Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 75/2014-T
Data da decisão: 2014-09-18  IRC  
Valor do pedido: € 185.560,30
Tema: IRC – Taxas de reintegração e de amortização aplicáveis a módulos fotovoltaicos
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Requerente: A..., Sociedade Unipessoal, Lda.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (“ATA”)

 

DECISÃO ARBITRAL

 

       Os árbitros, Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa, Henrique Nogueira Nunes, e António Martins, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

1.    RELATÓRIO

 

1.1. A..., Sociedade Unipessoal, Lda., com o número de identificação fiscal ... (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

 

1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração da ilegalidade da liquidação de IRC consubstanciada na demonstração de liquidação n.º ... e da demonstração de acerto de contas n.º ..., referente ao exercício de 2009, acto tributário de 1.º grau, e, bem assim, do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada e que tramitou com o n.º ... (acto tributário de 2.º grau) visando a anulação do mesmo acto de liquidação.

 

1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente designada por “AT”) em 03 de Fevereiro de 2014, tendo sido designados como árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo aqueles já acima indicados, que aceitaram o encargo.

 

1.4. Em 21 de Março de 2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

1.5. O Tribunal Arbitral foi constituído em 07 de Abril de 2014.

 

1.6. A fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

 

(i)   Que a alteração da taxa de amortização fiscal promovida pela ATA para 4% padece de ilegalidade por ausência de norma habilitante.

 

(ii) Delimita como questão central a decidir nos autos a determinação de qual será a taxa de depreciação ou amortização razoável, defendendo que o período de utilidade esperada deverá constituir um dos critérios prevalecentes a atentar para a determinação da taxa de amortização legal.

 

(iii)                       Sustenta que estaria a definir um período de utilidade esperado razoável caso amortizasse os módulos fotovoltaicos a uma taxa que respeitasse o intervalo entre 3,125% - 6,25%.

 

(iv) Alega que é erróneo o entendimento da ATA em querer atribuir aos seus módulos fotovoltaicos um período de vida útil superior àquele que a lei consagrou como razoável para os equipamentos das centrais hidroeléctricas.

 

(v) Que o procedimento por si determinado encontra perfeito cabimento nas normas previstas no Código do IRC e no DR 2/90, sendo razoável e totalmente adequado.

 

(vi) que não assiste razão à ATA quando julga desproporcionada a taxa de amortização por si praticada em relação aos seus painéis fotovoltaicos.

 

(vii) Defende, que existindo dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado, conforme impõe o n.º 1 do artigo 100.º do CPPT.

 

(viii) Por fim, salienta a clara violação do princípio constitucional da igualdade e da tributação do lucro real, alegando que a aplicação da taxa de amortização e reintegração proposta pela ATA é claramente inconstitucional, na medida em que é desproporcional, implicando a sua penalização face a outras entidades produtoras de energia estabelecidas no mercado.

 

1.7. A ATA respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente, alegando de forma sumária, como segue:

 (i) Que nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 30.º do Código do IRC e no artigo 5.º n.º 3 do Decreto Regulamentar 2/90, relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas taxas de reintegração e de amortização, como é o caso dos autos, deverão ser aceites as que pela ATA sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.

(ii) Que a taxa aplicada pela Requerente não pode ser considerada como razoável, tendo em conta o período de utilidade esperada.

(iii) Que por consulta e análise de dados de natureza técnica disponibilizados por diversas empresas fornecedoras de painéis fotovoltaicos, a ATA conseguiu apurar que o período de utilidade esperada indicado para os painéis fotovoltaicos é sempre o de 25 anos, tendo, para tanto, consultado diversas empresas no mercado que se dedicam ao fornecimento de painéis fotovoltaicos.

(iv) Que considerando o período de utilidade esperada de 25 anos previsto para os bens em causa nos autos, a taxa de depreciação ou amortização que deveria ter sido aplicada pela Requerente era de 4%.

(v) Não podendo, por isso, aceitar a taxa de 6,25% determinada pela Requerente.

(vi) Que a razoabilidade imposta resultará directamente do período de utilidade esperada, só sendo razoável a taxa que for fixada em função do período de utilidade esperada, porquanto invoca que o artigo 31º nº 2 do Código do IRC impõe-lhe o dever de considerar o período de utilidade esperada.

(vii) Na ausência de estipulação da taxa de depreciação ou amortização pela lei, está vinculada a determinar a mesma em função do período de utilidade esperada.

(viii) Sendo este o único critério, sustenta, que poderá determinar a referida taxa com objectividade, rigor e segurança.

(ix) Respondendo à alegação invocada pela Requerente de que estaria a violar os princípios constitucionais da igualdade e da tributação do lucro real pugnou pela conformidade da sua actuação com o disposto no artigo 31.º nº 2 do Código do IRC, tendo determinado a taxa de depreciação ou amortização que resulta do período de utilidade esperada de 25 anos expressamente indicado pelas entidades com conhecimento especializado na matéria em questão e referidas nos autos.

(x) Considera que a aplicação da taxa de 4% aos painéis fotovoltaicos não é injustificada ou desproporcional, uma vez que resulta directamente do período de utilidade esperada dos 25 anos que defende, inexistindo qualquer violação dos supras referidos princípios constitucionais.

(xi) Concluindo, para fundamentar a correcção fiscal em causa nos autos, de que existe norma habilitante para a determinação da taxa de depreciação ou amortização, a saber, o artigo 31.º nº 2 do Código do IRC e o artigo 5.º nº 3 do Decreto Regulamentar nº 2/90 e que por consulta a diversas empresas presentes no mercado, logrou determinar que os painéis fotovoltaicos têm um período de utilidade esperada de 25 anos, pelo que a taxa correcta de depreciação ou amortização a aplicar será de 4%.

 

1.8. Em 30 de Maio de 2014, teve lugar, na sede do CAAD, a primeira reunião do Tribunal Arbitral, de acordo com o disposto no artigo 18.º do RJAT. Não foram identificadas excepções, o Tribunal Arbitral aceitou ouvir a prova testemunhal indicada pelas partes, tendo a inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente sido realizada no dia 20 de Junho de 2014, e tendo esta requerido a junção aos autos de um documento apresentado por uma das testemunhas, o qual foi admitido, tendo sido dado prazo de vista à Requerida, tudo em conformidade com o que consta da acta junta aos autos, e a inquirição da testemunha indicada pela ATA foi realizada no dia 27 de Junho de 2014, tendo a Requerente prescindindo da inquirição da segunda testemunha por si arrolada, igualmente tudo em conformidade com o que consta da acta junta aos autos.

 

1.9. O Tribunal notificou ambas as partes para apresentação de alegações escritas, no prazo de 15 dias, de modo sucessivo, começando pela Requerente, tendo ambas optado por exercer tal direito, e designou até ao dia 7 de Outubro de 2014 a prolação da decisão arbitral.

 

2.0. Nas alegações apresentadas, Requerente e Requerida mantiveram, no essencial, as posições já defendidas na petição de pronúncia arbitral e na resposta, ambas juntas aos autos.

 

2.1. Após a ATA ter apresentado as suas alegações, a Requerente entendeu apresentar um Requerimento que designou de “esclarecimento”, visando esclarecer o âmbito de aplicação de um Despacho da Direcção de Serviços de IRC, admitido como documento aos autos, o qual, apesar da sua natureza anómala, foi admitido pelo Tribunal ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, e tendo, em obediência ao princípio do contraditório, sido concedido prazo de 10 dias à ATA para se pronunciar sobre o mesmo.

 

2.2. A ATA respondeu em prazo dizendo que o documento apresentado pela Requerente não se aplica ao caso sub iudice, por serem evidentes as diferenças entre o assunto constante desse documento e o que está em causa nos autos, alegando nada acrescentar ao objecto do processo e defendendo ser irrelevante para o mesmo.

 

 

* * *

 

2.3. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

 

2.4. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

2.5. Não foram identificadas nulidades no processo, excepções e questões prévias, não havendo qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

 

2.    QUESTÃO DECIDENDA

 

       Como é pacificamente aceite por ambas as partes, a questão que se discute nos presentes autos prende-se com o apuramento, em face do enquadramento fiscal vigente à data dos factos tributários em causa, do tratamento fiscal a conceder em sede da amortização/depreciação dos painéis fotovoltaicos da Requerente, identificados nos autos, designadamente para efeitos de se determinar o seu período de utilidade esperada para efeitos fiscais.

 

3.         MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A) A Requerente é uma sociedade por quotas que tem por objecto a produção e comercialização de energia através da exploração de empreendimentos de aproveitamento de energias renováveis, bem como quaisquer outras actividades complementares ou acessórias daquela que eventualmente venham a ser necessárias ou a ter relação com o objecto principal. (cf. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

 

B) Os principais bens do activo imobilizado da Requerente correspondem aos painéis fotovoltaicos (policristalinos), que incorporam o seu equipamento básico no montante de € 37.233.446,66. (cf. Artigo 9.º da Resposta da ATA, e não contestada pela Requerente)

 

C) A Requerente investiu a quantia de € 50.000.000,00 na construção de uma Central Solar, localizada em …. (cf. Documento n.º 3 junto com pedido de pronúncia arbitral)

D) A Requerente investiu a quantia € 31.121.224,14 na aquisição dos painéis fotovoltaicos em causa nos autos. (cf. documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

E) Os módulos fotovoltaicos em causa nos autos começaram a ser amortizados, de acordo com o método das quotas constantes, a partir de 2009, ano em que ocorreu a entrada em funcionamento destes equipamentos, tendo a Requerente assumido um período de vida útil de 16 anos. (cf. Processo Administrativo junto aos autos e documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

F) A Requerente considerou a aplicação de uma taxa de amortização de 6,25% vigente para os equipamentos de centrais hidroelétricas, nos termos previstos na Tabela I (Taxas Específicas), Divisão V (Electricidade, gás e água), do Grupo I (Produção, transporte e distribuição de energia eléctrica).

G) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI..., de 10-05-2012, foi determinada uma acção inspectiva externa à Requerente realizada pela Direcção de Finanças de …, de âmbito parcial, ao IRC do exercício de 2009. (cf. Processo Administrativo junto aos autos).

H) A qual teve como objectivo a análise, para efeitos fiscais, das amortizações praticadas pela Requerente no exercício de 2009 (cf. Processo Administrativo junto aos autos).

 

I) A Requerente, com referência ao exercício de 2009, praticou, para efeitos fiscais, as seguintes amortizações, contabilizadas como custos nas contas POC 662 - Amortizações e Ajustamentos do Exercício/Imobilizações Corpóreas (cf. Processo Administrativo junto aos autos e Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral):

 

Descrição

Valor do Imobilizado

Nº de anos de utilidade esperada considerados pela Requerente para efeitos fiscais

Amortização do Exercício praticada para efeitos fiscais

Edific. ou Const. não reav. – ..

4.951.250,31

30

164.876,64

Equipamento básico Eq. Elect.

31.121.224,14

16

1.945.076,52

Eq. Básico Inst. Eléct. não reav.

6.112.222,52

20

305.611,14

Ferramentas e utensílios

4.740,76

4

1.185,19

Eq. Administ. – Ar condicionado

416,67

8

52,08

Eq. Administ. - Computadores

720,00

3

239,98

Eq. Administ. – máq. não especif. Sede

8660,00

8

1.082,50

TOTAL

42.199.234,40

 

2.418.124,05

 

J) A 16 de Agosto de 2012, a Requerente foi notificada do Projecto de relatório da Inspecção Tributária o qual propôs a seguinte correcção (cf. Processo Administrativo junto aos autos):

 

Descrição

Valor do imobilizado

Amortização praticada

Amortização permitida

Correcção Proposta

Imobilizado corpóreo (Equipamento básico)

€ 31.121.224,14

€ 1.945.076,52

€ 1.244.848,98

€ 700.227,54

TOTAL

€ 31.121.224,14

€ 1.945.076,52

€ 1.244.848,98

€ 700.227,54

 

K) A ATA corrigiu o resultado tributável da Requerente no valor de € 700.227,54, por acréscimo deste valor ao quadro 07 da Declaração Modelo 22 do ano de 2009, tendo considerado aplicável uma taxa de amortização de 4%, tomando como período de vida útil para os bens em causa nos autos o período de 25 anos. (cf. Processo Administrativo junto aos autos).

 

L) Tendo resultado as seguintes correcções (cf. Processo Administrativo junto aos autos):

 

Descrição

Exercício de 2009

Resultado Fiscal Declarado

-1.112.740,92

Total das Correcções

700.227,54

Prejuízo Fiscal Fixado

-412.513,38

 

M) A Requerente foi notificada, a 25 de Setembro de 2012, do relatório final da inspecção tributária. (cf. Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

N) No dia 11 de Outubro de 2012, os serviços da ATA enviaram, através da via CTT, a Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2012 ... e a Demonstração de Acerto de Contas n.º 2012 ..., reflectindo a correcção cuja ilegalidade a Requerente alega. ( cf. Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

O) No dia 6 de Março de 2013 a Requerente entregou uma Reclamação Graciosa, a qual tramitou sob o n.º ..., endereçada ao Director da Direcção de Finanças de …, onde vem requerer a anulação da demonstração de Liquidação n.º 2012 ... e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2012 ..., relativo ao exercício de 2009. (cf. Processo Administrativo junto aos autos)

P) No dia 23 de Setembro de 2013 foi a Requerente notificada do projecto de decisão da Reclamação Graciosa apresentada, tendo igualmente sido notificada para, querendo, exercer o competente direito de audição prévia. (cf. Processo Administrativo junto aos autos)

Q) Não tendo a Requerente optado por exercer tal direito. (cf. Processo Administrativo junto aos autos)

R) No dia 31 de Outubro de 2013 foi a Requerente notificada do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada. (cf. Processo Administrativo junto aos autos)

S) O tempo médio de vida técnica ou tecnológica dos painéis fotovoltaicos em causa nos autos, considerando uma normal utilização, é de 25 anos. (Cf. Informações técnicas disponibilizadas pelas empresas, B...., Ltd; C..., S.A.; D..., Lda e E..., S.A. e expressas no relatório de inspecção tributária junto aos autos e depoimento da testemunha arrolada pela ATA)

T) O período de vida útil de um painel fotovoltaico como os que estão em causa nos autos depende de um conjunto diversificado de factores, que não apenas os de carácter puramente técnico ou tecnológico. (Cf. depoimento da testemunha arrolada pela ATA)

U) Decorrido o período da tarifa garantida (no caso de 15 anos – previsto no DL 189/88, de 27 de Maio – para o fornecimento da electricidade à rede eléctrica), a rentabilidade da actividade desenvolvida pela Requerente, em face das suas projecções económico-financeiras, ficará reduzida a um valor muito inferior ao praticado nesse período.

V) O facto de a rentabilidade da actividade da Requerente ficar reduzida a um valor muito inferior, em face das suas projecções económico-financeiras, decorrido que seja o período da tarifa garantida para o fornecimento rede eléctrica, fica a dever-se sobretudo à circunstância de a tarifa praticada em contexto de mercado liberalizado ser muito inferior.

X) O que põe em causa a rentabilidade da actividade desenvolvida, com probabilidade, inclusive, de a própria central de energia solar poder ter de ser desmantelada por acentuada quebra de rentabilidade.

Z) O plano de negócios da Requerente foi elaborado nesse pressuposto.

 [Cf., para o que se assenta em U),V), X) e Z, o depoimento das testemunhas arroladas pela Requerente; e, no que se refere especialmente ao facto de a tarifa em mercado liberalizado ser muito inferior à estabelecida em mercado garantido, cf. o depoimento da própria testemunha arrolada pela ATA].

 

 

 

4.    FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não se prova que seja aplicável ao caso o documento junto aos autos pela Requerente aquando da realização da inquirição de testemunhas, e que se reporta a um Despacho da Senhora Directora de Serviços do IRC, com o assunto “Métodos de Cálculo das Depreciações e Amortizações”.

 

Não existem quaisquer outros factos não provados, com interesse para a decisão da causa.

 

 

 

5.    FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

            Quanto aos factos essenciais, a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados, cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes, bem como nos depoimentos das testemunhas ouvidas que aparentaram isenção nos seus depoimentos e demonstraram conhecimento dos factos que relataram.

 

            A testemunha arrolada pela ATA, Professor Doutor …, testemunhou e citamo-lo por ser relevante para a fundamentação da decisão da matéria de facto que: “o período de vida útil de um painel fotovoltaico depende de vários factores, o sítio onde está localizado, etc…”

 

            E que o período de 25 anos de vida útil: “não é o período máximo, é o médio, considerando uma utilização normal do painel fotovoltaico”.

 

            Por seu turno a testemunha arrolada pela Requerente, Dra. …, testemunhou e citamos pela sua relevância para o caso: “A rentabilidade do projecto findo o período de tarifa garantida é muito reduzida.”.

 

Disse ainda a Dra. … que seria “ absurdo amortizar os painéis entre os anos 15 e 25, não havendo proveitos resultantes de tarifa garantida”.

 

            Tendo sido corroborado pela outra testemunha arrolada pela Requerente, Eng.º …, que declarou e citamos: “O valor residual dos painéis passa por ser de zero passados 15 anos, não têm valor nenhum, é obsoleto porque houve um avanço tecnológico grande.”.

 

 Acrescentou ainda esta testemunha que “os custos de desmantelamento existem e são significativos,” e que “ o mercado em segunda mão para estes painéis se poderia considerar inexistente”.

 

            Quanto ao documento junto aos autos pela Requerente aquando da realização da inquirição de testemunhas, e que se reporta a um Despacho da Senhora Directora de Serviços do IRC, com o assunto “Métodos de Cálculo das Depreciações e Amortizações”, não pode seguramente ser aplicável ao caso, pois o documento não está datado, nem contém qualquer destinatário e são desconhecidas as circunstâncias em que o mesmo terá sido emitido.

 

Pretende a Requerente que o Tribunal admita que tal documento contém uma posição por parte da ATA de que os painéis fotovoltaicos devem ser depreciados por referência ao limite temporal da vida útil de uma central, que nesse caso parece ser de 20 anos, o que diz contrariar a posição expressa pela ATA no processo, o que esta última não admite, contestando esta posição nas suas alegações.

 

É certo que o documento em causa contém, aparentemente, algumas similitudes com o caso dos autos, mas, para além de não estar datado, nem conter qualquer destinatário e serem desconhecidas as circunstâncias em que o mesmo terá sido emitido, o documento em causa não é nem minimamente essencial para o Tribunal formar a sua convicção sobre a boa solução para o caso.

 

 

 

6.    DO DIREITO

 

 

6.1. Da contextualização da questão decidenda em causa nos autos     

       Conforme resulta dos autos a Requerente, tendo adquirido bens de investimento (in casu, painéis fotovoltaicos para a produção de energia eléctrica) amortizou-os, com referência ao exercício de 2009 a uma taxa de 6,25%.

       Esta taxa, implicando um período de vida útil para os bens de investimento em causa de 16 anos, resultou, por um lado, do facto de a Requerente possuir um contrato de venda de energia a preço previamente fixado durante um período de 15 anos, findo o qual os painéis terão um valor negligenciável, segundo alega. Por outro lado, ainda segundo a posição da Requerente nos autos, esta taxa teria algum suporte no Decreto Regulamentar 2/90 (“DR 2/90”), diploma vigente ao tempo dos factos tributários em causa nos autos, aí se tendo achado a taxa aplicável ao equipamento de produção de energia hidroeléctrica[1].

Argumenta a Requerente que, não estando prevista no DR 2/90 qualquer taxa para a depreciação dos painéis fotovoltaicos em casa nos autos, e, considerando, segundo a mesma, que a vida útil dos equipamentos para produção de energia hidroeléctrica é a mais longa no âmbito do leque de equipamentos para a produção de energia, então a taxa de 6,25%, que elegeu para a depreciação do equipamento, afigura-se como razoável, devendo, como tal, ser aceite.

A esta posição manifesta-se em sentido contrário a ATA, alicerçando-se na informação disponibilizada por um conjunto de fornecedores de painéis fotovoltaicos do tipo dos painéis em causa nos autos, em que se pretende demonstrar que o período de utilidade esperada para os equipamentos em causa é sempre de 25 anos.

Uma vez que se dispunha no então artigo 30.º, n.º 2, do Código do IRC, que relativamente aos elementos para que não se encontrassem fixadas taxas de reintegração (como é o caso dos autos), eram aceites aquelas (taxas) que a ATA considerasse razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada daqueles elementos.

O relatório da inspecção tributária veio a equiparar tal período de utilidade esperada à vida útil dos equipamentos em causa[2], sustentando a ATA, por isso, que a taxa de depreciação correcta a considerar deveria ser de 4% e não de 6,25%, posição que mantém nos autos.

A Requerente vem considerar como inconsistente e ilegal esta posição da ATA, invocando dois argumentos para tal. Em primeiro lugar, porque num plano técnico-económico, e conforme atesta um estudo por si apresentado nos autos[3], nunca a vida útil dos painéis fotovoltaicos poderia ser superior à dos equipamentos para produção de energia hidroeléctrica.

Efectivamente, se o DR 2/90 previa para estes últimos equipamentos o período de vida útil de 16 anos, considera a Requerente não ser razoável que em relação aos painéis fotovoltaicos estes tenham de ter uma vida útil fiscal de 25 anos.

Em segundo lugar, porque mesmo aceitando-se a posição da ATA, então a taxa de 6,25% implicaria uma vida útil mínima de 16 anos e uma vida máxima de 32 anos, e o intervalo que medeia este período incluiria o tal período de 25 anos que a ATA sempre sustentou ser o correcto.

A esta posição vem a ATA contrapor, sustentando que o período de 25 anos seria a vida útil mínima e não a vida útil máxima, pelo que, invoca, todo o raciocínio da Requerente padece de erro.

Fica, desta forma, devidamente delimitada a questão a resolver nos autos, que é então a de se determinar, em face do enquadramento fiscal vigente à data dos factos tributários em causa, qual o tratamento fiscal a conceder em sede da amortização/depreciação dos painéis fotovoltaicos da Requerente, identificados nos autos, designadamente para se determinar o seu período de vida útil para efeitos fiscais.

A decisão a tomar pelo Tribunal há-de assentar, num primeiro plano, na apreciação do conceito fiscal de razoabilidade quando aplicado à temática em causa, isto é, a razoabilidade das taxas de depreciação, tendo em conta o período de utilidade esperada para os bens de equipamento em causa, valorizando, de igual modo, os elementos técnicos trazidos ao processo pelas partes, a saber: as estimativas de vida útil dos painéis fotovoltaicos que a ATA carreou para o processo, e o estudo apresentado pela Requerente em se estriba relativamente à comparabilidade da vida útil dos equipamentos para produção de energia hidroeléctrica.

Por fim, atenta a singular especificidade da questão em análise nos autos, a qual não compreende como elementos únicos de análise estritamente os de natureza fiscal e contabilística, o Tribunal não deixará de atender aos depoimentos das testemunhas e aos elementos complementares (económicos, técnicos e outros) que sejam relevantes para melhor decidir sobre a questão sub iudice.

 

       6.2. A influência das depreciações na formação do resultado contabilístico e fiscal

            O resultado apurado pela contabilidade das entidades empresariais decorre, como se sabe, do confronto entre os proveitos e custos necessários para os obter[4]. No plano contabilístico esse resultado é, inevitavelmente, influenciado por um vasto conjunto de estimativas, em especial no que respeita ao conjunto dos custos suportados. Assim, e a título exemplificativo, as provisões e as depreciações constituem parcelas importantes dos custos evidenciados contabilisticamente cujo registo assenta em previsões ou estimativas.

       Reconhecendo esta inevitabilidade - de o resultado depender, em boa parte, de estimativas - a Estrutura Conceptual (EC) do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), § 37 dispõe “Os preparadores das demonstrações financeiras têm, porém, de lutar com as incertezas que inevitavelmente rodeiam muitos acontecimentos e circunstâncias, tais como…a vida útil provável de instalações e equipamentos…”.

       E já o POC – normativo contabilístico em vigor em 2009 – estabelecia que, de acordo com princípio da prudência,“ é possível integrar nas contas um grau de precaução ao fazer as estimativas exigidas em condições de incerteza sem, contudo, permitir a criação de reservas ocultas ou provisões excessivas…”.

       A depreciação a reconhecer periodicamente como gasto relacionado com o uso de um activo depende assim de um conjunto de estimativas, designadamente, o período de vida útil e o valor residual. Mas essas estimativas deverão convergir num objectivo primordial: o de adequar a depreciação registada ao efectivo desgaste do bem.

       Procura-se, assim, facultar a quem elabora a informação financeira um conjunto de directivas para que o processo apuramento das depreciações conduza a valores de gastos que reflictam devidamente o deperecimento dos activos.

       O custo que decorre da quantificação das depreciações deve ter um carácter sistemático, ou metódico, devendo surgir como efeito da aplicação de uma regra de cálculo que possua lógica interna. Por outro lado, a vida útil e o valor residual dos bens serão parâmetros essenciais na determinação de tal modo de cálculo, uma vez que a essência do fenómeno que este custo visa traduzir se consubstancia no imputação do valor dos activos a diversos períodos económicos, durante os quais estes são afectos a uma dada actividade económica.

       Na verdade, como bem sublinham António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues, in Elementos de Contabilidade Geral, Áreas Editora, 2010, pp.697, “Os ativos fixos não se “consomem” num só período económico, mas sim e em princípio no número de anos previsto para sua vida económica. (…) Em resumo, os bens ao serem utilizados nos sucessivos períodos vão-se depreciando, ou seja, vão perdendo valor”.

       Se assim é no plano contabilístico, compreende-se que também no plano fiscal as depreciações tenham, em especial no Código do IRC e demais legislação complementar, um tratamento desenvolvido. Tal decorre do facto de as depreciações assentarem numa estimativa de perda de valor, que se materializa contabilística e fiscalmente num custo. Este, por sua vez, afecta o resultado.

       Neste contexto, o Código do IRC consagrava[5], em especial nos seus artigos 28.º a 31.º, um amplo conjunto de normas dirigidas ao tratamento fiscal das reintegrações e amortizações.

       E, complementarmente, o DR 2/90, estabelecia as taxas fiscais a utilizar para um conjunto de activos bastante lato e diversificado.

       Bem se compreende que o legislador fiscal tenha procurado disciplinar a aceitação fiscal das depreciações. Como já se viu, constituindo estes custos contabilísticos estimativas de perdas de valor em activos de longa duração, a concessão ao contribuinte de uma total liberdade na consideração de tais custos como elementos negativos do lucro tributável poderia redundar em situações indesejáveis de manipulação do resultado fiscal.

       Vistas as questões gerais que, num plano contabilístico e fiscal, afectam as reintegrações, entremos agora na apreciação da questão de fundo suscitada pela Requerente e contrariada pela ATA.

 

       6.3. O significado do disposto no artigo 30.º, nº 2, do Código do IRC – o critério da razoabilidade e a interpretação a conferir à expressão “período de utilidade esperada” à luz dos preceitos fiscais e contabilísticos.

       À data dos factos tributários em causa nos autos, dispunha o então artigo 30.º, n.º 2, do Código do IRC, o seguinte:

       1- Para efeito da aplicação do método das quotas constantes, a quota anual de reintegração e amortização que pode ser aceite como custo do exercício determina-se aplicando as taxas de reintegração e amortização definidas no decreto regulamentar que estabelece o respectivo regime aos seguintes valores:

       (…)

       2 - Relativamente aos elementos para que não se encontrem fixadas taxas de reintegração ou amortização, são aceites as que pela Direcção–Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada daqueles elementos.” (negrito do Tribunal)

       Ora, como bem se vê daquele preceito, existem dois conceitos que devem merecer uma análise detalhada e uma adequada interpretação.

       Em primeiro lugar o da razoabilidade.

       Segundo o Dicionário Universal da Língua Portuguesa, Texto Editora, Lisboa, 1995, “razoável” significa: “conforme à razão, ao direito; moderado; aceitável.”.

       Mas esta definição por si só considerada não nos permite atingir o critério que o legislador fiscal quis definir, ou seja, a solução a empreender ao caso concreto há-de ter arrimo no direito, e terá de ser aceitável face ao conjunto de factores que devem ser tidos na busca de uma decisão.

       No entanto, o mesmo preceito do Código do IRC baliza o elemento essencial dessa razoabilidade, delimitando o âmbito de tal critério em função do conceito de: período de utilidade esperada.

       Não definindo o legislador o que se deve entender por tal conceito para efeitos da sua densificação fiscal.

       Pelo que para a boa decisão dos autos terá, necessariamente, de se analisar qual a definição a dar, para efeitos fiscais, e contida no referido n.º 2 do artigo 30.º do Código do IRC, do conceito de “período de utilidade esperada”, em função do critério usado pela ATA no caso concreto para sustentar a utilidade esperada (ou vida útil esperada) dos bens em questão nos autos – os painéis fotovoltaicos.

       Tal análise deve ter na devida conta a necessária perspectiva sistemática das normas jurídicas relevantes.

       As normas fiscais devem ser interpretadas como quaisquer outras, estando ultrapassada a concepção de que lhes assistiria o carácter excepcional que outrora lhes foi assinalado. Como afirma o saudoso Professor J.L. Saldanha Sanches, “a unidade do sistema jurídico e a natureza essencialmente comum dos problemas que se colocam no Direito Fiscal e em outros ramos do Direito fazem com que a adopção de princípios interpretativos com aplicação apenas nas relações jurídicas tributárias dificilmente seja compatível com a unidade sistemática.”.[6]

       De igual modo, Sérgio Vasques diz-nos que “a interpretação da lei fiscal não reveste qualquer especificidade, bastando-se com os critérios tradicionais que entre nós figuram no artigo 9.º do Código Civil. O intérprete não deve, assim, cingir-se à letra da lei fiscal, mas reconstituir aqui também, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Em suma, “também o intérprete das leis fiscais, como o de qualquer outras normas jurídicas, terá de fixar o respectivo sentido, conjugando o ‘elemento gramatical’ com o ‘elemento lógico’ ou ‘teleológico’, incluindo os aspectos racional, sistemático e histórico.”.[7]

       De notar a este respeito que o artigo 9.º do Código Civil marca a prevalência do espírito sobre a letra da lei, embora tenha colocado expressamente a letra como limite à busca do sentido[8]. Sem prejuízo de considerarmos que a matéria de interpretação das leis não é de índole a ser aprisionada pela via legislativa, encaramos [à semelhança do que também parece ser a posição de Sérgio Vasques] o artigo 9.º do Código Civil como a emanação de um princípio geral hermenêutico, assistindo-lhe, por essa razão, validade intrínseca. Dispõe este preceito que:

 

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

       Por sua vez, a Lei Geral Tributária (“LGT”), no seu artigo 11.º, veio, no campo específico das leis tributárias, consagrar um conjunto de regras de interpretação nos seguintes moldes:

 

 1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.

    

Vejamos, pois.

Conforme tínhamos referido anteriormente, o artigo 30.º n.º 2 do Código do IRC faz referência a dois conceitos fundamentais, o primeiro, a que já nos referimos, da razoabilidade, e o segundo a que nos dedicaremos agora, relacionado com o conceito de “utilidade esperada”, essencial para aferir da razoabilidade da taxas de depreciação a usar no caso sub iudice.

       A clarificação deste conceito poderá, porventura, ser encontrada pela mera interpretação da lei fiscal, maxime, o disposto no Código do IRC e no DR 2/90 em relação a estas matérias.

       Ou, alternativamente poderá ainda ter de se conjugar estes normativos fiscais com as disposições do normativo contabilístico aplicável, atento o disposto no artigo 17.º do Código do IRC relativamente ao modelo de dependência parcial do resultado tributável relativamente aos valores apurados na contabilidade, considerando igualmente o disposto no artigo 11.º da LGT.

       À data dos factos tributários em causa, estabeleciam os artigos 28.º, 29.º e 30.º, todos do Código do IRC – nas disposições que aqui se julgam relevantes para os autos – o seguinte:

“ Artigo 28.º

1 - São aceites como custos as reintegrações e amortizações de elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os elementos do activo imobilizado que, com carácter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas.”.

“ Artigo 29.º

1 - O cálculo das reintegrações e amortizações do exercício deve fazer-se, em regra, pelo método das quotas constantes.

(…)

4 - Em relação a cada elemento do activo imobilizado deve ser aplicado o mesmo método de reintegração ou amortização desde a sua entrada em funcionamento ou utilização até à sua reintegração ou amortização total, transmissão ou inutilização.

5 - O disposto no número anterior não prejudica:

a)    a variação das quotas de reintegração  ou amortização de acordo com o regime mais ou menos intensivo ou com outras condições de utilização dos elementos a que respeitam, não podendo, no entanto, as quotas mínimas imputáveis ao exercício  ser deduzidas para efeitos de determinação do lucro tributável de outros exercícios.

b)    (…)

6 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, as quotas mínimas de reintegração ou amortização são as calculadas com base em taxas iguais a metade das fixadas segundo o método das quotas constantes.”.

“ Artigo 30.º

(…)

4 -O período de vida útil do elemento do activo imobilizado é o que se deduz das taxas de reintegração mencionadas nos nºs 1 e 2.”.

       O que se deve então concluir destes preceitos do Código do IRC?

       A nosso ver quatro pontos principais.

       O primeiro, plasmado no artigo 28.º supra referido, implica que o fenómeno das depreciações, determinado para efeitos fiscais, se funda inequivocamente na perda de valor, com carácter de repetição ou regularidade, que os activos sofrem em virtude do uso, progresso técnico ou de quaisquer outras causas. Outras causas poderão ser, nomeadamente,  de natureza económica ou legal.

       O segundo, que as quotas constantes – actualmente designadas por método da linha recta - será o método regra utilizado na quantificação das depreciações.

       O terceiro, a flexibilidade admitida na consideração como custo fiscal de valores resultantes de quotas mínimas e máximas. Como refere Rui Morais, “Mesmo quando o período de vida útil de um bem, para efeitos fiscais, é fixado pela lei, não existe uma rigidez total. Apenas é obrigatória, no cumprimento do princípio da especialização dos exercícios, a consideração de um custo, em cada um dos exercícios correspondentes à vida útil do bem, do valor correspondente à quota mínima de amortização. Tal quota mínima calcula-se por aplicação , ao valor amortizável, de uma taxa igual a metade da prevista, para o caso, na tabela aplicável. (…)

       Num exemplo: A tabela II (taxas genéricas) prevê que a quota de amortização de instalações de água e electricidade é de 10%. O mesmo é dizer que a lei fixa que o período de amortização (mínimo) de tais instalações é de 10 anos. Só que o sujeito passivo pode optar por uma quota de amortização anual inferior, até 5% (metade da taxa prevista na tabela). O mesmo é dizer que o período máximo de amortização poderá ir até 20 anos.”.[9]

       Por fim, em quarto lugar, que o artigo 30.º, nº 4 do Código do IRC, ao tratar da vida útil não define o que ela deve ser, de forma explícita. Apenas estabelece que esta se deve calcular a partir das taxas que o artigo 30.º, nºs 1 e 2 determinar.

       Ou seja, esta norma produz, tendencialmente, um raciocínio em “circuito fechado”: a vida útil resulta, por via do disposto no artigo 30.º, n.º 4, das taxas previstas no artigo 30.º, n.º 1 e 2; mas é precisamente a vida útil que há-se ser o parâmetro central na quantificação das taxas que o mesmo artigo refere.

       Porém, cremos que da conjugação destas normas com alguns preceitos previstos no DR 2/90 se poderá encontrar uma chave de leitura mais clara para a questão a decidir nos autos.

       Assim, dispõe o artigo 3.º desse Decreto:

 

“Artigo 3.º

Período de vida útil

 

1 - A vida útil de um elemento do activo imobilizado é, para efeitos fiscais, o período durante o qual se reintegra ou amortiza totalmente o seu valor, excluído, quando for caso disso, o respectivo valor residual.


2 - Qualquer que seja o método de reintegração ou amortização utilizado, considera-se:

a) Período mínimo de vida útil de um elemento do activo imobilizado o que se deduz das taxas que podem ser aceites fiscalmente segundo o método das quotas constantes;
b) Período máximo de vida útil de um elemento do activo imobilizado o que se deduz de uma taxa igual a metade das referidas na alínea anterior.”.

       Ora, resulta da leitura do artigo 3.º do DR 2/90, segundo o qual a vida útil de um bem é o “período durante o qual se reintegra ou amortiza totalmente o seu valor” e porque, segundo o disposto no artigo 28.º, nº 1 do Código do IRC, a reintegração ou amortização consiste nas perdas de valor que elementos do activo imobilizado sofrerem resultantes da sua utilização, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas, então a vida útil, numa acepção fiscal, deverá ser aferida pelo tempo durante o qual tais perdas de valor se justificarão em função das causas que nesse artigo são referidas (uso, progresso técnico ou quaisquer outras).

       Estão, assim, em causa nos autos duas teses opostas: a tese invocada pela ATA, segundo a qual a vida útil dos painéis fotovoltaicos seria de 25 anos por ser este o prazo referido nos elementos disponibilizados pelos respectivos fabricantes deste tipo de equipamento e que constam dos autos; e a tese da Requerente – constante dos autos e em função dos factos relatados pelas testemunhas que arrolou, segundo a qual o período de 16 anos é aquele que em função de factores vários, tais como económicos, legais e do uso potencial ou esperado dos activos em condições regulares, mais se aproxima da vida útil esperada para o bem em causa.

       Em face de tudo o que acima se explanou, é entendimento deste Tribunal que, em face do previsto na lei fiscal, a ATA, ao ter considerado uma utilidade meramente técnica ou tecnológica dos painéis fotovoltaicos, desligando-a das condições de uso efectivo por parte da Requerente, no caso concreto, se afastou de um critério de razoabilidade, tal como o definimos no ponto 6.3, supra.

       Tal razoabilidade deve, assim, respeitar o Direito. Ora a primeira das normas do Código do IRC que tratava de depreciações – artigo 28.º - dispunha que as reintegrações derivam de os activos sofrerem perdas de valor resultantes e citamos: “da sua utilização, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas.”.

       Deste modo, as condições de exploração dos bens hão-de influir na respectiva vida útil estimada. Dificilmente se entenderia que, nessa estimativa, tal assim não fosse.

       Mesmo o POC, que não apresentava uma definição explícita de vida útil, estabelecia contudo, no ponto 5.4 1 dos “Critérios de valorimetria”, que e citamos: “quando os imobilizados tiverem uma vida útil limitada ficam sujeitos a uma amortização sistemática durante esse período”.

       O normativo contabilístico em vigor à data dos factos tributários em causa era claro sobre a necessidade de se imputarem as perdas de valor durante a vida útil.

       Ora ”útil” significa, novamente recorrendo ao Dicionário Universal da Língua Portuguesa, Texto Editora, Lisboa, 1995, algo de “proveitoso, vantajoso”. O mesmo significado linguístico deve ser adoptado em sede económico-jurídica: isto é, um bem terá uma vida útil enquanto for economicamente rendoso ou proveitoso. Poderá estimar-se uma vida técnica longa, mas uma vida útil mais curta.

       Julga-se ser este o caso dos autos.

       Aliás, e clarificando esse conceito, a doutrina contabilística, ao tempo do POC, era já consensual no entendimento de que essa vida útil terá deveria levar em conta vários aspectos, como estimativa que era. Assim, J. Braz Machado, in Contabilidade financeira, Protocontas ed., 1998, p. 812, sublinhava já então que a vida útil de um activo era influenciada por factores tais como:

- o uso que dele se espera obter;

- a intensidade de uso e a política de reparações e manutenção da empresa;

- alterações de mercado ou tecnológicas e,

 - alterações  do contexto legal que afectem o uso efectivo esperado do bem.

      

       Aqui chegados não se revelaria necessário, num plano de estrita fundamentação legal, convocar o regime do SNC, em vigor a partir de 2010, portanto não aplicável à data dos factos tributários em causa. O que já se disse julga-se suficiente.

       Mas como neste novo regime contabilístico o conceito de vida útil foi bastante desenvolvido vale a pena referi-lo, como mero elemento acessório ou lateral de suporte à interpretação aqui defendida.

       No tocante às depreciações de determinados activos fixos tangíveis o normativo contabilístico constante do SNC trata-as desenvolvidamente na Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) n.º 7, designada “Ativos fixos tangíveis”.

       A fim de melhor ilustrar o que esse normativo estabelece sobre as depreciações, transcrevem-se de seguida algumas das suas definições e regras de apuramento.

       Assim, no § 6 da NCRF 7 surgem as seguintes definições:

“- Depreciação: é a imputação sistemática da quantia depreciável de um activo durante a sua vida útil;

- Valor residual: é a quantia estimada que uma entidade obteria correntemente pela alienação de um activo, após a dedução dos custos de alienação estimados, se o activo já tivesse a idade e as condições esperadas no final da sua vida útil;

- Vida útil é:

(a) O período durante o qual uma entidade espera que um activo esteja disponível para uso; ou

(b) O número de unidades de produção ou similares que uma entidade espera obter do activo.

       Por seu turno, os §§ 56 e 57 da mesma Norma estabelecem:

“56 — Os futuros benefícios económicos incorporados num activo são consumidos por uma entidade principalmente através do seu uso. Porém, outros factores, tais como obsolescência técnica ou comercial e desgaste normal enquanto um activo permaneça ocioso, dão origem muitas vezes à diminuição dos benefícios económicos que poderiam ter sido obtidos do activo. Consequentemente, todos os fatores que se seguem são considerados na determinação da vida útil de um activo:

(a) Uso esperado do activo. O uso é avaliado por referência à capacidade ou produção física esperadas do activo;

(b) Desgaste normal esperado, que depende de factores operacionais tais como o número de turnos durante os quais o activo será usado e o programa de reparação e manutenção, e o cuidado e manutenção do activo enquanto estiver ocioso;

(c) Obsolescência técnica ou comercial proveniente de alterações ou melhoramentos na produção, ou de uma alteração na procura de mercado para o serviço ou produto derivado do activo; e

(d) Limites legais ou semelhantes no uso do activo, tais como as datas de extinção de locações com ele relacionadas.

57 — A vida útil de um activo é definida em termos da utilidade esperada do activo para a entidade. A política de gestão de activos da entidade pode envolver a alienação de activos após um período especificado ou após consumo de uma proporção especificada dos futuros benefícios económicos incorporados no activo. Por isso, a vida útil de um activo pode ser mais curta do que a sua vida económica. A estimativa da vida útil do activo é uma questão de juízo de valor baseado na experiência da entidade com activos semelhantes.”.

(Sublinhado do tribunal)

       Por tudo o que se mostrou, o Tribunal considera que o critério de razoabilidade que a ATA utilizou se revela inconvincentemente fundado.

       Usar uma vida útil “de catálogo”, assente em testes técnicos, que aferem uma vida tecnologicamente eficiente, sem levar em conta as condições legais, económicas e financeiras que uma dada entidade enfrenta, numa dada situação concreta apresenta, representa uma concretização do critério de razoabilidade que se afasta do que se infere do normativo fiscal, a saber o Código do IRC, nomeadamente o seu artigo 30.º, n.º 2 e do próprio DR 2/90, nomeadamente o seu artigo 5.º, n.º 3, como vimos, na interpretação que destes normativos faz o Tribunal.

       A vida útil estimada pela Requerente tem no essencial que ver com a adequação às condições económicas (no tocante ao período de venda de energia a preço que garante a exploração equilibrada da actividade) e de mercado (valor residual estimado nulo após o período de 16 anos). Esta abordagem é mais consentânea com as disposições legais mencionadas nesta decisão, mais aceitável, e por isso mais razoável.

       Avulta aqui a factualidade provada de a Requerente ter um período bem específico, legalmente contratado, para a venda de energia em condições rendosas. Findo esse período, os painéis não terão utilidade, num sentido económico-financeiro, embora tendo-o, admite-se, num plano meramente técnico ou tecnológico.

       A relevância das condições económicas e da expectativa de o valor residual ser negligenciável no final da vida útil foi invocada pela Requerente, e a ATA não infirmou, nem documentalmente nem em audiência de testemunhas, suficientemente, tal fundamento.

       Adicionalmente, no entender deste Tribunal, a conformidade ao Direito e à razão, que o critério de razoabilidade impõe à ATA, também foi por esta secundarizado noutra vertente.

       O DR 2/90 não define, é certo, a taxa de depreciação para painéis fotovoltaicos. Mas nas várias taxas específicas e genéricas desse Decreto Regulamentar, existem vários valores fixados para taxas de depreciação relativas a equipamentos produtivos.

       É certo que, por exemplo, um hipotético equipamento para a produção de sapatos nada tem que ver com um equipamento de produção de energia. Mas, restringindo as taxas nele previstas para equipamentos de produção de “água, electricidade e gás”, encontramos taxas como 6,25%; 8,33% e 12,5%.

       Procurando especificamente por uma taxa de 4% só a logramos encontrar em equipamentos do tipo de reservatórios e condutas que, como se sabe, têm funções diversas dos equipamentos produtivos, propriamente ditos, como os que estão em causa nos autos.

       É entendimento deste Tribunal, e esta questão é central e decisiva para a formação da sua convicção, que não é pelo facto de um activo se caracterizar por um período longo de vida técnica ou tecnológica que, necessariamente, a sua vida útil também se estenderá automaticamente.

       O caso dos computadores é, a este respeito, ilustrativo. A sua vida técnica será hoje por certo maior do que há 20 anos, mas sua vida útil (dependendo dos aspectos económicos, da obsolescência, etc.) não acompanhará linearmente a extensão da sua vida técnica ou tecnológica.

       Mas subsiste ainda uma outra razão para que o Tribunal entenda que a ATA não aplicou de maneira apropriada o critério da razoabilidade.

       Com efeito, conjugando os artigos 5.º (Método das quotas constantes) com o 19.º ( Quotas mínimas de reintegração e amortização) do DR 2/90, conclui-se que as taxas fixadas pela ATA, pelo critério e razoabilidade tendo em conta a utilidade esperada, funcionam como taxas máximas, implicando pois uma vida fiscal mínima.

       Ora, no caso sub iudice, a seguir-se a posição da ATA, a vida fiscal variaria entre 25 e 50 anos. Quer por razões de comparabilidade, quer até por motivos que decorrem de alguma literatura técnica, tal posição também fere a razoabilidade que a ATA deveria observar.

       Senão vejamos.

       No Relatório de Inspecção junto aos autos (p.12) afirma-se:

“Ao amortizar os bens a uma taxa de 6,25% a empresa está a admitir um período de utilidade esperada, para efeitos fiscais, de 16 anos. Por consulta aos dados técnicos, disponibilizados na internet pelo fornecedor dos equipamentos em causa – UPSOLAR Co Lda, bem como por C..., SA e D...- Remodelações elétricas, Lda, verifica-se que o tempo de utilidade esperada é de 25 anos”.

       Ao que a Requerente argumenta que sendo 25 anos a vida máxima, então 4% seria a taxa mínima e 8% a máxima. Ora, considerando que a Requerente usou a taxa de 6,25% estaria num intervalo de valores fiscalmente aceite e nenhuma correcção se deveria fazer.

       Na sua Resposta vem a ATA afirmar (respectivamente pontos 128 a 130):

“De seguida, no artigo 78º da p.i., a Requerente indica o seguinte: De facto, no cenário (referido pelos Serviços de Inspecção no relatório de inspecção) em que se atribui aos módulos fotovoltaicos um período máximo de vida útil de 25 anos, seria possível à impugnante praticar amortizações anuais a uma taxa entre os 4% e os 8% (vide os artigos 3º e 19º nº 2 do D.Reg 2/90 e 30º nº6 do Código do IRC).”

Parece-nos, com o devido respeito, que a Requerente se equivocou neste ponto.

Em primeiro lugar, à taxa de 4% corresponde um período de vida útil mínimo, e não um período de vida máximo.”.

       Ou seja, para a ATA a vida útil fiscal mínima seria de 25 anos (e a máxima seria então de 50 anos).

       A literatura técnica que o Tribunal consultou apresenta, na verdade, 25 anos como referencial para a vida técnica para o tipo de bens em causa nos autos.

       Em audiência da testemunha arrolada pela ATA, esta declarou o período de 25 anos como um “valor médio”, o que também não suporta a posição da ATA segundo a qual 25 anos seria, afinal, um valor mínimo, como consta da sua Resposta.

       Estas perspectivas surgem também nos excertos da literatura especializada sobre este tipo de equipamentos que se seguida se transcrevem.

       Veja-se, com efeito, a seguinte posição retirada de K. Branker, M. J.M. Pathak, J. M. Pearce, “A Review of Solar Photovoltaic Levelized Cost of Electricity”, Renewable & Sustainable Energy Reviews, 15, pp.4470-4482 (2011):

“The finance-able life for a solar PV system is usually considered to be the manufacturer’s guarantee period which is often 20 to 25 years. However, research has shown that the life of solar PV panels is well beyond 25 years; even for the older technologies, and current ones are likely to improve lifetime further. A 30 year lifetime or more is becoming expected.”. - (página 8)

       Alexander Fromm, do Fraunhofer Institute for Mechanics of Materials IWM, em Freiburg, sublinha:

“Solar modules are exposed to many environmental influences that cause material to fatigue over the years. Researchers have developed a procedure to calculate effects of these influences over the long term. This allows reliable lifespan predictions.

People who invest in their own solar panels for the roof would like as a rule to profit from them over the long term -- but how long will this technology actually last for? While most manufacturers guarantee a lifetime of up to 25 years to their customers, the manufacturers themselves cannot make reliable predictions about the expected operating life. The modules must fulfill certain standards, of course, to be approved for operation. This involves exposing them in various trials to high temperatures and high mechanical loading. "However, the results only predict something about the robustness of a brand-new sample with respect to extreme, short-term loading. In contrast, aggregated effects that only appear over the course of time, such as material fatigue, are pertinent for the actual operating life.,”.[10]

       Por sua vez Allen Zielnik, em “PV Durability and Reliability Issues”, Photovoltaics World Magazine, Nov/Dec 2009 - Volume 1 Issue 5, December 3, 2009, refere o seguinte:

“(…)There has been an evolution in the application of accelerated life testing (ALT) and accelerated environmental testing (AET) to the service life prediction (SLP) of photovoltaic modules and systems…(…) No test program can predict with 100% certainty that a module will properly perform in an environment for 25+ years (except for real-time 25 year testing, of course).”.

Por fim, consultando a Proposta da Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde empossada pelo XIX Governo Constitucional, a mesma pronunciou-se sobre a taxa de depreciação que o DR 25/2009 (que substituiu o DR 2/90) deverá contemplar em relação aos painéis fotovoltaicos, reconhecendo a sua omissão quanto a este tipo de activos.

É certo que o DR 25/2009 não se aplica aos factos tributários em causa nos autos, mas o Tribunal considera de grande utilidade referir o entendimento avalizado por esta comissão de especialistas numa temática, que como vimos, não se encontra todavia expressamente regulamentada pelo legislador.

Deste modo, vem recomendar a Comissão no seu anteprojecto, o qual pode ser consultado no seguinte link[11] na sua página 110, uma vida fiscal de 12,5 anos, como mínimo, até 25 anos, como máximo, o que representaria taxas fiscais entre 8% e 4%.

            Percorrendo o referido anteprojecto, constata-se a preocupação desta Comissão, quando, e citamos:

“Considera-se em geral que um sistema fotovoltaico deixa de ter um desempenho interessante do ponto de vista económico (vida útil) quando a sua potência cai abaixo de 80 % da potência inicial, ainda que dependendo do tipo de sistema este possa continuar a ser útil para o respectivo proprietário.”.

       Sugerindo a Comissão que “As taxas a utilizar devem seguir uma razoabilidade técnica e de eficiência económica”.

(Sublinhado do Tribunal)

Também aqui se constata que anda mal a ATA, quando pretende fixar uma taxa máxima de 4% e mínima de 2%.

       Em suma, é entendimento deste Tribunal que o período de vida fiscal definido pela ATA para os bens em causa nos autos, padece do vício de ilegalidade, porquanto não encontra suporte na legislação fiscal e contabilística aplicável, e, bem assim, na própria prova produzida nos autos e na literatura especializada internacional sobre este tema.

       É certo que a vida útil de cada geração de painéis fotovoltaicos tem vindo a aumentar, assim o dita a tecnologia, mas disso não decorre necessariamente, no entendimento do Tribunal, que a sua utilidade económica, para uma determinada empresa, acompanhe essa vida tecnológica.

       Se a taxa de depreciação para este tipo de equipamento estivesse definida na lei, tudo isto seria ocioso. Porém, como não está, o critério de razoabilidade, moderação ou aceitabilidade, implica que se leve em conta mais do que a simples utilidade tecnológica ou técnica e se atenda também a outros factores, que aliás vinham expressos no (então) artigo 28, n.º 1 do Código do IRC, que continha a regra geral sobre as depreciações fiscalmente aceites.

       E, sendo certo que as condicionantes económicas, financeiras, legais e de obsolescência se farão sentir neste tipo de equipamentos, em face da actividade económica desenvolvida, a vida útil relevante para efeitos fiscais, será, por via de regra, menor do que vida técnica.

       Há ainda, todavia, um ponto muito relevante que o Tribunal pretende sublinhar. Não se pode entender esta decisão como dando suporte ou sustentando que uma dada empresa, ao deparar-se com um activo depreciável fiscalmente e para o qual não exista taxa prevista na lei, poderá usar uma vida útil que decorra de um qualquer plano de negócios.

       Se, nestas circunstâncias (ausência de taxa prevista na lei) uma dada empresa viesse sustentar que sendo, por exemplo, de dois ou cinco anos o prazo previsto para a exploração de um dado negócio isso implicaria taxas de depreciação de activos de 50% ou 20%, respectivamente, tal não seria, ipso facto, uma vida útil razoável, pelos motivos expostos nesta decisão.

       No caso sub iudice, a vida útil que se afigura razoável ao Tribunal está ancorada em factores legais e financeiros (contrato de venda de energia a preços fixados), tecnológicos e de mercado (valor residual estimado nulo no final desse período). Estes factos foram, de resto, dados como provados.

       Ou seja, a razoabilidade de um período de vida útil decorrente de factores económicos, técnicos ou de mercado terá de se aferir casuisticamente, não decorrendo automaticamente de projecções ou estimativas das empresas. Tais estimativas devem estar ancoradas em bases ou fundamentos que possuam um grau apreciável de objectividade e controlabilidade.

       O Tribunal entende, assim, em obediência às imposições hermenêuticas do artigo 9.º do Código Civil, conjugado com o disposto no artigo 11.º da LGT, que a ATA não interpretou de forma correcta o disposto no n.º 2 do artigo 30.º do Código do IRC, tendo, ao invés, determinado a aplicação ao caso concreto de um critério que viola a interpretação para efeitos fiscais que o Tribunal faz dos conceitos de “razoabilidade” e de “utilidade esperada”, pelo que a correcção fiscal efectuada deverá ser anulada, por ilegal.

       No que se refere à alegada violação dos princípios constitucionais da igualdade e da tributação do lucro real, invocados pela Requerente, o conhecimento de tais questões encontra-se prejudicado pela declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional em causa, por vício substantivo que impede a respectiva reedição ou renovação.

            Como refere o Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, em anotação ao artigo 95.º desse diploma, p. 483 (aplicável por remissão do artigo 2.º alínea c) do CPPT e do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT) “Se o tribunal julgou procedente o pedido principal, fica precludido o poder jurisdicional quanto a um pedido subsidiário ou formulado em alternativa; e, nos mesmos termos, se a pronúncia adoptada quanto a uma questão consome ou deixa prejudicados outros aspectos da causa que com ela se correlacionem.”

            Nestes termos, face à interpretação material preconizada fica prejudicado o conhecimento e a apreciação dos demais vícios imputados ao acto de liquidação adicional.

 

7.         DECISÃO

 

       Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral em:

 

            - Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e de anulação do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas identificado nos autos, e a consequente anulação do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente, com as legais consequências.

 

* * *

 

            Fixa-se o valor do processo em Euro 185.560,30, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC. 

 

            O montante das custas é fixado em Euro 3.672,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

            Notifique-se.

 

            Lisboa, 18 de Setembro de 2014

 

 

O tribunal colectivo,

 

 

 

                                 Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (presidente)

 

 

 

                                                   Henrique Nogueira Nunes

 

 

 

 

António Martins

 

 

 

 

Texto elaborado em computador nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.



[1] Na Tabela I (Taxas Específicas); Divisão V (Electricidade, gás e água), do Grupo I (Produção, transporte e distribuição de energia eléctrica).

[2] O período dos 25 anos

[3] Documento n.º 6 junto pela Requerente com a sua petição inicial

[4] Uma vez que o caso sob apreciação respeita ao exercício de 2009, em que ainda vigorava o Plano Oficial de Contabilidade (POC) mas ocorreu a transição para o Sistema de Normalização Contabilística (SNC) usaremos, quando de sentido equivalente, termos do SNC e do POC. Assim, por exemplo, reintegrações e depreciações serão termos utilizados em idêntico sentido. Idem relativamente a custos e gastos.

[5] De ora em diante, e salvo indicação em contrário, as normas invocadas são as do Código do IRC em vigor em 2009, aplicável à data dos factos tributários em análise nos autos.

[6] Cf. Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 135.

[7] Cf. Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, p. 307. 

[8] Veja-se Oliveira Ascensão, Interpretação de leis. Integração de lacunas. Aplicação do princípio da analogia”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 57 – III, Lisboa, Dezembro 1997, pp. 913-941.

[9] Rui Morais, in Apontamentos ao IRC, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 110-111

 

[11]  http://www.portugal.gov.pt/media/1475725/20140709%20Anteprojecto%20Reforma%20fiscalidade%20verde.pdf,

Requerente: A..., Sociedade Unipessoal, Lda.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (“ATA”)

 

DECISÃO ARBITRAL

 

       Os árbitros, Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa, Henrique Nogueira Nunes, e António Martins, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

1.    RELATÓRIO

 

1.1. A..., Sociedade Unipessoal, Lda., com o número de identificação fiscal ... (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

 

1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração da ilegalidade da liquidação de IRC consubstanciada na demonstração de liquidação n.º ... e da demonstração de acerto de contas n.º ..., referente ao exercício de 2009, acto tributário de 1.º grau, e, bem assim, do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada e que tramitou com o n.º ... (acto tributário de 2.º grau) visando a anulação do mesmo acto de liquidação.

 

1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente designada por “AT”) em 03 de Fevereiro de 2014, tendo sido designados como árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo aqueles já acima indicados, que aceitaram o encargo.

 

1.4. Em 21 de Março de 2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

1.5. O Tribunal Arbitral foi constituído em 07 de Abril de 2014.

 

1.6. A fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

 

(i)   Que a alteração da taxa de amortização fiscal promovida pela ATA para 4% padece de ilegalidade por ausência de norma habilitante.

 

(ii) Delimita como questão central a decidir nos autos a determinação de qual será a taxa de depreciação ou amortização razoável, defendendo que o período de utilidade esperada deverá constituir um dos critérios prevalecentes a atentar para a determinação da taxa de amortização legal.

 

(iii)                       Sustenta que estaria a definir um período de utilidade esperado razoável caso amortizasse os módulos fotovoltaicos a uma taxa que respeitasse o intervalo entre 3,125% - 6,25%.

 

(iv) Alega que é erróneo o entendimento da ATA em querer atribuir aos seus módulos fotovoltaicos um período de vida útil superior àquele que a lei consagrou como razoável para os equipamentos das centrais hidroeléctricas.

 

(v) Que o procedimento por si determinado encontra perfeito cabimento nas normas previstas no Código do IRC e no DR 2/90, sendo razoável e totalmente adequado.

 

(vi) que não assiste razão à ATA quando julga desproporcionada a taxa de amortização por si praticada em relação aos seus painéis fotovoltaicos.

 

(vii) Defende, que existindo dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado, conforme impõe o n.º 1 do artigo 100.º do CPPT.

 

(viii) Por fim, salienta a clara violação do princípio constitucional da igualdade e da tributação do lucro real, alegando que a aplicação da taxa de amortização e reintegração proposta pela ATA é claramente inconstitucional, na medida em que é desproporcional, implicando a sua penalização face a outras entidades produtoras de energia estabelecidas no mercado.

 

1.7. A ATA respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente, alegando de forma sumária, como segue:

 (i) Que nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 30.º do Código do IRC e no artigo 5.º n.º 3 do Decreto Regulamentar 2/90, relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas taxas de reintegração e de amortização, como é o caso dos autos, deverão ser aceites as que pela ATA sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.

(ii) Que a taxa aplicada pela Requerente não pode ser considerada como razoável, tendo em conta o período de utilidade esperada.

(iii) Que por consulta e análise de dados de natureza técnica disponibilizados por diversas empresas fornecedoras de painéis fotovoltaicos, a ATA conseguiu apurar que o período de utilidade esperada indicado para os painéis fotovoltaicos é sempre o de 25 anos, tendo, para tanto, consultado diversas empresas no mercado que se dedicam ao fornecimento de painéis fotovoltaicos.

(iv) Que considerando o período de utilidade esperada de 25 anos previsto para os bens em causa nos autos, a taxa de depreciação ou amortização que deveria ter sido aplicada pela Requerente era de 4%.

(v) Não podendo, por isso, aceitar a taxa de 6,25% determinada pela Requerente.

(vi) Que a razoabilidade imposta resultará directamente do período de utilidade esperada, só sendo razoável a taxa que for fixada em função do período de utilidade esperada, porquanto invoca que o artigo 31º nº 2 do Código do IRC impõe-lhe o dever de considerar o período de utilidade esperada.

(vii) Na ausência de estipulação da taxa de depreciação ou amortização pela lei, está vinculada a determinar a mesma em função do período de utilidade esperada.

(viii) Sendo este o único critério, sustenta, que poderá determinar a referida taxa com objectividade, rigor e segurança.

(ix) Respondendo à alegação invocada pela Requerente de que estaria a violar os princípios constitucionais da igualdade e da tributação do lucro real pugnou pela conformidade da sua actuação com o disposto no artigo 31.º nº 2 do Código do IRC, tendo determinado a taxa de depreciação ou amortização que resulta do período de utilidade esperada de 25 anos expressamente indicado pelas entidades com conhecimento especializado na matéria em questão e referidas nos autos.

(x) Considera que a aplicação da taxa de 4% aos painéis fotovoltaicos não é injustificada ou desproporcional, uma vez que resulta directamente do período de utilidade esperada dos 25 anos que defende, inexistindo qualquer violação dos supras referidos princípios constitucionais.

(xi) Concluindo, para fundamentar a correcção fiscal em causa nos autos, de que existe norma habilitante para a determinação da taxa de depreciação ou amortização, a saber, o artigo 31.º nº 2 do Código do IRC e o artigo 5.º nº 3 do Decreto Regulamentar nº 2/90 e que por consulta a diversas empresas presentes no mercado, logrou determinar que os painéis fotovoltaicos têm um período de utilidade esperada de 25 anos, pelo que a taxa correcta de depreciação ou amortização a aplicar será de 4%.

 

1.8. Em 30 de Maio de 2014, teve lugar, na sede do CAAD, a primeira reunião do Tribunal Arbitral, de acordo com o disposto no artigo 18.º do RJAT. Não foram identificadas excepções, o Tribunal Arbitral aceitou ouvir a prova testemunhal indicada pelas partes, tendo a inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente sido realizada no dia 20 de Junho de 2014, e tendo esta requerido a junção aos autos de um documento apresentado por uma das testemunhas, o qual foi admitido, tendo sido dado prazo de vista à Requerida, tudo em conformidade com o que consta da acta junta aos autos, e a inquirição da testemunha indicada pela ATA foi realizada no dia 27 de Junho de 2014, tendo a Requerente prescindindo da inquirição da segunda testemunha por si arrolada, igualmente tudo em conformidade com o que consta da acta junta aos autos.

 

1.9. O Tribunal notificou ambas as partes para apresentação de alegações escritas, no prazo de 15 dias, de modo sucessivo, começando pela Requerente, tendo ambas optado por exercer tal direito, e designou até ao dia 7 de Outubro de 2014 a prolação da decisão arbitral.

 

2.0. Nas alegações apresentadas, Requerente e Requerida mantiveram, no essencial, as posições já defendidas na petição de pronúncia arbitral e na resposta, ambas juntas aos autos.

 

2.1. Após a ATA ter apresentado as suas alegações, a Requerente entendeu apresentar um Requerimento que designou de “esclarecimento”, visando esclarecer o âmbito de aplicação de um Despacho da Direcção de Serviços de IRC, admitido como documento aos autos, o qual, apesar da sua natureza anómala, foi admitido pelo Tribunal ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, e tendo, em obediência ao princípio do contraditório, sido concedido prazo de 10 dias à ATA para se pronunciar sobre o mesmo.

 

2.2. A ATA respondeu em prazo dizendo que o documento apresentado pela Requerente não se aplica ao caso sub iudice, por serem evidentes as diferenças entre o assunto constante desse documento e o que está em causa nos autos, alegando nada acrescentar ao objecto do processo e defendendo ser irrelevante para o mesmo.

 

 

* * *

 

2.3. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

 

2.4. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

2.5. Não foram identificadas nulidades no processo, excepções e questões prévias, não havendo qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

 

2.    QUESTÃO DECIDENDA

 

       Como é pacificamente aceite por ambas as partes, a questão que se discute nos presentes autos prende-se com o apuramento, em face do enquadramento fiscal vigente à data dos factos tributários em causa, do tratamento fiscal a conceder em sede da amortização/depreciação dos painéis fotovoltaicos da Requerente, identificados nos autos, designadamente para efeitos de se determinar o seu período de utilidade esperada para efeitos fiscais.

 

3.         MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A) A Requerente é uma sociedade por quotas que tem por objecto a produção e comercialização de energia através da exploração de empreendimentos de aproveitamento de energias renováveis, bem como quaisquer outras actividades complementares ou acessórias daquela que eventualmente venham a ser necessárias ou a ter relação com o objecto principal. (cf. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

 

B) Os principais bens do activo imobilizado da Requerente correspondem aos painéis fotovoltaicos (policristalinos), que incorporam o seu equipamento básico no montante de € 37.233.446,66. (cf. Artigo 9.º da Resposta da ATA, e não contestada pela Requerente)

 

C) A Requerente investiu a quantia de € 50.000.000,00 na construção de uma Central Solar, localizada em …. (cf. Documento n.º 3 junto com pedido de pronúncia arbitral)

D) A Requerente investiu a quantia € 31.121.224,14 na aquisição dos painéis fotovoltaicos em causa nos autos. (cf. documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

E) Os módulos fotovoltaicos em causa nos autos começaram a ser amortizados, de acordo com o método das quotas constantes, a partir de 2009, ano em que ocorreu a entrada em funcionamento destes equipamentos, tendo a Requerente assumido um período de vida útil de 16 anos. (cf. Processo Administrativo junto aos autos e documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

F) A Requerente considerou a aplicação de uma taxa de amortização de 6,25% vigente para os equipamentos de centrais hidroelétricas, nos termos previstos na Tabela I (Taxas Específicas), Divisão V (Electricidade, gás e água), do Grupo I (Produção, transporte e distribuição de energia eléctrica).

G) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI..., de 10-05-2012, foi determinada uma acção inspectiva externa à Requerente realizada pela Direcção de Finanças de …, de âmbito parcial, ao IRC do exercício de 2009. (cf. Processo Administrativo junto aos autos).

H) A qual teve como objectivo a análise, para efeitos fiscais, das amortizações praticadas pela Requerente no exercício de 2009 (cf. Processo Administrativo junto aos autos).

 

I) A Requerente, com referência ao exercício de 2009, praticou, para efeitos fiscais, as seguintes amortizações, contabilizadas como custos nas contas POC 662 - Amortizações e Ajustamentos do Exercício/Imobilizações Corpóreas (cf. Processo Administrativo junto aos autos e Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral):

 

Descrição

Valor do Imobilizado

Nº de anos de utilidade esperada considerados pela Requerente para efeitos fiscais

Amortização do Exercício praticada para efeitos fiscais

Edific. ou Const. não reav. – ..

4.951.250,31

30

164.876,64

Equipamento básico Eq. Elect.

31.121.224,14

16

1.945.076,52

Eq. Básico Inst. Eléct. não reav.

6.112.222,52

20

305.611,14

Ferramentas e utensílios

4.740,76

4

1.185,19

Eq. Administ. – Ar condicionado

416,67

8

52,08

Eq. Administ. - Computadores

720,00

3

239,98

Eq. Administ. – máq. não especif. Sede

8660,00

8

1.082,50

TOTAL

42.199.234,40

 

2.418.124,05

 

J) A 16 de Agosto de 2012, a Requerente foi notificada do Projecto de relatório da Inspecção Tributária o qual propôs a seguinte correcção (cf. Processo Administrativo junto aos autos):

 

Descrição

Valor do imobilizado

Amortização praticada

Amortização permitida

Correcção Proposta

Imobilizado corpóreo (Equipamento básico)

€ 31.121.224,14

€ 1.945.076,52

€ 1.244.848,98

€ 700.227,54

TOTAL

€ 31.121.224,14

€ 1.945.076,52

€ 1.244.848,98

€ 700.227,54

 

K) A ATA corrigiu o resultado tributável da Requerente no valor de € 700.227,54, por acréscimo deste valor ao quadro 07 da Declaração Modelo 22 do ano de 2009, tendo considerado aplicável uma taxa de amortização de 4%, tomando como período de vida útil para os bens em causa nos autos o período de 25 anos. (cf. Processo Administrativo junto aos autos).

 

L) Tendo resultado as seguintes correcções (cf. Processo Administrativo junto aos autos):

 

Descrição

Exercício de 2009

Resultado Fiscal Declarado

-1.112.740,92

Total das Correcções

700.227,54

Prejuízo Fiscal Fixado

-412.513,38

 

M) A Requerente foi notificada, a 25 de Setembro de 2012, do relatório final da inspecção tributária. (cf. Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

N) No dia 11 de Outubro de 2012, os serviços da ATA enviaram, através da via CTT, a Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2012 ... e a Demonstração de Acerto de Contas n.º 2012 ..., reflectindo a correcção cuja ilegalidade a Requerente alega. ( cf. Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

O) No dia 6 de Março de 2013 a Requerente entregou uma Reclamação Graciosa, a qual tramitou sob o n.º ..., endereçada ao Director da Direcção de Finanças de …, onde vem requerer a anulação da demonstração de Liquidação n.º 2012 ... e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2012 ..., relativo ao exercício de 2009. (cf. Processo Administrativo junto aos autos)

P) No dia 23 de Setembro de 2013 foi a Requerente notificada do projecto de decisão da Reclamação Graciosa apresentada, tendo igualmente sido notificada para, querendo, exercer o competente direito de audição prévia. (cf. Processo Administrativo junto aos autos)

Q) Não tendo a Requerente optado por exercer tal direito. (cf. Processo Administrativo junto aos autos)

R) No dia 31 de Outubro de 2013 foi a Requerente notificada do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada. (cf. Processo Administrativo junto aos autos)

S) O tempo médio de vida técnica ou tecnológica dos painéis fotovoltaicos em causa nos autos, considerando uma normal utilização, é de 25 anos. (Cf. Informações técnicas disponibilizadas pelas empresas, B...., Ltd; C..., S.A.; D..., Lda e E..., S.A. e expressas no relatório de inspecção tributária junto aos autos e depoimento da testemunha arrolada pela ATA)

T) O período de vida útil de um painel fotovoltaico como os que estão em causa nos autos depende de um conjunto diversificado de factores, que não apenas os de carácter puramente técnico ou tecnológico. (Cf. depoimento da testemunha arrolada pela ATA)

U) Decorrido o período da tarifa garantida (no caso de 15 anos – previsto no DL 189/88, de 27 de Maio – para o fornecimento da electricidade à rede eléctrica), a rentabilidade da actividade desenvolvida pela Requerente, em face das suas projecções económico-financeiras, ficará reduzida a um valor muito inferior ao praticado nesse período.

V) O facto de a rentabilidade da actividade da Requerente ficar reduzida a um valor muito inferior, em face das suas projecções económico-financeiras, decorrido que seja o período da tarifa garantida para o fornecimento rede eléctrica, fica a dever-se sobretudo à circunstância de a tarifa praticada em contexto de mercado liberalizado ser muito inferior.

X) O que põe em causa a rentabilidade da actividade desenvolvida, com probabilidade, inclusive, de a própria central de energia solar poder ter de ser desmantelada por acentuada quebra de rentabilidade.

Z) O plano de negócios da Requerente foi elaborado nesse pressuposto.

 [Cf., para o que se assenta em U),V), X) e Z, o depoimento das testemunhas arroladas pela Requerente; e, no que se refere especialmente ao facto de a tarifa em mercado liberalizado ser muito inferior à estabelecida em mercado garantido, cf. o depoimento da própria testemunha arrolada pela ATA].

 

 

 

4.    FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não se prova que seja aplicável ao caso o documento junto aos autos pela Requerente aquando da realização da inquirição de testemunhas, e que se reporta a um Despacho da Senhora Directora de Serviços do IRC, com o assunto “Métodos de Cálculo das Depreciações e Amortizações”.

 

Não existem quaisquer outros factos não provados, com interesse para a decisão da causa.

 

 

 

5.    FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

            Quanto aos factos essenciais, a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados, cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes, bem como nos depoimentos das testemunhas ouvidas que aparentaram isenção nos seus depoimentos e demonstraram conhecimento dos factos que relataram.

 

            A testemunha arrolada pela ATA, Professor Doutor …, testemunhou e citamo-lo por ser relevante para a fundamentação da decisão da matéria de facto que: “o período de vida útil de um painel fotovoltaico depende de vários factores, o sítio onde está localizado, etc…”

 

            E que o período de 25 anos de vida útil: “não é o período máximo, é o médio, considerando uma utilização normal do painel fotovoltaico”.

 

            Por seu turno a testemunha arrolada pela Requerente, Dra. …, testemunhou e citamos pela sua relevância para o caso: “A rentabilidade do projecto findo o período de tarifa garantida é muito reduzida.”.

 

Disse ainda a Dra. … que seria “ absurdo amortizar os painéis entre os anos 15 e 25, não havendo proveitos resultantes de tarifa garantida”.

 

            Tendo sido corroborado pela outra testemunha arrolada pela Requerente, Eng.º …, que declarou e citamos: “O valor residual dos painéis passa por ser de zero passados 15 anos, não têm valor nenhum, é obsoleto porque houve um avanço tecnológico grande.”.

 

 Acrescentou ainda esta testemunha que “os custos de desmantelamento existem e são significativos,” e que “ o mercado em segunda mão para estes painéis se poderia considerar inexistente”.

 

            Quanto ao documento junto aos autos pela Requerente aquando da realização da inquirição de testemunhas, e que se reporta a um Despacho da Senhora Directora de Serviços do IRC, com o assunto “Métodos de Cálculo das Depreciações e Amortizações”, não pode seguramente ser aplicável ao caso, pois o documento não está datado, nem contém qualquer destinatário e são desconhecidas as circunstâncias em que o mesmo terá sido emitido.

 

Pretende a Requerente que o Tribunal admita que tal documento contém uma posição por parte da ATA de que os painéis fotovoltaicos devem ser depreciados por referência ao limite temporal da vida útil de uma central, que nesse caso parece ser de 20 anos, o que diz contrariar a posição expressa pela ATA no processo, o que esta última não admite, contestando esta posição nas suas alegações.

 

É certo que o documento em causa contém, aparentemente, algumas similitudes com o caso dos autos, mas, para além de não estar datado, nem conter qualquer destinatário e serem desconhecidas as circunstâncias em que o mesmo terá sido emitido, o documento em causa não é nem minimamente essencial para o Tribunal formar a sua convicção sobre a boa solução para o caso.

 

 

 

6.    DO DIREITO

 

 

6.1. Da contextualização da questão decidenda em causa nos autos     

       Conforme resulta dos autos a Requerente, tendo adquirido bens de investimento (in casu, painéis fotovoltaicos para a produção de energia eléctrica) amortizou-os, com referência ao exercício de 2009 a uma taxa de 6,25%.

       Esta taxa, implicando um período de vida útil para os bens de investimento em causa de 16 anos, resultou, por um lado, do facto de a Requerente possuir um contrato de venda de energia a preço previamente fixado durante um período de 15 anos, findo o qual os painéis terão um valor negligenciável, segundo alega. Por outro lado, ainda segundo a posição da Requerente nos autos, esta taxa teria algum suporte no Decreto Regulamentar 2/90 (“DR 2/90”), diploma vigente ao tempo dos factos tributários em causa nos autos, aí se tendo achado a taxa aplicável ao equipamento de produção de energia hidroeléctrica[1].

Argumenta a Requerente que, não estando prevista no DR 2/90 qualquer taxa para a depreciação dos painéis fotovoltaicos em casa nos autos, e, considerando, segundo a mesma, que a vida útil dos equipamentos para produção de energia hidroeléctrica é a mais longa no âmbito do leque de equipamentos para a produção de energia, então a taxa de 6,25%, que elegeu para a depreciação do equipamento, afigura-se como razoável, devendo, como tal, ser aceite.

A esta posição manifesta-se em sentido contrário a ATA, alicerçando-se na informação disponibilizada por um conjunto de fornecedores de painéis fotovoltaicos do tipo dos painéis em causa nos autos, em que se pretende demonstrar que o período de utilidade esperada para os equipamentos em causa é sempre de 25 anos.

Uma vez que se dispunha no então artigo 30.º, n.º 2, do Código do IRC, que relativamente aos elementos para que não se encontrassem fixadas taxas de reintegração (como é o caso dos autos), eram aceites aquelas (taxas) que a ATA considerasse razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada daqueles elementos.

O relatório da inspecção tributária veio a equiparar tal período de utilidade esperada à vida útil dos equipamentos em causa[2], sustentando a ATA, por isso, que a taxa de depreciação correcta a considerar deveria ser de 4% e não de 6,25%, posição que mantém nos autos.

A Requerente vem considerar como inconsistente e ilegal esta posição da ATA, invocando dois argumentos para tal. Em primeiro lugar, porque num plano técnico-económico, e conforme atesta um estudo por si apresentado nos autos[3], nunca a vida útil dos painéis fotovoltaicos poderia ser superior à dos equipamentos para produção de energia hidroeléctrica.

Efectivamente, se o DR 2/90 previa para estes últimos equipamentos o período de vida útil de 16 anos, considera a Requerente não ser razoável que em relação aos painéis fotovoltaicos estes tenham de ter uma vida útil fiscal de 25 anos.

Em segundo lugar, porque mesmo aceitando-se a posição da ATA, então a taxa de 6,25% implicaria uma vida útil mínima de 16 anos e uma vida máxima de 32 anos, e o intervalo que medeia este período incluiria o tal período de 25 anos que a ATA sempre sustentou ser o correcto.

A esta posição vem a ATA contrapor, sustentando que o período de 25 anos seria a vida útil mínima e não a vida útil máxima, pelo que, invoca, todo o raciocínio da Requerente padece de erro.

Fica, desta forma, devidamente delimitada a questão a resolver nos autos, que é então a de se determinar, em face do enquadramento fiscal vigente à data dos factos tributários em causa, qual o tratamento fiscal a conceder em sede da amortização/depreciação dos painéis fotovoltaicos da Requerente, identificados nos autos, designadamente para se determinar o seu período de vida útil para efeitos fiscais.

A decisão a tomar pelo Tribunal há-de assentar, num primeiro plano, na apreciação do conceito fiscal de razoabilidade quando aplicado à temática em causa, isto é, a razoabilidade das taxas de depreciação, tendo em conta o período de utilidade esperada para os bens de equipamento em causa, valorizando, de igual modo, os elementos técnicos trazidos ao processo pelas partes, a saber: as estimativas de vida útil dos painéis fotovoltaicos que a ATA carreou para o processo, e o estudo apresentado pela Requerente em se estriba relativamente à comparabilidade da vida útil dos equipamentos para produção de energia hidroeléctrica.

Por fim, atenta a singular especificidade da questão em análise nos autos, a qual não compreende como elementos únicos de análise estritamente os de natureza fiscal e contabilística, o Tribunal não deixará de atender aos depoimentos das testemunhas e aos elementos complementares (económicos, técnicos e outros) que sejam relevantes para melhor decidir sobre a questão sub iudice.

 

       6.2. A influência das depreciações na formação do resultado contabilístico e fiscal

            O resultado apurado pela contabilidade das entidades empresariais decorre, como se sabe, do confronto entre os proveitos e custos necessários para os obter[4]. No plano contabilístico esse resultado é, inevitavelmente, influenciado por um vasto conjunto de estimativas, em especial no que respeita ao conjunto dos custos suportados. Assim, e a título exemplificativo, as provisões e as depreciações constituem parcelas importantes dos custos evidenciados contabilisticamente cujo registo assenta em previsões ou estimativas.

       Reconhecendo esta inevitabilidade - de o resultado depender, em boa parte, de estimativas - a Estrutura Conceptual (EC) do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), § 37 dispõe “Os preparadores das demonstrações financeiras têm, porém, de lutar com as incertezas que inevitavelmente rodeiam muitos acontecimentos e circunstâncias, tais como…a vida útil provável de instalações e equipamentos…”.

       E já o POC – normativo contabilístico em vigor em 2009 – estabelecia que, de acordo com princípio da prudência,“ é possível integrar nas contas um grau de precaução ao fazer as estimativas exigidas em condições de incerteza sem, contudo, permitir a criação de reservas ocultas ou provisões excessivas…”.

       A depreciação a reconhecer periodicamente como gasto relacionado com o uso de um activo depende assim de um conjunto de estimativas, designadamente, o período de vida útil e o valor residual. Mas essas estimativas deverão convergir num objectivo primordial: o de adequar a depreciação registada ao efectivo desgaste do bem.

       Procura-se, assim, facultar a quem elabora a informação financeira um conjunto de directivas para que o processo apuramento das depreciações conduza a valores de gastos que reflictam devidamente o deperecimento dos activos.

       O custo que decorre da quantificação das depreciações deve ter um carácter sistemático, ou metódico, devendo surgir como efeito da aplicação de uma regra de cálculo que possua lógica interna. Por outro lado, a vida útil e o valor residual dos bens serão parâmetros essenciais na determinação de tal modo de cálculo, uma vez que a essência do fenómeno que este custo visa traduzir se consubstancia no imputação do valor dos activos a diversos períodos económicos, durante os quais estes são afectos a uma dada actividade económica.

       Na verdade, como bem sublinham António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues, in Elementos de Contabilidade Geral, Áreas Editora, 2010, pp.697, “Os ativos fixos não se “consomem” num só período económico, mas sim e em princípio no número de anos previsto para sua vida económica. (…) Em resumo, os bens ao serem utilizados nos sucessivos períodos vão-se depreciando, ou seja, vão perdendo valor”.

       Se assim é no plano contabilístico, compreende-se que também no plano fiscal as depreciações tenham, em especial no Código do IRC e demais legislação complementar, um tratamento desenvolvido. Tal decorre do facto de as depreciações assentarem numa estimativa de perda de valor, que se materializa contabilística e fiscalmente num custo. Este, por sua vez, afecta o resultado.

       Neste contexto, o Código do IRC consagrava[5], em especial nos seus artigos 28.º a 31.º, um amplo conjunto de normas dirigidas ao tratamento fiscal das reintegrações e amortizações.

       E, complementarmente, o DR 2/90, estabelecia as taxas fiscais a utilizar para um conjunto de activos bastante lato e diversificado.

       Bem se compreende que o legislador fiscal tenha procurado disciplinar a aceitação fiscal das depreciações. Como já se viu, constituindo estes custos contabilísticos estimativas de perdas de valor em activos de longa duração, a concessão ao contribuinte de uma total liberdade na consideração de tais custos como elementos negativos do lucro tributável poderia redundar em situações indesejáveis de manipulação do resultado fiscal.

       Vistas as questões gerais que, num plano contabilístico e fiscal, afectam as reintegrações, entremos agora na apreciação da questão de fundo suscitada pela Requerente e contrariada pela ATA.

 

       6.3. O significado do disposto no artigo 30.º, nº 2, do Código do IRC – o critério da razoabilidade e a interpretação a conferir à expressão “período de utilidade esperada” à luz dos preceitos fiscais e contabilísticos.

       À data dos factos tributários em causa nos autos, dispunha o então artigo 30.º, n.º 2, do Código do IRC, o seguinte:

       1- Para efeito da aplicação do método das quotas constantes, a quota anual de reintegração e amortização que pode ser aceite como custo do exercício determina-se aplicando as taxas de reintegração e amortização definidas no decreto regulamentar que estabelece o respectivo regime aos seguintes valores:

       (…)

       2 - Relativamente aos elementos para que não se encontrem fixadas taxas de reintegração ou amortização, são aceites as que pela Direcção–Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada daqueles elementos.” (negrito do Tribunal)

       Ora, como bem se vê daquele preceito, existem dois conceitos que devem merecer uma análise detalhada e uma adequada interpretação.

       Em primeiro lugar o da razoabilidade.

       Segundo o Dicionário Universal da Língua Portuguesa, Texto Editora, Lisboa, 1995, “razoável” significa: “conforme à razão, ao direito; moderado; aceitável.”.

       Mas esta definição por si só considerada não nos permite atingir o critério que o legislador fiscal quis definir, ou seja, a solução a empreender ao caso concreto há-de ter arrimo no direito, e terá de ser aceitável face ao conjunto de factores que devem ser tidos na busca de uma decisão.

       No entanto, o mesmo preceito do Código do IRC baliza o elemento essencial dessa razoabilidade, delimitando o âmbito de tal critério em função do conceito de: período de utilidade esperada.

       Não definindo o legislador o que se deve entender por tal conceito para efeitos da sua densificação fiscal.

       Pelo que para a boa decisão dos autos terá, necessariamente, de se analisar qual a definição a dar, para efeitos fiscais, e contida no referido n.º 2 do artigo 30.º do Código do IRC, do conceito de “período de utilidade esperada”, em função do critério usado pela ATA no caso concreto para sustentar a utilidade esperada (ou vida útil esperada) dos bens em questão nos autos – os painéis fotovoltaicos.

       Tal análise deve ter na devida conta a necessária perspectiva sistemática das normas jurídicas relevantes.

       As normas fiscais devem ser interpretadas como quaisquer outras, estando ultrapassada a concepção de que lhes assistiria o carácter excepcional que outrora lhes foi assinalado. Como afirma o saudoso Professor J.L. Saldanha Sanches, “a unidade do sistema jurídico e a natureza essencialmente comum dos problemas que se colocam no Direito Fiscal e em outros ramos do Direito fazem com que a adopção de princípios interpretativos com aplicação apenas nas relações jurídicas tributárias dificilmente seja compatível com a unidade sistemática.”.[6]

       De igual modo, Sérgio Vasques diz-nos que “a interpretação da lei fiscal não reveste qualquer especificidade, bastando-se com os critérios tradicionais que entre nós figuram no artigo 9.º do Código Civil. O intérprete não deve, assim, cingir-se à letra da lei fiscal, mas reconstituir aqui também, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Em suma, “também o intérprete das leis fiscais, como o de qualquer outras normas jurídicas, terá de fixar o respectivo sentido, conjugando o ‘elemento gramatical’ com o ‘elemento lógico’ ou ‘teleológico’, incluindo os aspectos racional, sistemático e histórico.”.[7]

       De notar a este respeito que o artigo 9.º do Código Civil marca a prevalência do espírito sobre a letra da lei, embora tenha colocado expressamente a letra como limite à busca do sentido[8]. Sem prejuízo de considerarmos que a matéria de interpretação das leis não é de índole a ser aprisionada pela via legislativa, encaramos [à semelhança do que também parece ser a posição de Sérgio Vasques] o artigo 9.º do Código Civil como a emanação de um princípio geral hermenêutico, assistindo-lhe, por essa razão, validade intrínseca. Dispõe este preceito que:

 

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

       Por sua vez, a Lei Geral Tributária (“LGT”), no seu artigo 11.º, veio, no campo específico das leis tributárias, consagrar um conjunto de regras de interpretação nos seguintes moldes:

 

 1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.

    

Vejamos, pois.

Conforme tínhamos referido anteriormente, o artigo 30.º n.º 2 do Código do IRC faz referência a dois conceitos fundamentais, o primeiro, a que já nos referimos, da razoabilidade, e o segundo a que nos dedicaremos agora, relacionado com o conceito de “utilidade esperada”, essencial para aferir da razoabilidade da taxas de depreciação a usar no caso sub iudice.

       A clarificação deste conceito poderá, porventura, ser encontrada pela mera interpretação da lei fiscal, maxime, o disposto no Código do IRC e no DR 2/90 em relação a estas matérias.

       Ou, alternativamente poderá ainda ter de se conjugar estes normativos fiscais com as disposições do normativo contabilístico aplicável, atento o disposto no artigo 17.º do Código do IRC relativamente ao modelo de dependência parcial do resultado tributável relativamente aos valores apurados na contabilidade, considerando igualmente o disposto no artigo 11.º da LGT.

       À data dos factos tributários em causa, estabeleciam os artigos 28.º, 29.º e 30.º, todos do Código do IRC – nas disposições que aqui se julgam relevantes para os autos – o seguinte:

“ Artigo 28.º

1 - São aceites como custos as reintegrações e amortizações de elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os elementos do activo imobilizado que, com carácter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas.”.

“ Artigo 29.º

1 - O cálculo das reintegrações e amortizações do exercício deve fazer-se, em regra, pelo método das quotas constantes.

(…)

4 - Em relação a cada elemento do activo imobilizado deve ser aplicado o mesmo método de reintegração ou amortização desde a sua entrada em funcionamento ou utilização até à sua reintegração ou amortização total, transmissão ou inutilização.

5 - O disposto no número anterior não prejudica:

a)    a variação das quotas de reintegração  ou amortização de acordo com o regime mais ou menos intensivo ou com outras condições de utilização dos elementos a que respeitam, não podendo, no entanto, as quotas mínimas imputáveis ao exercício  ser deduzidas para efeitos de determinação do lucro tributável de outros exercícios.

b)    (…)

6 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, as quotas mínimas de reintegração ou amortização são as calculadas com base em taxas iguais a metade das fixadas segundo o método das quotas constantes.”.

“ Artigo 30.º

(…)

4 -O período de vida útil do elemento do activo imobilizado é o que se deduz das taxas de reintegração mencionadas nos nºs 1 e 2.”.

       O que se deve então concluir destes preceitos do Código do IRC?

       A nosso ver quatro pontos principais.

       O primeiro, plasmado no artigo 28.º supra referido, implica que o fenómeno das depreciações, determinado para efeitos fiscais, se funda inequivocamente na perda de valor, com carácter de repetição ou regularidade, que os activos sofrem em virtude do uso, progresso técnico ou de quaisquer outras causas. Outras causas poderão ser, nomeadamente,  de natureza económica ou legal.

       O segundo, que as quotas constantes – actualmente designadas por método da linha recta - será o método regra utilizado na quantificação das depreciações.

       O terceiro, a flexibilidade admitida na consideração como custo fiscal de valores resultantes de quotas mínimas e máximas. Como refere Rui Morais, “Mesmo quando o período de vida útil de um bem, para efeitos fiscais, é fixado pela lei, não existe uma rigidez total. Apenas é obrigatória, no cumprimento do princípio da especialização dos exercícios, a consideração de um custo, em cada um dos exercícios correspondentes à vida útil do bem, do valor correspondente à quota mínima de amortização. Tal quota mínima calcula-se por aplicação , ao valor amortizável, de uma taxa igual a metade da prevista, para o caso, na tabela aplicável. (…)

       Num exemplo: A tabela II (taxas genéricas) prevê que a quota de amortização de instalações de água e electricidade é de 10%. O mesmo é dizer que a lei fixa que o período de amortização (mínimo) de tais instalações é de 10 anos. Só que o sujeito passivo pode optar por uma quota de amortização anual inferior, até 5% (metade da taxa prevista na tabela). O mesmo é dizer que o período máximo de amortização poderá ir até 20 anos.”.[9]

       Por fim, em quarto lugar, que o artigo 30.º, nº 4 do Código do IRC, ao tratar da vida útil não define o que ela deve ser, de forma explícita. Apenas estabelece que esta se deve calcular a partir das taxas que o artigo 30.º, nºs 1 e 2 determinar.

       Ou seja, esta norma produz, tendencialmente, um raciocínio em “circuito fechado”: a vida útil resulta, por via do disposto no artigo 30.º, n.º 4, das taxas previstas no artigo 30.º, n.º 1 e 2; mas é precisamente a vida útil que há-se ser o parâmetro central na quantificação das taxas que o mesmo artigo refere.

       Porém, cremos que da conjugação destas normas com alguns preceitos previstos no DR 2/90 se poderá encontrar uma chave de leitura mais clara para a questão a decidir nos autos.

       Assim, dispõe o artigo 3.º desse Decreto:

 

“Artigo 3.º

Período de vida útil

 

1 - A vida útil de um elemento do activo imobilizado é, para efeitos fiscais, o período durante o qual se reintegra ou amortiza totalmente o seu valor, excluído, quando for caso disso, o respectivo valor residual.


2 - Qualquer que seja o método de reintegração ou amortização utilizado, considera-se:

a) Período mínimo de vida útil de um elemento do activo imobilizado o que se deduz das taxas que podem ser aceites fiscalmente segundo o método das quotas constantes;
b) Período máximo de vida útil de um elemento do activo imobilizado o que se deduz de uma taxa igual a metade das referidas na alínea anterior.”.

       Ora, resulta da leitura do artigo 3.º do DR 2/90, segundo o qual a vida útil de um bem é o “período durante o qual se reintegra ou amortiza totalmente o seu valor” e porque, segundo o disposto no artigo 28.º, nº 1 do Código do IRC, a reintegração ou amortização consiste nas perdas de valor que elementos do activo imobilizado sofrerem resultantes da sua utilização, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas, então a vida útil, numa acepção fiscal, deverá ser aferida pelo tempo durante o qual tais perdas de valor se justificarão em função das causas que nesse artigo são referidas (uso, progresso técnico ou quaisquer outras).

       Estão, assim, em causa nos autos duas teses opostas: a tese invocada pela ATA, segundo a qual a vida útil dos painéis fotovoltaicos seria de 25 anos por ser este o prazo referido nos elementos disponibilizados pelos respectivos fabricantes deste tipo de equipamento e que constam dos autos; e a tese da Requerente – constante dos autos e em função dos factos relatados pelas testemunhas que arrolou, segundo a qual o período de 16 anos é aquele que em função de factores vários, tais como económicos, legais e do uso potencial ou esperado dos activos em condições regulares, mais se aproxima da vida útil esperada para o bem em causa.

       Em face de tudo o que acima se explanou, é entendimento deste Tribunal que, em face do previsto na lei fiscal, a ATA, ao ter considerado uma utilidade meramente técnica ou tecnológica dos painéis fotovoltaicos, desligando-a das condições de uso efectivo por parte da Requerente, no caso concreto, se afastou de um critério de razoabilidade, tal como o definimos no ponto 6.3, supra.

       Tal razoabilidade deve, assim, respeitar o Direito. Ora a primeira das normas do Código do IRC que tratava de depreciações – artigo 28.º - dispunha que as reintegrações derivam de os activos sofrerem perdas de valor resultantes e citamos: “da sua utilização, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas.”.

       Deste modo, as condições de exploração dos bens hão-de influir na respectiva vida útil estimada. Dificilmente se entenderia que, nessa estimativa, tal assim não fosse.

       Mesmo o POC, que não apresentava uma definição explícita de vida útil, estabelecia contudo, no ponto 5.4 1 dos “Critérios de valorimetria”, que e citamos: “quando os imobilizados tiverem uma vida útil limitada ficam sujeitos a uma amortização sistemática durante esse período”.

       O normativo contabilístico em vigor à data dos factos tributários em causa era claro sobre a necessidade de se imputarem as perdas de valor durante a vida útil.

       Ora ”útil” significa, novamente recorrendo ao Dicionário Universal da Língua Portuguesa, Texto Editora, Lisboa, 1995, algo de “proveitoso, vantajoso”. O mesmo significado linguístico deve ser adoptado em sede económico-jurídica: isto é, um bem terá uma vida útil enquanto for economicamente rendoso ou proveitoso. Poderá estimar-se uma vida técnica longa, mas uma vida útil mais curta.

       Julga-se ser este o caso dos autos.

       Aliás, e clarificando esse conceito, a doutrina contabilística, ao tempo do POC, era já consensual no entendimento de que essa vida útil terá deveria levar em conta vários aspectos, como estimativa que era. Assim, J. Braz Machado, in Contabilidade financeira, Protocontas ed., 1998, p. 812, sublinhava já então que a vida útil de um activo era influenciada por factores tais como:

- o uso que dele se espera obter;

- a intensidade de uso e a política de reparações e manutenção da empresa;

- alterações de mercado ou tecnológicas e,

 - alterações  do contexto legal que afectem o uso efectivo esperado do bem.

      

       Aqui chegados não se revelaria necessário, num plano de estrita fundamentação legal, convocar o regime do SNC, em vigor a partir de 2010, portanto não aplicável à data dos factos tributários em causa. O que já se disse julga-se suficiente.

       Mas como neste novo regime contabilístico o conceito de vida útil foi bastante desenvolvido vale a pena referi-lo, como mero elemento acessório ou lateral de suporte à interpretação aqui defendida.

       No tocante às depreciações de determinados activos fixos tangíveis o normativo contabilístico constante do SNC trata-as desenvolvidamente na Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) n.º 7, designada “Ativos fixos tangíveis”.

       A fim de melhor ilustrar o que esse normativo estabelece sobre as depreciações, transcrevem-se de seguida algumas das suas definições e regras de apuramento.

       Assim, no § 6 da NCRF 7 surgem as seguintes definições:

“- Depreciação: é a imputação sistemática da quantia depreciável de um activo durante a sua vida útil;

- Valor residual: é a quantia estimada que uma entidade obteria correntemente pela alienação de um activo, após a dedução dos custos de alienação estimados, se o activo já tivesse a idade e as condições esperadas no final da sua vida útil;

- Vida útil é:

(a) O período durante o qual uma entidade espera que um activo esteja disponível para uso; ou

(b) O número de unidades de produção ou similares que uma entidade espera obter do activo.

       Por seu turno, os §§ 56 e 57 da mesma Norma estabelecem:

“56 — Os futuros benefícios económicos incorporados num activo são consumidos por uma entidade principalmente através do seu uso. Porém, outros factores, tais como obsolescência técnica ou comercial e desgaste normal enquanto um activo permaneça ocioso, dão origem muitas vezes à diminuição dos benefícios económicos que poderiam ter sido obtidos do activo. Consequentemente, todos os fatores que se seguem são considerados na determinação da vida útil de um activo:

(a) Uso esperado do activo. O uso é avaliado por referência à capacidade ou produção física esperadas do activo;

(b) Desgaste normal esperado, que depende de factores operacionais tais como o número de turnos durante os quais o activo será usado e o programa de reparação e manutenção, e o cuidado e manutenção do activo enquanto estiver ocioso;

(c) Obsolescência técnica ou comercial proveniente de alterações ou melhoramentos na produção, ou de uma alteração na procura de mercado para o serviço ou produto derivado do activo; e

(d) Limites legais ou semelhantes no uso do activo, tais como as datas de extinção de locações com ele relacionadas.

57 — A vida útil de um activo é definida em termos da utilidade esperada do activo para a entidade. A política de gestão de activos da entidade pode envolver a alienação de activos após um período especificado ou após consumo de uma proporção especificada dos futuros benefícios económicos incorporados no activo. Por isso, a vida útil de um activo pode ser mais curta do que a sua vida económica. A estimativa da vida útil do activo é uma questão de juízo de valor baseado na experiência da entidade com activos semelhantes.”.

(Sublinhado do tribunal)

       Por tudo o que se mostrou, o Tribunal considera que o critério de razoabilidade que a ATA utilizou se revela inconvincentemente fundado.

       Usar uma vida útil “de catálogo”, assente em testes técnicos, que aferem uma vida tecnologicamente eficiente, sem levar em conta as condições legais, económicas e financeiras que uma dada entidade enfrenta, numa dada situação concreta apresenta, representa uma concretização do critério de razoabilidade que se afasta do que se infere do normativo fiscal, a saber o Código do IRC, nomeadamente o seu artigo 30.º, n.º 2 e do próprio DR 2/90, nomeadamente o seu artigo 5.º, n.º 3, como vimos, na interpretação que destes normativos faz o Tribunal.

       A vida útil estimada pela Requerente tem no essencial que ver com a adequação às condições económicas (no tocante ao período de venda de energia a preço que garante a exploração equilibrada da actividade) e de mercado (valor residual estimado nulo após o período de 16 anos). Esta abordagem é mais consentânea com as disposições legais mencionadas nesta decisão, mais aceitável, e por isso mais razoável.

       Avulta aqui a factualidade provada de a Requerente ter um período bem específico, legalmente contratado, para a venda de energia em condições rendosas. Findo esse período, os painéis não terão utilidade, num sentido económico-financeiro, embora tendo-o, admite-se, num plano meramente técnico ou tecnológico.

       A relevância das condições económicas e da expectativa de o valor residual ser negligenciável no final da vida útil foi invocada pela Requerente, e a ATA não infirmou, nem documentalmente nem em audiência de testemunhas, suficientemente, tal fundamento.

       Adicionalmente, no entender deste Tribunal, a conformidade ao Direito e à razão, que o critério de razoabilidade impõe à ATA, também foi por esta secundarizado noutra vertente.

       O DR 2/90 não define, é certo, a taxa de depreciação para painéis fotovoltaicos. Mas nas várias taxas específicas e genéricas desse Decreto Regulamentar, existem vários valores fixados para taxas de depreciação relativas a equipamentos produtivos.

       É certo que, por exemplo, um hipotético equipamento para a produção de sapatos nada tem que ver com um equipamento de produção de energia. Mas, restringindo as taxas nele previstas para equipamentos de produção de “água, electricidade e gás”, encontramos taxas como 6,25%; 8,33% e 12,5%.

       Procurando especificamente por uma taxa de 4% só a logramos encontrar em equipamentos do tipo de reservatórios e condutas que, como se sabe, têm funções diversas dos equipamentos produtivos, propriamente ditos, como os que estão em causa nos autos.

       É entendimento deste Tribunal, e esta questão é central e decisiva para a formação da sua convicção, que não é pelo facto de um activo se caracterizar por um período longo de vida técnica ou tecnológica que, necessariamente, a sua vida útil também se estenderá automaticamente.

       O caso dos computadores é, a este respeito, ilustrativo. A sua vida técnica será hoje por certo maior do que há 20 anos, mas sua vida útil (dependendo dos aspectos económicos, da obsolescência, etc.) não acompanhará linearmente a extensão da sua vida técnica ou tecnológica.

       Mas subsiste ainda uma outra razão para que o Tribunal entenda que a ATA não aplicou de maneira apropriada o critério da razoabilidade.

       Com efeito, conjugando os artigos 5.º (Método das quotas constantes) com o 19.º ( Quotas mínimas de reintegração e amortização) do DR 2/90, conclui-se que as taxas fixadas pela ATA, pelo critério e razoabilidade tendo em conta a utilidade esperada, funcionam como taxas máximas, implicando pois uma vida fiscal mínima.

       Ora, no caso sub iudice, a seguir-se a posição da ATA, a vida fiscal variaria entre 25 e 50 anos. Quer por razões de comparabilidade, quer até por motivos que decorrem de alguma literatura técnica, tal posição também fere a razoabilidade que a ATA deveria observar.

       Senão vejamos.

       No Relatório de Inspecção junto aos autos (p.12) afirma-se:

“Ao amortizar os bens a uma taxa de 6,25% a empresa está a admitir um período de utilidade esperada, para efeitos fiscais, de 16 anos. Por consulta aos dados técnicos, disponibilizados na internet pelo fornecedor dos equipamentos em causa – UPSOLAR Co Lda, bem como por C..., SA e D...- Remodelações elétricas, Lda, verifica-se que o tempo de utilidade esperada é de 25 anos”.

       Ao que a Requerente argumenta que sendo 25 anos a vida máxima, então 4% seria a taxa mínima e 8% a máxima. Ora, considerando que a Requerente usou a taxa de 6,25% estaria num intervalo de valores fiscalmente aceite e nenhuma correcção se deveria fazer.

       Na sua Resposta vem a ATA afirmar (respectivamente pontos 128 a 130):

“De seguida, no artigo 78º da p.i., a Requerente indica o seguinte: De facto, no cenário (referido pelos Serviços de Inspecção no relatório de inspecção) em que se atribui aos módulos fotovoltaicos um período máximo de vida útil de 25 anos, seria possível à impugnante praticar amortizações anuais a uma taxa entre os 4% e os 8% (vide os artigos 3º e 19º nº 2 do D.Reg 2/90 e 30º nº6 do Código do IRC).”

Parece-nos, com o devido respeito, que a Requerente se equivocou neste ponto.

Em primeiro lugar, à taxa de 4% corresponde um período de vida útil mínimo, e não um período de vida máximo.”.

       Ou seja, para a ATA a vida útil fiscal mínima seria de 25 anos (e a máxima seria então de 50 anos).

       A literatura técnica que o Tribunal consultou apresenta, na verdade, 25 anos como referencial para a vida técnica para o tipo de bens em causa nos autos.

       Em audiência da testemunha arrolada pela ATA, esta declarou o período de 25 anos como um “valor médio”, o que também não suporta a posição da ATA segundo a qual 25 anos seria, afinal, um valor mínimo, como consta da sua Resposta.

       Estas perspectivas surgem também nos excertos da literatura especializada sobre este tipo de equipamentos que se seguida se transcrevem.

       Veja-se, com efeito, a seguinte posição retirada de K. Branker, M. J.M. Pathak, J. M. Pearce, “A Review of Solar Photovoltaic Levelized Cost of Electricity”, Renewable & Sustainable Energy Reviews, 15, pp.4470-4482 (2011):

“The finance-able life for a solar PV system is usually considered to be the manufacturer’s guarantee period which is often 20 to 25 years. However, research has shown that the life of solar PV panels is well beyond 25 years; even for the older technologies, and current ones are likely to improve lifetime further. A 30 year lifetime or more is becoming expected.”. - (página 8)

       Alexander Fromm, do Fraunhofer Institute for Mechanics of Materials IWM, em Freiburg, sublinha:

“Solar modules are exposed to many environmental influences that cause material to fatigue over the years. Researchers have developed a procedure to calculate effects of these influences over the long term. This allows reliable lifespan predictions.

People who invest in their own solar panels for the roof would like as a rule to profit from them over the long term -- but how long will this technology actually last for? While most manufacturers guarantee a lifetime of up to 25 years to their customers, the manufacturers themselves cannot make reliable predictions about the expected operating life. The modules must fulfill certain standards, of course, to be approved for operation. This involves exposing them in various trials to high temperatures and high mechanical loading. "However, the results only predict something about the robustness of a brand-new sample with respect to extreme, short-term loading. In contrast, aggregated effects that only appear over the course of time, such as material fatigue, are pertinent for the actual operating life.,”.[10]

       Por sua vez Allen Zielnik, em “PV Durability and Reliability Issues”, Photovoltaics World Magazine, Nov/Dec 2009 - Volume 1 Issue 5, December 3, 2009, refere o seguinte:

“(…)There has been an evolution in the application of accelerated life testing (ALT) and accelerated environmental testing (AET) to the service life prediction (SLP) of photovoltaic modules and systems…(…) No test program can predict with 100% certainty that a module will properly perform in an environment for 25+ years (except for real-time 25 year testing, of course).”.

Por fim, consultando a Proposta da Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde empossada pelo XIX Governo Constitucional, a mesma pronunciou-se sobre a taxa de depreciação que o DR 25/2009 (que substituiu o DR 2/90) deverá contemplar em relação aos painéis fotovoltaicos, reconhecendo a sua omissão quanto a este tipo de activos.

É certo que o DR 25/2009 não se aplica aos factos tributários em causa nos autos, mas o Tribunal considera de grande utilidade referir o entendimento avalizado por esta comissão de especialistas numa temática, que como vimos, não se encontra todavia expressamente regulamentada pelo legislador.

Deste modo, vem recomendar a Comissão no seu anteprojecto, o qual pode ser consultado no seguinte link[11] na sua página 110, uma vida fiscal de 12,5 anos, como mínimo, até 25 anos, como máximo, o que representaria taxas fiscais entre 8% e 4%.

            Percorrendo o referido anteprojecto, constata-se a preocupação desta Comissão, quando, e citamos:

“Considera-se em geral que um sistema fotovoltaico deixa de ter um desempenho interessante do ponto de vista económico (vida útil) quando a sua potência cai abaixo de 80 % da potência inicial, ainda que dependendo do tipo de sistema este possa continuar a ser útil para o respectivo proprietário.”.

       Sugerindo a Comissão que “As taxas a utilizar devem seguir uma razoabilidade técnica e de eficiência económica”.

(Sublinhado do Tribunal)

Também aqui se constata que anda mal a ATA, quando pretende fixar uma taxa máxima de 4% e mínima de 2%.

       Em suma, é entendimento deste Tribunal que o período de vida fiscal definido pela ATA para os bens em causa nos autos, padece do vício de ilegalidade, porquanto não encontra suporte na legislação fiscal e contabilística aplicável, e, bem assim, na própria prova produzida nos autos e na literatura especializada internacional sobre este tema.

       É certo que a vida útil de cada geração de painéis fotovoltaicos tem vindo a aumentar, assim o dita a tecnologia, mas disso não decorre necessariamente, no entendimento do Tribunal, que a sua utilidade económica, para uma determinada empresa, acompanhe essa vida tecnológica.

       Se a taxa de depreciação para este tipo de equipamento estivesse definida na lei, tudo isto seria ocioso. Porém, como não está, o critério de razoabilidade, moderação ou aceitabilidade, implica que se leve em conta mais do que a simples utilidade tecnológica ou técnica e se atenda também a outros factores, que aliás vinham expressos no (então) artigo 28, n.º 1 do Código do IRC, que continha a regra geral sobre as depreciações fiscalmente aceites.

       E, sendo certo que as condicionantes económicas, financeiras, legais e de obsolescência se farão sentir neste tipo de equipamentos, em face da actividade económica desenvolvida, a vida útil relevante para efeitos fiscais, será, por via de regra, menor do que vida técnica.

       Há ainda, todavia, um ponto muito relevante que o Tribunal pretende sublinhar. Não se pode entender esta decisão como dando suporte ou sustentando que uma dada empresa, ao deparar-se com um activo depreciável fiscalmente e para o qual não exista taxa prevista na lei, poderá usar uma vida útil que decorra de um qualquer plano de negócios.

       Se, nestas circunstâncias (ausência de taxa prevista na lei) uma dada empresa viesse sustentar que sendo, por exemplo, de dois ou cinco anos o prazo previsto para a exploração de um dado negócio isso implicaria taxas de depreciação de activos de 50% ou 20%, respectivamente, tal não seria, ipso facto, uma vida útil razoável, pelos motivos expostos nesta decisão.

       No caso sub iudice, a vida útil que se afigura razoável ao Tribunal está ancorada em factores legais e financeiros (contrato de venda de energia a preços fixados), tecnológicos e de mercado (valor residual estimado nulo no final desse período). Estes factos foram, de resto, dados como provados.

       Ou seja, a razoabilidade de um período de vida útil decorrente de factores económicos, técnicos ou de mercado terá de se aferir casuisticamente, não decorrendo automaticamente de projecções ou estimativas das empresas. Tais estimativas devem estar ancoradas em bases ou fundamentos que possuam um grau apreciável de objectividade e controlabilidade.

       O Tribunal entende, assim, em obediência às imposições hermenêuticas do artigo 9.º do Código Civil, conjugado com o disposto no artigo 11.º da LGT, que a ATA não interpretou de forma correcta o disposto no n.º 2 do artigo 30.º do Código do IRC, tendo, ao invés, determinado a aplicação ao caso concreto de um critério que viola a interpretação para efeitos fiscais que o Tribunal faz dos conceitos de “razoabilidade” e de “utilidade esperada”, pelo que a correcção fiscal efectuada deverá ser anulada, por ilegal.

       No que se refere à alegada violação dos princípios constitucionais da igualdade e da tributação do lucro real, invocados pela Requerente, o conhecimento de tais questões encontra-se prejudicado pela declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional em causa, por vício substantivo que impede a respectiva reedição ou renovação.

            Como refere o Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, em anotação ao artigo 95.º desse diploma, p. 483 (aplicável por remissão do artigo 2.º alínea c) do CPPT e do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT) “Se o tribunal julgou procedente o pedido principal, fica precludido o poder jurisdicional quanto a um pedido subsidiário ou formulado em alternativa; e, nos mesmos termos, se a pronúncia adoptada quanto a uma questão consome ou deixa prejudicados outros aspectos da causa que com ela se correlacionem.”

            Nestes termos, face à interpretação material preconizada fica prejudicado o conhecimento e a apreciação dos demais vícios imputados ao acto de liquidação adicional.

 

7.         DECISÃO

 

       Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral em:

 

            - Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e de anulação do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas identificado nos autos, e a consequente anulação do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente, com as legais consequências.

 

* * *

 

            Fixa-se o valor do processo em Euro 185.560,30, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC. 

 

            O montante das custas é fixado em Euro 3.672,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

            Notifique-se.

 

            Lisboa, 18 de Setembro de 2014

 

 

O tribunal colectivo,

 

 

 

                                 Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (presidente)

 

 

 

                                                   Henrique Nogueira Nunes

 

 

 

 

António Martins

 

 

 

 

Texto elaborado em computador nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.



[1] Na Tabela I (Taxas Específicas); Divisão V (Electricidade, gás e água), do Grupo I (Produção, transporte e distribuição de energia eléctrica).

[2] O período dos 25 anos

[3] Documento n.º 6 junto pela Requerente com a sua petição inicial

[4] Uma vez que o caso sob apreciação respeita ao exercício de 2009, em que ainda vigorava o Plano Oficial de Contabilidade (POC) mas ocorreu a transição para o Sistema de Normalização Contabilística (SNC) usaremos, quando de sentido equivalente, termos do SNC e do POC. Assim, por exemplo, reintegrações e depreciações serão termos utilizados em idêntico sentido. Idem relativamente a custos e gastos.

[5] De ora em diante, e salvo indicação em contrário, as normas invocadas são as do Código do IRC em vigor em 2009, aplicável à data dos factos tributários em análise nos autos.

[6] Cf. Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 135.

[7] Cf. Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, p. 307. 

[8] Veja-se Oliveira Ascensão, Interpretação de leis. Integração de lacunas. Aplicação do princípio da analogia”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 57 – III, Lisboa, Dezembro 1997, pp. 913-941.

[9] Rui Morais, in Apontamentos ao IRC, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 110-111