 79,86 239,58
2016-09-26 00060 9038 4.764,26 1.238,71 P 25% 309,68 929,03
2016-09-26 00060 9039 1.784,17 463,88 P 25% 115,97 347,91
2016-09-26 00060 9040 5.226,90 1.358,99 P 25% 339,75 1.019,24
2016-09-26 00060 9041 1.228,63 319,44 P 25% 79,86 239,58
2016-09-26 00060 9042 4.764,93 1.238,88 P 25% 309,72 929,16
2016-10-31 00060 10066 1.356,41 352,67 P 25% 88,17 264,50
2016-10-31 00060 10067 3.990,60 1.037,56 P 25% 259,39 778,17
2016-10-31 00060 10068 1.356,41 352,67 P 25% 88,17 264,50
2016-10-31 00060 10069 3.302,56 858,67 P 25% 214,67 644,00
2016-10-31 00060 10070 1.258,12 327,11 P 25% 81,78 245,33
2016-10-31 00060 10071 3.990,60 1.037,56 P 25% 259,39 778,17
2016-10-31 00060 10072 1.258,12 327,11 P 25% 81,78 245,33
2016-10-31 00060 10073 3.204,27 833,11 P 25% 208,28 624,83
89.156,90 23.180,80 5.795,24 17.385,56
N) As facturas referidas no quadro que segue respeitam a operações realizadas pela Requerente, na qualidade de organizador, no âmbito do Projecto PDR2020214FEADER-006965, regulado pela Portaria n.º 165/2015, de 3 de Junho, que prevê a realização de acções de informação:
Movimento Contabilístico Valor do IVA Factura Valor do IVA Deduzido Organiza (O) Participa (P) Limite nº2 artº 21º CIVA Valor do
IVA
dedutível Valor
Deduzido
Indevidamente
2016-07-12 00060 7028 618,13 160,71 O 50% 80,36 80,35
2016-07-12 00060 7028 73,60 19,14 O 50% 9,57 9,57
2016-07-12 00060 7029 196,19 51,01 O 50% 25,51 25,50
2016-07-12 00060 7029 47,15 12,26 O 50% 6,13 6,13
2016-07-12 00060 7030 373,75 97,18 O 50% 48,59 48,59
2016-07-12 00060 7030 47,15 12,26 O 50% 6,13 6,13
2016-07-12 00060 7031 445,63 115,86 O 50% 57,93 57,93
2016-07-12 00060 7031 374,90 97,47 O 50% 48,74 48,73
2016-07-12 00060 7032 223,68 58,16 O 50% 29,08 29,08
2016-07-12 00060 7032 47,15 12,26 O 50% 6,13 6,13
2016-07-12 00060 7033 373,75 97,18 O 50% 48,59 48,59
2016-07-12 00060 7033 47,15 12,26 O 50% 6,13 6,13
2016-07-12 00060 7034 373,75 97,18 O 50% 48,59 48,59
2016-07-12 00060 7034 47,15 12,26 O 50% 6,13 6,13
2016-07-12 00060 7035 196,19 51,01 O 50% 25,51 25,50
2016-07-12 00060 7035 47,15 12,26 O 50% 6,13 6,13
3.532,47 918,46 459,25 459,21
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, na produção de prova testemunhal em audiência e factos não questionados.
Factos não provados
Não há factos não provados que revelem para a apreciação da causa.
Matéria de direito
5. No âmbito de um procedimento inspectivo, a Autoridade Tributária determinou correcções ao IVA deduzido relativamente a despesas de aquisição de bens e serviços relacionadas com a organização e participação em congressos, feiras, exposições, seminários, e actividades similares, por considerar que, nos termos das alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA, havia lugar à dedução na percentagem de 50% ou 25% do imposto, consoante o sujeito passivo tivesse intervindo como organizador ou participante, e não à dedução pela totalidade ou pelo valor aplicável segundo o método pro rata.
A Requerente alega, em resumo, que é uma entidade sem fins lucrativos e desenvolve actividades de apoio aos empresários agrícolas no quadro das suas obrigações estatutárias e, especialmente, mediante a organização ou participação em projectos de financiamento de direito europeu. E, nesse contexto, considera que as despesas de transporte, alimentação e alojamento, bem como as despesas de representação, incluindo as suportadas com recepções, refeições e viagens, na medida em que se encontram associadas à sua actividade económica, devem permitir a dedução do imposto sem qualquer restrição, devendo entender-se que as exclusões do direito à dedução constantes das referidas disposições constituem presunções ilidíveis, por força do disposto no artigo 73.º da LGT. Por outro lado, a limitação ao direito à dedução põe em causa o princípio da neutralidade do imposto e viola o princípio da proporcionalidade, na medida em que impossibilitam o sujeito passivo de comprovar que as despesas em causa têm fins empresariais, bem como o princípio da igualdade, no ponto em que impede os sujeitos passivos de deduzirem o IVA efectivamente suportado em despesas profissionais, equiparando-os a simples particulares sem direito à dedução.
São estas as questões que cabe dilucidar,
6. O direito à dedução do imposto, disciplinado nos artigos 167.º a 192.º da Directiva IVA e, no direito interno, nos artigos 19.º a 25.º do Código do IVA, consiste essencialmente no direito de um sujeito passivo deduzir ao imposto incidente sobre uma certa operação tributável o imposto em que tenha incorrido na aquisição de bens ou serviços que se destinem à realização dessa operação.
Segundo a regra geral constante do artigo 168.º da Directiva, o IVA incorrido nas aquisições feitas por um sujeito passivo é dedutível na integralidade sempre que os bens ou serviços sejam utilizados “para os fins das suas operações tributadas”. Esse corresponde a um método de dedução de imputação directa, havendo de estabelecer-se para esse efeito um nexo directo entre uma dada operação activa e uma dada operação passiva.
Não sendo possível estabelecer esse nexo directo, como sucede quando as despesas com aquisições de bens ou serviços respeitam simultaneamente a operações tributadas e operações isentas de imposto – caso em que estaremos perante custos mistos – o direito à dedução encontra-se limitado nos termos do artigo 173.º da Directiva.
Esse preceito consagra em primeira linha o método pro rata, pelo qual relativamente a bens e serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações e, por conseguinte, apenas em relação a operações que originam o direito à dedução.
O direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado, ressalvadas as excepções expressamente previstas na Directiva IVA (Directiva
2006/112/CE). A Directiva exclui o direito à dedução relativamente a “despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação” (artigo 176.º) e, para além dessa limitação geral, admite também, através da cláusula standstill constante do segundo parágrafo desse artigo, as exclusões que se encontrem previstas na respectiva legislação nacional em 1 de Janeiro de 1979 ou, no que respeita aos
Estados-membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respectiva adesão. O artigo 177.º contempla uma terceira hipótese de afastamento, parcial ou total, do regime das deduções, por razões conjunturais, relativamente a bens de investimento ou outros bens, após consulta do Comité do IVA.
Uma questão que se coloca é a de saber se este regime de exclusão do direito à dedução é aplicável mesmo que respeite a bens insusceptíveis de utilização privada ou quando o sujeito passivo demonstre que as despesas têm carácter estritamente profissional. O entendimento consolidado do TJUE é no sentido de que as exclusões podem aplicar-se a todo o tipo de despesas, incluindo aquelas que têm carácter profissional, as que constituem um instrumento indispensável ao exercício da actividade e as que não são susceptíveis, no caso concreto, de serem utilizadas para fins privados, apenas ficando afastada a exclusão de bens ou serviços de tal modo que fique esvaziado o conteúdo do direito, atingindo o sistema geral do direito à dedução (cfr. acórdãos de 5 de outubro de 1999, Processo C-305/97, Royscot, de 14 de Junho de 2001, Processo C-40/00, Comissão contra França, e de 8 de Janeiro de 2002, Processo n.º C-409/99, Metropol).
O legislador português utilizou a excepção resultante do segundo parágrafo do artigo 176.º da Directiva, mantendo as restrições ao direito de dedução que constavam do artigo 21.º do Código do IVA, que já se encontrava em vigor à data do início de vigência no território nacional da Sexta Directiva, que ocorreu em 1 de Janeiro de 1989, em conformidade com o Tratado de Adesão.
Conforme resulta do n.º 1 do referido artigo 21.º, estas restrições abrangem, essencialmente, despesas que, pela sua natureza, podem ser utilizadas para fins privados e que podem agregar-se em cinco categorias: despesas com viaturas de turismo, barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos; despesas respeitantes a combustíveis normalmente utilizáveis em viaturas automóveis; despesas de transportes e viagens de negócios, incluindo as portagens; despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção; despesas de divertimento e de luxo.
Por seu turno, o n.º 2 do mesmo preceito excepciona da exclusão do direito à dedução um conjunto de despesas que se relacionam objectivamente com a actividade económica do sujeito passivo por constituírem um instrumento do exercício dessa actividade. É o caso das despesas da primeira categoria elencada quando respeitem a bens cuja venda ou exploração constitua objecto da actividade do sujeito passivo (alínea a)) e das despesas de alojamento, refeições, alimentação e bebidas que resultem do fornecimento ao pessoal da empresa, pelo próprio sujeito passivo (alínea b)) (sobre todos estes aspectos, em geral, cfr. ALEXANDRA MARTINS/LÍDIA SANTOS, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Coimbra, 2014, págs. 257-262).
Por fim, as alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 21.º permitem o direito à dedução parcial do IVA suportado em despesas conexas com a organização e a participação em congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, estipulando uma dedução na proporção de 50% quando o sujeito passivo intervenha na condição de organizador e de 25% quando intervenha na qualidade de participante.
Essas disposições são do seguinte teor:
a) Despesas mencionadas nas alíneas c) e d), com excepção de tabacos, ambas do número anterior, efectuadas para as necessidades directas dos participantes, relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50 %;
b) Despesas mencionadas na alínea c) e despesas de alojamento, alimentação e bebidas previstas na alínea d), ambas do número anterior, relativas à participação em congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com as entidades organizadoras dos eventos e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 25 %.
Foi em aplicação destas disposições que a Autoridade Tributária considerou, no procedimento de inspecção tributária, que o sujeito passivo deduziu indevidamente imposto por não ter atendido aos limites de 50% e 25% que aí se encontram previstos.
7. A Requerente começa por referir que as normas de exclusão do direito de dedução de IVA, incluindo as das referidas alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA, assentam na presunção de que as despesas em causa poderão ser destinadas a fins de consumo privado e que deve ser considerada ilidível por força do disposto no artigo 73.º da LGT.
Esta disposição da LGT prescreve que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, pretendendo significar que as presunções que se encontrem previstas nesse tipo de normas constituem presunções tantum juris podendo ser afastadas mediante a prova de que o facto presumido não é verdadeiro.
Tratando-se de uma presunção legal ela é uma inferência realizada pela lei de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido (artigo 350.º do Código Civil), distinguindo-se das presunções judiciais que assentam no simples raciocínio de quem julga com base em máximas da experiência ou em juízos de probabilidade. Assim, as regras legais de presunção apresentam necessariamente na sua estrutura uma implicação entre dois factos, ou seja, estabelecem que um determinado facto conhecido implica um outro facto desconhecido (cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, Coimbra, 2012, pág. 234).
Como se constata, as mencionadas disposições, há pouco transcritas, não estabelecem uma qualquer presunção expressa e limitam-se a consignar que nas operações tributáveis aí descritas o imposto é dedutível na proporção de 50 % ou de 25 %, consoante o sujeito passivo intervenha na qualidade de organizador ou participante.
Deste modo, a presunção legal que poderia estar patente nas referidas disposições das alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA seria a de considerar que a dedução parcial de imposto que aí se encontra prevista tem como pressuposto que as despesas em causa se destinam em parte a um consumo intermédio, dando azo a que o sujeito passivo pudesse demonstrar que, na situação do caso, essas despesas tinham um carácter estritamente profissional, havendo lugar à dedução do imposto sem qualquer restrição.
A este propósito, deve dizer-se que não se encontra de todo excluída a possibilidade de presunções legais implícitas. Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 753/2014, “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, quando são reveladas pelo uso da expressão «presume-se» ou de expressão de idêntico significado, mas podem também resultar implicitamente do enunciado linguístico da norma, o que sucede quando se considera como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis no pressuposto de que são esses valores que correspondem à realidade, prescindindo-se do apuramento do valor real ou do valor que tiver sido declarado pelo sujeito passivo”.
No entanto, o que sucede – como se deixou já esclarecido - é que as referidas normas do Código do IVA se mantiveram na ordem jurídica interna ao abrigo da cláusula standstill constante do artigo 176.º, primeiro parágrafo, da Directiva IVA e que já provinha do artigo 17.º, n.º 6, da Sexta Directiva.
Este último preceito, cujo teor se encontra reproduzido na Directiva actualmente vigente, dispunha do seguinte modo:
O mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data da entrada em vigor da presente directiva, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. Serão excluídas do direito à dedução, em qualquer caso, as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.
Até à entrada em vigor das disposições acima referidas, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva no momento da entrada em vigor da presente directiva.
Nestes termos, a norma autorizava os Estados-membros a manter exclusões gerais do direito à dedução do IVA constantes de normas de direito interno que já vigorassem à data da adesão à Comunidade Europeia, e o Estado Português pôde beneficiar dessa excepção porquanto o Código do IVA e o seu artigo 21.º entraram em vigor em 1 de Janeiro de 1986, e ainda antes da adesão à Comunidade Europeia e do início de vigência da Sexta Directiva no ordenamento jurídico nacional, e que poderia ser mantida até que o legislador europeu estabelecesse um regime comum de exclusões e harmonizasse as legislações nacionais (n.º 31 do acórdão Royscot).
Por outro lado, como se assinala no mesmo acórdão (acórdão do TJUE de 5 de Outubro de 1999, Processo n.º C-305/97), não pode inferir-se do artigo 17.º, n.º 6, da Sexta Directiva, interpretado no seu contexto, que os Estados-membros apenas se encontrem autorizados a manter exclusões que respeitem a despesas que contenham ou possam conter um elemento não profissional. O Tribunal de Justiça reafirma que o artigo 17.º , n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva “deve ser interpretado no sentido de que a expressão ‘todas as exclusões’ inclui as despesas que têm carácter estritamente profissional” e, nesse sentido, a disposição autoriza os Estados-membros a manter normas nacionais que excluem o direito à dedução do IVA, não só em relação aos meios que “constituem o próprio instrumento da actividade do sujeito passivo”, mas também relativamente àqueles “que não são susceptíveis, num caso concreto, de serem objecto de um uso privado” (n.º 20).
A esse propósito, o acórdão Royscot recorda que o artigo 11.º da Segunda Directiva, embora introduzindo no n.º 1 o direito à dedução, prevê, no n.º 4, que os Estados-membros “podem excluir do regime das deduções certos bens e serviços, designadamente os que sejam susceptíveis de utilização, exclusiva ou parcial, para as necessidades privadas do sujeito passivo ou do seu pessoal”, e ao utilizar a expressão ‘designadamente’, “o legislador expressou claramente a intenção de não limitar as exclusões admitidas às despesas com bens e serviços susceptíveis de utilização privada”, podendo haver lugar à exclusão do direito à dedução mesmo em relação a despesas com “carácter estritamente profissional” (n.º 23).
E embora o mesmo aresto reconheça que o artigo 11.º, n.º 4, da Segunda Directiva “não concedeu aos Estados-membros um poder discricionário absoluto para excluir todos ou quase todos os bens e serviços do regime do direito à dedução e esvaziar assim do seu conteúdo o regime criado pelo artigo 11.º, n.º 1, da mesma Directiva”, veio a concluir que ao excluir do direito à dedução determinados bens – no caso veículos automóveis utilizados pelo sujeito passivo para as necessidades das suas operações tributáveis – o Estado membro “não atingiu o sistema geral do direito à dedução, mas utilizou uma autorização decorrente do artigo 11.º, n.º 4, da Segunda Directiva” (n.ºs 24 e 25).
À luz de todos estes considerandos, e visto que a jurisprudência do TJUE admite que as exclusões do direito à dedução pré-existentes no direito interno podem abranger despesas profissionais, impõe-se concluir que as normas das alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA não contêm uma qualquer presunção implícita do carácter não empresarial ou não profissional das despesas, mas constituem normas de incidência tributária que operam objectivamente em face dos elementos da facti species tidos como pressupostos tributários, apenas dependendo da subsunção jurídica dos factos à previsão normativa.
Estão por isso em causa normas de incidência tributária aplicáveis às despesas que aí são mencionadas e que não consagram qualquer presunção que seja passível de prova em contrário.
8. A Requerente alega ainda que essas disposições violam o princípio da proporcionalidade em sede de IVA, na medida em que, constituindo normas anti-abuso, impossibilitam o sujeito passivo de comprovar que as despesas em causa têm fins empresariais sendo, como tal, passíveis de dedução.
Analisando a primeira dessas questões, não pode deixar de reconhecer-se que a jurisprudência do TJUE tem vindo a considerar que as exclusões ao direito à dedução que sejam introduzidas pelos Estados-membros com base na Directiva IVA estão sujeitas a um princípio de proporcionalidade, não devendo ir além do necessário para a realização do seu objectivo específico e afectar o menos possível os objectivos e os princípios da Directiva, não bastando a mera invocação do combate à fraude e evasão fiscais para legitimar a introdução dessas medidas ainda que com fundamento no artigo 176.º da Directiva (cfr. SÉRGIO VASQUES, O imposto sobre o valor acrescentado, Coimbra, 2015, págs. 350-351)
No entanto, não é possível considerar que os Estados-membros estão autorizados a manter as medidas fiscais de exclusão do direito à dedução já existentes, ao abrigo da Directiva IVA, e, ao mesmo tempo, entender que todas essas exclusões são ilegais por violação do princípio da proporcionalidade enquanto princípio geral de direito. E, pelo contrário, apenas se pode admitir uma desconformidade com o princípio da proporcionalidade quando as restrições ao direito à dedução, por efeito da norma derrogatória da Directiva IVA, se revelem excessivas, desproporcionadas e além da justa medida em relação aos fins obtidos.
Ora, embora se tenha vindo a concluir que as normas das alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA não consagram uma presunção tantum juris, e não permitem ao sujeito passivo provar que as despesas foram efectivamente efectuadas apenas para fins profissionais (cfr. supra ponto 7.), o certo é que o tipo de despesas em causa, como será o caso de despesas de transporte, alojamento, restauração ou de recepção associadas à realização dos eventos, pela sua própria natureza, propiciam uma utilização de carácter misto (privado e profissional), assim se compreendendo que o legislador tenha optado por uma exclusão parcial do direito à dedução e tenha ainda diferenciado a proporção da dedução (50% ou 25%) em função do maior ou menor risco da afectação das despesas a formas de consumo intermédio.
E, nesse sentido, torna-se necessário verificar se as disposições fiscais tendentes à exclusão do direito à dedução são necessárias e adequadas à realização do objectivo específico que prosseguem e se não afectam de modo excessivo os objectivos e os princípios da Directiva.
A este propósito, importa ter presente o acórdão do TJUE de 19 de Setembro de 2000, Processo n.º C-177/99 (Ampafrance), em que se afirma o seguinte:
60. Por outro lado, há que recordar que, para que um acto comunitário relativo ao sistema do IVA esteja em conformidade com o princípio da proporcionalidade, as disposições que ele contém devem ser necessárias para a realização do objectivo específico que ele prossegue e afectar o menos possível os objectivos e os princípios da Sexta Directiva.
61. Ora, uma medida que consiste em excluir, por princípio, todas as despesas de alojamento, de recepção, de restaurante e de espectáculos do direito à dedução do IVA, que constitui um princípio fundamental do sistema do IVA posto em prática pela Sexta Directiva, quando meios adequados, menos atentatórios deste princípio do que a exclusão do direito à dedução em relação a certas despesas, são possíveis ou existem já na ordem jurídica nacional, não se mostra ser necessária para lutar contra a fraude e a evasão fiscais.
No entanto, o mesmo acórdão, no subsequente parágrafo 62, acrescenta:
Sem que caiba ao Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre a adequação de outros meios para lutar contra a fraude e a evasão fiscais que poderiam ser encarados, entre os quais a limitação prefixada do montante das deduções autorizadas ou um controlo decalcado do operado no âmbito do imposto sobre o rendimento ou do imposto sobre as sociedades, há que precisar que, no estado actual do direito comunitário, uma legislação nacional que exclui do direito à dedução do IVA as despesas de alojamento, de recepção, de restaurante e de espectáculos sem que seja possível ao sujeito passivo demonstrar a inexistência de fraude ou de evasão fiscais a fim de beneficiar do direito à dedução não constitui um meio proporcionado ao objectivo de luta contra a fraude e a evasão fiscais e afecta excessivamente os objectivos e princípios da Sexta Directiva.
O que permite concluir que um dos mecanismos que o acórdão Ampafrance ressalva como adequado e proporcionado para efeito da limitação do direito à dedução é aquele em que o Estado-membro opta pela “limitação prefixada do montante das deduções”.
É precisamente esta a situação do caso em análise, em que o legislador nacional, pretendendo limitar o direito à dedução de imposto relativamente a despesas incorridas com a organização ou a participação em congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e eventos similares, não optou por excluir todas as despesas, mas por estabelecer um regime de dedução parcial e em diferente percentagem, o que se mostra ser conforme o princípio da proporcionalidade.
E nesse mesmo sentido aponta o acórdão do TJUE de 14 de Junho de 2001, Processo n.º C-345/99 (Comissão contra França), em que se concluiu, referindo-se a veículos utilizados no ensino da condução, que uma alteração legislativa que substitui uma exclusão total do direito à dedução do IVA por uma dedução parcial, de modo a abranger os veículos afectos em exclusivo ao ensino da condução, tendo por efeito reduzir o âmbito das exclusões existentes e aproximar a legislação do regime geral de dedução é conforme ao disposto no artigo 17.º, n.º 2, da Sexta Directiva (n.ºs 23 e 24).
9. A Requerente invoca ainda a violação do princípio da neutralidade do imposto, como consequência da impossibilidade de deduzir a integralidade do IVA incorrido com as despesas em causa, por efeito das referidas disposições das alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA, e, bem assim, a violação do princípio da igualdade, na medida em que tais disposições impedem os sujeitos passivos de deduzirem o IVA efectivamente suportado em despesas profissionais, tratando-os como simples particulares sem direito à dedução.
Começando pela primeira questão, importa ter presente o que se entende como princípio da neutralidade.
Como princípio estruturante do IVA, o sentido da neutralidade assenta no mecanismo do crédito do imposto por via da dedução do imposto suportado a montante pelos operadores económicos que desse modo se desoneram do correspondente custo, implicando que o IVA não possua ao longo da cadeia de produção e distribuição um efeito cumulativo e venha a ser suportado pelo consumidor final (cfr. SÉRGIO VASQUES, ob. cit., pág. 105). O sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante assim a neutralidade quanto à carga fiscal das actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou resultados dessas actividades, desde que elas próprias se encontrem sujeitas a IVA.
É nesse sentido que o artigo 17.º, n.º 2, da Sexta Directiva, e a sucedânea disposição do artigo 168.º da Directiva 2006/112/CE, enuncia o princípio da dedução dos montantes facturados como IVA em relação aos bens fornecidos ou aos serviços prestados ao sujeito passivo, na medida em que estes bens ou estes serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributáveis.
No entanto, como se deixou transparecer, o princípio do direito à dedução do IVA esteve sujeito à disposição derrogatória constante do artigo 17.º, n.º 6, da Sexta Directiva, em especial do seu segundo parágrafo, que se manteve nos termos do artigo 176.º da actual Directiva, e os Estados-membros estão assim autorizados a manter a legislação existente em matéria de exclusão do direito à dedução na data de entrada em vigor da Sexta Directiva, até que o Conselho aprove as disposições de harmonização das legislações nacionais nessa matéria.
Não pode afirmar-se, por conseguinte, que ocorre uma violação do princípio da neutralidade do imposto se a limitação do direito à dedução, nas circunstâncias do caso, se encontra justificada à luz do próprio direito europeu a título de excepção ao regime de dedução comum.
10. Por sua vez, o princípio da igualdade começou por surgir associado, na jurisprudência do TJUE, ao princípio da neutralidade, configurando-se como um princípio de igualdade de tratamento dos operadores económicos em matéria de IVA.
Mais recentemente, o Tribunal de Justiça tem vindo a reconhecer que o princípio da igualdade tem um conteúdo próprio, que vai além da mera exigência de neutralidade, podendo colocar-se não apenas nas relações entre operadores económicos concorrentes, tal como sucede no domínio da neutralidade, mas também entre operadores económicos que, não estando numa situação de concorrência, possam encontrar-se numa situação comparável noutros aspectos (cfr. acórdão de 10 de Abril de 2008, Processo n.º C-309/06, Marks & Spencer, n.º 49). 2
Nesta linha de orientação, o acórdão Rank (acórdão de 10 de novembro de 2011, Processos C- 259/10 e C-260/10), o Tribunal de Justiça formulou o seguinte critério (n.º 36):
O princípio da neutralidade fiscal deve ser interpretado no sentido de que uma diferença de tratamento em termos de IVA de duas prestações de serviços idênticas ou semelhantes do ponto de vista do consumidor e que satisfazem as mesmas necessidades deste basta para demonstrar uma violação deste princípio. Assim, essa violação não exige que também seja demonstrada a existência efectiva de concorrência entre os serviços em causa ou uma distorção da concorrência causada pela referida diferença de tratamento.
E ainda que a questão tenha sido analisada, nesse aresto, ainda na perspectiva do princípio da neutralidade, no fundo o que está em causa é o controlo do princípio da igualdade, tomando por base um critério de comparabilidade entre operações tributáveis (semelhança de operações do ponto de vista do consumidor) que pode tornar injustificado o tratamento diferenciado em matéria de IVA.
Em todo o caso, a possível violação do princípio da igualdade coloca-se quando se verifique um tratamento diferenciado entre operações tributáveis, traduzidas na transmissão de bens ou prestação de serviços que sejam semelhantes, isto é, que apresentem propriedades análogas e satisfaçam as mesmas necessidades dos consumidores, independentemente de existir uma efectiva concorrência entre os operadores económicos.
O que se exige, como decorrência do princípio da igualdade, é que “situações comparáveis não sejam tratadas de forma diferente, a menos que uma diferenciação se justifique objectivamente” (acórdão do TJUE de 13 de Julho de 2000, Processo n.º C-36/99, Idéal Tourisme, n.º 35).
Como é claro, a questão não se coloca se as restrições ao direito de dedução têm como consequência que o sujeito passivo fique em situação similar aos consumidores finais, visto que o princípio da igualdade terá de ser aferido entre operações tributáveis realizadas pelos sujeitos passivos do imposto, não relevando o mero efeito prático que resulta da impossibilidade de exercer o direito à dedução. Por outro lado, os Estados-membros estão obrigados à igualdade de tratamento na transposição da directiva e não já quando estejam em causa normas pré-existentes de direito interno que as próprias directivas autorizam os Estadosmembros a manter (SÉRGIO VASQUES, ob. cit., págs. 111-112).
Não estando em causa normas que consagrem uma presunção tantum júris, nem ocorrendo qualquer das alegadas violações dos princípios da proporcionalidade, da neutralidade e da igualdade, o pedido mostra-se ser improcedente.
Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
11. Face à solução que se chega fica prejudicado o conhecimento dos pedidos de reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios.
III – Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar improcedente o pedido arbitral e manter a liquidação adicional que vem impugnada;
b) Julgar prejudicado o conhecimento dos pedidos de reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 76.500,62, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Notifique.
Lisboa, 25 de Maio de 2021
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
Paulo Lourenço
(com declaração de voto em anexo)
O Árbitro vogal
Henrique Fiúza
VOTO DE VENCIDO
A regra geral do funcionamento do IVA assenta no mecanismo da dedução do imposto suportado, de forma a evitar que se incorpore de forma oculta no preço dos bens e serviços, dando origem ao aparecimento de efeitos cumulativos, que são contrários à neutralidade, que é a sua característica principal.
Deste modo, é suscetível de dedução todo o imposto suportado na aquisição de bens e serviços desde que venham a ser efetivamente utilizados no âmbito de uma atividade profissional ou empresarial.
Porém, como é sabido, por razões administrativas ligadas à impossibilidade do controlo rigoroso dos desvios para consumos privados de determinados bens e serviços, o legislador português sentiu a necessidade de excluir do direito à dedução o IVA suportado nalgumas aquisições. É o caso, designadamente, das despesas relativas a viaturas de turismo, transportes e viagens, alojamento, alimentação e bebidas, entre outras, que se encontram expressamente excluídas do direito à dedução, por força do estatuído no artigo 21º do Código do IVA.
As despesas em causa, quando necessárias ao exercício da atividade profissional ou empresarial, revelam um efeito penalizador substancialmente relevante, no caso de não ser possível deduzir o IVA que nelas vem incorporado.
Consciente desta realidade, o legislador tem vindo a reduzir, em relação a alguns setores de atividade, o âmbito de aplicação do artigo 21º do Código do IVA, como aconteceu com as atividades de organização de eventos.
Para além disso, a Autoridade Tributária, por via interpretativa, tem concedido a possibilidade de exercício do direito à dedução em relação a setores de atividade que considera não suscetíveis de desviar as despesas em causa para fins alheios à atividade das respetivas empresas.
Foi o que se verificou no caso concreto da hotelaria, em que por via de informação vinculativa se permitiu a dedução do IVA suportado nas despesas de aquisição, conservação e manutenção de viaturas de turismo utilizadas exclusivamente na atividade de transfer e transporte de clientes do hotel, em conformidade com o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 21º do Código do IVA.
A própria informação vinculativa (Processo D051 2005159, com despacho do Diretor Geral dos Impostos de 18 de setembro de 2007), refere que tem sido entendimento da Direção de Serviços do IVA que quando uma viatura de turismo constitui o objeto da atividade negocial do sujeito passivo, pode ser enquadrada no âmbito da alínea a) do nº 2 do referido artigo 21º, o que significa que a Autoridade Tributária reconhece que não deve ser excluído do direito à dedução o IVA suportado nas despesas em causa se as mesmas tiverem uma utilização profissional ou empresarial.
O anteprojeto do Código do IVA revela de forma clara que “a limitação do direito do sujeito passivo à dedução do IVA no tocante às despesas em causa, era apenas justificada pela Autoridade Tributária nacional pela dificuldade em controlar de forma precisa a repartição entre a parte profissional e a parte privada das despesas relativas a este tipo de bens e pelos riscos de fraude ou de abuso que daqui decorrem”.
Tanto assim é que o legislador, como acima se referiu, através da Lei nº 55-B/2004, de 31 de dezembro, procedeu a uma alteração substancial do artigo 21º do Código do IVA, no sentido de passar a permitir, a partir do dia 1 de janeiro de 2005, a dedução parcial do imposto suportado nas despesas de transportes e viagens, incluindo as portagens, nas despesas de alojamento, alimentação e restauração, no caso de resultarem da organização e participação em congressos, feiras e exposições.
Apesar da jurisprudência nacional não ser abundante em matéria de exclusão do direito à dedução, o acórdão do STA de 2 de maio de 2007 , sustenta que “uma construção, designada como casa do caseiro, que é utilizada pelos trabalhadores da recorrente para aí pernoitarem e confecionarem as suas refeições, não sendo propriamente uma cantina ou um dormitório, não pode deixar de ser, para efeitos da previsão da alínea b) do nº 2 do artigo 21º do CIVA, pelo menos considerada um espaço similar, na medida em que, possuindo cozinha, quartos e casa de banho, é utilizada com essas funcionalidades”.
A legislação comunitária relevante respeitante ao IVA, prevista na Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro, não permite uma interpretação tão restritiva.
Na verdade, de acordo com o disposto na alínea a) do artigo 168º da referida Diretiva, quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor o IVA devido ou pago nesse Estado-membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo.
A análise do conteúdo da norma em apreço permite concluir que a dedução integral e imediata do imposto constitui a regra geral no que diz respeito às despesas que têm um carácter profissional ou empresarial.
A regra geral da dedução integral e imediata apenas pode ser afastada nos casos em que as despesas não tenham caráter estritamente profissional, como acontece com as despesas sumptuárias, recreativas ou de representação, bem como nos casos em que, por razões conjunturais, os Estados membros podem excluir parcial ou totalmente do regime das deduções alguns ou todos os bens de investimento ou outros bens (artigos 176º e 177º, ambos da Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro).
Este é, de resto, o entendimento que tem vindo a ser seguido pela abundante e pacífica jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, sendo vários os acórdãos que revelam que a dedução do IVA deve ser imediata e integral, desde que os bens e serviços adquiridos sejam utilizados no âmbito da atividade do sujeito passivo.
Entre as diversas decisões assume particular relevância o acórdão de 21 de setembro de 1988, que opôs a República francesa à Comissão das Comunidades , e que, no ponto 15 da respetiva fundamentação jurídica, refere que “as características do imposto sobre o valor acrescentado assim recordadas permitem inferir, tal como o Tribunal salientou no seu acórdão de 14 de fevereiro de 1985 (268/83, Rompelman, Recueil, pág. 655), que o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, elas próprias, sujeitas a IVA.”
Idêntica interpretação é reforçada pelo acórdão de 19 de setembro de 2000 (acórdão AMPAFRANCE) que refere de forma clara que “de acordo com a jurisprudência constante, o direito à dedução previsto nos artigos 17º e seguintes da 6ª Diretiva (atual artigo 168º da Diretiva 2006/112/CE) faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode em princípio ser limitado. Ele exerce-se imediatamente em relação à totalidade do imposto que incidiu nas operações a montante”.
Mesmo nos casos em que a exclusão do direito à dedução é justificada por razões relacionadas com a fraude e evasão fiscais, decorrentes, nomeadamente, dos desvios para consumo privado de despesas que contêm IVA que foi objeto de dedução, como é o caso das despesas com viaturas ligeiras, alojamento, alimentação e deslocações, a verdade é que o Tribunal considerou, no acórdão citado, que “o risco não existe sempre que resulte dos elementos objetivos que as despesas foram utilizadas para fins estritamente profissionais”.
Na verdade, pode ler-se no mesmo acórdão, “uma legislação nacional que exclua do direito à dedução as despesas de alojamento, de receção, de alimentação e de espetáculos sem que seja possível ao sujeito passivo a demonstração da ausência de fraude ou de evasão fiscais a fim de beneficiar da dedução não constitui um meio proporcionado ao objetivo de lutar contra a fraude e a evasão fiscais e afeta excessivamente os objetivos e princípios da Sexta Diretiva”.
Acresce ainda que a aplicação direta das disposições da 6ª Diretiva (atual Diretiva 2006/112/CE) pode ser invocada pelos particulares nos casos em que são suficientemente claras, precisas e incondicionais.
Isso mesmo resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de julho de 1995 (acórdão SOUPERGAZ) , no qual se salienta que ”as disposições do artigo 11º, partes A, nº 1 e B, números 1 e 2 e do artigo 17º, números 1 e 2 indicam, com precisão, as modalidades de determinação da matéria coletável e, respetivamente, as condições de aquisição e o âmbito do direito à dedução. Não deixam aos Estados membros nenhuma margem de apreciação quanto à sua aplicação. Deste modo, preenchem os critérios referidos e conferem, por isso, aos particulares direitos que estes podem invocar perante o juiz nacional para se oporem a uma regulamentação nacional incompatível com elas”.
Nem sequer é relevante sustentar que os Estados membros têm a possibilidade, até à aprovação de legislação comunitária que regule o mecanismo das deduções, de manter as exclusões do direito à dedução previstas na respetiva legislação nacional em 1 de janeiro de 1979 ou na data da adesão à União Europeia (artigo 176º, 2º parágrafo da Diretiva citada).
Ainda que se sustente, na esteira do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 2 de maio de 2019 (Grupa Lotos, C-225/18), que o artigo 21º do Código do IVA resulta da possibilidade de manter as exclusões que já se encontravam previstas no sistema tributário nacional, a verdade é que isso tem que ser interpretado no sentido de que as exclusões do direito à dedução resultam do facto de, mesmo num contexto de atividade profissional ou empresarial, não ter sido possível ao sujeito passivo demonstrar, total ou parcialmente, a utilização profissional ou empresarial dos bens e serviços adquiridos.
Assim sendo, não estará nunca excluído do direito à dedução o IVA contido em despesas que tenham inequivocamente uma utilização profissional ou empresarial, cabendo ao sujeito passivo demonstrar tal finalidade.
Aliás, como anteriormente se referiu, este é o entendimento que resulta do anteprojeto do
Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, edição do Núcleo do IVA, da Direção Geral das Contribuições e Impostos, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984, pág. 225 e seguintes. Na anotação ao artigo 21º do referido anteprojeto consta que …”Sendo certo que toda a mecânica do IVA, destinada a evitar tributações cumulativas dos bens finais, assenta na dedução completa e imediata do imposto suportado nas aquisições, a própria diretiva permite que, em certos casos, possam existir algumas exceções a esse direito. Trata-se do imposto relativo a aquisições de determinados bens ou serviços cujo caráter os torna nada essenciais à atividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares”.
Tudo visto, pode então concluir-se que, ainda que a Diretiva permita a existência de exceções ao exercício do direito à dedução, o legislador português fez uso dessa possibilidade apenas em relação às despesas cuja utilização profissional ou empresarial não é possível demonstrar, pelo que o artigo 21º do Código do IVA não deve ser interpretado literalmente nem aplicado de forma automática, o que significa que deve ser concedida aos sujeitos passivos a possibilidade de demonstrarem que o IVA suportado nas despesas em causa têm uma afetação profissional ou empresarial, sob pena de, não o conseguindo fazer, ficar excluído, total ou parcialmente, o exercício do direito à dedução.
CAAD, 20 de maio de 2021
Paulo Lourenço