Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 637/2020-T
Data da decisão: 2024-02-23  IVA  
Valor do pedido: € 985.323,99
Tema: IVA – Locação Financeira – Reforma da decisão arbitral (anexa á decisão)
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DECISÃO ARBITRAL

Quanto ao Requerimento do Requerente, junto em 15 de fevereiro de 2024 a estes autos

Este Tribunal entende que o requerimento, embora dirigido a outra entidade, e que se encontra junto a estes autos, pretende (ao pôr em causa a jurisdição e a competência deste Tribunal Arbitral) interferir na tramitação deste processo.

Este Requerimento deve ser indeferido e não será considerado por este Tribunal Arbitral para efeitos de tramitação do processo, em obediência ao artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.

O Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, no douto Acórdão proferido no Processo n.º 11/19.2 BCLSB, em 16/09/2019, decidiu, em síntese:

"A Jurisprudência deste Tribunal, a qual perfilhamos, tem decidido que julgada procedente a impugnação da decisão arbitral, o processo é devolvido ao tribunal arbitral para que este reforme a decisão em consonância com o julgado anulatório do TCASul.

É certo que o artigo 23.° do RJAT preceitua que "Após a notificação da decisão arbitral, o Centro de Arbitragem Administrativa notifica as partes do arquivamento do processo, considerando-se o tribunal arbitral dissolvido nessa data", mas a verdade é que se entende que a anulação da decisão arbitral anula, consequentemente, o arquivamento e a dissolução do tribunal a que alude o artigo 23.°, devendo, nessa medida, a decisão baixar ao tribunal arbitral tributário que a proferiu que, pare esse efeito, readquire competência para sanar a nulidade verificada.

É certo, outrossim, que conforme propugna a Impugnante, a constituição de novo Tribunal Arbitral com nomeação de novo árbitro, é a utilizada em mecanismos arbitrais paralelos, conforme dimana do artigo 46.°, n°9 da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei n° 63/2011, de 14 de dezembro.

Mas a verdade é que no RJAT o legislador não optou por solução semelhante, e se o não fez, o intérprete tem de entender que o fez de forma deliberada e intencional.

Acresce que não é admissível a aplicação analógica do artigo 46.° n.°s  9 e 10 da LAV de 2011 na medida em que as convenções de arbitragens celebradas no domínio da jurisdição arbitral voluntária ad hoc não são, desde logo, comparáveis, com a indisponibilidade dos créditos tributários, donde, com o direito potestativo conferido por lei aos sujeitos passivos no seio da arbitragem tributária.

E por assim ser improcede, por este prisma, a arguida nulidade por pronúncia indevida"

Pelas doutas razões expostas acima, este Tribunal Arbitral Tributário, no exercício da sua jurisdição e competência, confirmadas pela jurisprudência citada, profere nova decisão neste processo.

 

Decisão de mérito no Processo 637/2020-T

Tendo o Venerando Tribunal Central Administrativo (Sul) anulado pelo doutro acórdão junto aos autos em 9/1/2024 a Decisão deste Tribunal de 12/7/2021 em cumprimento desse acórdão este Coletivo profere a seguir nova decisão.

 

Relatório

  1. A..., S.A., com o número de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que a Requerente interpôs da decisão de indeferimento da reclamação graciosa ...2018... que a mesma apresentou contra os atos de autoliquidação de IVA praticado na declaração periódica de dezembro de 2015, no montante € 985.323,99, na medida em que a considera ilegal, nos termos e fundamentos expostos na sua petição.
  2. O pedido foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro e veio a ser aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 17/11/2020, notificado à AT na mesma data.
  3. Nos termos e para efeitos do disposto no n.º 2 alínea a) do artigo 6.º e do n.º 1 alínea a) do artigo 11.º, ambos do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos prazos legalmente aplicáveis, foram, em 11/01/2021, designados: Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, Árbitro Presidente; Prof. Doutor Luís Menezes Leitão, Árbitro auxiliar e o licenciado Arlindo José Francisco, Árbitro auxiliar, que comunicaram a aceitação do encargo, no prazo legalmente estipulado.
  4. As partes foram notificadas das aludidas designações, não tendo qualquer delas manifestado vontade de as recusar, vindo o tribunal a ser constituído em 03/05/2021, de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
  5. Com o seu pedido visa a Requerente a revogação do ato de indeferimento do recurso hierárquico que a Requerente interpôs da decisão de indeferimento da reclamação graciosa ...2018... e consequentemente a anulação parcial da autoliquidação de IVA, no montante de € 985.323,99 efetuada pela Requerente na declaração periódica de imposto relativa a dezembro de 2015.
  6. Suporta o seu ponto de vista, alegando em síntese, que sendo uma instituição de crédito que presta serviços financeiros que dão direito à dedução, como é o caso de operações de locação financeira mobiliária, e que realiza simultaneamente operações que não conferem esse direito, tais como operações de concessão de créditos enquadráveis na norma de isenção do artigo 9.º, n.º 27 do Código do IVA, concluiu que não estava a exercer plenamente o direito à dedução que lhe assistia, nos termos dos artigos 20.º e 23.º do Código do IVA, porquanto não incluíra os montantes relativos à componente de amortização financeira na determinação da percentagem de dedução relativamente aos contratos celebrados, das atividades de leasing e ALD por si desenvolvidas.
  7. Refere a Requerente que desconsiderou, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2015, os valores relativos às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira por si celebrados, em resultado do instruído pelo ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA o que originou a dedução de menos IVA do que aquele a que tinha direito, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária (IVA) em excesso.
  8. Daqui resultou o apuramento de uma percentagem de dedução definitiva para o ano 2015 de 2% (dois por cento), que aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 16.422.066,50), se materializou no valor de € 328.441,33 de IVA dedutível e, caso tivesse procedido à inclusão das amortizações financeiras do leasing no cálculo da percentagem de dedução, seria de 8% e não 2%, como sucedeu, e o IVA a deduzir seria de € 1.313.765,32.
  9. Concluindo a Requerente que a autoliquidação em questão, do ano 2015, deverá ser anulada na parte referente ao IVA que, por motivo de erro decorrente da aplicação de instruções (normas regulamentares) e entendimentos emanados pela AT, não foi deduzido e que corresponde a € 985.323,99, valor que lhe deverá ser devolvido por indevido acrescido dos competentes juros indemnizatórios, legalmente previstos.
  10. Por sua vez a AT em síntese, considera que o presente pedido de pronúncia arbitral deverá ser declarado improcedente, absolvendo-se a Requerida do pedido.
  11. Suporta o seu ponto de vista no facto do artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, permitir que a Administração Tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.
  12. Que esta disposição legal reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada na Diretiva do IVA – artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c) da Sexta Diretiva, quando ali se estabelece que “todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços”.
  13. Afirma que os custos que diz incorrer a Requerente para o apoio na disponibilização das viaturas, designadamente call centers, software, bem como através dos recursos inerentes aos 324 balcões que possui em território nacional com os contratos de locação financeira, não os quantifica nem justifica.

              

Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, ambos do RJAT.

O Tribunal decidiu marcar a prolação da primeira decisão para 12 de Julho de 2021, considerando desnecessário o reenvio prejudicial por considerar que a Jurisprudência do TJUE sobre esta matéria fornece os elementos suficientes para a aplicação do direito europeu a este litígio e considerou ainda desnecessária a inquirição de testemunhas por entender que a prova documental junta aos autos é suficiente.

Esta decisão foi anulada pelo venerando Tribunal Central Administrativo, razão por que se profere a seguinte decisão.

Tendo em conta que as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, não enfermando o processo de nulidades e não havendo questões prévias a apreciar, consideram-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

Fundamentação

Cumpre ao Tribunal Arbitral pronunciar-se para a decisão do litígio sobre:

  1. A (eventual) “ilegalidade da decisão de indeferimento do recurso Hierárquico (cf. Documento 1) interposto (pela Requerente) da decisão de indeferimento emitida no âmbito do procedimento Administrativo de Reclamação Graciosa com o n.º ...2018... – pedido esse apresentado pela ora Requerente tendo em vista a anulação do ato tributário de (auto)liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA) referente ao ano 2015, materializado na declaração periódica de imposto com referência a dezembro de 2015, no montante de € 985.323,99 -, e a consequente declaração de (i)legalidade daquele ato de (auto)liquidação de IVA (cf. Documento 2)”, por motivo de erro relativamente ao regime jurídico do direito à dedução do imposto vertido nos recursos de utilização mista adquiridos pela Requerente. Esta teria procedido à entrega em excesso de € 985.323,99.
  2. Para isso é essencial saber se a AT se encontra legitimada, pelo art.º 23.º, n.ºs 2 e 3, do CIVA, a fixar um coeficiente de imputação específico que exclua, nos contratos de locação financeira, a componente das amortizações financeiras.
  3. E se a autoliquidação de IVA respeitante ao mês de dezembro de 2015, deverá ser parcialmente anulada, no montante € 985.323,99, em virtude de ter sido usada a percentagem de dedução de 2%, em cumprimento de instruções da AT, quando deveria ter sido usada a de 8% percentagem que se coaduna com o direito europeu, ou, se pelo contrário a autoliquidação em causa, deverá ser mantida na ordem jurídica, como pretende a AT, por estar em conformidade quer com o direito interno quer com o direito europeu. 
  4.  Se em caso de (eventual) anulação parcial pretendida e consequente devolução à Requerente do aludido montante o mesmo deverá ser acompanhado de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais.

 

Matéria de Facto

  1. A Requerente é uma instituição de crédito do tipo caixa económica bancária, cujo objeto social consiste na realização das operações descritas no artigo 4.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.
  2. No âmbito da sua atividade, a Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na isenção constante do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito à dedução deste imposto, como é o caso das operações de financiamento, concessão de crédito e as relativas a pagamentos.
  3. A Requerente para efeitos de IVA, é um sujeito passivo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do mesmo diploma, caracterizando-se por ser um sujeito passivo "misto", uma vez que exerce atividades que conferem direito à dedução e também realiza operações no âmbito da atividade financeira, a qual é isenta do imposto nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, procedendo ao apuramento do IVA de cada período com recurso ao disposto no artigo 23.º do mesmo diploma.
  4. Relativamente ao exercício do direito à dedução do IVA suportado a montante a Requerente nas situações em que identificou uma conexão direta e exclusiva entre os inputs e outputs, usou o método da imputação direta a que alude o n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, como foi o caso dos contratos de locação financeira.
  5. Nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, a ora Requerente não deduziu qualquer montante de IVA.
  6. Nos casos em que a Requerente identificou uma conexão direta, mas não exclusiva, entre determinados inputs e outputs quando conseguiu determinar critérios objetivos do grau de utilização efetiva, aplicou o método da afetação real, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, como foi o caso da aquisição de Terminais de Pagamento Automático, utilizando os critérios e instruções da AT, apurando uma percentagem de 2%.
  7. A referida percentagem de 2%, coeficiente de imputação específico definitivo do ano 2015, foi apurada em estrita consonância com o manual de procedimentos que diz utilizar em todos os processos de leasing de forma a assegurar a harmonização da tramitação nos diversos contratos de leasing, que juntou e na estrita observância do preceituado no ponto 9 do Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA da AT.
  8. Tendo entendido que o método imposto pelo referido Ofício-Circulado não traduziria o efetivo consumo de recursos de utilização mista, por deixar de fora as amortizações financeiras do leasing, a Requerente recalculou uma percentagem de 8% e deste modo chegou ao apuramento de IVA que teria pago em excesso e incluído na autoliquidação de dezembro de 2015 no montante de € 985 323,99.
  9. No pedido de pronúncia arbitral (n.ºs 38 a 44) na secção II. DA IDENTIFICAÇÂO DO PEDIDO ARBITRAL afirmou a Requerente:

“Nos presentes autos aduzidos com vista à Pronúncia Arbitral, vem a Requerente suscitar a pronúncia sobre a legalidade da autoliquidação de IVA relativa ao ano de 2015, nos termos da qual a Requerente procedeu à regularização do imposto por si incorrido em recursos de utilização mista, e segundo critérios definitivos, na declaração periódica referente ao mês de Dezembro de 2015 (cf. o n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA).

Em concreto, peticiona a Requerente a correção da dedução de IVA incorrido na aquisição de recursos de utilização mista relativos às atividades de leasing e ALD por si desenvolvidas, pois verificou a existência de um erro na autoliquidação efetuada no ano 2015, em virtude de, com referência aos recursos de utilização mista adquiridos no âmbito das atividades de leasing e ALD por si desenvolvidas, esta não ter procedido à dedução do IVA por si incorrido em conformidade com a legislação comunitária e nacional deste imposto.

Em concreto, a Requerente desconsiderou, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2015, os valores relativos às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira por si celebrados.

Tal procedimento resultou dos ditames da Autoridade Tributária e Aduaneira constantes no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA e originou a dedução de menos IVA do que aquele a que tinha direito, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária (IVA) em excesso.

Na verdade, a Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva para o ano 2015 de 2% (dois por cento), que aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 16.422.066,50), se materializou no valor de € 328.441,33 de IVA dedutível.

Diferentemente, caso na autoliquidação em causa se tivesse procedido à inclusão das amortizações financeiras do leasing no cálculo da percentagem de dedução referida supra, esta reportar-se-ia a 8% (oito porcento), ao invés de 2% (dois por cento).

E, aplicando-se a percentagem de dedução de 8% (oito por cento) ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista (no montante de € 16.422.066,50), constata-se que a Requerente tinha o direito à dedução do IVA no valor de € 1.313.765,32.”

  1. E na Secção III Síntese dos factos, na Subsecção ii) intitulada Metodologia de dedução do IVA incorrido, n.ºs 80 a 86 afirma a Requerente:       

“ii) Metodologia de dedução do IVA incorrido nos gastos gerais do ano 2015:

Conforme acima salientado, não sendo viável determinar um ou vários critérios objetivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afetação real nas aquisições de recursos de utilização mista, restou à Requerente, a aplicação do método da percentagem de dedução: o pro rata.

Em concreto, procedeu a Requerente ao cálculo do coeficiente de imputação específico definitivo do ano 2015, em estrita consonância com o preceituado no ponto 9 do Ofício-circulado n.º 30108, e 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA.

Contudo, veio a Requerente a confirmar que o método imposto pelo referido Ofício-circulado não traduz o efetivo consumo de recurso de utilização mista e, por conseguinte, não se afigura adequado para determinar a metodologia de dedução do IVA incorrido nesta tipologia de recursos. Neste âmbito, entende a Requerente que devem ser incluído no cálculo da referida percentagem de dedução (pro rata) os montantes respeitantes às amortizações financeiras do leasing – em sentido oposto ao sustentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Ofício-circulado n.º 30108, e 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA -, pelo que a percentagem de dedução definitiva apurada para o ano em causa cifra-se em 8% (oito por cento) em lugar de 2% (dois por cento). Consequentemente, o IVA passível de dedução corresponderia a € 1.313.765,32, no que concerne ao ano 2015.

E, uma vez que, conforme se demonstrará infra, a desconsideração, do cálculo do pro rata, dos montantes relativos às amortizações financeiras no âmbito da atividade de leasing se apresenta em desconformidade com a legislação comunitária e nacional do IVA, conclui-se que, com referência ao ano de 2015, a Requerente deduziu imposto (IVA) a menos do que aquele a que teria direito deduzir. Consequentemente, em virtude do método do crédito de imposto que rege o sistema comum do imposto, com referência ao ano 2015, a Requerente liquidou (e pagou), mais IVA do que aquele a que estava legalmente obrigada. Tal excesso de pagamento cifrou se no montante de € 985.323,99.

E, perante a perceção de que, na supra referida declaração periódica de IVA, a Requerente havia liquidado e, consequentemente, entregue prestação tributária em excesso, apresentou, ao abrigo do artigo 97.º do Código do IVA e do artigo 131.º do CPPT competente Reclamação Graciosa da autoliquidação de imposto referente ao referido período de imposto.”

  1. Face a esta conclusão a Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação de IVA do mês de dezembro de 2015, suportada no facto de não ter incluído o valor das amortizações financeiras, que incluídas levaram, segundo a Requerente, ao apuramento da percentagem de 8%.
  2. A referida reclamação veio a ser indeferida, tendo a Requerente apresentado recurso hierárquico contra esta decisão, que também veio a ser indeferido, conforme despacho de 04/08/2020.
  3. A requerente no PPA limita-se a fazer o que chama no Secção III. Síntese dos factos. Confessa no n.º 56 “De facto não sendo viável determinar um ou vários critérios objetivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afetação real (critérios objetivos a que alude o n.º 2 do art.º 23.º do Código do IVA) nas aquisições de recursos de utilização mista, restou à Requerente, conforme acima salientado, a aplicação do método da percentagem de dedução.
  4. Reafirma essa confissão no n.º 223:

“É por demais evidente que estando perante custos de natureza mista, a sua determinação ou quantificação configura uma tarefa impossível.”

  • E repete essa confissão no n.º 224:

“O que é possível quantificar é o montante total de IVA incorrido com recursos de utilização mista durante o ano em apreço, que é € 16.422.066,50. Esse montante diz respeito a gastos gerais administrativos tais como os que se elencam de seguida a título exemplificativo:” (Segue-se uma enumeração muito genérica de rubricas muito gerais e amplas).

  1. A Requerente não identifica ou quantifica especificamente os diversos custos mistos que alega de forma a permitir determinar o grau de afetação dos mesmos às atividades referidas.
  2.  A Requerente nunca demonstrou com elementos objetivos e concretos no Pedido de Pronúncia Arbitral que a utilização desses serviços comuns seja “sobretudo determinada” pelo financiamento e pela gestão desses contratos de locação financeira ou pela disponibilização dos veículos.
  3. Não alegou quaisquer factos concretos que permitam ao tribunal apurar, em sede de matéria de facto, se os custos gerais são predominantemente determinados pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira ou pela alienação dos bens locados.
  4. A Requerente não demonstrou, nem de modo algum forneceu elementos que permitam concluir que as operações que conferem direito à dedução do imposto representam uma parte mais que proporcional dos custos comuns originados pelos bens e serviços de utilização mista.

Esta é a matéria de facto que o Tribunal selecionou e considerou pertinente para a decisão da causa, fundando-se nos articulados e nos elementos juntos aos autos pelas partes e por elas aceites.

Não consideramos a existência de outros factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.

Não pode o Tribunal averiguar e pronunciar-se sobre factos não alegados especificadamente pelas  partes nos articulados, nem pode averiguar factos que o Requerente expressamente considera ser tarefa impossível (cfr. n.º 223 PPA).

Considerações quanto às alegações e à prova

Importa a este propósito referir o que se afirmou na decisão de 6/11/23 no Proc. 126/2023 T- CAAD, sob a epígrafe “O standard de prova”, num caso semelhante ao aqui em análise:

“Ainda quanto à comprovação da “preponderância de custos”, e a deslocação do foco para o plano dos factos, ela resulta da circunstância de o critério de imputação específica ser enquadrável no método da afectação real, uma modalidade do cálculo de dedução que se pretende que espelhe fielmente a parte real das despesas efectuadas com bens ou serviços de utilização mista que seja imputada a operações que conferem o direito à dedução – resultando daí uma exigência de rigor probatório superior à que se associará a um método residual de pro rata, até porque tem que se atender, suplementarmente, aos objectivos de prevenção ou reparação de distorções na tributação.

Ou seja, aqui a alegação da preponderância de “custos de disponibilização” defronta-se com uma exigência acrescida de comprovação, dada:

  1. a sua implausibilidade, ditando as regras da experiência comum que uma sociedade financeira se dedicará mais, senão exclusivamente, ao financiamento e gestão dos contratos de leasing e ALD, não se tendo por verosímil, até prova em contrário, que prepondere aquilo que, numa síntese de várias alegações produzidas, se poderia caracterizar como uma “assessoria comercial” dos retalhistas do sector automóvel – em aberta sobreposição com funções próprias destes retalhistas, quando plausivelmente essas funções deveriam considerar-se residuais na actividade de uma sociedade financeira.
  2. o facto de se tratar uma segunda tentativa para se tentar afastar a consideração exclusiva dos juros para efeitos do cálculo de dedução, quando deixou se se aceitar a invocação, para esse efeito, de uma componente “amortização”, porque essa não é uma remuneração da actividade do locador, mas o pagamento parcelar do custo de aquisição do bem locado, in casu, viaturas automóveis, ou seja, o reembolso gradual e progressivo do preço da viatura que, findo o contrato, passará previsivelmente para a esfera jurídica do locatário – devendo reservar-se à entrada “juros (e outros encargos)” a função de única remuneração da actividade do locador. Isto porque, relembremo-lo, para efeitos de determinação da dedutibilidade dos gastos mistos, a comparação entre as diversas contraprestações da actividade financeira da locadora apenas será proporcional e equilibrada se tiver exclusivamente em conta a componente de juros e outros encargos, excluindo a do capital, que, em princípio, não apresenta conexão com esses gastos mistos e apenas com o input de aquisição do veículo, já deduzido integralmente pelo método da imputação direta”;

Assim, como vem insistindo a recente jurisprudência do STA posterior ao acórdão para uniformização de jurisprudência de 4 de Março de 2020, quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não-reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, caberá a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução, demonstrando que, no seu caso concreto – dadas [as] reais especificidades do seu negócio, detalhadamente comprovadas –, a utilização dos bens ou serviços mistos foi sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos”.

Ora, no caso concreto dos autos, a Requerente reconheceu, expressamente, não poder fazer essa prova, não tendo sequer tentando fazer essa demonstração. A doutrina acima citada, com a qual concordamos, é, plenamente, aplicável ao caso sub judice.

 

Matéria de Direito

  1. A questão de direito que vem colocada é se a norma do art.º 23.º, n.º 2, do CIVA efetuou a transposição para o direito interno do art.º 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo da Diretiva IVA (Sexta Diretiva) e, por conseguinte, a Administração não está impedida de considerar que, no cálculo do pro rata das operações de locação financeira, apenas sejam tidos em conta os juros, ou seja, apenas a parte da remuneração do locador incluída na renda.
  2. A AT no relatório que fundamenta o indeferimento refere sob a epígrafe “V. Análise da Reclamação”, o seguinte:
    1. “Por fim, para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afetos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de “utilização mista”), a Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA.
    2. De facto, não sendo viável determinar um ou vários critérios objetivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afetação real (critérios objetivos a que alude o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA), nas aquisições de recursos de utilização mista. Referimo-nos nomeadamente a aquisições de recursos que são utilizados no âmbito do desenvolvimento de todas as operações efetuadas pela Requerente, como sejam os consumos de eletricidade, de água, de papel, de material informático – hardware e software -, de telecomunicações, entre muitos outros. A requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA.
    3. A supra referida percentagem de dedução foi determinada tendo em consideração as orientações genéricas emanadas pela AT.”
  3. Como bem argumenta a Autoridade Tributária, no caso concreto, estamos perante operações de locação financeira mobiliária, e pretende aferir-se a legalidade, face às normas de direito comunitário ou de direito interno, da exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas se considerando o montante de juros e outros encargos faturados.
  4. Como já se referiu, a Requerente realiza operações financeiras que não conferem o direito à dedução de IVA, por se encontrarem isentas ao abrigo do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA e operações com liquidação de IVA, como acontece, por exemplo, com as rendas de leasing e ALD, que conferem direito à dedução do IVA suportado.
  5. A Requerente realiza outras operações financeiras ou acessórias que conferem, igualmente, o direito à dedução de IVA, em conformidade com o disposto no artigo 20.º do CIVA.
  6. No conjunto das operações que conferem direito à dedução de IVA, integram-se os contratos de locação, nos quais a Requerente assume a posição de locadora e, nessa qualidade, adquire os bens (ou o financiamento para a sua aquisição) que são objeto desses contratos, acrescidos de IVA, sendo os mesmos entregues aos respetivos locatários para seu uso e fruição.
  7. O apuramento da percentagem de dedução inicialmente efetuado pela Requerente está em perfeita concordância com as normas de direito comunitário e interno.
    1. O objeto deste tipo de contrato não é a transferência da propriedade, mas sim a cedência, pela locadora do uso do bem.
    2. A Requerente obriga-se a prestar um serviço, traduzido na disponibilidade do bem em causa, recebendo, em contrapartida, uma prestação.
  8. A locação financeira constitui, pois, uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, e é efetuada pelo sujeito passivo no âmbito duma atividade económica.
  9. Um dos objetivos do legislador nesta matéria foi assegurar o cumprimento do princípio da neutralidade fiscal, na vertente de princípio da igualdade que, no caso concreto, se consubstancia no facto de ser assegurado um tratamento fiscal equivalente, no sentido de igual onerosidade, em relação àquele que adquire um bem através de um contrato de locação financeira, face a outra pessoa que o adquire diretamente.
  10. Nem todo o valor pago a título de renda no âmbito de um contrato de locação financeira é correspondente à amortização financeira ou de capital. Assim, a renda constitui o pagamento do serviço de concessão de financiamento ao locador, sendo composta por duas partes:
  • capital ou amortização financeira, que mais não é que o reembolso da quantia “emprestada”;
  • e juros, acrescidos de eventuais encargos, que constituem a remuneração do locador.
  1. O valor de aquisição do bem objeto de contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo locador ao locatário.

No momento da aquisição desse mesmo input, o sujeito passivo (locador) exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objeto do contrato de locação, por via do método da imputação direta.

  1. Por assim ser, deve ser excluída do cálculo da percentagem de dedução a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem.

À luz do princípio da neutralidade em que assenta o sistema deste imposto, a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo.

  1. É apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução.
  2. Se assim não fosse, permitir-se-ia um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido com a generalidade dos bens ou serviços com utilização mista adquiridos pelo sujeito passivo.
  3. A questão que se coloca é a de saber se o procedimento adotado pela Administração Tributária está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial, o artigo 16.º e 23.º do CIVA, já referidos, e bem assim, os artigos 174.º e 175.º da Diretiva IVA.
  4. O que está, assim, em causa é método do apuramento do pro rata definitivo para a dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista. Deverão ser considerados no numerador e no denominador da fração de cálculo o valor total da renda ou somente a parte correspondente aos juros que constitui o proveito do locador?
  5. Segundo a perspetiva da Requerente, retira-se do artigo 73.º da Diretiva IVA e da alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA que, no âmbito de contratos de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário constitui o valor tributável para a incidência de IVA e que o Ofício-Circulado n.º 30108, sofre de ilegalidades ao impor o método da afetação real quando não se verificam os pressupostos que a legislação Portuguesa prevê, n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, sempre que a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação e também quando não há  possibilidade de aplicar a afetação real impõe a utilização de uma percentagem de dedução que no seu cálculo exclui uma parte do valor da operação de locação financeira o que contraria o artigo 174.º da Diretiva IVA e os n.ºs 4 e 5 do artigo 23.º do CIVA.
  6. Assim, as instruções do Ofício-Circulado em questão, que a Requerente observou na autoliquidação aqui posta em crise, desrespeitariam as disposições contidas no já citado artigo 23.º do CIVA e violariam o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição e o Direito Europeu, nomeadamente os artigos 173.º e 174.º da Diretiva IVA, devendo a referida autoliquidação ser corrigida e autorizada a regularização de IVA respeitante a 2015, nos termos aduzidos pela Requerente.
  7. Importa recordar que a Requerente:
  • Nunca identifica especificamente ou quantifica os diversos custos mistos, (na metodologia referente a 2015) que alega de forma a determinar o grau de afetação dos mesmos nas atividades referidas.
  • Também não demonstrou que a utilização desses serviços comuns seja “sobretudo determinada” pelo financiamento e pela gestão desses contratos de locação financeira ou pela disponibilização dos veículos.
  • Não alegou quaisquer factos concretos que permitam ao tribunal apurar, em sede de matéria de facto, se os custos gerais são predominantemente determinados pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira ou pela alienação dos bens locados.
  • E do mesmo modo não demonstrou, nem de modo algum forneceu elementos que permitam concluir que as operações que conferem direito à dedução do imposto representam uma parte mais do que proporcional dos custos comuns originados pelos bens e serviços de utilização mista – como aconteceria se a utilização desses bens e serviços de utilização mista fosse sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos de locação financeira.
  1. Assim, é legitimamente permitido à AT calcular o pro rata de forma excluindo a parte das rendas que corresponde à amortização financeira.
  2. A Requerente limita-se a afirmar, invocando o doc. n.º 3 junto com a PPA que está demonstrado que neste processo se assiste, sobretudo, a ações e interações marcadamente voltadas para a disponibilização das viaturas, equipamentos.
  3. Ora o documento n.º 3 nada contém de relevante para a questão de direito aqui em causa, sendo uma lista de procedimentos dependente, como se lê nesse documento em 3.2, “nota prévia” do processo de concessão de crédito.
  4. Por sua vez a AT resume a questão em saber se as disposições contidas no nº 2 do artigo 23.º do CIVA, estão ou não em consonância e reproduzem em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada na Diretiva do IVA – artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c) da Sexta Diretiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços» e se os custos em que a Requerente incorre com os contratos de locação financeira são sobretudo determinados pelos inputs decorrentes dos atos de financiamento e gestão dos aludidos contratos.
  5. A ambas as questões a AT, com razão, responde afirmativamente, considerando que só o valor dos juros e encargos associados à locação é que estariam relacionados com os custos de aquisição de bens e serviços utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução, devendo ser apenas consideradas aquelas variáveis na determinação da percentagem de dedução, sob pena de se constatarem distorções na tributação. Deste modo, em sintonia com o entendimento consagrado no acórdão Banco Mais (C-183/13) do TJUE, a Autoridade Tributária considerou que seria aplicável um coeficiente de imputação específico nos termos do artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA que teria a virtualidade de excluir a componente de capital da determinação da percentagem de dedução no âmbito da aplicação do método da afetação real, daqui resultando a manutenção da autoliquidação inicialmente efetuada pela Requerente, que seguiu e bem do ponto de vista da AT as instruções do Ofício-Circulado 30108, nomeadamente no seu ponto 9.
  6. Correspondentemente, os atos que implicam custos comuns durante a vigência do contrato são sobretudo atos de gestão da locação financeira. O Acórdão Banco Mais do TJUE não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividade de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.”
  7. O que vem a ser confirmado no Acórdão do STA de 4 de março de 2020 (Proc. n.º 052/19.OBALSB):

“Por outras palavras, e como já se consignou no Acórdão deste STA proferido a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13: “a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido, em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação comunitária. Resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta.”

  1. No caso “Volkswagen Financial Services (UK) Ltd.”, estava em causa o direito fiscal do Reino Unido, e esse direito, ao contrário do português, isentava de imposto a componente do juro, e só tributava a componente da amortização do capital – sendo que, adicionalmente, o fisco britânico também excluía a componente de amortização do pro rata, por se entender que os custos mistos estavam predominantemente associados à componente do juro do financiamento, que era o cerne da atividade.
  2. Ora, estando a componente dos juros isenta enquanto operação de crédito, o método aplicado pelo Reino Unido tinha um resultado mais gravoso para os contribuintes, e menos rigoroso do que o método português, uma vez que, para o cálculo da percentagem de dedução, não eram tidas em conta as despesas com os bens e serviços repercutidos na componente dos juros. Em suma, os juros, no caso “Volkswagen Financial Services (UK) Ltd.”, não reflectiam os valores de IVA que consubstanciavam o preço de custo das prestações de serviços e bens, que compunham os custos mistos dos contratos de locação, ao contrário do que acontece no ordenamento jurídico português, em que os juros são tributados, e reflectem precisamente o IVA suportado nos gastos de natureza mista.

Logo, a invocação do Acordão “Volkswagen Financial Services (UK) Ltd.” é improcedente, não havendo paralelismo de situações – antes diferenças fundamentais.

  1. Importa recordar neste ponto o teor do Acórdão do STA de 4 de Março de 2020 (Proc. n.º 052/19.OBALSB):

 “Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”. E é precisamente por este motivo que não colhe a argumentação da Recorrida quando vem arguir que nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA é, necessariamente. “toda a renda recebida (ou seja capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista”. E não colhe porque, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação que o determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro”. 

  1. Como tal, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação, o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.

 

  1. Em conclusão, como já se referiu, a questão principal que cumpre apreciar no presente recurso reside em saber se a Requerente tem direito à dedução do IVA incorrido na aquisição de recursos de utilização mista relativos às atividades de leasing e ALD por si desenvolvidas, passando a considerar no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2015, os valores relativos às amortizações financeiras dos contratos de locação financeira por si celebrados.

 

  1. Sendo a locação financeira é o contrato pelo qual uma entidade – o locador financeiro – concede a outra – o locatário financeiro – o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário.

 

  1. Importa recordar que o objeto deste tipo de contrato não é a transferência da propriedade, mas sim a cedência pela locadora do uso do bem, obrigando-se a locadora a prestar um serviço, traduzido na disponibilidade do bem em causa, recebendo, em contrapartida, uma prestação sem prejuízo, de nele se poder prever a opção de compra, no final do contrato, a favor do locatário, por um valor residual fixado por acordo entre as partes.

 

  1. A renda constitui o pagamento do serviço de concessão de financiamento ao locador, sendo composta por duas partes: capital ou amortização financeira, que mais não é que o reembolso da quantia “emprestada”; e juros, acrescidos de eventuais encargos, que constituem a remuneração do locador.

Nem todo o valor pago a título de renda no âmbito de um contrato de locação financeira deve ser incluído no cômputo do apuramento da percentagem de dedução, conjuntamente com a parte correspondente aos juros e outros encargos.

 

  1. O valor de aquisição do bem objeto de contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo locador ao locatário. No montante da aquisição desse mesmo input, o sujeito passivo (locador) exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objeto do contrato de locação, por via do método da imputação direta.

 

  1. Por isso, deve ser excluída do cálculo da percentagem de dedução a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem.

 

  1. À luz do princípio da neutralidade em que assenta o sistema deste imposto, fácil se torna perceber que a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que já foi deduzido pelo sujeito passivo.

 

  1. Apenas aquele valor diferencial (que genericamente, corresponde a juros), que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução, pode ser considerado para efeitos de dedução.

Se assim não fosse, permitia-se um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido com a generalidade dos bens ou serviços com utilização mista adquiridos pelo sujeito passivo.

O procedimento adotado pela Autoridade Tributária e Aduaneira explanado na decisão recorrida, está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial, o art.º 16.º e o art.º 23.º do Código do IVA, e com os artigos 174.º e 175.º da Diretiva IVA.

 

  1. Sobre o cálculo para dedução do IVA em relação aos bens de utilização mista, no âmbito da atividade de locação financeira mobiliária desenvolvida pelas instituições bancárias, existe já vasta jurisprudência dos tribunais superiores que confirmam a legalidade do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, na parte que impõe a exclusão da amortização do capital no cálculo do direito à dedução (jurisprudência que a seguir analisamos).

 

  1. Não tem por isso razão a Requerente ao invocar, face aos argumentos expostos no acórdão de 4 de Março de 2020 (Processo n.º 7/19), onde se afirmou:

“Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º, n.º 1, da Sexta Directiva (intitulado “Cálculo do pro rata de dedução”) remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica que, “embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23) - parágrafos 25 e 26.

Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA - artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços.

Como tal, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo de pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação, o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pró rata apenas seja, considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro”.

  1. Na sequência do acórdão Banco Mais, o método específico de imputação do pro rata, implicando que apenas possa ser deduzida, no âmbito dos contratos de locação financeira, a parte das rendas pagas pelos clientes que corresponde aos juros, apenas opera quando a utilização dos bens e serviços comuns seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – e essa é uma matéria de prova, que a Requerente neste caso não fez confessando expressamente que não lhe era possível fazê-lo.

 

  1. Por isso, depois do acórdão de uniformização de jurisprudência do STA citado, já não é possível continuar a questionar se o art. 23.º, n.ºs 2 e 3 do CIVA legitima o estabelecimento, pela AT, de um coeficiente de imputação específico que exclua, nos contratos de locação financeira, a componente da amortização – pois aquele acórdão decidiu que a norma do artigo 23.º, 2 do CIVA efetuou a transposição para o direito interno do artigo 17.º, 5, § 3º, c) da Sexta Diretiva e, por conseguinte, a AT não está impedida de determinar que, no cálculo do pro rata das operações de locação financeira, apenas sejam tidos em conta os juros, ou seja, apenas a parte da remuneração do locador incluída na renda.

 

  1. Em consequência dessa jurisprudência uniformizadora, a jurisprudência arbitral modificou-se, na sequência dos parágrafos do Acórdão uniformizador, que a seguir se transcrevem:

“Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º n.º 1 da Sexta Directiva (intitulado “Cálculo do pro rata de dedução”) remete unicamente para o pro rata  previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica que, “embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). -parágrafos 25 e 26. Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”. Como tal, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação, o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro. Importa, por outro lado, ter presente que o método específico de imputação do pro rata, implicando que apenas possa ser deduzida, no âmbito dos contratos de locação financeira, a parte das rendas pagas pelos clientes que corresponde aos juros, na linha o acórdão Banco Mais, apenas opera quando a utilização dos bens e serviços comuns seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos. E nesse sentido o STA em diversos casos, como sucedeu no acórdão de uniformização de jurisprudência, tem vindo a devolver o processo aos tribunais de instância para efeito de ampliação da matéria de facto em vista a apurar se a utilização de bens e serviços mistos “é sobretudo determinada” pelas operações de financiamento e gestão dos contratos de locação financeira, ou, o invés, pela disponibilização dos veículos. A questão, todavia, não se coloca no presente processo. De facto, a Requerente enuncia como questão essencial a decidir a de saber de a Autoridade Tributária se encontra legitimidada pelo artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, do Código do IVA um coeficiente de imputação específico que exclua, nos contratos de locação financeira, a componente da amortização. E não alegou quaisquer factos que permitam ao tribunal apurar, em sede de matéria de facto, se os custos gerais são preponderantemente determinados pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira ou pela alienação dos bens locados. Ora, a questão de direito que vem colocada obteve já resposta do acórdão de uniformização de jurisprudência do STA, em termos a que o tribunal arbitral não pode deixar de aderir, ao consignar que a norma do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA efectuou a transposição para o direito interno do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, e, por conseguinte, a Administração não está impedida de considerar que, no cálculo do pro rata das operações de locação financeira, apenas sejam tidos em conta os juros, ou seja, apenas a parte da remuneração do locador incluída na renda”.

 

  1. No mesmo sentido se decidiu no Proc. 126/2023 CAAD de 6/11/2023, já citado, que com a devida vénia também aqui seguimos.

Em síntese:

  1. Não tendo a Requerente demonstrado que neste caso concreto a utilização dos bens ou serviços de utilização mista por sua parte foi predominantemente dedicada, em termos de gastos, à disponibilização dos veículos, improcede a sua pretensão.

 

  1. Na ordem jurídica portuguesa esta questão de direito está hoje resolvida: o acórdão de uniformização de jurisprudência do STA de 4 de Março de 2020 (Processo n.º 7/19) consignou que a norma do art.º 23.º, n.º 2, do CIVA efetuou a transposição para o direito interno do art. 17.º, 5, § 3.º, c), da Sexta Diretiva, e que, por conseguinte, a AT não estava, nem está, impedida de determinar que, no cálculo do pro rata das operações de locação financeira, apenas sejam tidos em conta os juros, ou seja, apenas a parte da remuneração do locador incluída na renda; reconheceu que a possibilidade de um pro rata mitigado está devidamente consagrada, e legalmente fundamentada entre nós. 

 

  1. Das razões expostas resulta que não foram violadas quaisquer normas constitucionais referentes aos princípios da legalidade fiscal, da efetividade e da proporcionalidade.

 

  1. Também não procede a pretensão formulada de forma extremamente vaga e insuficientemente fundamentada de que haveria violação do direito de propriedade protegido pelas normas da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

 

  1. Acompanhamos por isso as Decisões aqui citadas que vêm na linha da jurisprudência do STA e entendemos que a norma do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA procedeu à correta transposição para o direito interno do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva IVA, pelo que a autoliquidação inicialmente feita pelo Requerente, e agora impugnada, não padece das ilegalidades que lhes são imputadas e como tal deverá permanecer na ordem jurídica, bem como o ato de indeferimento do recurso hierárquico, sendo improcedentes a invocação do erro de direitos e demais argumentos invocados pela Requerente.

O ato de indeferimento do recurso hierárquico está, por isso, bem fundamentado quanto aos factos e ao direito, não padecendo de qualquer ilegalidade.

Em consequência julga-se totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

Juros indemnizatórios

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios face à conclusão a que se chegou anteriormente, fica prejudicado o conhecimento do pedido.

 

DECISÃO

               Face ao exposto o Tribunal decide:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao indeferimento de recurso hierárquico em causa e, em consequência, manter na ordem jurídica o ato tributário impugnado referente a IVA de 2015, no montante de € 985.323,99.
  2. Fixar o valor do processo em € 985.323,99 (novecentos e oitenta e cinco mil, trezentos e vinte e três euros e noventa e nove cêntimos), considerando as disposições contidas nos artigos 299.º nºs 1 e 4 do CPC, 97-A n.º 1 alínea b) do CPPT e 3.º n.º 2 do RCPAT.
  3. Fixar as custas no montante de € 13.770,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4.º do RCPAT, que ficam a cargo da Requerente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 22º do RJAT.

 

Notifique,

 

Lisboa, 23 de fevereiro de 2024

O Presidente do Tribunal

 

Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros

 

O Árbitro Vogal

 

Professor Doutor Luís Meneses Leitão

 

 

O Árbitro Vogal

 

Lic. Arlindo José Francisco

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 637/2020-T

Tema: IVA – Locação Financeira.

 

*Substituída pela decisão arbitral de 23 de fevereiro de 2024.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

I – RELATÓRIO

  1. A..., S.A., com o número de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que a Requerente interpôs da decisão de indeferimento da reclamação graciosa ...2018... que a mesma apresentou contra os atos de autoliquidação de IVA praticado na declaração periódica de dezembro de 2015, no montante € 985 323,99, na medida em que a considera ilegal, nos termos e fundamentos expostos na sua petição que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
  2. O pedido foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro e veio a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD em 17/11/2020, notificado à AT na mesma data.
  3. Nos termos e para efeitos do disposto no nº 2 alínea a) do artigo 6º e do nº 1 alínea a) do artigo 11º, ambos do RJAT, por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos prazos legalmente aplicáveis, foram, em 11/01/2021, designados: Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, Árbitro Presidente; Prof. Doutor Luís Menezes Leitão, Árbitro auxiliar e o licenciado Arlindo José Francisco, Árbitro auxiliar, que comunicaram a aceitação do encargo, no prazo legalmente estipulado.

 

  1. As partes foram notificadas das aludidas designações, não tendo qualquer delas, manifestado vontade de as recusar, vindo o tribunal a ser constituído em 03/05/2021, de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.  
  2. Com o seu pedido visa a Requerente a revogação do ato de indeferimento do recurso hierárquico que a Requerente interpôs da decisão de indeferimento da reclamação graciosa ...2018... e consequentemente a anulação parcial da autoliquidação de IVA, montante de € 985 323,99 efetuada pela Requerente na declaração periódica de imposto relativa a dezembro de 2015.
  3. Suporta o seu ponto de vista, em síntese, que sendo uma instituição de crédito que presta serviços financeiros que dão direito à dedução, como é o caso de operações de locação financeira mobiliária, e que realiza simultaneamente operações que não conferem esse direito, como seja operações de concessão de créditos enquadráveis na norma de isenção do artigo 9.º, n.º 27 do Código do IVA, verificou que não estava a exercer plenamente o direito à dedução que lhe assistia, nos termos dos artigos 20.º e 23.º do Código do IVA, porquanto não incluíra os montantes relativos à componente de amortização financeira na determinação da percentagem de dedução relativamente aos contratos celebrados, das atividades de leasing e ALD por si desenvolvidas.
  4. Refere a Requerente que desconsiderou, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2015, os valores relativos às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira por si celebrados, em resultado do instruído pelo ponto 9 do Oficio-Circulado nº 30108 de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA e originou a dedução de menos IVA do que aquele a que tinha direito, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária (IVA) em excesso.
  5. Daqui resultou o apuramento de uma percentagem de dedução definitiva para o ano 2015 de 2% (dois por cento), que aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 16.422.066,50), se materializou no valor de € 328.441,33 de IVA dedutível e caso tivesse procedido à inclusão das amortizações financeiras do leasing no cálculo da percentagem de dedução seria de 8% e não 2%, como sucedeu e o IVA  a deduzir seria de € 1.313.765,32.
  6. Concluindo que a autoliquidação em questão do ano 2015 deverá ser anulada na parte referente ao IVA que, por motivo de erro decorrente da aplicação de instruções (normas regulamentares) e entendimentos emanados pela AT, não foi deduzido e que corresponde a € 985.323,99, valor que lhe deverá ser devolvido por indevido acrescido dos competentes juros indemnizatórios, legalmente previstos.
  7. Por sua vez a AT e também em síntese, considera que o presente pedido de pronúncia arbitral deverá ser declarado improcedente por não provado, absolvendo-se a Requerida do pedido com as devidas e legais consequências.
  8. Suporta o seu ponto de vista no facto do artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, permitir que a Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.
  9. Que esta disposição legal, reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada na Diretiva do IVA – artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta diretiva, quando ali se estabelece que “todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços”.
  10. Por último os custos que diz incorrer a Requerente para o apoio na disponibilização das viaturas, designadamente cal centers, software, bem como através dos recursos inerentes aos 324 balcões que possui em território nacional com os contratos de locação financeira, não os quantifica nem justifica.

 

 

                II – SANEAMENTO

 

 

           O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2º nº 1 alínea a) e artigo 5º nº 1 e 2, ambos do RJAT.

O Tribunal decidiu marcar a prolação da decisão para 12 de Julho próximo, considerando desnecessário o reenvio prejudicial por considerar que a Jurisprudência do TJUE sobre esta matéria fornece os elementos suficientes para a aplicação do direito europeu a este litígio e considerou ainda desnecessária a inquirição de testemunhas por entender que a prova documental junta aos autos é suficiente.

                Assim, tendo em conta que as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e10º nº 2, ambos do RJAT, não enfermando o processo de nulidades e não havendo questões prévias a apreciar, consideram-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

 

                    III – FUNDAMENTAÇÃO

 

                1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos são as seguintes:

 

  1. Decidir se a autoliquidação de IVA respeitante ao mês de dezembro de 2015, deverá ser parcialmente anulada no montante € 985.323,99, em virtude de ter sido usada a percentagem de dedução de 2%, em cumprimento de instruções da AT, quando deveria ter sido usado a de 8% percentagem que se coaduna com o direito europeu, como pretende a Requerente ou, se pelo contrário a autoliquidação em causa, deverá ser mantida na ordem jurídica, como pretende a AT, por estar em conformidade quer com o direito interno quer com o europeu. 
  2.  Se em caso de anulação parcial pretendida e consequente devolução à Requerente do aludido montante a mesma deverá ser acompanhada de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais.  

 

          2 – Matéria de facto       

  1. A Requerente é uma instituição de crédito do tipo caixa económica bancária, cujo objeto social consiste na realização das operações descritas no artigo 4.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.
  2. No âmbito da sua atividade, a Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na isenção constante do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito à dedução deste imposto, como é o caso das operações de financiamento, concessão de crédito e as relativas a pagamentos.
  3. A Requerente para efeitos de IVA, é um sujeito passivo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do mesmo diploma, caracterizando-se por ser um sujeito passivo "misto", uma vez que exerce atividades que conferem direito à dedução e também realiza operações no âmbito da atividade financeira, a qual é isenta do imposto nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, procedendo ao apuramento do IVA de cada período com recurso ao disposto no artigo 23.º do mesmo diploma .
  4. Relativamente ao exercício do direito à dedução do IVA suportado a montante a Requerente nas situações em que identificou uma conexão direta e exclusiva entre os inputs e outputs, usou o método da imputação direta a que alude o nº 1 do artigo 20º do CIVA, como foi o caso dos contratos de locação financeira.
  5. Nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, a ora Requerente não deduziu qualquer montante de IVA.
  6. Nos casos em que a Requerente identificou uma conexão direta, mas não exclusiva, entre determinados inputs e outputs quando conseguiu determinar critérios objetivos do grau de utilização efetiva, aplicou o método da afetação real, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, como foi o caso da aquisição de Terminais de Pagamento Automático, utilizando os critérios e instruções da AT, apurando uma percentagem de 2%.
  7. A referida percentagem de 2%, coeficiente de imputação específico definitivo do ano 2015, foi apurada em estrita consonância com o manual de procedimentos que diz utilizar em todos os processos de leasing de forma a assegurar a harmonização da tramitação nos diversos contratos de leasing, que juntou e na estrita observância do preceituado no ponto 9 do Ofício-circulado n.º 30108, e 30 de janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA da AT.
  8. Tendo constado que o método imposto pelo referido Ofício-circulado não traduz o efetivo consumo de recurso de utilização mista, deixando de fora as amortizações financeiras do leasing, o que levou a Requerente a rever o apuramento da aludida percentagem de 2% e a recalcular uma de 8% e deste modo chegou ao apuramento de IVA pago em excesso e incluído na autoliquidação de dezembro de 2015 no montante de € 985 323,99.  
  9. Face a esta constatação a Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação de IVA do mês de dezembro de 2015, suportada no facto de não ter incluído o valor das amortizações financeiras, que incluídas levam ao apuramento da percentagem de 8% e à anulação de IVA a mais liquidado no montante já referido de € 985 323,99 cuja devolução pretende acrescido dos competentes juros indemnizatórios.
  10. A referida reclamação veio a ser indeferida, tendo a Requerente apresentado recurso hierárquico contra esta decisão, que também veio a ser indeferido, conforme despacho de 04/08/2020.

    

 

 Esta é a matéria de facto que o Tribunal selecionou, considerou provada e pertinente para a decisão da causa, fundando-se nos elementos juntos aos autos pelas partes e por elas aceites.

       Não consideramos a existência de outros factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

 

3 – Matéria de Direito

 

 

Resulta da matéria de facto dada como provada que a Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que realiza operações de financiamento e concessão de crédito, que se encontram isentas de IVA e não permitem o direito à dedução de imposto, e operações de locação financeira, que estão sujeitas e não isentas de IVA e conferem direito à dedução, sendo assim caracterizada para esse efeito como um sujeito passivo misto.

O que está em causa no dissenso das partes é método do apuramento do pro rata definitivo para a dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista. Deverão ser considerados no numerador e no denominador da fração de cálculo o valor total da renda ou somente a parte correspondente aos juros que constitui o proveito do locador?

Segundo a perspetiva da Requerente, retira-se do artigo 73.º da Diretiva IVA e da  alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA que, no âmbito de contratos de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário constitui o valor tributável para a incidência de IVA  e que o ofício circulado n.º 30108, sofre de ilegalidades ao impor o método da afetação real quando não se verificam os pressupostos que a legislação Portuguesa prevê, nº 3 do artigo 23º do CIVA, sempre que a aplicação do pro rata  conduza a distorções significativas na tributação e também quando não há  possibilidade de aplicar a afetação real impõe a utilização de uma percentagem de dedução que no seu cálculo exclui uma parte do valor da operação de locação financeira o que contraria o artigo 174º da Diretiva IVA e os nºs 4 e 5 do artigo 23º do CIVA.

Assim, as instruções do Ofício-Circulado em questão, que a Requerente observou na autoliquidação aqui posta em crise, desrespeitam as disposições contidas no já citado artigo 23º do CIVA e violarão mesmo o nº 2 do artigo 103 da Constituição e colide com o direito europeu, nomeadamente comos artigos 173º e 174º da Diretiva IVA, devendo a referida autoliquidação ser corrigida e autorizada a regularização de IVA respeitante a 2015, nos termos aduzidos pela Requerente.

Em apoio do seu ponto de vista refere que em decisão de Tribunal do CAAD, Processo 309/2017, entre outros, foram consideradas ilegais as autoliquidações aí impugnadas, uma vez que concluiu que o CIVA não permite a adoção de qualquer percentagem dedução apurada em moldes diferentes dos previstos no nº 4 do artigo 23 do CIVA, pelo que o método previsto no ponto 9 do ofício Circulado 30108, já referido, sofre do vício de violação de lei, em virtude de errada aplicação do método de cálculo do pro rata, pelo que não deverá ser seguido.

Apoiada ainda na jurisprudência mais recente do TJUE, acórdão Volkswagen Financial Services, a Requerente vem sustentar que a desconsideração da componente de capital, incluída nas rendas decorrentes da actividade de leasinge de alugueres de longa duração, no cálculo do pro rata de dedução é inadmissível à luz dos princípios que enformam a mecânica do IVA.

Relativamente à pronúncia recente do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão aqui discutida, no âmbito do Recurso de Uniformização de Jurisprudência formulado no processo n.º 052/19.0BALSB, conforme acórdão de 4 de março de 2020, no qual refere que a norma do nº 2 do artigo 23º do CIVA, permite que a AT imponha condições especiais quando se verifiquem distorções significativas na tributação, reproduzindo a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo 173.º da Diretiva IVA, quando ali se estabelece que os Estados-Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços, mas daqui não resulta que o Douto Tribunal não reconhece validade incondicional aos critérios de imputação específicos construídos por modelação do pro rata, tal como também não o faz o TJUE. Considera que a sua validade dependerá da demonstração de que esses critérios de imputação produzem resultados mais precisos que o método da percentagem e que a aplicação do método da percentagem pode por isso gerar distorções significativas na tributação, no caso concreto a autoliquidação de IVA efetuada pela Requerente, nas declarações periódicas de imposto relativas ao ano 2015, originou uma entrega em excesso de imposto ao Estado, no montante total de 985.323,99,o que deverá, ser corrigida, conforme de Direito.

Por sua vez a AT resume a questão em saber se as disposições contidas no nº 2 do artigo 23 do CIVA, estão ou não em consonância e reproduzem em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada na Diretiva do IVA – artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta Diretiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços.» e se os custos em que a Requerente incorre com os contratos de locação financeira são sobretudo determinados pelos inputs decorrentes dos atos de financiamento e gestão dos aludidos contratos.

A ambas as questões a AT, responde afirmativamente, considerando que

 só o valor dos juros e encargos associados à locação é que estariam relacionados com os custos de aquisição de bens e serviços utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução, devendo ser apenas consideradas aquelas variáveis na determinação da percentagem de dedução, sob pena de se constatarem distorções na tributação. Deste modo, em sintonia com o entendimento ensaiado no acórdão Banco Mais do TJUE, a Autoridade Tributária considerou que seria aplicável um coeficiente de imputação específico nos termos do artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA que teria a virtualidade de excluir a componente de capital da determinação da percentagem de dedução no âmbito da aplicação do método da afetação real, daqui resultando a manutenção da autoliquidação inicialmente efetuada pela Requerente, que seguiu e bem do ponto de vista da AT as instruções do ofício circulado 30108, nomeadamente no seu ponto 9.

Como se sabe a jurisprudência do CAAD, nomeadamente no Processo n.º 309/2017, seguidas de outras sobre a matéria aqui em causa nos autos, foi sempre no sentido da ilegalidade dos atos tributários praticados pela AT, resultante das instruções do ofício circulado 30103, face à violação do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 23º do CIVA, porém o STA, tem vindo a produzir jurisprudência uniformizadora, designadamente no seu Acórdão de 04/030/2020 –Pº 052/19. OBALSB, e a partir daqui o entendimento dos Tribunais do CAAD, modificou-se, nomeadamente no Pº 709/2019 do CAAD, entre outros, que acompanhamos e que  com a devidamente vénia transcrevemos:

 “Como é salientado pela Requerente, a jurisprudência do CAAD, inaugurada pelo o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 309/2017, e seguida por diversas outras decisões arbitrais, aponta no sentido da ilegalidade dos actos tributários que aplicam o critério específico de dedução adoptado pelo ofício-circulado n.º 30103, por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 2 e 3, alínea b), do Código do IVA, com base essencialmente nos seguintes considerandos. Embora a norma de direito europeu admita que, na aplicação do método de afectação real, seja apenas considerada uma parte dos bens de uso misto utilizados, e não a sua totalidade, o certo é que na transposição efectuada pelo legislador nacional apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”. Ora, é claro que que não é com base no valorparcial da renda (correspondente aos juros) que é possível determinar, com objectividade, as despesas comuns que estão afectas à actividade de locação financeira que conferem o direito à dedução. Sendo assim, haverá de concluir-se que o poder concedido à Administração Fiscal pelo artigo 23.º, n.º 3, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução. Tanto mais que, como determina o artigo 16.º, n.º 1, alínea h), o valor tributável nas operações resultantes deum contrato de locação financeira é o valor da renda recebida ou a receber do locatário, e na fórmula legalmente prevista para calcular a percentagem de dedução deve intervir o valor de negócios total (artigo 23.º, n.º 4). Admite-se, assim, que o Código do IVA efectuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva para o direito interno mas não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira. 7. No entanto, este entendimento não tem sido seguido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 4 de Março de 2015, no âmbito do Processo n.º 1017/12, em que foi formulado o pedido de reenvio prejudicial que originou a pronúncia pelo TJUE no caso Banco Mais, o STA conclui do seguinte modo: “o Tribunal de Justiça da União Europeia, no processo C-183/13 esclareceu que, se houver elementos que permitam concluir que as operações que conferem direito à dedução de imposto representam uma parte mais que proporcional dos custos comuns originados pelos bens e serviços de utilização mista –como aconteceria se a utilização desses bens e serviços de utilização mista fosse sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos de locação financeira (actividade que não confere direito à dedução do Imposto sobre o valor acrescentado) a significar que «esses custos comuns»se reportavam essencialmente às operações bancárias isentas, -é possível calcular o pro ratada forma excluindo do numerador e do denominador a parte das rendas que corresponde à amortização financeira. Essa orientação foi depois seguida nos Acórdãos da Secção de 4 de Março de 2015 (Processo n.º 081/13), 3 de Junho de 2015 (Processo n.º 0970/13), 17 de Junho de 2015 (Processo n.º 01874/13), 27 de Janeiro de 2016 (Processo n.º 0331/14) e 15 de Novembro de 2017 (Processo n.º 0485/17) e confirmada no recente acórdão para uniformização de jurisprudência de 4 de Março de 2020 (Processo n.º 7/19), fundado na contradição existente, quanto à mesma questão fundamental de direito, entre decisão arbitral (decisão recorrida) e o citado acórdão do STA de 15 de Novembro de 2017 (acórdão fundamento). Para assim concluir, o acórdão de uniformização de jurisprudência, na parte que mais interessa considerar, refere o seguinte. Como já se esclareceu no acórdão proferido por este STA a 3 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 0970/13, ao interpretar as normas supra referidas o TJUE tomou em consideração que “na interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não apenas os respectivos termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão SGAE, C-306/05, EU:C:2006:764, n. 34). E que no caso em apreço, o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução do IVA com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa. Sendo que, na inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Directiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v. parágrafos 21 a 24)”.

Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º n.º 1 da Sexta Directiva (intitulado “Cálculo do pro ratade dedução”) remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica

que, “embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). -parágrafos 25 e 26. Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA –artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”. Como tal, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro ratado imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação, o que determina, no caso dos autos, que parao cálculo do pro rataapenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.Importa, por outro lado, ter presente que o método específico de imputação do pro rata, implicando que apenas possa ser deduzida, no âmbito dos contratos de locação financeira, a parte das rendas pagas pelos clientes que corresponde aos juros, na linha o acórdão Banco Mais, apenas opera quando a utilização dos bens e serviços comuns seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos. E nesse sentido o STA em diversos casos, como sucedeu no acórdão de uniformização de jurisprudência, tem vindo a devolver o processo aos tribunais de instância para efeito de ampliação da matéria de facto em vista a apurar se a utilização de bens e serviços mistos “é sobretudo determinada” pelas operações de financiamento e gestão dos contratos de locação financeira, ou, o invés, pela disponibilização dos veículos.A questão, todavia, não se coloca no presente processo. De facto, a Requerente enuncia como questão essencial a decidir a de saber de a Autoridade Tributária se encontra legitimidada pelo artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, do Código do IVA um coeficiente de imputação específico que exclua, nos contratos de locação financeira, a componente da amortização. E não alegou quaisquer factos que permitam ao tribunal apurar, em sede de matéria de facto, se os custos gerais são preponderantemente determinados pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira ou pela alienação dos bens locados. Ora, a questão de direito que vem colocada obteve já resposta do acórdão de uniformização de jurisprudência do STA, em termos a que o tribunal arbitral não pode deixar de aderir, ao consignar que a norma do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA efectuou a transposição para o direito interno do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, e, por conseguinte, a Administração não está impedida de considerar que, no cálculo do pro ratadas operações de locação financeira, apenas sejam tidos em conta os juros, ou seja, apenas a parte da remuneração do locador incluída na renda”.

 

Acompanhamos de perto a decisão aqui tomada que vem na linha da jurisprudência do STA, reconhecemos que a norma do nº 2 do artigo 23º do CIVA procedeu à transposição para o direito interno do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, pelo que a autoliquidação impugnada não padece das ilegalidades que lhes são imputadas e como tal deverá permanecer na ordem jurídica bem como o ato de indeferimento do recurso hierárquico.

 

 

4- Juros indemnizatórios

 

  Quanto ao pedido de juros indemnizatórios face à conclusão a que se chegou anteriormente, fica prejudicado o conhecimento do pedido.

 

 

IV – DECISÃO

 

 

Face ao exposto o Tribunal decide:

  1. Declarar o pedido de pronúncia arbitral improcedente, mantendo-se na ordem jurídica a autoliquidação impugnada, respeitante a IVA, do mês de dezembro de 2015, no montante de € 985 323,99, bem como o ato de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra a reclamação graciosa ...2018... .
  2. Fixar o valor do processo em € 985 323,99, considerando as disposições contidas nos artigos 299º nº 1 e 4 do CPC, 97-A nº 1 alínea b) do CPPT e 3º nº 2 do RCPAT.
  3. Fixar as custas no montante de € 13 770,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, que ficam a cargo da Requerente, ao abrigo do nº 4 do artigo 22º do RJAT.

 

 

Notifique,

 

Lisboa, 12 de Julho de 2021

 

 

O Presidente do Tribunal

 

 

 

Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

Professor Doutor Luís Meneses Leitão

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

Lic. Arlindo José Francisco