SUMÁRIO:
A intempestividade, traduzida na caducidade do direito de pedir a pronúncia arbitral constitui uma exceção perentória que, nos termos dos art. 576.º, n.º 3 e 579.º do CPC, consistindo na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos factos articulados pelo Requerente, extinguem o respetivo direito potestativo a pedir judicialmente o direito de que se arroga e que importa a absolvição total do pedido (ex vi art. 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT).
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O árbitro Marisa Almeida Araújo, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar este Tribunal Arbitral Singular, toma a seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
A) Relatório:
1. A... (doravante designado por “Requerente”), com domicílio na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., Viana do Castelo, titular do número de identificação fiscal ..., apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral, no dia 25 de janeiro de 2021, ao abrigo do disposto no artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada por “Requerida” ou “AT”).
2. O Requerente pretende, no referido pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade, e que seja parcialmente anulado, o ato de liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) n.º 2020/... da Alfândega de Viana do Castelo de 05/02/2020 e, em consequência, seja devolvida o montante de € 2.484,56, acrescido de juros indemnizatórios.
3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável e as partes não manifestaram recusar a designação, nos termos do artigo 11.º, n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e do art. 7.º do Código Deontológico.
4. A 21 de maio de 2021 foi constituído o tribunal arbitral.
5. Notificada para o efeito na mesma data, a Requerida apresentou, a 14 de junho de 2021 a sua Resposta, pugnando pela improcedência do pedido arbitral, tendo remetido cópia do processo administrativo.
6. Por despacho de 15 de junho de 2021, considerando que a AT também se defendeu por exceção foi o Requerente notificado para, querendo, exercer o contraditório. O Requerente não apresentou resposta quanto à matéria de exceção.
7. Por despacho de 6 de julho de 2021 foram dispensadas, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como as alegações, tendo sido indicado o dia 15 de julho de 2021 como data para ser proferida a decisão arbitral.
8. O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
8.1. O Requerente impugna a liquidação do imposto efetuada por aplicação do artigo 7.º e do artigo 11.º do Código do Imposto sobre os Veículos, com fundamento na violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia.
8.2. Defendendo que à liquidação não foi aplicada redução de anos de uso à componente ambiental vem, o Requerente, a final, embora não o afirme expressamente, pugnar pela anulação parcial do ato de liquidação de ISV e a devolução da quantia de € 2.484,56, acrescida de juros indemnizatórios.
8.4. Peticionando, em consequência, a anulação parcial da aludida liquidação e a devolução do montante do imposto no valor de € 2.482,56, acrescido de juros indemnizatórios.
9. A Requerida, por sua vez, apresentou a sua resposta onde, sumariamente, alegou que:
9.1. O pedido de pronuncia arbitral foi deduzido extemporaneamente quanto à liquidação impugnada uma vez que, a introdução no consumo do veículo em apreço nos autos deu origem ao ato de liquidação resultante da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2020/..., de 6 de fevereiro de 2020.
9.2. A liquidação foi notificada ao Requerente, através da DAV em 06.02.2020 (data de aceitação e da liquidação) tendo o termo do prazo para pagamento ocorrido em 20.02.2020.
9.3. No caso da introdução no consumo processada através da DAV, a notificação do ato de liquidação é efetuada eletronicamente no sistema, constando da mesma declaração, apresentada pelo declarante, além de outra informação atinente ao veículo, todos os elementos necessários ao cálculo do imposto, liquidação, prazo e modo de pagamento, tendo sido também emitido um DUC (Receita aduaneira fiscalidade automóvel) que refere igualmente o montante de ISV a pagar, data limite para o pagamento, bem como a referência para a realização do mesmo.
9.4. Sendo, nos termos alegados pela Requerida, o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral de 90 dias contados do termo do prazo para pagamento da prestação tributária.
9.5. Sendo que o pedido apresentado no dia 25 de janeiro de 2021 é extemporâneo.
9.6. Para além disso, a AT defende-se ainda por impugnação concluindo que a liquidação de ISV, que aplicou o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição, não existindo, conforme o exposto, discriminação na tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-membros, não se verificando, consequentemente, a alegada violação do artigo 110.º do TFUE.
9.7. Tendo o ato impugnado sido efetuado de acordo com o direito nacional e comunitário, não enferma de qualquer vício, devendo, consequentemente, o mesmo ato de liquidação, na parte que vem impugnada, quanto ao cálculo do imposto efetuado nos termos do n.º 1 do artigo 11.º e à não aplicação de redução à componente ambiental, considerar-se conforme ao direito constituído em vigor. 67. Mas, ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que a interpretação do artigo 11.º do CISV pugnada pelo Requerente sempre terá que se reputar de inconstitucional.
9.8. Está em causa um direito constitucional fundamental, o direito ao Ambiente e Qualidade de Vida consagrado no n.º 1 do artigo 66.º da CRP, isto é, o direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, e do qual resulta (n.º 2), a obrigação, para o Estado, de assegurar o direito ao ambiente, a obrigação de prevenir e controlar a poluição e seus efeitos, promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial, bem como assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida (artigo 66.º, n.º 2, alíneas a), f) e h), da CRP).
9.9. Concluindo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado extemporâneo ou totalmente improcedente.
B) Saneador:
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Não se verificam nulidades, exceções dilatórias, nem outras questões prévias a apreciar.
C) Fundamentação:
1. Matéria de facto
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como prova testemunhal, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos infra elencados.
1.1. Factos Provados:
a. O pedido de constituição de tribunal arbitral vem interposto para declaração de ilegalidade do ato de liquidação resultante da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2020/..., de 06.02.2020, relativa a Imposto Sobre Veículos (ISV), praticado pelo Diretor da Alfândega de Viana do Castelo.
b. A notificação da liquidação de ISV, após admissão em território nacional de veículo proveniente de outro Estado-membro, objeto de introdução no consumo através da Declaração Aduaneira de Veículo, relativa ao veículo automóvel da marca ..., declarado pelo Requerente.
c. A introdução no consumo do veículo deu origem ao ato de liquidação n.º 2020/... de 05.02.2020, efetuado pela Alfândega de Viana do Castelo.
d. A liquidação foi notificada ao Requerente, através da DAV em 06.02.2020 (data de aceitação e da liquidação), e do DUC n.º 2020/..., de 06.02.2020 tendo, o termo do prazo para pagamento, ocorrido em 20.02.2020.
e. O PPA foi apresentado em 25 de janeiro de 2021.
1.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto
Não há factos dados como não provados com relevância para adecisão.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos que constam do processo administrativo e o documento junto com o pedido de pronúncia arbitral.
2. Matéria de direito
2.1. Da caducidade do direito de ação
Nos termos da al. a), do n.º 1 do art. 10.º do RJAT o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação, i.e., in casu, no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.
No caso concreto, a liquidação foi notificada ao Requerente, através da DAV em 06.02.2020 (data de aceitação e da liquidação), tendo, o termo do prazo para pagamento, ocorrido em 20.02.2020 (cf. informação constante da mesma DAV, corroborada pelo DUC referente à mesma liquidação).
Nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (ex vi art. 29.º do RJAT), para a contagem dos prazos é aplicável o disposto no artigo 279.º do Código Civil, contando-se de forma contínua com termo inicial no dia seguinte ao termo do prazo para pagamento e não se suspendendo em férias judiciais.
Nos termos do art. 17.º-A do RJAT não se está, neste âmbito, perante um prazo processual e, só a esses, se refere esta norma, mas antes perante um prazo para requerer a pronúncia arbitral pelo que, e conforme já vem sendo decidido – conforme, por exemplo, na decisão proferida no âmbito do processo n.º 9/2014-T do CAAD – as férias não prorrogam o prazo para requerer a pronúncia arbitral.
Não obstante, em virtude da situação pandémica, os prazos foram suspensos nos termos da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 na redação dada pela Lei nº 4-A/2020, de 6.04, i.e., a partir de 9 de março de 2020 e a sua cessação ocorreu a 3 de junho de 2020, nos termos do disposto no art. 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29.05, que revogou o art. 7.º, n.º 1 da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6.4 (art. 10.º).
Posição consentânea com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no âmbito do processo n.º 1711/19.2T8CSC.L1-7 de 19 de janeiro de 2021 que estabelece que: “1. Tendo em conta o disposto no art. 7º, nº 1, da Lei nº 1-A/2020, na redação dada pela Lei nº 4-A/2020, de 6.4, os prazos processuais nos processos não urgentes ficaram suspensos a partir de 9.3.2020 (não se iniciando, ou suspendendo-se se estivessem em curso), não sendo as partes obrigadas a praticar qualquer ato processual enquanto durasse o período de suspensão, apenas se prevendo a possibilidade, nos termos do nº 5 do art. 7º, de se verificar a tramitação dos processos e a prática de atos presenciais e não presenciais não urgentes quando todas as partes entendam ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, manifestando-a expressamente no processo.
2. A cessação do período de suspensão ocorreu por força do disposto no art. 8º da Lei nº 16/2020, de 29.05, que revogou o art. 7º, nº 1 da Lei nº 1-A/2020, de 19.03, na redação dada pela Lei nº 4-A/2020, de 6.4, com efeitos a partir de 3.6.2020 (art. 10º).”
Desta forma, considerando que o Requerente apresentou o PPA a 25 de janeiro de 2021, sendo que o termo de prazo de pagamento é, no caso sub judice, 20 de fevereiro de 2020, é forçoso concluir que o pedido de pronúncia arbitral deveria ter sido apresentado até 16 de agosto de 2020.
Porém tal não sucedeu, porquanto o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD a 25 de janeiro de 2021, conforme resulta do próprio sistema de gestação processual do CAAD.
Assim, não tendo o Requerente deduzido atempadamente o pedido de pronúncia arbitral gerou-se a consolidação definitiva na ordem jurídica da liquidação sub judice.
Como tal, fica agora vedada ao Requerente a possibilidade de ver sindicada a legalidade do ato por si colocado em crise.
A intempestividade, traduzida na caducidade do direito de pedir a pronúncia arbitral constitui uma exceção perentória que, nos termos dos art. 576.º, n.º 3 e 579.º do CPC, consistindo na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos factos a articulados pelo Requerente, extinguindo o respetivo direito potestativo a pedir judicialmente o direito de que se arroga e que importa a absolvição total do pedido (ex vi art. 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT).
Verificando-se a aludida exceção, que conduz à improcedência total do pedido do Requerente fica prejudicado o conhecimento de outras questões [artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
C) Decisão:
De harmonia com o exposto, decide-se,
a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
b) Condenar o Requerente nas custas do processo.
D) Valor do processo:
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.484,56.
E) Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.
Lisboa e CAAD, 15 de julho de 2021
A árbitra,
(Marisa Almeida Araújo)