SUMÁRIO:
O artigo 43.º, n.º 2, alínea b), do Código do IRS, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o artigo 63.º do TFUE, não sendo essa discriminação negativa ultrapassada pelo regime opcional constante dos n.ºs 13 e 14 (atuais n.ºs 14 e 15) do artigo 72.º do Código do IRS.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
1. No dia 27 de novembro de 2020, A..., NIF..., divorciado, residente em ..., Noruega (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2020..., referente ao ano de 2019, da qual resultou o montante a pagar de € 27.881,32.
O Requerente juntou 7 (sete) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), o Requerente alega, essencialmente, o seguinte que passamos a citar:
«- O Requerente é residente na Noruega e está registado no cadastro fiscal como não residente em Portugal, (…).
- No ano de 2019, o Requerente obteve rendimentos provenientes de mais-valias (categoria G) resultantes da alienação onerosa de um imóvel, (…).
- No cumprimento das suas obrigações declarativas, o Requerente procedeu, no dia 20 de junho de 2020, à submissão da declaração individual de rendimentos Modelo 3 de IRS, (…).
- O imóvel alienado (…) foi vendido pelo preço de € 235.000,00 (…) e declarado no anexo G da declaração de IRS relativa ao ano de 2019 (…).
- O imóvel alienado (…) foi adquirido pelo Requerente em 24 de novembro de 2016, pelo preço de € 130.000,00 (…) e declarado no anexo G da declaração de IRS relativa ao ano de 2019 (…).
- As despesas e encargos totais foram de € 2.823,84 (…)
- Na liquidação de IRS contestada, a AT apurou uma mais-valia inerente à referida alienação (rendimento tributável) no valor de € 99.576,16 (…), o qual resultou de se terem considerado e aceite pela AT os valores constantes (de aquisição e de realização e despesas dedutíveis) declarados na declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2019, após consideração pelo sistema do coeficiente de desvalorização da moeda de 2016 sobre o valor de aquisição (Portaria n.º 362/2019, de 9 de outubro).
- (…), na liquidação de IRS, a AT considerou a totalidade dessa mais-valia na determinação do rendimento colectável para efeitos de aplicação da taxa de 28% dos não-residentes.
- Quando, no entender do Requerente, tal valor deveria ter sido considerado em apenas 50%, isto é, em apenas € 49.788,08.
- (…), a liquidação contestada afigura-se ilegal, por incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e com o artigo 40.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, na parte em que restringe a redução a 50% das mais-valias sujeitas a IRS a sujeitos passivos residentes em Portugal, com a sua consequente anulação, (…).
- (…), mesmo posteriormente à alteração legislativa introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, toda a jurisprudência nacional (…) é unânime em considerar que o regime de tributação à taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, (…), é incompatível (ou continua a ser!) com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
- (…), a existência deste regime, meramente opcional, para além de criar um ónus adicional nos contribuintes não residentes face aos residentes – o qual consiste na necessidade do exercício dessa opção com inclusão de rendimentos obtidos no estrangeiro e sujeição às taxas progressivas do art. 68.º do CIRS – não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS contestada.
- O facto de atualmente este regime poder ser afastado pelos sujeitos passivos, se manifestarem uma opção, não afasta a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é extensiva aos residentes.
- Ademais, o regime previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável á totalidade do saldo.
- O regime de tributação à taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, (…), é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pois torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado.
- Quer o tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, quer o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu prevalecem sobre a legislação interna ordinária portuguesa, como o CIRS, conforme artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.»
3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 30 de novembro de 2020.
4. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 18 de janeiro de 2021, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 3 de maio de 2021.
5. No dia 7 de junho de 2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, nem juntou processo administrativo.
A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação que passamos a citar:
«- (…,) em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não-residentes neste território mas residentes noutro Estado Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos n.ºs 1e 7 do artigo 72.º do Código do IRS que coexistem dois regimes fiscais: o “regime geral de tributação”, nos termos do qual aqueles rendimentos são sujeitos a uma taxa especial de 28% e; um outro regime, de “opção de equiparação” aos sujeitos passivos não residentes em território português, segundo o qual os mesmos rendimentos são sujeitos “à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português”, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, aplicando-se a disposição constante do n.º 2 do citado artigo 433.º do Código do IRS.
- E esse regime foi precisamente instituído por o Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 11/10/2007, ter decidido a incompatibilidade com o Direito Comunitário da disciplina da tributação das mais-valias imobiliárias de não residentes resultante dos artigos 72.º, n.º 1 e 43.º, n.º 2 do Código do IRS, (…).
- Tendo em conta o teor do Acórdão supra mencionado e no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão nele sufragada, foi aditado ao artigo 72.º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, o n.º 7, à data dos factos n.º 14, (…).
- (…) o n.º 8, à data dos factos n.º 15, do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela lei n.º 67-A/2007, de 31/12 (…).
- E, por foça dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008, em vigor a partir de janeiro de 2009, e seguintes, mais concretamente o mod. 3 do IRS, têm um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68.º do Código do IRS.
- Na declaração entregue pelo requerente, relativa ao ano fiscal de 2019, não foi feita essa opção.
- (…) o requerente manifestou a vontade de ser tributado em 2019: “Tributação pelo regime geral”.
- Assim, (…), as alegações do requerente não podem obter provimento, face à alteração do artigo 72.º efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.
- (…), motivo pelo qual não foi tido em conta apenas 50% das mais valias apuradas com a alienação do imóvel referido.
- Foi aplicada a taxa autónoma de 28% sobre o valor dessas mais valias nos termos previstos no regime geral de tributação em IRS, pelo qual o requerente expressamente declarou pretender ser tributado.
- A pretensão de escolha do melhor dos regimes de tributação, ou seja, ser considerado como residente para efeitos de aplicação do artigo 43.º, n.º 2 e não residente para efeitos de aplicação da taxa do artigo 72.º, n.º 1, ambos do CIRS, não é viável.
- A criação legal de possibilidade de opção de tributação de mais-valias auferidas pelos não residentes pela mesma forma que seriam tributadas se de um residente se tratasse, exigindo, porém, que, tal como sucede relativamente a esses residentes, sejam ponderados todos os rendimentos auferidos pelo sujeito passivo, vem induzir uma situação de igualdade tributária quer quanto às taxas, quer quanto à determinação da matéria tributável subjacente à respetiva determinação e, naturalmente, posterior aplicação àquela.»
6 O Tribunal dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de quaisquer alegações, tendo indicado o dia 30 de junho de 2021 como data previsível para a prolação da decisão arbitral.
II. SANEAMENTO
7. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
8. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
a) O Requerente era, no ano de 2019, e continua a ser residente na Noruega. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]
b) No dia 24 de novembro de 2016, o Requerente adquiriu, pelo valor de € 130.000,00 (cento e trinta mil euros), a fração autónoma designada pela letra “G”, primeiro andar – apartamento C, destinada a habitação, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado “Edifício...”, sito no ..., ..., ..., concelho de Lagoa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o número ... da freguesia do ... e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ... sob o artigo ... . [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA]
c) No dia 18 de junho de 2019, o Requerente vendeu, pelo valor de € 235.000,00 (duzentos e trinta e cinco mil euros), o referido bem imóvel. [cf. documento n.º 4 anexo ao PPA]
d) O Requerente procedeu à entrega, dentro do prazo legal, da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2019, na qual declarou, quanto à respetiva residência fiscal [campo 8], ser não residente, residir em país da UE ou EEE (578) e pretender a tributação pelo regime geral. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]
e) O Requerente entregou, com aquela mesma declaração de rendimentos, o respetivo Anexo G [Mais-valias e outros incrementos patrimoniais], no qual declarou o seguinte, tendo por referência o imóvel com o artigo matricial U-... da freguesia ... [cf. documentos n.ºs 2, 6 e 7 anexos ao PPA]:
(i) Aquisição:
# data: 2016.11
# valor: € 130.000,00
(ii) Realização:
# data: 2019.06
# valor: € 235.000,00
(iii) Despesas e encargos: € 2.823,84
f) Nessa sequência, a AT emitiu a liquidação de IRS n.º 2020..., referente ao ano de 2019, na qual foi apurado o rendimento coletável de € 99.576,16, sobre o qual foi aplicada a taxa de 28%, daí resultando o montante total de imposto a pagar de € 27.881,32 (vinte e sete mil oitocentos e oitenta e um euros e trinta e dois cêntimos), com data limite de pagamento em 31.08.2020. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]
g) Em 27.11.2020, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]
§2. FACTOS NÃO PROVADOS
9. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados.
§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
10. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consubstanciadas em afirmações meramente conclusivas e, por isso, insuscetíveis de prova e cuja veracidade terá de ser aquilatada em face da concreta matéria de facto consolidada.
A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório de natureza documental carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
III.2. DE DIREITO
§1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO
11. A questão jurídico-tributária em causa neste processo é atinente à tributação incidente sobre as mais-valias imobiliárias, auferidas por não residentes em território português – mais concretamente, por residentes num Estado-membro do Espaço Económico Europeu –, atento o disposto nos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, alínea h), 43.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), e 72.º, n.ºs 1, alínea a), 13 e 14, todos do Código do IRS.
Está, concretamente, em causa determinar se o saldo positivo apurado a título de mais-valias imobiliárias, no ano de 2019, pelo Requerente deverá ou não ser considerado em apenas 50% do seu valor, uma vez que aquele é residente na Noruega.
O Requerente propugna que aquele saldo positivo deve ser considerado em apenas 50% do seu valor, pois entende que o disposto no artigo 43.º, n.º 2, alínea b), do Código do IRS é também aplicável aos não residentes em Portugal, mas residentes num Estado-membro do Espaço Económico Europeu, esteando esta sua posição em diversa jurisprudência do TJUE e do STA.
Constitui, pois, entendimento do Requerente que aquela disposição do Código do IRS é incompatível com o direito europeu, não sendo de considerar sanada tal incompatibilidade com o aditamento ao artigo 72.º do Código do IRS dos seus números 7 e 8 (números 13 e 14, na redação à data dos factos), pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (OE 2008).
A Requerida, por seu turno e como acima vimos, pugna pela manutenção do ato de liquidação de IRS controvertido, nos exatos termos em que foi praticado.
§2. A TRIBUTAÇÃO EM IRS DAS MAIS-VALIAS AUFERIDAS PELO REQUERENTE
12. A análise da questão jurídico-tributária que constitui o epicentro do dissídio entre as partes, deve principiar pela convocação do bloco normativo aplicável, obviamente, na redação vigente à data dos factos.
O artigo 10.º do Código do IRS, determina, no seu n.º 1, que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de” “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis” (alínea a)).
Por seu turno, o artigo 13.º do Código do IRS estatui, no seu n.º 1, que “ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos”, acrescentando o artigo 15.º, n.º 2, do mesmo compêndio legal que, quanto aos não residentes, o IRS “incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”; como decorre do previsto no n.º 1 do artigo 18.º do mesmo Código, “consideram-se obtidos em território português” “os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão” (alínea h)).
Podemos, assim, assentar que, apesar de o Requerente ser residente na Noruega, as mais-valias resultantes da alienação do referenciado imóvel são consideradas rendimentos obtidos em território português e, como tal, são objeto de tributação em IRS; em que termos é que o são, é precisamente a questão com que nos confrontamos neste processo.
O artigo 43.º do Código do IRS estipula, no seu n.º 1, que “o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes”; por seu turno, da alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo decorre que “o saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor” em todos os casos não previstos na antecedente alínea a).
O artigo 72.º do mesmo Código prevê, na alínea a) do seu n.º 1, que “são tributadas à taxa autónoma de 28%” “as mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado”. O n.º 13 do mesmo artigo 72.º estatui que “os residentes num Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português”; para efeitos de determinação dessa taxa, o subsequente n.º 14 determina que “são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.
13. O n.º 2 do artigo 43.º (alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo, na redação aqui aplicável) do Código do IRS já foi objeto de apreciação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no acórdão de 11 de outubro de 2007, proferido no processo C-443/06 (Acórdão Hollmann), no qual foi decidido o seguinte:
«O artigo 56.° CE [atual artigo 63.º do TFUE] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.»
Estamos, pois, perante um regime discriminatório e incompatível com o Direito Europeu, por violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), o qual estatui o seguinte:
“1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.”
No mesmo sentido, o artigo 40.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu determina o seguinte que aqui importa reter:
“No âmbito do disposto no presente Acordo, são proibidas quaisquer restrições entre as Partes Contratantes aos movimentos de capitais pertencentes a pessoas residentes nos Estados-membros das Comunidades Europeias ou nos Estados da EFTA, e quaisquer discriminações de tratamento em razão da nacionalidade ou da residência das partes, ou do lugar do investimento. (…)”
A referenciada decisão do TJUE está esteada, nuclearmente, na seguinte argumentação expendida no citado aresto:
«29. Ora, o Tratado prevê, designadamente no artigo 56.° CE, uma norma específica de não discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais (acórdão de 10 de Janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze, C 222/04, Colect., p. I 289, n.° 99).
30. Face às considerações precedentes, importa, portanto, verificar se um contribuinte como E. Hollmann pode invocar o disposto no artigo 56.° CE.
31. A este respeito, decorre da jurisprudência que uma operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa no processo principal, constitui um movimento de capitais (v., neste sentido, acórdão de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer, C 222/97, Colect., p. I 1661, n.° 24).
(…)
37. Daqui decorre que, nos termos das disposições pertinentes do CIRS, a tributação das mais valias realizadas não é a mesma para residentes e não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel sito em Portugal, no caso de realização de mais valias, os não residentes estão sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que é aplicada a residentes, encontrando se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos.
38. Com efeito, enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% sobre a matéria colectável correspondente à totalidade das mais valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria colectável correspondente às mais valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que, segundo as observações formuladas pelo Governo português, a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%.
(…)
40. Nestas condições, cabe concluir que o facto de se prever uma limitação da tributação a 50% das mais valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.° CE.
(…)
47. A este respeito, o Governo português sustenta que as duas categorias de sujeitos passivos se encontram em situações diferentes, o que justifica perfeitamente esta diferença de tratamento. A limitação da tributação a 50% só pode respeitar a residentes, uma vez que estes se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressivas sobre o seu rendimento global. Ao invés, aos não residentes são apenas tributados os rendimentos auferidos no território português. Por outras palavras, o mecanismo previsto por uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal visa não penalizar os residentes que se encontram sujeitos a um imposto progressivo, contrariamente aos não residentes.
48. Além disso, o mesmo governo considera que a diferença de tratamento fiscal resultante da aplicação de uma tributação diferente a não residentes deve ser interpretada em conjugação com o sistema geral do imposto sobre o rendimento aplicável a residentes e a não residentes.
49. Com este argumento, o Governo português considera que o facto de se prever uma tributação diferente para não residentes, no caso de realização de mais valias, se justifica atendendo ao regime de tributação de rendimentos, em especial à taxa de tributação diferente aplicável a residentes e a não residentes. Com efeito, para os primeiros, o rendimento colectável é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias, incluindo, portanto, as mais valias auferidas em cada ano, sujeito a uma tabela de taxas progressivas, enquanto que, para os não residentes, o CIRS prevê a aplicação de uma taxa especial proporcional.
50. Refira se que, no processo principal, em primeiro lugar, a tributação das mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel incide sobre uma única categoria de rendimentos dos sujeitos passivos, quer sejam residentes ou não residentes; em segundo lugar, diz respeito às duas categorias de sujeitos passivos; e, em terceiro lugar, o Estado Membro de onde o rendimento colectável provém é sempre a República Portuguesa.
51. A este respeito, importa em particular esclarecer que, tal como resulta do n.° 38 do presente acórdão, o facto de a matéria colectável correspondente às mais valias realizadas por um residente ser reduzida a metade, conjugado com o facto de a tributação dos seus rendimentos estar sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%, conduz, nas mesmas condições de tributação relativamente a um não residente, a uma tributação mais gravosa deste último.
52. Nestas condições, a alegação apresentada, no caso em apreço, pelo Governo português não pode ser aceite.
53. Resulta do exposto que não existe objectivamente nenhuma diferença de situação que justifique a desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais valias entre as duas categorias de sujeitos passivos. Por conseguinte, uma situação como a de E. Hollmann é comparável à de um residente.
54. Donde se conclui que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal institui um tratamento fiscal desigual para os não residentes, na medida em que permite, no caso de realização de mais valias, uma tributação mais gravosa e, por isso, uma carga fiscal superior à que é suportada pelos residentes numa situação objectivamente comparável.»
Importa aqui relembrar que a prevalência da interpretação do TJUE acerca do Direito Europeu resulta do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa e do princípio do primado do Direito Europeu, seja este originário ou derivado.
Assim, na sequência daquele aresto do TJUE, os tribunais nacionais adotaram uma posição consentânea com o ali decidido, sendo disso exemplo, entre outros, os seguintes arestos prolatados pelo STA:
(i) Em 22.03.2011, no processo n.º 01031/10, onde se afirma que foi a Autoridade Tributária que, «perante a declaração dos contribuintes, lhes liquidou o imposto que considerou devido (como aliás sempre sucede no IRS): à taxa prevista para os não residentes (25%, nos termos do artigo 72.º n.º 1 do Código do IRS) e sobre o montante total da mais-valia realizada e não apenas sobre 50% deste valor (artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS), assim ignorando a jurisprudência comunitária e a deste Supremo Tribunal que a acolheu (cfr. o Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, rec. n.º 439/06) quanto à incompatibilidade daquela disposição legal, assim aplicada, com o (então) artigo 56.º do TJCE (actual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), sujeitando-se deste modo, como veio a acontecer, a ver anulada nessa parte a liquidação impugnada, dado o primado do direito comunitário.»
(ii) Em 20.02.2019, no processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, o acórdão assim sumariado:
«I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da UE, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da UE.
III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (art. 135.º do Código de Procedimento Administrativo).»
(iii) Em 9.12.2020, no processo n.º 064/20.0BALSB, o acórdão assim sumariado:
«I – Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo.
II – O entendimento contrário é discriminatório, nos termo do artigo 65.º n.º 3, por referência ao n.º1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.»
(iv) Em 9.12.2020, no processo n.º 075/20.6BALSB, o acórdão assim sumariado:
«(…)
III – A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.
IV – Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.»
Também os tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD seguiram idêntico entendimento, como resulta, entre muitas outras, das decisões arbitrais que foram proferidas nos processos n.ºs 45/2012-T, 127/2012-T, 748/2015-T, 89/2017-T, 644/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 370/2018-T, 600/2018-T, 613/2018-T, 208/2019-T, 627/2019-T, 787/2019-T, 17/2020-T, 238/2020-T e 334/2020-T.
14. Noutra ordem de considerações, a propósito de um regime de opção similar àquele que está consagrado no artigo 72.º, n.ºs 13 e 14, do Código do IRS, pronunciou-se o TJUE no acórdão de 18 de março de 2010, proferido no processo C-440/08 (Caso Gielen), no qual foi decidido o seguinte:
«O artigo 49.° TFUE opõe se a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal como a dedução concedida aos trabalhadores independentes, em causa no processo principal, apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes.»
Esta decisão está estribada nos seguintes vetores argumentativos:
«50. Antes de mais, importa recordar que a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, como F. Gielen, escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório.
51. Ora, cumpre frisar a este respeito que, no presente caso, essa escolha não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.
52. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência, como é essencialmente observado pelo advogado geral no n.° 52 das suas conclusões, validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório.
53. Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, acórdão de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C 446/04, Colect., p. I 11753, n.° 162).
54. Decorre do exposto que a escolha concedida, no âmbito do litígio em causa no processo principal, ao contribuinte não residente, através da opção de equiparação, não neutraliza a discriminação constatada no n.° 48 do presente acórdão.»
Acresce que, no âmbito do recentíssimo acórdão de 18 de março de 2021, proferido no processo C-388/19 (Acórdão MK), o TJUE apreciou o concreto regime legal constante dos n.ºs 13 e 14 do artigo 72.º do CIRS, tendo decidido o seguinte:
«O artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro que, para permitir que as mais‑valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado‑Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado‑Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais‑valias realizadas por um residente do primeiro Estado‑Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.»
Esta conclusão emerge, nuclearmente, da seguinte argumentação vertida naquele aresto do TJUE:
«19. Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 18.° e 63.° a 65.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à regulamentação de um Estado‑Membro que, para permitir que as mais‑valias provenientes da alienação de imóveis situados nesse Estado‑Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado‑Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais‑valias realizadas por um residente do primeiro Estado‑Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.
(…)
21. Ora, o Tratado FUE prevê, designadamente, no seu artigo 63.°, uma regra específica de não discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C‑443/06, EU:C:2007:600, n.° 29 e jurisprudência referida).
22. Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa no processo principal, constitui um movimento de capitais (Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C‑443/06, EU:C:2007:600, n.° 31 e jurisprudência referida).
23. Daqui decorre que a alienação onerosa de um bem imóvel situado no território de um Estado‑Membro, efetuada por pessoas singulares não residentes, é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 63.° TFUE.
(…)
25. Importa recordar que o artigo 63.° TFUE proíbe quaisquer restrições aos movimentos de capitais entre os Estados‑Membros, sem prejuízo das justificações previstas no artigo 65.° TFUE.
26. No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que, tratando‑se de mais‑valias realizadas no momento da alienação onerosa de um bem imóvel situado em Portugal, o artigo 43.°, n.° 2, e o artigo 72.°, n.° 1, do CIRS previam regras de tributação diferentes consoante os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento residissem ou não no território desse Estado‑Membro.
27. Em especial, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, as mais‑valias realizadas por residentes no momento da alienação de bens imóveis situados em Portugal eram apenas consideradas em 50 % do seu valor. Em contrapartida, para os não residentes, o artigo 72.°, n.° 1, do CIRS previa a tributação dessas mesmas mais‑valias sobre a totalidade do seu montante à taxa autónoma de 28 %.
28. Daqui decorre que, em aplicação destas disposições, a matéria coletável deste tipo de mais‑valias não era a mesma para os residentes e para os não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel situado em Portugal, no caso de realização de mais‑valias, os não residentes estavam sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que era aplicada aos residentes, encontrando‑se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C‑443/06, EU:C:2007:600, n.° 37).
29. Com efeito, enquanto, por força do artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, um não residente era tributado a uma taxa de 28 % aplicada sobre a matéria coletável correspondente à totalidade das mais‑valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável das mais‑valias realizadas por um residente permitia que este beneficiasse sistematicamente de uma carga fiscal inferior a esse título, qualquer que fosse a taxa de tributação aplicada à totalidade dos seus rendimentos, uma vez que, segundo as observações apresentadas pelo Governo português, os rendimentos dos residentes estavam sujeitos a um imposto de acordo com uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado era de 48 %, isto embora se pudesse aplicar uma taxa adicional de solidariedade de 2,5 % a rendimentos coletáveis de 80 000 euros a 250 000 euros e de 5 % acima desse valor.
30. Ora, no Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C‑443/06, EU:C:2007:600, n.° 40), o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que a fixação, pelo artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, de uma matéria coletável de 50 % para as mais‑valias realizadas apenas por sujeitos passivos residentes em Portugal, e não por sujeitos passivos não residentes, constituía uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.° TFUE.
31. Esta constatação não é posta em causa pelo n.° 44 do Acórdão de 19 de novembro de 2015, Hirvonen (C‑632/13, EU:C:2015:765), no qual o Tribunal de Justiça declarou que uma diferença de tratamento entre contribuintes não residentes e contribuintes residentes, que consiste em sujeitar os rendimentos brutos dos primeiros a uma tributação a título definitivo a uma taxa única, através de retenção na fonte, ao passo que os rendimentos líquidos dos segundos são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui um abatimento de base, é compatível com o direito da União, na medida em que essa constatação está sujeita, todavia, à condição de a taxa única não ser mais elevada do que a taxa resultante da aplicação efetiva para o interessado da tabela progressiva aos rendimentos líquidos que excedem o abatimento de base. Ora, no caso em apreço, como resulta do n.° 29 do presente acórdão, o regime de tributação diferenciado em causa conduz a que os não residentes sejam sistematicamente sujeitos a uma carga fiscal superior à aplicada aos residentes aquando da realização de mais‑valias sobre a venda de imóveis.
32. Nestas condições, a fixação da matéria coletável em 50 % para as mais‑valias realizadas por todos os sujeitos passivos residentes em Portugal, e não para os sujeitos passivos não residentes que optaram pelo regime de tributação previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE.
(…)
34. Resulta do artigo 65.°, n.° 1, TFUE, lido em conjugação com o n.° 3 desse mesmo artigo, que os Estados‑Membros podem estabelecer, na sua regulamentação nacional, uma distinção entre contribuintes residentes e contribuintes não residentes, desde que essa distinção não constitua um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.
35. Há, portanto, que distinguir os tratamentos desiguais permitidos ao abrigo do artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações arbitrárias proibidas pelo n.° 3 do mesmo artigo. A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que disposições fiscais nacionais, como o artigo 43.°, n.° 2, e o artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, possam ser consideradas compatíveis com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C‑443/06, EU:C:2007:600, n.os 44 e 45 e jurisprudência referida).
36. Ora, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os sujeitos passivos residentes e os sujeitos passivos não residentes prevista pela regulamentação portuguesa diz respeito a situações objetivamente comparáveis. Além disso, esta diferença de tratamento não é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.
37. Quanto, em primeiro lugar, à comparabilidade das situações, importa recordar que, no n.° 50 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C‑443/06, EU:C:2007:600), o Tribunal de Justiça já declarou, em primeiro lugar, que a tributação das mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel incide, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, e do artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, sobre uma única categoria de rendimentos dos contribuintes, quer sejam residentes ou não residentes; em segundo lugar, que essa tributação diz respeito a essas duas categorias de contribuintes; e, em terceiro lugar, que o Estado‑Membro de onde o rendimento coletável provém é sempre a República Portuguesa.
38. Resulta do exposto, nomeadamente do n.° 29 do presente acórdão, que não existe nenhuma diferença objetiva de situação entre os contribuintes residentes e os contribuintes não residentes, suscetível de justificar uma desigualdade de tratamento fiscal entre eles, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, e do artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, no que respeita à tributação do saldo positivo das mais‑valias realizadas na sequência de alienações de bens imóveis situados em Portugal. Por conseguinte, a situação em que se encontra um contribuinte não residente, como MK, é comparável à de um contribuinte residente.
39. Esta constatação não é posta em causa pela ratio legis do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, que prevê o abatimento de 50% aplicável às mais‑valias realizadas pelos residentes, que, segundo o Governo português, consiste em evitar a tributação excessivamente onerosa desses rendimentos considerados anormais e fortuitos, na medida em que nada permite excluir que essa consideração não possa vir a dizer respeito aos sujeitos passivos não residentes.
40. Quanto, em segundo lugar, à existência de justificações baseadas em razões imperiosas de interesse geral, importa salientar que o Governo português não refere a existência de tais razões. No entanto, alega que, no âmbito da tributação do saldo positivo das mais‑valias imobiliárias realizadas em Portugal, o artigo 43.°, n.° 2, do CIRS tem por objetivo evitar penalizar os sujeitos passivos residentes em Portugal ou os sujeitos passivos não residentes que escolham ser tributados como tais nos termos do artigo 72.°, n.ºs 9 e 10, do CIRS, devido ao facto de lhes ser aplicada uma taxa progressiva.
41. Ora, nos n.os 58 a 60 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C‑443/06, EU:C:2007:600), o Tribunal de Justiça considerou que o benefício fiscal concedido aos residentes, que consistia numa redução de metade da matéria coletável correspondente às mais‑valias realizadas, excedia, em todo o caso, a contrapartida que consiste na aplicação de uma taxa progressiva à tributação dos seus rendimentos. Consequentemente, no processo que deu origem a esse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que não estava demonstrada uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício através de determinada imposição fiscal e que a restrição resultante da regulamentação nacional em causa não podia, portanto, ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.
(…)
42. Antes de mais, há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.°, n.ºs 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.°, n.° 2, desse código permite a um contribuinte não residente, como MK, escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, e outro que não o é.
43. Ora, cumpre frisar a este respeito que, no caso em apreço, essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.
44. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.° TFUE em razão do seu caráter discriminatório (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C‑440/08, EU:C:2010:148, n.° 52).
45. Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C‑440/08, EU:C:2010:148, n.° 53 e jurisprudência referida).
46. Daqui resulta que a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.° 32 do presente acórdão compatível com o Tratado.»
Em linha com este aresto do TJUE, pronunciaram-se já os tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, designadamente no âmbito dos processos n.ºs 330/2020-T, 476/2020-T, 531/2020-T, 600/2020-T e 687/2020-T.
Resulta, assim, meridianamente evidenciado que a previsão daquele regime facultativo, para além de fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não é suscetível de excluir a aludida discriminação, a qual continua pois a subsistir.
15. Nesta conformidade, procede o vício de violação de lei imputado pelo Requerente à liquidação de IRS n.º 2020..., por incompatibilidade da alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com o artigo 63.º do TFUE e com o artigo 40.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, na parte em que restringe a redução a 50% das mais-valias sujeitas a IRS a sujeitos passivos residentes em Portugal; por isso, o ato de liquidação de IRS controvertido deve ser anulado na parte em que não considerou a limitação da tributação das aludidas mais-valias imobiliárias a 50% do respetivo valor (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).
*
16. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras.
IV. DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
a) Declarar ilegal e anular a liquidação de IRS n.º 2020..., referente ao ano de 2019, na parte em que não considerou a limitação da tributação das aludidas mais-valias imobiliárias a 50% do respetivo valor, com as legais consequências;
b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do presente processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Atento o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 13.490,66 (treze mil quatrocentos e noventa euros e sessenta e seis cêntimos).
VI. CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), cujo pagamento fica a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
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Atento o disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea i), e 72.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional), na sua atual versão, a presente decisão arbitral deve ser notificada ao Ministério Público, o que se determina.
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Notifique.
Lisboa, 15 de junho de 2021.
O Árbitro,
(Ricardo Rodrigues Pereira)