Sumário:
Até 01/01/2015, na ausência de estipulação pelo legislador de uma taxa expressa de depreciação e amortização para os aerogeradores, deve admitir-se que a Administração Tributária, ex vi do disposto nas disposições conjugadas do n.º 3 do artigo 31.º do CIRC e do n.º 3 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar 25/2009, fixasse como razoável o prazo de 20 anos, a que correspondia uma taxa de depreciação de 5%, atento o facto de esse ser o período de vida útil estimado de um aerogerador, segundo os seus fabricantes.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. No dia 23 de Dezembro de 2019, A..., S.A. , NIPC..., com sede na ..., ..., ..., ..., Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2012..., da demonstração de acerto de contas n.º 2012 ... e da demonstração de liquidação de juros n.º 2012..., referentes ao ano de 2009, no valor de €62.054,65
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que a taxa de depreciação de 6,67% aplicada aos equipamentos de energia eólica no período de tributação de 2009, encontra-se dentro do intervalo legalmente permitido.
3. No dia 26-12-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 12-02-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 13-03-2020.
7. No dia 01-07-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
8. No dia 27-05-2021, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.
9. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
10. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente é uma sociedade comercial, organizada sob a forma de sociedade anónima, cujo objecto compreende a produção de energia eólica para venda à B... .
2- A Requerente é proprietária e explora o parque eólico da ..., situado na freguesia da ..., concelho de ..., distrito de Faro, constituído por cinco aerogeradores.
3- Os parques eólicos pertencentes à Requerente estão sujeitos a condições climatéricas especialmente adversas, provocadas pela proximidade do mar.
4- O fabricante dos equipamentos apenas garante contratualmente a manutenção integral dos mesmos pelo período máximo de 12 anos.
5- Os aerogeradores estão sujeitos a tarifas de energia calculada de acordo com a tarifa estabelecida pelo Decreto-lei n.º 225/2007 com a rectificação n.º 71/2007, e alterado pelo Decreto-lei n.º 51/2010, de 20 de Maio, que determina que o sistema remuneratório para as energias renováveis apenas está assegurado pelo período de 15 anos.
6- Para efeitos de depreciação e amortização dos aerogeradores, a Requerente entendeu que o período de vida útil esperado corresponderia a 15 anos, devendo os mesmos ser amortizados anualmente à taxa de 6,67%.
7- A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva, de âmbito parcial, em sede de IRC, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI20120..., que incidiu sobre o ano de 2009.
8- Em 14-12-2012, a Requerente foi notificada do relatório de inspeção tributária, no qual a AT procedeu a correcções à matéria colectável pela diferença entre a taxa de amortização utilizada pela Requerente de 6,67% e a taxa de 5%, que se traduziu numa correcção à matéria tributável no valor de €212.599,98.
9- Entendeu a AT que a Requerente inscreveu no seu activo fixo tangível aerogeradores, tendo-os amortizado à taxa de 6,67%, admitindo um período de utilidade esperada de 15 anos, porém de acordo com as informações técnicas que obteve do fornecedor dos equipamentos em causa, a C..., o período de utilidade esperada para os aerogeradores era de 20 anos.
10- Na sequência disso, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2012..., da demonstração de acerto de contas n.º 2012... e da demonstração de liquidação de juros n.º 2012... .
11- Em 06-06-2014, a Requerente apresentou impugnação judicial dos referidos actos de liquidação, que correu termos sob o processo n.º .../13...BELRS junto do Tribunal Tributário de Lisboa.
12- Ao abrigo do disposto no artigo 11.º do DL n.º 81/2018 de 15 de Outubro, a Requerente requereu a extinção da instância, por forma a submeter o pedido arbitral junto do CAAD.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , o “relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
Nos presentes autos de processo arbitral, como sintetiza e bem a Requerida, está em causa a questão atinente à taxa de depreciação a aplicar aos aerogeradores, no período de tributação de 2009.
Conforme decorre dos factos dados como provados, a AT desconsiderou a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 15 anos, aplicada pela Requerente, aos aerogeradores, porquanto entendeu que apenas seria razoável fixar tal período em 20 anos.
A decisão da AT assenta no n.º 3 do artigo 31.º do CIRC e no n.º 3 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, que dispõem, respectivamente:
- “Relativamente aos elementos para que não se encontrem fixadas taxas de
depreciação ou amortização, são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos
sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.”;
- “Relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas, nas tabelas
referidas no n.º 1, taxas de depreciação ou amortização são aceites as que pela
Direcção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o
período de utilidade esperada.”
Entende a Requerente que “a AT não interpretou de forma correcta o disposto no n.º 2 do artigo 30.º do Código do IRC, tendo ao invés, determinado a aplicação ao caso concreto de um critério que viola a interpretação para efeitos fiscais que deve ser feito dos critérios de «razoabilidade» e de “utilidade esperada””, já que, no caso, importava reflectir sobre os seguintes aspectos adicionais: as características dos equipamentos instalados (uma vez que os parques eólicos pertencentes à Requerente estão sujeitos a condições climatéricas especialmente adversas, provocadas pela proximidade do mar), a garantia prestada pelo fornecedor dos equipamentos (dado que o fabricante dos equipamentos apenas aceita garantir contratualmente a manutenção integral dos mesmos pelo período máximo de 12 anos) e a garantia tarifária e prazos de financiamento (já que o sistema remuneratório para as energias renováveis apenas está assegurado pelo período de 15 anos).
Por sua vez, sustenta a AT que caberia à Requerente, nos termos do artigo 74.º da LGT, provar que o critério utilizado pela Requerida, nos limites da discricionariedade técnica que lhe é conferida, não foi razoável – o que não logrou fazer.
Mais refere a AT que agiu em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 30.º do CIRC e n.º 3 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, uma vez que a taxa de 5% resultou da consulta prévia ao fornecedor dos aerogeradores – a C...– e de outras fontes especializadas que informaram que o tempo de vida útil estimado para os aerogeradores era de 20 anos e que, “a única relação à adopção do período de vida útil equipamentos ser de 15 anos foi a referência ao regime de tarifa subsidiada estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 225/2007 e alterado pelo Decreto-Lei n.º 51/2010”.
Vejamos:
O n.º 3 do artigo 31.º do CIRC e o n.º 3 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, conferem à AT uma discricionariedade técnica, pelo que o Tribunal apenas poderá “sindicar as zonas de vinculação adjacentes ao exercício da referida discricionariedade técnica, demonstrando que a AT adoptou um procedimento gritantemente, grosseiramente, incorrecto, a ponto de não deixar dúvidas quanto a poder ferir de ilegalidade o exercício do poder discricionário – a ponto de permitir que, com base num juízo não-técnico, fosse evidente a anti-juridicidade dos resultados da actuação da AT.” .
No caso, não só o juízo subjacente às normas em questão tem, de facto, uma natureza eminentemente técnica, como, para além disso, as referidas normas remetem para um juízo de razoabilidade especificamente deferido à AT, utilizando a expressão “são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis”, não se tendo, por isso dúvidas que se está no domínio dos poderes discricionários da Administração, que, para além do mais, por força do princípio da separação de poderes, haverá que ser respeitado, como de resto continua a ser reconhecido por jurisprudência recente , sendo que a matéria a que se reportam os referidos poderes discricionários são de natureza eminentemente técnica.
Conclui-se, assim, sem dúvidas, que o legislador deferiu uma margem de liberdade à AT, ao utilizar a expressão atrás transcrita, pelo que sendo sindicável a decisão da AT, o é, unicamente, dentro dos limites que respeitem a margem de livre apreciação legitimamente deferida pelo legislador à AT.
Não obstante, no caso, julga-se, à partida, que o que acontece é que o poder discricionário foi, em face da lei, incorrectamente exercido, o que se procurará demonstrar por duas vias.
Senão vejamos.
Embora, in casu, se esteja no campo da discricionariedade técnica, serão aplicáveis, directamente, as considerações tecidas no Acórdão do STA de 27-11-2013, proferido no processo 01159/095 , a propósito da aplicação de conceitos indeterminados, entendendo-se que: “Desse modo, deparando-se com conceitos indeterminados, cabe ao órgão decisor, desde logo, apreender-lhes o sentido e alcance através de operação interpretativa da norma em que se inserem, pois a lei há-de fornecer, em larga medida, um padrão suficientemente claro para a sua interpretação. Operação interpretativa que, sendo vinculada, também cabe ao tribunal sindicar. Nessa medida, e como bem observa ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA (In “Conceitos Indeterminados no Direito Administrativo”, Almedina, 1994, p. 18 e 60.), os “conceitos jurídicos indeterminados" possuem peculiaridades no âmbito do Direito Administrativo, já que aí o juiz tem a função de fiscalizar se a administração deu a correta interpretação e aplicação a esses conceitos. A interpretação e aplicação de conceitos jurídicos indeterminados pela administração constitui, portanto, uma actividade estritamente vinculada à lei. Admitir qualquer margem de apreciação a favor da Administração «significaria alargar o campo da discricionariedade ao Tatbestand legal e com isso se estaria a aplicar um grave golpe nas garantias do cidadão que o Estado de Direito não admite».”.
Ou seja: a norma que confere os poderes de discricionariedade técnica à AT, não deixa de ser uma norma jurídica, carente de, antes da sua aplicação (onde a discricionariedade é exercida), ser interpretada, interpretação esta que é, naturalmente, jurisdicionalmente sindicável.
Não se trata aqui, assim, de transpor para o domínio da discricionariedade técnica, o especial dever de fundamentação que assiste à Administração quando aplica conceitos indeterminados, mas antes de afirmar, tal como acontece com as normas que contêm estes, que relativamente às normas que conferem aquela é necessário “apreender-lhes o sentido e alcance através de operação interpretativa da norma em que se inserem, pois a lei há-de fornecer, em larga medida, um padrão suficientemente claro para a sua interpretação. Operação interpretativa que, sendo vinculada, também cabe ao tribunal sindicar.”.
Dito de outro modo, a norma que confere poderes discricionários à Administração carece ela própria de interpretação, desde logo no sentido de determinar quais os concretos poderes que àquela são conferidos – no fundo, qual a tarefa que o legislador pretende que seja confiada à discricionariedade da Administração – sendo que tal operação hermenêutica, como não pode deixar de ser, é jurisdicionalmente sindicável.
Assim, desde logo, e no caso, afigura-se que a interpretação que a AT fez das normas jurídicas em questão, acima indicadas, não é a correcta, tendo a AT determinado, erradamente, qual a tarefa que nos termos daquela, lhe cabia.
Com efeito, a AT, conforme resulta da matéria de facto apurada, limitou-se a indicar um valor correspondente ao número de anos que entende razoável para a amortização dos equipamentos em causa.
Ora, ressalvado o respeito devido a melhor opinião, não é esse o sentido das normas aplicadas.
Efectivamente, quer uma quer outra das normas, referem-se a situações em que, para um determinado elemento, não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização, dispondo que, nesse caso, são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis.
Neste contexto, a utilização do plural não pode deixar de ser significativa, e o significado não deverá deixar de ser o de que à AT não cumpre fixar uma taxa de depreciação única como sendo a razoável, mas, antes, a de fixar um intervalo de taxas que sejam consideradas razoáveis.
É que, no labor hermenêutico a operar, não se pode deixar de notar que as normas em questão não prescrevem que a AT se substitua ao legislador na indicação de uma percentagem, análoga às fixadas na tabela que é omissa relativamente ao elemento a amortizar, mas na indicação das taxas de depreciação ou amortização que sejam razoáveis.
Assim, as taxas de depreciação ou amortização aceitáveis, no sistema vigente, estão compreendidas dentro de um intervalo decorrente entre o período mínimo e máximo de vida útil de um bem, tal como definido no artigo 3.º n.º 2 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro.
Daí que, estando em causa o suprimento de omissões da tabela anexa ao referido D.R., deverá a AT proceder nos mesmos termos, fixando, não uma taxa de amortização ou depreciação fixa, em função de um conceito de “vida útil esperada”, preenchido por um juízo de “valor médio de utilidade esperada”, mas, tal como decorre do regime daquele mesmo D.R. e tabela anexa, um intervalo de taxas de depreciação ou amortização razoáveis, compreendido entre um período de vida mínima razoável e um período de vida máxima razoável (tendencialmente equivalente ao dobro do período de vida mínima) tal como, para os elementos constantes da referida tabela, ocorre, sendo, precisamente, esse, o sentido da utilização do plural da palavra “taxa”, e respectivas concordâncias, nas normas dos artigos 31.º n.º 3 do CIRC e 5.° n.º 3 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro.
De outro modo, ou seja, ao entender-se que a AT poderia, em cada caso concreto onde fosse chamada a pronunciar-se, fixar para um mesmo tipo de elemento do activo, uma taxa de amortização concreta, e, consequentemente, um período de vida útil único, em função do que, nesse caso concreto, se lhe afigurasse razoável, cair-se-ia numa inaceitável falta de generalidade nas decisões da Administração, remetendo-se para um "casuísmo" que é precisamente o contrário daquilo que o sistema jurídico impõe que aconteça no preenchimento de lacunas legais através do exercício de poder discricionário.
Os valores da segurança e da justiça reclamam que, quando à Administração é legalmente cometido o poder discricionário de preencher lacunas da própria lei, a Administração deva agir no mesmo plano de abstracção e generalidade que presidem idealmente à fixação dos critérios legais, quando estes existem.
No caso das normas em apreço, quando a lei alude a que "são aceites", não pode pois deixar de referir-se à admissibilidade de um intervalo de taxas, que passam a vigorar para um
universo de equipamentos omissos, tenham eles sido já, ou não, objecto de amortização ou depreciação, de liquidação de imposto ou de litígio com a própria Administração.
A Administração tem, despertada ou não pela iniciativa declarativa de algum contribuinte, que tentar apurar, com imparcialidade, com generalidade, abstracção e congruência, as taxas que passam a ser as "aceites" para aquele caso e para todos os outros. A não ser assim, as próprias garantias que, para os contribuintes, resultam da imparcialidade e da generalidade seriam colocadas em causa: um contribuinte veria a sua taxa de 5% ser ou não aceite – mas outro contribuinte, com o mesmo tipo de equipamento, poderia ver "aceite" uma taxa de 3 ou 7%.
Por outro lado, apenas a fixação de um conjunto de taxas razoáveis, correspondentes ao intervalo de vida útil mínima e máxima de um elemento do activo omisso, fixado de um ponto de vista da generalidade e da abstracção, permite evitar que um contribuinte com equipamento análogo a outro a que a AT tivesse fixado uma determinada taxa precisa de depreciação ou amortização, mas que o utilizasse em circunstâncias diversas, influentes do respectivo período de vida útil, não fique irremediavelmente prejudicado, pelas circunstâncias valoradas pela AT, próprias do primeiro caso que apreciasse.
Deste modo, ao que se crê o entendimento ora sustentado, não só não vai contra os princípios da segurança, da igualdade e da generalidade jurídicas, nem contra o dever genérico de imparcialidade que impende sobre a Administração, como, pelo contrário, será imposto por, e uma concretização, daqueles.
Assim, apenas "aceites" taxas de depreciação correspondentes a um período de vida útil mínimo e máximo, pela AT, e passando as mesmas a vigorar para todos os casos similares, nos termos expressos do regime legal, fica preenchida a lacuna e a taxa em vigor deixa de ser a taxa "da AT" para ser a taxa da própria Lei. Só dessa forma, julga-se, se dá execução ao comando legal de fixar “taxas” (no plural) de amortização ou depreciação, não se concebendo como é que a fixação de uma taxa de depreciação única poderá corresponder à intenção legislativa, quando, justamente, não é esse o modus operandi do legislador ao tratar a mesma matéria, por um lado, e o comando legislativo é claro ao prescrever a aceitação de “taxas” razoáveis, por outro.
De resto, esta interpretação sempre seria imposta pelo princípio da igualdade, na medida em que justificação material alguma existe para que os contribuintes possam utilizar taxas de depreciação compreendidas entre o período mínimo e máximo de vida útil dos bens, no caso de os mesmos constarem da tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, e de apenas poderem utilizar uma taxa única (precisamente, a considerada razoável pela AT), no caso de não constarem.
E note-se que, tal como no caso dos elementos integrantes da tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, não há qualquer dificuldade com o intervalo de taxas de amortização ou depreciação resultante da conjugação da tabela com o regime de tal decreto, nos casos omissos, de fixação pela AT do intervalo de taxas razoáveis admissíveis, também seguramente não haverá.
Efectivamente, o procedimento subsequentemente será precisamente o mesmo, ou seja, dentro do intervalo fixado, seja pela conjugação do regime do DR e respectiva tabela anexa, seja pela AT, o contribuinte escolherá a taxa mais adequada à sua situação concreta, sem que haja, numa como noutra situação, quaisquer melindres, casuísmo ou arbítrio, ou, para quem assim não entenda, havendo precisamente os mesmos em ambas as situações.
Daí que, ao indicar, nos termos dos artigos 31.º n.º 3 do CIRC e 5.º n.º 3 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, uma única taxa de amortização, correspondente a um período de vida útil fixo, a AT incorreu em errada aplicação daqueles normativos e, consequentemente, a um errado exercício do poder de discricionariedade técnica que eles lhe deferem.
Estando-se aqui a sindicar uma ilegalidade prévia ao exercício do poder discricionário que as normas em questão deferem à AT, naturalmente que não se está a entrar na matéria da substância do exercício de tal poder, não se discutindo, portanto, o acerto técnico da solução a que discricionariamente chegou, na medida em que o que se conclui é que a solução a que chegou não era aquela que os comandos normativos que lhe conferem o poder discricionário prescreviam que produzisse.
Não se fica por aqui, todavia, a incorrecta intervenção da AT no caso dos autos. Com efeito, a situação em causa não é uma em que um contribuinte, confrontado com a ausência de um bem na tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, solicita à AT a indicação de taxas de depreciação ou amortização que considere razoáveis.
Antes, no caso, a Requerente, nos termos legais, apresentou a sua declaração fiscal , possuindo a sua contabilidade devidamente organizada, e a AT pretendeu proceder, e procedeu, a correcções àquela, sendo um caso em que “É à AT que cabe a obrigação da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável)” .
Ou seja, confrontada com a declaração da Requerente, à AT, cumpria, em primeira linha, demonstrar que aquela estava errada, decorrendo tal ónus não das normas dos n.ºs 3 do artigo 31.º do CIRC e 3 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, mas do artigo 74.º n.º 1 da LGT, conjugado com o artigo 75.º n.º 1 da mesma Lei .
Ora, ressalvado o respeito devido a outras opiniões, demonstrar que a taxa de depreciação utilizada pela Requerente, correspondente a um período de vida útil de 16 anos, estava incorrecta – i.e. não era “razoável” – não é o mesmo que demonstrar que a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 20 ou 25 anos, é correcta – i.e. “razoável” – que foi o que a AT fez.
Dito de outro modo, a circunstância de a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 20 anos, ser razoável, nada diz sobre a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 15 anos, ser, ou não, razoável .
Assim, sendo, como se referiu, ónus da AT demonstrar a verificação dos pressupostos da legalidade da sua actuação, e fazendo parte de tais pressupostos a incorrecção do declarado pela Requerente, conclui-se que a AT não demostrou cabalmente tais pressupostos, já que, em lugar de demonstrar que a taxa de depreciação ou amortização subjacente ao declarado pela Requerente não era razoável, limitou-se a demonstrar que a taxa de depreciação ou amortização correspondente a um período de vida útil período de 20 anos era razoável, de onde não decorre, de forma nem necessária nem directa, que a taxa de depreciação ou amortização correspondente a um período de vida útil de 15 anos, utilizada pela Requerente, não era, também ela, razoável.
Não obstante, os tribunais em geral, e também os tribunais arbitrais, julga-se, estão vinculados ao dever de ter “em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.” (art.º 8.º/3 do Código Civil).
Por outro lado, e nos termos do art.º 25.º/2 do RJAT, “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.”
Daí que uma decisão, na matéria sub iudice, que vá contra a jurisprudência firmada pelo STA na matéria, verificando-se, como se verifica, identidade fundamental dos factos e do direito a aplicar a este, entre o presente caso, e os já julgados quer pelo STA, quer pelos Tribunais Centrais Administrativos, seria, não só susceptível de recurso nos termos do referido art.º 25.º/2 do RJAT, como, com um elevado grau de probabilidade, passível de ser revogada por aquele Alto Tribunal.
Assim, e em suma, não se crê que tivesse qualquer utilidade, pelo contrário (daria azo a tramitação processual adicional inútil e desnecessária), este Tribunal concluir de outra forma, que não a fixada recentemente pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STA de 09-12-2020, proferido no processo n.º 040/20.3BALSB , nos termos da qual “Não estava em causa uma divergência sobre critérios técnicos, porque o sujeito passivo não contestou que o prazo de 20 anos fosse desadequado em face da vida útil do aerogerador, ele contesta, isso sim, que um tal prazo é desajustado do seu project finance”, e que “nessa medida, tem razão a AT ao rejeitar o prazo adoptado pelo sujeito passivo, por o mesmo, mais do que desrazoável, estar fundado num critério desadequado face àquele que é imposto pelo artigo 5.º (e mais do que isso, por todo o regime jurídico daquele diploma) do Decreto Regulamentar n.º 25/2009.” Concluindo, portanto, que “a AT não tinha que se pronunciar sobre a razoabilidade do prazo do sujeito passivo por este não se fundar naquele critério de base contabilística, bastando, por isso, impor o prazo fixado à luz daquele critério, afastando o critério desadequado (e prazo dele decorrente) que havia sido adoptado pelo sujeito passivo.” e fixando jurisprudência no sentido de que “até 01/01/2015, na ausência de estipulação pelo legislador de uma taxa expressa de depreciação e amortização para os aerogeradores, deve admitir-se que a Administração Tributária, ex vi do disposto nas disposições conjugadas do n.º 3 do artigo 31.º do CIRC e do n.º 3 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar 25/2009, fixasse como razoável o prazo de 20 anos, a que correspondia uma taxa de depreciação de 5%, atento o facto de esse ser o período de vida útil estimado de um aerogerador, segundo os seus fabricantes”.
Conforme decorre, expressamente, das declarações de voto de vencido, o STA terá ponderado, integralmente todos os argumentos acima expostos, designadamente no que diz respeito à ilegalidade da actuação da AT por violação das normas relativas ao ónus da prova e por incorrecta utilização do poder discricionário que lhe assistia, ao fixar uma taxa única de amortização aceitável, em lugar de fixar um intervalo de taxas, tido por razoável.
Assim, não obstante a fundamentação do aresto em causa não dar resposta às objecções que são suscitadas pelas declarações de voto de vencido, evidenciando-se, pela existência dos mesmos, que tais objecções integraram o conteúdo da deliberação vencedora, não se poderá concluir de outra forma que não a de que qualquer decisão que, assentando naqueles fundamentos, concluísse de forma distinta da subscrita maioritariamente pelo STA, incorreria em oposição com o decidido por aquele alto Tribunal.
Deste modo, decidindo-se em consonância com a jurisprudência fixada no supra citado acórdão, haverá que concluir pela legalidade da actuação da AT, e pela consequente improcedência do pedido arbitral, incluindo os pedidos acessórios formulados.
*
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedentes os pedidos arbitrais formulados e, em consequência, manter os actos tributários objecto da presente acção arbitral e condenar a Requerente nas custas do processo, abaixo fixadas.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €62.054,65, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 28 de Julho de 2021
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Álvaro Caneira)
O Árbitro Vogal
(30 de Julho de 2019)
(Victor Calvete)