DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. André Festas da Silva e Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-05-2021, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A, contribuinte fiscal n.º..., com sede na ..., nº..., ..., ...-... Lisboa (em diante abreviadamente designada “Requerente”), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado (acto imediato do presente pedido arbitral) e a ordenar a anulação parcial das seguintes liquidações de IMI:
Ano de imposto de 2016
Liquidações de IMI n.ºs 2016..., 2016... e 2016 2016... de 04-03-2017;
Ano de imposto de 2017
Liquidações de IMI n.ºs 2017..., 2017... e 2017..., de 08-03-2018
A Requerente pede ainda o reembolso do imposto a considera indevidamente pago (€ 78.374,26) acrescido de juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 20-01-2021.
Em 03-05-2021, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 21-05-2021.
A AT apresentou resposta em que suscitou as excepções caducidade do direito de acção, da inimpugnabilidade dos actos de liquidação com fundamento em vícios da fixação de valores patrimoniais tributários e da incompetência do Tribunal Arbitral para se pronunciar sobre vícios do valor patrimonial tributário.
Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 30-06-2021 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, prosseguindo o processo com possibilidade de a Requerente responder às excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Requerente pronunciou-se sobre as excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, defendendo que devem ser julgadas improcedentes.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
A. Em 31-12-2016 e em 31-12-2017, a Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ... sob os artigos matriciais ..., ... e ... (em diante abreviadamente designado de “Terrenos para Construção”) (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
B. A Requerente foi notificada das Liquidações de IMI n.ºs 2016..., 2016... e 2016 2016..., de 04-03-2017, relativas ao ano de imposto de 2016 no valor global de € 75.546,41 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
C. A Requerente foi notificada das Liquidações de IMI n.ºs 2017..., 2017... e 2017..., de 08-03-2018, relativas ao ano de imposto de 2017 no valor global de € 76.113,01 (posteriormente corrigido para € 59.228,37) (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
D. Os referidos valores globais do IMI liquidado em 2017 por referência ao ano de imposto de 2016 (€ 75.546,41) e valor global do IMI liquidado em 2018 por referência ao ano de imposto de 2017 (€ 59.228,37) dizem exclusivamente respeito aos Terrenos para Construção e resultam da aplicação de uma taxa de IMI de 0,324% sobre os valores patrimoniais tributários (“VPTs”) fixados, pela AT, para os referidos prédios por referência a 31-12-2016 e 31-12-2017, nos termos dos quadros que seguem:
E. A Requerente procedeu ao pagamento integral das Liquidações referidas (documento n.º 2);
F. Na determinação dos VPTs dos Terrenos para Construção por referência a 31-12-2016 e que serviram de base às liquidações emitidas por referência ao ano de imposto de 2016, a AT aplicou um coeficiente de localização de 1,9, nos termos que seguem:
G.
H. No que diz respeito à determinação dos VPTs por referência a 31-12-2017 e que serviram de base às liquidações de IMI emitidas por referência ao ano de imposto de 2017, a AT aplicou os seguintes coeficientes:
(i) na avaliação do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo matricial ..., a AT aplicou um coeficiente de localização de 1,9; e,
(ii) na avaliação dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ... sob os artigos matriciais ... e ..., a AT aplicou um coeficiente de afetação de 1,2 e um coeficiente de localização de 1,7 nas parcelas dos terrenos com edificação prevista ou autorizada para comércio e um coeficiente de localização de 1,9 nas parcelas dos terrenos com edificação prevista ou autorizada para habitação;
I. Na determinação do VPT do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial..., por referência a 31-12-2017, a AT aplicou indevidamente um coeficiente de localização de 1,9, nos termos seguintes:
J. No que diz respeito às avaliações dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana sob os artigos matriciais ... e ..., por referência a 31.12.2017, a AT aplicou um coeficiente de afetação de 1,2 e um coeficiente de localização de 1,7 nas parcelas dos terrenos com edificação prevista ou autorizada para comércio e um coeficiente de localização de 1,9 nas parcelas dos terrenos com edificação prevista ou autorizada para habitação, nos termos que seguem:
K. Na fórmula de cálculo do VPT utilizada pela AT para efeitos de fixação dos VPTs em 31-12-2016 e em 31-12-2017 aplicou a majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI;
L. A Requerente apresentou, no dia 04-03-2020, um pedido de revisão oficiosa das liquidações referidas (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
M. Em 24-08-2020, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado para, querendo, exercer o seu direito de audiência prévia no prazo de 15 dias (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
N. O referido projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa foi convertido em decisão definitiva de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a qual foi notificada à Requerente no dia 19-10.2020 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
O. No referido projeto de decisão de refere-se, em que se refere, além do mais o seguinte:
Como ponto prévio, vem a requerente solicitar que lhe seja admitida a cumulação do pedido de revisão oficiosa do ano de 2016 e do ano de 2017, uma vez que esses pedidos se enquadram nos requisitos previstos no artigo 71 º do CPPT: respeitam ao mesmo tributo, os fundamentos invocados são os mesmos e o órgão de decisão é o mesmo.
Vem contestar que nas avaliações efetuadas aos seus terrenos, a AT aplicou uma fórmula de cálculo (artº 38º do CIMI) ilegal porque foram considerados indevidamente os coeficientes multiplicadores do VTP, o coeficiente de localização e afetação, para além da majoração constante do nº 1 do artigo 39º do Código do IMI.
Concretamente, argumenta que não deveria ter sido aplicado o coeficiente de localização de 1,9, nem, por outro lado, deveria ter sido utilizada a majoração do nº1 do art.º 39 do CIMI. (25% de 482.40) porque aquela majoração é apenas aplicável aos prédios edificados e não aos terrenos para construção.
Alega que a AT aplicou indevidamente o coeficiente de afetação de 1,2 e o coeficiente de localização de 1,7 nas parcelas de terreno com edificação autorizada para comércio e o coeficiente de localização de 1,9 no terreno previsto para habitação.
Tais erros da aplicação do direito, exclusivamente imputáveis à AT, (constituindo uma situação de injustiça grave ou notória) inquinam de ilegalidade e determinam a anulabilidade das liquidações contestadas.
Isto é, a aplicação dos coeficientes incluídos na fórmula do art.º 38º do CIMI aos terrenos para construção é manifestamente ilegal porque os coeficientes de afetação, de localização, qualidade e conforto e o de vetustez são aplicáveis a prédios edificados, não existindo qualquer remissão especifica no artigo 45º para o artigo 38º, ao contrário do que consta do art.º 46º que regula a avaliação dos prédios tipo "Outros".
Deste modo, a AT não deveria ter aplicado a fórmula geral contida naquele art º 38º, nomeadamente os coeficientes de afetação e de localização na avaliação dos terrenos para construção, de que resultou erro na quantificação do VPT dos seus terrenos, originando um excesso de coleta de IMI, provocando a apresentação do presente pedido de revisão, com o motivo, também, de injustiça grave ou notória
Aliás, argui a requerente, os tribunais superiores têm vindo a decidir que é ilegal a aplicação dos coeficientes de qualidade e conforto, de afetação e de localização às avaliações dos terrenos para construção, existindo já dois acórdãos de uniformização de jurisprudência.
Solícita, assim, a final, a anulação das liquidações de IMI dos anos de 2016 e 2017 referentes aos artigos ..., ... e ... supra referidos, devendo ser reembolsada do valor do IMI pago em excesso relativamente aos citados anos, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.
FACTOS
1 - Em 25.11.2014 a requerente adquiriu os terrenos para construção inscritos na matriz sob os artigos..., ... e ..., encontrando-se os mesmos já avaliados nos termos do Código do IMI pelos seguintes valores patrimoniais tributários (VPT):
Artigo ... - € 4.976 370,00 Artigo ...-€10.134.430.00 Artigo ...-€7.692.910,00
2 - 27.12.2017 apresentou Mod. 1 de IMI para os três terrenos, com o Motivo: Pedido de Avaliação: VPT DESATUALIZADO. ao abrigo da al. a) do nº 3 do art º 130ºdoCIMI, donde resultaram os seguintes VPTs:
Artigo ...- € 3.932.120,00 Artigo ... - € 8.147.760,00 Artigo ... - € 6.200.480,00
3-Em 31.12.2018 apresenta novos Pedidos de Avaliação- RETIFICAÇÃO DE ÁREAS nos termos da al. n) do nº 3 do art.º 130º do CIMI para os artigos ... e ... e MUDANÇA DE AFETAÇÃO do prédio para o art.º..., tendo os VPTs sido alterados para:
Artigo ...-€4.027.120,00 Artigo ... - € 8.147.760,00 Artigo ... - € 6.199.580,00
4 - Destes valores, em 16.04.2019, requer 2ª AVALIAÇÃO, tendo sido atribuído, com o voto contra do louvado da parte, a advogada B..., os novos VPT's:
Artigo ... - € 4.044.320,00 Artigo ...-€8.167.880,00 Artigo ...-€6.223.680,00
5 - Segundo informação da requerente, em outubro de 2019 do resultado daquelas 2"s avaliações deduziu pedido de constituição do Tribunal Arbitral, encontrando-se os respetivos Processos nºs 697/2019-T e 698/2019-T ainda pendentes de decisão.
APRECIAÇÃO
De harmonia com o previsto no art.º 78º da LGT, a revisão oficiosa constitui uma garantia dos contribuintes, consubstanciando-se num meio administrativo de correção de atos de liquidação de tributos, visando a anulação total ou parcial de um ato que já produziu efeitos na ordem jurídica, com fundamento em qualquer ilegalidade (nº 1, 1a parte), erro imputável aos serviços (nº1, 2ª parte), injustiça grave ou notória (nº4), ou duplicação de coleta (nº 6).
No presente pedido de revisão, a requerente vem pedir a anulação das liquidações de IMI nºs 2016..., 2016 ... e 2016 ..., no valor global de €75.546,41 e nºs2017 ..., 2017...e 2017..., por considerar que houve erro imputável aos serviços já que as mesmas resultaram da aplicação ilegal, à avaliação dos seus terrenos para construção, da fórmula de cálculo contida no art.º 38º do CIMI.
Isto é, porque, ao contrário do que sucede no artigo 46º do CIMI o qual regula a avaliação dos prédios tipo "Outros", no citado artigo 45º não existe uma remissão expressa para a fórmula geral constante do art.º 38º do CIMI.
Ou seja, defende a requerente que a utilização na avaliação dos terrenos para construção da fórmula Vt=Vcx [(Abc Ab+Abx0,3)xCajx%Ai+Acx0,025+Adx0,005J] xCaxClxCq, do artigo 38º do CIMI é abusiva e ilegal, ainda mais porque a mesma se aplica a prédios já edificados, na qual são individualmente considerados, designadamente, os coeficientes de afetação, localização, qualidade e conforto e o de vetustez.
Vejamos então a justificação elaborada pela Comissão de Avaliação (CA) em sede de 2a avaliação:
«A avaliação decorreu nos termos do CIMI. A CA decidiu apreciar os elementos do processo de finanças nomeadamente o alvará de loteamento n.º ALV/.../08/DMU onde constam áreas por Lote e áreas construtivas por afetação de uso.
A CA, decidiu por maioria, considerar na determinação do VTP o critério definido no CIMI, que: A determinação VPT de terrenos para construção segue o previsto no art 45º do CIMI; Trata-se de um lote de terreno destinado à edificações com diferentes afetações, pelo que o valor patrimonial tributário (Vt) corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários (Vt's) das diferentes afetações; O Coeficiente de localização (Cl) é em função da afetação; A área de aparcamento foi atribuída na mesma proporção das diferentes áreas afetadas; Vc - Valor base dos prédios edificados em 2018, é de €603 (Portaria 379/2017, 19/12).O Louvado da Parte, discorda dos argumentos dos peritos de finanças».
O valor de um terreno para construção corresponde essencialmente a uma expetativa jurídica consubstanciada no direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e valor.
É essa expetativa que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno logo que esse terreno é classificado para construção.
Por isso mesmo é que o valor dos terrenos para construção é tanto maior quanto maior for o valor dos prédios a construir.
É um facto notório que, embora nos terrenos para construção ainda não esteja construído qualquer prédio, a mera existência do direito de nele se vir a construir faz aumentar, de imediato, o seu valor.
Foi nesta perspetiva que o legislador concebeu o modelo de avaliação dos terrenos para construção.
Ora, "não existe erro de facto na avaliação, se o resultado final constante da respetiva ficha de avaliação resulta de equação elaborada com base em normas legais e de acordo com os valores apurados pela Comissão de Avaliação, não impugnados pelo contribuinte.": Acórdão do STA — Procº 01191/09.
Não existindo erro na avaliação, a AT não incorreu numa situação de injustiça grave ou notória, prevista no nº 4 do art.º 78º da LGT
Assim, à luz do princípio da legalidade a que está subordinada na sua atuação, a AT não pode deixar de aplicar a lei e cumpri-la, que foi o que sucedeu na avaliação dos terrenos para construção aqui em análise.
CONCLUSÃO
Deste modo, verificando-se que não ocorreu qualquer erro ou ilegalidade nos termos definidos nos nºs 1 e 4 do artigo 78º da LGT, uma vez que as liquidações contestadas foram realizadas de harmonia com a legislação vigente à data dos factos, deverá ser indeferido o presente pedido de revisão oficiosa, com todas as consequências legais
P. A notificação à Requerente da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa foi efectuada nos seguintes termos:
Q. A notificação da decisão do pedido de ver foi notificada à Requerente através de carta registada simples (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
R. Em 18-01-2021, a Requerente apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
3. Questão da incompetência material
As questões de incompetência são de conhecimento prioritário, nos termos do artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que
– os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apenas são competentes para apreciar ilegalidades de actos de liquidação e de actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, que podem ser objecto de impugnação judicial;
– a Requerente vem impugnar, não o acto de liquidação, mas a fórmula de cálculo do valor patrimonial tributário, a qual não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
A Requerente defende que os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes para conhecer de um pedido arbitral apresentado contra uma decisão de indeferimento expresso de um pedido de revisão oficiosa apresentado nos termos do artigo 78.º, n.ºs 1, 4 e 5 da LGT, como tem sido decidido em decisões arbitrais.
A posição da Autoridade Tributária e Aduaneira, restringindo a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD à apreciação da legalidade de actos de liquidação e de actos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação [prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT], não tem qualquer fundamento legal, pois a alínea b) do mesmo artigo estende essas competências à apreciação de actos de outro tipo, inclusivamente «a declaração de ilegalidade ... de actos de fixação de valores patrimoniais».
Por outro lado, no caso em apreço, a Requerente pede a anulação parcial das liquidações de IMI que é matéria incluída na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
Por isso, quer tanto a apreciação da legalidade das liquidações como a da legalidade de actos de fixação de valores patrimoniais se inserem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
Para além disso, no que concerne à forma processual adequada à apreciação de uma decisão de revisão que tem por objecto um acto de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória é a impugnação judicial, nos termos dos artigos arts. 78.º, n.º 3, da LGT e 97.º, n.º 1, alínea b), do CPPT, como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 13-10-2010, processo n.º 0455/10, pelo que também a restrição do campo de aplicação da jurisdição arbitral aos casos em que é aplicável o processo de impugnação judicial não afasta a competência.
Por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes, à face das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, quer para apreciar a legalidade das liquidações de IMI quer dos actos de fixação de valores patrimoniais que lhes estão subjacentes.
Improcede, assim, a excepção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
4. Excepção da caducidade
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende a caducidade do pedido de pronúncia arbitral por a carta com a decisão do pedido de revisão oficiosa ter sido entregue à Requerente em 15-10-2020 e o pedido de constituição do tribunal arbitral ter sido apresentado em 18-01-2021, para além do prazo de 90 dias indicado no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, que estabelece o seguinte:
1 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:
a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;
De harmonia com o preceituado no artigo 39.º, n.º 1 do CPPT, «as notificações efetuadas nos termos do n.º 3 do artigo 38.º presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil».
As notificações referidas no n.º 3 do artigo 38.º do CPPT são as efectuadas através de carta registada sem aviso de recepção, como sucedeu no caso em apreço.
Por outro lado, o n.º 2 do mesmo artigo 39.º estabelece que «a presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida».
Destas normas decorre que apenas é ilidível a presunção quando a notificação ocorrer em data posterior à presumida, e não quando ocorrer antes desta.
Tendo a carta com a notificação sido expedida em 14-10-2020 (quarta-feira), presume-se recebida em 19-10-2020, primeiro dia útil subsequente ao dia 17-10-2020 (sábado) que é o terceiro posterior ao registo.
Assim, o prazo de 90 dias a contar da data em que se presume feita a notificação terminaria em 17-01-2021.
Mas, como este dia 17-01-2021 é domingo, o prazo transfere-se para o primeiro dia útil subsequente, por força do preceituado no artigo 20.º, n.º1, do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
Por isso, o pedido de constituição do tribunal arbitral podia ser apresentado até 18-01-2021, data em que efectivamente foi apresentado.
Por isso, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado tempestivamente.
Assim, improcede a excepção da caducidade.
5. Matéria de direito
Na sequência de pedido de revisão, são impugnadas neste processo liquidações de IMI, com fundamento em erros de actos de avaliação de valores patrimoniais, pedindo a Requerente a sua anulação com fundamento em ilegalidade e, subsidiariamente, com fundamento em injustiça grave e notória.
No regime de revisão dos actos tributários, que consta do artigo 78.º da LGT, prevêem-se quatro situações essenciais em que é admitida a revisão:
– por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 78.º, n.º 1, 1.ª parte);
– por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte);
– revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte (artigo 78.º, n.º 3);
– por motivo de duplicação de colecta, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos (artigo 78.º, n.º 6).
Nos dois primeiros casos, a eventual anulação das liquidações de IMI decorrerá de vícios próprios e no terceiro é corolário da anulação da revisão da matéria tributável, de que as liquidações de IMI são actos consequentes, por terem por pressuposto a matéria tributável.
Em qualquer caso, a revisão por iniciativa da administração tributária (dita oficiosa), tanto da liquidação como da matéria tributável, é admitida também a pedido do contribuinte, como se conclui do teor expresso do n.º 7 do artigo 78.º ou referir que «interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização».
No caso em apreço, a Requerente, na linha do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de e 31-10-2019, proferido no processo n.º 2765/12.8BELRS, entende que a impugnabilidade autónoma de actos de avaliação não afasta a possibilidade de revisão oficiosa, com fundamento em ilegalidade (ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º) ou, subsidiariamente, com fundamento em injustiça grave e notória (ao abrigo dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º).
Assim, a Requerente imputou no pedido de revisão oficiosa, em primeira linha, vícios às liquidações de IMI e defendeu que se verificavam os pressupostos da revisão por iniciativa da Autoridade Tributária e Aduaneira, previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
Subsidiariamente, a Requerente defendeu no pedido de revisão oficiosa que se verificam os pressupostos legais da revisão com fundamento em injustiça grave ou notória, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT.
São estes pedidos que, na sequência do indeferimento do pedido de revisão, são apresentados a este Tribunal Arbitral.
5.1. Questão da possibilidade de impugnar liquidações de IMI com fundamento em vícios de actos de fixação de valores patrimoniais, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.ºda LGT
Embora Autoridade Tributária e Aduaneira qualifique esta questões como uma excepção, ela não em essa natureza, pois a alegada impossibilidade, a verificar-se será uma razão para improcedência e não um obstáculo ao conhecimento do mérito do pedido de pronúncia arbitral.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:
– os actos de fixação do VPT, regulados no artigo 134.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) visam determinar a base tributável de imóveis, ou seja, determinam o valor de imóveis que posteriormente servirá de base à liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) ou Impostos Municipal sobre a Transmissão de Imóveis (IMT);
– os actos de fixação do VPT não são atos de liquidação, mas actos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis;
– não é nem legal nem admissível a apreciação da correcção do VPT em impugnação do acto de liquidação, uma vez que nesta sede há́-de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação.
A Requerente, na linha do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de e 31-10-2019, proferido no processo n.º 2765/12.8BELRS, entende que a impugnabilidade autónoma de actos de avaliação não afasta a possibilidade de revisão oficiosa, com fundamento em ilegalidade ou, subsidiariamente, com fundamento em injustiça grave e notória.
A questão foi apreciada no acórdão proferido em 10-05-2021, no processo arbitral n.º 487/2020-T, que é invocado por ambas as Partes, cuja jurisprudência aqui se reafirma, no essencial.
Por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».
Os termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT, em que se estabelece que:
– «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (n.º 1); e
– «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (n.º 7).
Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais, «com fundamento em qualquer ilegalidade», e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação com fundamento em ilegalidade se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.
No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).
Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).
Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.
Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais ilegalidades dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.
Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).
Este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS ( ), IRC ( ) e Imposto do Selo ( ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.
Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.
O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).
A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos seguinte acórdãos:
– de 30-06-1999, processo n.º 023160 ( ):
– de 02-04-2003, processo n.º 02007/02;
– de 06-02-2011, processo n.º 037/11;
– de 19-09-2012, processo n.º 0659/12 ( )
– de 5-2-2015, processo n.º 08/13;
– de 13-7-2016, processo n.º 0173/16;
– de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.
Pelo exposto, as ilegalidades dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem considerar-se ilegalidades dos actos de liquidação de IMI invocáveis na impugnação destes, nem servir de fundamento a revisão destes, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.ºda LGT.
Para além disso, no caso em apreço, o pedido de revisão não foi efectuado no prazo a reclamação administrativa a que se refere a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, pelo que só poderia ser feia a revisão com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos da 2.ª Parte daquele número.
Ora, os actos de liquidação de IMI não enfermam de qualquer erro imputável aos serviços, pois, por força do disposto no artigo 113.º, n.º 1, do CIMI «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita».
Assim, tendo a liquidação sido efectuada com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes em 31-12-2016 e 31-12-2017, não há erro da Administração Tributária ao efectuar as liquidações e, por isso, o pedido de revisão oficiosa não podia ser deferido ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
5.3. Questão da admissibilidade de revisão oficiosa dos actos com fundamento em injustiça grave ou notória
Diferente da questão da impugnabilidade dos actos de liquidação de IMI com fundamento em ilegalidade, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, é a da possibilidade da revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista no n.º 3 do artigo 78.º da LGT, que a Requerente pediu subsidiariamente.
Na verdade, a utilidade prática da revisão com fundamento em injustiça grave ou notória verifica-se apenas após o decurso do prazo da reclamação administrativa, precisamente quanto a actos que não podem ser impugnados com fundamento em qualquer ilegalidade ou em erro imputável aos serviços.
A possibilidade de revisão oficiosa de actos de avaliação de valores patrimoniais não está prevista no CIMI.
Assim, só à face do regime geral da revisão oficiosa, previsto no artigo 78.º da LGT, se pode aventar a possibilidade de revisão, nos termos dos seus n.ºs 4 e 5, que estabelecem o seguinte:
4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
Da revisão da matéria tributável prevista no n.º 4 do artigo 78.º decorrerá a anulação dos actos consequentes que a tenham como pressuposto, como são os actos de liquidação de IMI.
Apesar de neste n.º 4 do artigo 78.º da LGT se referir que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente» a «revisão da matéria tributável», trata-se de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo:
– «o facto de a lei determinar que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente,” a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever»; trata-se de «um poder estritamente vinculado»; ( )
– «a previsão constante do dito art. 78.º n.º 4, como excepcional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos». ( )
Por outro lado, como decorre do n.º 7 do artigo 78.º das LGT, esta revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pode ser efectuada a pedido do contribuinte e, neste caso, pode ser efectuada após o prazo de três anos, pois o pedido do contribuinte interrompe o prazo inicial, contando-se um novo prazo a partir da apresentação do pedido. ( )
Nestas situações em que o erro está na fixação da matéria tributável e não propriamente nos subsequentes actos de liquidação, a revisão não depende da existência de erro imputável aos serviços ou de ilegalidade desses actos, mas apenas que se esteja perante «injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».
Por outro lado, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no citado acórdão de 17-12-2021, a previsão da autorização como excepcional, não afasta o «poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos».
5.3.1. Tempestividade do pedido de revisão oficiosa
O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do acto tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º.
Os «três anos posteriores ao do acto tributário» terminam no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o acto tributário.
As liquidações foram emitidas em 2017 e 2018 pelo que os três anos posteriores às primeiras terminaram em 31-12-2020 e os três anos posteriores às segundas terminarão em 31-12-2021.
A Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa em 04-03-2020, pelo que tem de se concluir que foi apresentado tempestivamente, quanto a todas as liquidações.
Assim, é necessário apreciar se se verificam os requisitos restantes requisitos da revisão.
5.3.2. Exigência de que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte
A fixação da matéria tributável foi efectuada pela Administração, com base numa fórmula prevista na lei, sem que se tenha demonstrado que a Requerente tenha fornecido qualquer informação errada quanto à natureza dos prédios, pelo que o eventual erro na aplicação na fórmula de avaliação invocado pela Requerente não pode ser considerado imputável a um seu comportamento negligente.
5.3.3. O erro imputado pela Requerente à fixação de valores patrimoniais relativo à aplicação de coeficientes aplicáveis a prédios edificados
O erro que a Requerente imputa à fixação de valores patrimoniais é o de ter aplicado à avaliação de terrenos para construção, normas legais relativas às avaliações dos prédios edificados.
Os artigos 39º, 41.º, 42.º e 45.º do CIMI, nas redacções da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro), estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 39.º
Valor base dos prédios edificados
1 - O valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor.
(...)
Artigo 41.º
Coeficiente de afectação
O coeficiente de afectação (Ca) depende do tipo de utilização dos prédios edificados, de acordo com o seguinte quadro:
(...)
Artigo 42.º
Coeficiente de localização
(...)
3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:
a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;
b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;
c) Serviços de transportes públicos;
d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.
4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º
Artigo 45.º
Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º
4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º .
5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente. (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30-12)
O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir, uniformemente, na esteira Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17, que
I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).
II – O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
III – O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto
Na fundamentação deste acórdão refere-se o seguinte:
O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação directa (nº 2 do artigo 15 do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no nº 1 do artigo 38 do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se expendeu:
(…)
Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.
Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.
Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.
O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.
Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.
A aplicação destes factores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38 do CIMI.
Mas porque a aplicação desses factores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11 da LGT por se reflectir na norma de incidência na medida em que é susceptível de alterar o valor patrimonial tributário.
A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103 nº 2 da CRP.
A própria remissão para os artigos 42 e 40 do CIMI constante do artigo 45 e mesmo a redacção dada ao artigo 46 relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38 com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros factores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.
É que mesmo a remissão feita para os artigos 42 e 40 do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos mas apenas acolhe, respectivamente as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.
O que se compreende face à definição de terrenos para construção do nº 3 do artigo 6 do C.I.M.I.(…)
Concordando e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2ª edição pp104 de que “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor,” e que para a avaliação de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a construir como se ele já estivesse construído.
Com o devido respeito, não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no artº 6º nº 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projecto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efectuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projecto e por outro lado, nos casos em que existe esse projecto (parece ser o caso dos autos uma vez que no processo administrativo apenso se faz referência a uma moradia unifamiliar (vide fls.48 a 56)) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efectivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objectivamente, só é palpável e medível se efectivada a construção e se, realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que acompanha cada projecto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária.
Como se expressou no acórdão deste STA a que supra fizemos referência
(…) Efectivamente o coeficiente de afectação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.
Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não materializados (…).
Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.
Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (artº 45º nº 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projecto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc, se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.
Esta jurisprudência foi posteriormente reafirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se, entre vários outros, pelos acórdãos seguintes acórdãos:
– de 05-04-2017, processo n.º 01107/16 («Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»);
– de 28-06-2017, processo n.º 0897/16 («II – Os coeficientes de afectação e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto. III – Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»).
– de 16-05-2018, processo n.º 0986/16 («O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)»;
– de 14-11-2018, processo n.º 0133/18 («No cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»;
– 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17 («os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).»
– de 13-01-2021, processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17 («Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto».
Na linha desta jurisprudência, é de entender que a avaliação dos terrenos para construção devia ser efectuada sem aplicação dos coeficientes não especificamente previstos, entre os quais os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afectação.
No caso em apreço, como se vê pelas cadernetas prediais juntas como documento n.º 3 e pela fundamentação das avaliações que se reproduz na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, foram aplicados os coeficientes de localização nas avaliações efectuadas em 2014, em que se basearam, as liquidações relativas ao ano de 2016.
Quanto às avaliações realizadas em 2017, em que se basearam as liquidações relativas ao ano de 2017, na avaliação do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo matricial ..., foi aplicado um coeficiente de localização de 1,9 e, quanto às avaliações dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ... sob os artigos matriciais ... e ..., foram aplicados um coeficiente de afetação de 1,2 e um coeficiente de localização de 1,7, nas parcelas dos terrenos com edificação prevista ou autorizada para comércio e um coeficiente de localização de 1,9 nas parcelas dos terrenos com edificação prevista ou autorizada para habitação.
Assim, à face da jurisprudência referida, tem de se concluir que a fixação de valores patrimoniais destes prédios enferma dos erros que a Requerente lhes imputa, que são exclusivamente imputáveis à Administração Tributária que praticou os actos de avaliação.
5.3.4. Erro na aplicação da majoração de 25% prevista o artigo 39.º, n.º 1, do CIMI
O artigo 39.º, n.º 1, do CIMI, na redacção anterior à Lei n. 75-B/2020, de 31 de Dezembro, estabelece que «o valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor».
A Requerente imputa aos actos de avaliação ainda erro por a fórmula de cálculo utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na avaliação dos terrenos para construção considerar indevidamente o valor base dos prédios edificados (€ 615,00 nas avaliações efectuadas em 2014 e € 603,00 nas avaliações realizadas em 2018) ao invés do valor médio de construção, por metro quadrado, sem aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI (€ 492,00 e € 482,40 respectivamente).
Como resulta do teor daquele artigo 39.º, n.º 1, na redacção anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, a majoração de 25% nele prevista reporta-se apenas a «prédios edificados». ( )
Por outro lado, o artigo 45.º do CIMI, na redacção anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, que estabelece as regras da determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não remete para o artigo 39.º nem contém qualquer alusão ao «valor base dos prédios edificados», que veio apenas a ser introduzida por aquela Lei.
Assim, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre os coeficientes, é de entender que não havia suporte legal para aplicar a majoração prevista no artigo 39.º do CIMI à avaliação de terrenos para construção.
Por isso, não tendo nas avaliações em causa sido aplicado aqueles valores médios da construção por metro com a majoração de 25%, os actos de avaliação são também ilegais por violação dos artigos 39.º, n.º 1 , e 45.º do CIMI, nas redacções referidas.
5.3.5. Injustiça grave ou notória
O último requisito da revisão oficiosa ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT é o de o apuramento da matéria tributável consubstanciar «injustiça grave ou notória».
O n.º 5 do artigo 78.º esclarece o alcance destes conceitos, estabelecendo que «para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional».
Aquele requisito é exigido em alternativa, como se depreende do uso da conjunção «ou».
No caso em apreço, afigura-se ser manifesta a natureza «grave» da injustiça gerada com as erradas avaliações, pois (mesmo sem considerar os efeitos da errada majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do CIMI), a tributação em IMI dos prédios referidos foi em 2016 90% superior ao devido e o ano de 2017, conforme o tipo de terrenos superior entre 20% e 90% ao devido.
5.3.6. Conclusão
Verificam-se, assim, todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter efectuado a revisão e anulado parcialmente as liquidações relativas aos anos de 2016 e 2017.
Pelo exposto, justifica-se a anulação da decisão do pedido de revisão, bem como as anulações parciais das consequentes liquidações de IMI, nas partes em que excederam o que seria devido se tivessem tido como pressupostos avaliações realizadas nos termos legais [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].
6. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago (€ 78.374,26) acrescido de juros indemnizatórios.
Como consequência da anulação parcial da autoliquidação há lugar a reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de € 78.374,26, que a Autoridade Tributária e Aduaneira não contesta.
O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito como quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.
O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido n processo n.º 402/06.
Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».
No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».
Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão foi apresentado em 04-03-2020, pelo que apenas a partir de 04-03-2021 haveria direito a direito a juros indemnizatórios, se a decisão sobre aquele pedido não tivesse sido apreciada.
Tendo a decisão sobre o pedido de revisão oficiosa sido notificada à Requerente em Outubro de 2020, antes de se ter completado um ano sobre a sua apresentação, a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios.
7. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar improcedentes as excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
b) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido principal;
c) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido subsidiário;
d) Anular parcialmente as liquidações de IMI n.ºs 2016..., 2016... e 2016... de 04-03-2017 e as Liquidações de IMI n.ºs 2017..., 2017... e 2017..., de 08-03-2018, nas partes em que tiveram como pressupostos valores patrimoniais em que foram considerados coeficientes de localização e afectação e a majoração prevista no artigo 39.º do CIMI;
e) Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia de € 78.374,26;
f) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.
8. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 78.374,26, atribuído pela Requerente, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.
9. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 27-07-2021
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(André Festas da Silva)
(Nuno Cunha Rodrigues)