Sumário:
Nos termos do n.º 11 do artigo 8.º do Código do IRC, a data convencionada pelas partes a partir da qual as operações da sociedade incorporada são consideradas como efectuadas por conta da sociedade beneficiária é relevante para efeitos fiscais desde que essa data se situe, relativamente à entidade beneficiária, no mesmo período de tributação em que ocorreu a produção dos efeitos jurídicos da operação de fusão.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1. A..., S.A., com número único de pessoa coletiva e de registo..., sede na ...– ..., ...-... ..., anteriormente denominada B... S.A., na qualidade de incorporante da sociedade A... S.A. (anteriormente denominada por C..., SA e D..., S.A.), vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), para apreciar a legalidade do acto de liquidação de IRC n.º 2019..., referente a 2016, com valor a pagar de € 0,00 e fixação de prejuízo fiscal de € 7 279 843,34, e bem assim do despacho de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzido.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
Em 30 de junho de 2016, a Requerente (então sob a denominação B..., S.A.) incorporou por fusão a sociedade A... S.A., cujo período fiscal era coincidente com o ano civil.
Tal operação de fusão por incorporação foi realizada ao abrigo do regime da neutralidade fiscal, tendo ficado expresso que as operações da sociedade incorporada seriam consideradas do ponto de vista contabilístico como efetuadas por conta da sociedade incorporante com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2016, data convencionada para o efeito.
Na sequência de um procedimento de inspeção tributária, foi determinada a liquidação adicional de IRC relativa a 2016, com valor a pagar de € 0,00 e fixação de prejuízo fiscal de € 7 279 843,34, e que resulta de se não considerar possível a retroação dos efeitos da fusão, que ocorreu em 30 de junho de 2016, ao dia 1 de janeiro de 2016, que correspondia o primeiro dia do período de tributação da sociedade incorporada.
A posição da Autoridade Tributária assenta no entendimento de que para efeitos do disposto no n.º 11 do artigo 8.º do Código do IRC é imperativa a coincidência entre os períodos de tributação (coincidente ou não com o ano civil) das sociedades fundidas, a que se acrescenta, em sede de indeferimento da reclamação graciosa, a necessidade, para a aplicação da retroação dos efeitos fiscais da fusão, de coincidência entre os períodos fiscais de ambas as sociedades em 2015 ou em 2016.
A correcção tributária enferma de vício de falta de fundamentação material, visto que a fundamentação adoptada é ininteligível e não tem qualquer adesão ao texto legal no ponto em que assume prejuízos do período de incorporação por uma fusão como se prejuízos de exercícios anteriores à fusão se tratasse.
E incorre em vício de violação de lei por contrariar o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, 17.º, n.º 1 e 8.º, n.º 11, do Código do IRC, de onde resulta que nas fusões, e, em especial, no projeto de fusão, pode ser fixada uma data a partir da qual as operações das sociedades a fundir ou a cindir são consideradas, do ponto de vista contabilístico, como efetuadas por conta da sociedade beneficiária. Sendo essa a denominada “data convencional”, na medida em que resulta de uma convenção entre as sociedades fundidas relativamente ao início dos efeitos contabilísticos na sociedade beneficiária.
Sendo que essa data (1 de janeiro de 2016) tem relevância fiscal em sede de IRC se estiver compreendida num período de tributação coincidente com aquele em que ocorra a produção dos efeitos jurídicos da operação em causa.
No caso concreto, a Autoridade Tributária não põe em causa que a data convencional (1 de janeiro de 2016) e a data em que a fusão foi registada (30 de junho de 2016) se integram no período de tributação em curso tanto da incorporante como da incorporada, mas vem invocar ilegalmente dois pressupostos adicionais para a retroação de efeitos fiscais da fusão, ao sustentar que é indispensável que as sociedades fundidas tenham o mesmo período fiscal, seja ou não coincidente com o ano civil, e que a coincidência se verifique ambas em 2015 ou em 2016.
O acto de liquidação viola ainda princípios constitucionais, como seja o princípio da legalidade fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição, e o princípio da proibição do excesso, na vertente da proporcionalidade e proteção da confiança, além de que está em contradição com a Diretiva 2009/133/CE do Conselho, de 19 de Outubro de 2009, aplicável às fusões, e viola a liberdade de estabelecimento, livre circulação de capitais e serviços, na medida em que impede que a sociedade incorporante possa deduzir os prejuízos fiscais que foram realizados pela sociedade incorporada.
A Requerente admite, por fim, que se possa questionar através de reenvio prejudicial e interpretação do direito europeu aplicável ao caso.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita a excepção da incompetência material do tribunal arbitral para conhecer do pedido, por considerar que o que se pretende é a condenação da Autoridade Tributária a reconhecer à Requerente a aplicação da norma da retroatividade da fusão - artigo 8.º, n.º 11, do Código do IRC -, de modo a que o prejuízo fiscal apurado pela sociedade incorporada, no montante de € 7.279.843,34, no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2016 e 30 de Junho de 2016, data de produção de efeitos jurídicos da fusão e de cessação de actividade desta sociedade, seja integrado no resultado fiscal da sociedade incorporante no respectivo período de tributação. Assim se compreendendo que no pedido arbitral se tenha requerido a desaplicação por inconstitucionalidade dessa disposição na interpretação que é adoptada pela Administração.
Neste contexto, entende que a pretensão formulada se reconduz ao reconhecimento de um direito ou ao pedido de condenação à prática de um acto devido, que não integram o âmbito de jurisdição da arbitragem tributária.
Em sede de impugnação, a Autoridade Tributária refere que, em 30 de Junho de 2016, a B..., SA (actual A..., SA) incorporou por fusão a sociedade A..., SA (contribuinte n.º...) e na declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC desta entidade para o período de tributação de 1 de Janeiro de 2016 a 30 de Junho de 2016 (data em que ocorreu a fusão) foi indicado um resultado tributável igual a zero e não foi considerado qualquer valor referente à atividade da empresa neste período.
Tal facto decorre de o resultado tributável correspondente à atividade da sociedade incorporada ter sido integrado na sociedade incorporante.
Entenderam os serviços inspectivos que a data de 30 de Junho de 2016, em que foi registada a fusão, integra diferentes períodos de tributação em IRC para cada uma das sociedades intervenientes na operação já que a sociedade fundida, A..., SA, era tributada por um período coincidente com o ano civil, pelo que de 1 de Janeiro de 2016 até à data de registo da fusão estava a decorrer o período fiscal de 2016, enquanto a sociedade incorporante, B... SA (atual A...) era tributada por um período que teve início em 1 de Julho de 2015 até 30 de Junho de 2016, pelo que à data de registo da fusão estava a decorrer o período de tributação de 2015.
E, desse modo, não está verificado o pressuposto previsto na parte final do n.º 11 do artigo 8.º do CIRC, pelo que o resultado tributável que corresponde à atividade da A... SA (incorporada) deverá ser integrado no período de tributação em IRC de 2016 (período em que ocorreu a cessação de actividade).
A Autoridade Tributária contesta, por outro lado, que se encontrem verificados os invocados vícios de falta de fundamentação, de violação de princípios constitucionais e de direito europeu.
2. No seguimento do processo, a Requerente respondeu à matéria de excepção, dizendo, em síntese, que impugnou a liquidação adicional de IRC e o acto de segundo grau de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzido, e, por isso, formulou um pedido de declaração de ilegalidade de acto de liquidação de tributos que se encontra enquadrado no âmbito da competência do tribunal arbitral tal como definido no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
Por despacho arbitral de 29 de Maio de 2021, foi determinada a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e prosseguimento do processo para alegações, relegando-se para final a apreciação da matéria de excepção.
Em alegações, as partes mantiveram as suas anteriores posições.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.°da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 19 de Janeiro de 2021.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não foi invocada a excepção da incompetência do tribunal arbitral que será analisada adiante.
Cabe apreciar e decidir.
II Saneamento
Incompetência do tribunal arbitral
4. A Requerida invoca a incompetência do tribunal arbitral por entender que o que se pretende com o pedido arbitral é a condenação da Autoridade Tributária a reconhecer a aplicação retroactiva dos efeitos da fusão de sociedades de modo a que o prejuízo fiscal apurado pela sociedade incorporada seja integrado no resultado fiscal da sociedade incorporante no mesmo período de tributação, estando por isso em causa, segundo afirma, uma pretensão dirigida ao reconhecimento de um direito ou um pedido de condenação à prática de um acto devido que não integram o âmbito de jurisdição da arbitragem tributária.
Analisando a questão, e como resulta com evidência da petição inicial, a Requerente deduziu um pedido de constituição de tribunal arbitral para a apreciação da legalidade de um ato de liquidação de IRC referente a 2016, com valor a pagar de € 0,00 e fixação de prejuízo fiscal de € 7 279 843,34, que resultou de uma correcção tributária efectuada no âmbito de um procedimento inspectivo. Na sequência, deduziu reclamação graciosa contra o mesmo ato de liquidação, visando obter a sua anulação pela via administrativa, e que foi objecto de indeferimento.
A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos integra a competência do tribunal arbitral no âmbito da arbitragem tributária (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT) e traduz-se seguramente numa pretensão de natureza anulatória, que determina a anulação do ato o que é objeto da decisão arbitral, e, em execução de julgado, a reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado (artigo 24.º do RJAT). Discutindo a Requerente a legalidade da liquidação em IRC é claro que não está em causa uma ação de simples apreciação, que apenas teria lugar se autor pretendesse o reconhecimento de direito com base na incerteza objetiva sobre a sua situação jurídica, ou uma condenação na prática de acto devido, que implicava a omissão ou a recusa de acto administrativo na sequência de pedido expressamente formulado nesse sentido pelo interessado.
A correcção aritmética foi efectuada no quadro de uma acção inspectiva destinada a verificar o cumprimento pelo contribuinte das obrigações tributárias, e o que está em causa é a própria liquidação adicional em IRC resultante de uma iniciativa oficiosa da própria Administração.
Por outro lado, os tribunais arbitrais, nos casos submetidos ao seu julgamento, podem recusar a aplicação de normas com fundamento na sua inconstitucionalidade, assim como devem pronunciar-se sobre as questões de constitucionalidade que tenham sido suscitadas pelas partes durante o processo, pelo que haverá sempre a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, em fiscalização concreta, de decisões positivas ou negativas de constitucionalidade proferidas pelos tribunais arbitrais. Nesse sentido, aponta o disposto no artigo 204.º da Constituição, que, ao admitir o controlo difuso da constitucionalidade, se refere genericamente aos tribunais, não distinguindo entre tribunais estaduais e tribunais arbitrais, e no artigo 280.º, que, ao definir o âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade, admite o recurso de constitucionalidade relativamente a decisões dos tribunais, referindo-se a decisões de quaisquer tribunais.
Não é, por conseguinte, a circunstância de a Requerente ter requerido a desaplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade, no âmbito de um processo arbitral em que está em causa um acto de liquidação de tributos, que pode pôr em causa a competência jurisdicional do tribunal arbitral, que, nesse plano, se equipara à competência de qualquer tribunal estadual.
Como se impõe concluir, a excepção dilatória invocada é manifestamente improcedente.
III – Fundamentação
5. Os factos relevantes para a decisão da causa tidos como assentes são os seguintes:
A) A Requerente desenvolve a atividade de fabrico de papel e de cartão com a classificação da atividade económica CAE 17120, com enquadramento fiscal no regime geral em IRC e regime de periodicidade mensal em IVA.
B) Em 30 de Junho de 2016, a B..., SA (atual A..., SA) incorporou por fusão a sociedade A..., SA (contribuinte n.º...) e passou a adoptar a designação da sociedade incorporada.
C) O projecto de fusão, elaborado em 23 de Maio de 2016, assenta, entre outros, nos seguintes considerandos.
1. Modalidade, motivos, condições e objectivos da fusão
a) Modalidade de fusão
A operação assumirá a forma de fusão por incorporação, mediante a transfrrência global do património da A... para a B..., nos termos do disposto na alínea a) do número 4 do artigo 97.º do CSC.
Com a inscrição da fusão no registo comercial será extinta a sociedade incorporada, transmitindo-se a universalidade dos respectivos direitos e obrigações para a sociedade incorporante (B...).
b) Objectivos da fusão
Constituem, assim, objectivos desta fusão:
i) Consolidar a dimensão empresarial e, consequentemente, a capacidade de resposta a actuais e novas solicitações nos domínios técnico, tecnológico, financeiro e comercial do conjunto das duas actuais empresas;
ii) Optimizar a eficiência operacional e reduzir os custos operacionais das duas sociedades através da eliminação de duas estruturas societárias, permitindo uma melhor gestão dos recursos comuns e uma optimização dos níveis de eficiência internos;
(iii) Concentrar a administração e actividades de back-ofice das duas sociedades, evitando-se assim a multiplicidade de estruturas e recursos;
c) Condições da fusão
De modo a cumprir os objectivos acima descritos, a fusão deverá operar-se nas seguintes condições:
(i) Transferência da totalidade do activo e do passivo da A... para a B... pelo seu valor contabilístico, conforme constam dos balanços especialmente organizados, sendo esses os valores pelos quais os activos e passivos serão registados nas contas da B... e que passarão a constar para efeitos fiscais, procedendo-se à eliminação de saldos entre as sociedades envolvidas na fusão, existentes à data em que a mesma produz efeitos contabilísticos;
(ii) Assunção pela B... de todas as situações activas e passivas emergentes de contratos anteriormente celebrados e respeitantes à actividade prosseguida pela A... .
9. Data a partir da qual as operações das sociedades incorporadas são consideradas, do ponto de vista contabilístico, como efectuadas por conta da incorporante
As operações da A... serão consideradas, do ponto de vista contabilístico, como efectuadas por conta da B..., com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2016, inclusive.
Assim, todas as operações que a partir de tal data e até à data de conclusão da fusão, sejam efectuadas pela A..., em nome próprio mas por conta da B..., serão a final saldadas por transferência para a B....
A fusão só ficará concluída e produzirá plenos efeitos jurídicos com a respectiva inscrição no registo comercial.
D) Na Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC da A..., SA (contribuinte n.º...), para o período de tributação de 1 de Janeiro de 2016 a 30 de Junho de 2016, foi indicado um resultado tributável igual a zero e não foi considerado qualquer valor referente à atividade da empresa neste período, que decorre do facto de o resultado tributável dessa entidade, no primeiro semestre de 2016, ter sido integrado na A..., SA (contribuinte n.º...), antes designada A..., SA (contribuinte n.º...), enquanto sociedade incorporante.
E) O período de tributação da A..., SA (contribuinte n.º...), sociedade incorporada, correspondia ao ano civil e o período de tributação da B..., actual A..., SA (contribuinte n.º...) tinha início em 1 de Julho de 2015 e termo em 30 de Junho de 2016.
F) A Requerente foi objecto de uma acção de inspecção tributária, credenciada pela OI 2019..., referente ao de 2016, que determinou a liquidação adicional de IRC n.º 2019..., com valor a pagar de € 0,00 e fixação de prejuízo fiscal de € 7 279 843,34;
G) O Relatório de Inspecção Tributária, na parte relevante, encontra-se fundamentado nos seguintes termos:
Enquadramento fiscal
Nos termos do n.º 11 do art.º 8.º do CIRC "Sempre que, no projeto de fusão ou cisão, seja fixada uma data e partir da qua; as operações das sociedades a fundir ou a cindir são consideradas, do ponto de vista contabilístico, como efetuadas por conta da sociedade beneficiária, a mesma data é considerada relevante para efeitos fiscais desde que se situe num período de tributação coincidente com aquele em que ocorra a produção dos efeitos jurídicos da operação em causa".
Da Análise
Em 2016-06-30 a B... SA (...) incorporou por fusão a A..., SA (...) por via da transferência do valor contabilístico do ativo e do passivo e da segunda para a primeira.
Nos termos previstos na al. d) do artigo 98.º do Código das Sociedades Comerciais o Projeto de Fusão apresentado à Assembleia Geral de acionistas da sociedade incorporada indica que as operações realizadas pela A..., SA (...) no período entre 201601-01 e 2016-06-30 são incorporadas na sociedade incorporante por corresponderem a operações realizadas em seu nome.
Considerou a A..., SA (...) que em função daquela disposição no Projeto de Fusão não devia considerar para efeitos fiscais como seu rendimento o resultado das operações realizadas no período de 2016-01-01 e 2016-06-30, dado que deveria, por sua vez, ser considerado pela sociedade incorporante, a B..., SA (...).
Note-se que, para efeitos contabilísticos, ambas as sociedades, quer a A..., SA (incorporada), quer a, à data, B..., SA (incorporante), tinham um período de reporte coincidente com o ano civil ou seja, para ambas as sociedades o período de relato contabilístico em curso era o período de 2016 que decorreu de 2016-01-01 a 2016-12-31 (tendo sido interrompido em 2016-06-30 para a sociedade incorporada), contudo para efeitos da determinação do resultado tributável é irrelevante face ao disposto no n.º 11 do artigo 8.º do CIRC.
Nos termos do n.º 11 do art.º 8.º do CIRC: constituem pressupostos cumulativos para que a data de reporte dos efeitos da fusão seja: fiscal e contabilisticamente, a mesma:
i) O projeto de fusão mencione de forma expressa a data a partir do qual contabilisticamente as operações das sociedades fundidas são consideradas por conta da beneficiária;
ii) Essa data se situe num período de tributação coincidente com aquele que a operação produz os efeitos jurídicos.
Visto que o Projeto de Fusão indica que as operações realizadas peta sociedade fundida (A..., SA: ...) se consideram realizadas por conta da incorporante (B..., SA: ...) desde 2016-01-01, considera-se verificado o primeiro pressuposto presente no n.º 11 do artigo 8.º do CIRC.
Em relação ao segundo pressuposto importa testar se a data considerada relevante para efeitos fiscais, neste caso 2016-01-01, se situa num período de tributação coincidente com aquele em que ocorra a produção dos efeitos jurídicos da operação em causa,
Nos termos do artigo 112.º do CSC, «Com a inscrição da fusão no registo comercial: a) Extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade; b) Os sócios das sociedades extintas tornam-se sócios da sociedade incorporante ou da nova sociedade. » - ou seja, a data relevante para a produção de efeitos jurídicos da operação de fusão é a da sua inscrição no registo comercial,
A operação de fusão da A..., SA (...) por incorporação na B..., SA (...): segundo consulta do Portal da Justiça, foi inscrita no registo comercial em 2016-06-30.
A data de 2016-06-30 integra diferentes períodos de tributação em IRC para cada uma das sociedades intervenientes na operação já que:
> A sociedade fundida, A..., SA, era tributada por um período coincidente com o ano civil pelo que de 2016-01-01 até à data de registo da fusão estava a decorrer o período de 2016;
> A sociedade incorporante, B..., SA (atuar A..., SA, (NIF...), era tributada por um período que tinha início em 2015-07-01 até 2016-06-30 pelo que à data de registo da fusão estava justamente a decorrer o referido período que. nos termos das instruções ao preenchimento da Declaração Modelo 22 de IRC, «Os sujeitos passivos de IRC que, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º, tenham adotado um período de tributação diferente do ano civil, devem inscrever no campo 2 o ano correspondente ao primeiro dia do período de tributação», assim a data de 2016-06-30 íntegra o período de tributação de 2015.
Iguais conclusões se retiram para a data a que e operação reporta contabilisticamente.
Mesmo considerando hipoteticamente que o período de tributação entre 2015-07-01 e 2016-06-30 devesse ser designado por período de 2016: existindo assim coincidência de período de tributação entre ambas as empresas e entre a produção de efeitos fiscais e jurídicos da fusão, o n.º 9 do artigo 8.º do CIRC define quando ocorre o facto gerador do IRC como sendo o «último dia do período de tributação» mas não define que essa data é a referência para a determinação de qual é o período de tributação.
Conforme resulta das instruções de preenchimento da declaração de rendimentos de IRC Modelo 22, «Os sujeitos passivos de IRC que: nos termos do n.º 2 do artigo 8.º, tenham adotado um período de tributação diferente do ano civil, devem inscrever no campo 2 o ano correspondente ao primeiro dia do período de tributação».
A data de 2016-06-30, constitui o facto gerador de IRC para ambas as entidades por corresponder ao último dia do respetivo período de tributação, contudo não existe coincidência no período de tributação visto que:
> Para a A..., SA (incorporada), o período de tributação em curso à data da fusão havia tido início em 2016-01-01 e por isso corresponde ao período de tributação de 2016;
> Para a B..., SA (incorporante), o período de tributação em curso à data da fusão havia tido início em 2015-07-01 e por isso corresponde ao período de tributação de 2015.
Note-se que em decisão do CAAD em 2018-10-15, no Processo n.º 179/2018-T (https://caad.orq.pt/tributario/decisoes/decisao.php?fistPaqeSize=100&listPaqe=36&id=3628), em que se considerou como momento gerador do imposto a data do fim do período de tributação, acolheu a interpretação de que é a data de início do período de tributação a definir o mesmo.
Com efeito, o período de tributação de 2013 da Requerente, iniciado 01/07/2013 findo em 30/06/2014, já se encontrava em curso aquando da entrada em vigor da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, pelo que o facto tributário ocorrido após 01/01/2014 foi o facto gerador de IRC do período de tributação de 2013, no dia 30/06/2014 (determinando assim, ainda que não tenha sido reclamado pela Requerente, que ao IRC desse período de tributação deveria ter sido aplicada a taxa de 23% e não de 25%)».
Assim, considerando que a aplicação do disposto no n.º 11 do artigo 8.º do CIRC depende da verificação cumulativa de que:
i) No projeto de fusão ou cisão, seja fixada uma data a partir da qual as operações das sociedades a fundir ou a cindir são consideradas, do ponto de vista contabilístico, como efetuadas por conta da sociedade beneficiária, no caso 2016-01-01, período de 2016;
O projeto de fusão indica que as operações realizadas entre 2016-01-01 e 2016-0630 pela incorporada são efetuadas por conta da incorporante, ou seja, faz reportar os efeitos da fusão ao dia 1 de janeiro de 2016 — estaria verificado o primeiro pressuposto;
ii) A mesma data se situe num período de tributação coincidente com aquele em que ocorra a produção dos efeitos jurídicos da operação em causa.
O dia em que a fusão é registada e produz efeitos jurídicos nos termos do artigo 112.º do CSC é 30 de junho de 2016 e:
Para a A..., SA (incorporada), o período de tributação em curso à data da fusão havia tido início em 2016-01-01 e por isso corresponde ao período de tributação de 2016;
Para a B..., SA (incorporante), o período de tributação em curso à data da fusão havia tido início em 2015-07-01 e por isso corresponde ao período de tributação de 2015.
Não está verificado o pressuposto previsto na parte final do n.º 11 do artigo 8.º do CIRC pelo que o resultado tributável que corresponde à atividade da A..., SA (incorporada) deverá ser integrado no período de tributação em IRC de 2016 (período de cessação).
O resultado tributável apurado pela A..., SA (...) no período contabilístico de 2016-01-01 a 2016-06-30 e integrado no resultado tributável da incorporante é um prejuízo fiscal de 7.279.843.34 Euros (…).
H) Em 15 de Janeiro de 2020, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação adicional.
I) Por ofício datado de 9 de Junho de 2020, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa para efeito do exercício de audição prévia.
J) A Requerente exerceu o direito de audição prévia por exposição apresentada em 25 de Junho de 2020, que aqui se dá como reproduzida.
K) Por despacho de 28 de Julho de 2020, do Chefe de Divisão do Serviço Central, praticado ao abrigo de subdelegação de competência, foi indeferida a reclamação graciosa, com base na informação dos serviços 224-AIR 2/2020.
L) A informação dos serviços, na parte relevante, é do seguinte teor:
§ IV.2. Direito
8. Vem a reclamante contestar a conclusão da IT, sumariamente acima descrita, por na sua perspetiva a data de produção de efeitos jurídicos da operação de fusão (30/06/2016) ter ocorrido num período de tributação coincidente com a data dos efeitos contabilísticos (1/01/2016). Assim, porque ambas as datas ocorreram em 2016, considera que estão compreendidas no decurso do período de tributação das sociedades intervenientes na operação de fusão, pelo que conclui no sentido de ser, no caso aplicável o disposto no n.º 11 do artigo 8.º do CIRC Vejamos.
9. Nos termos do n.º 11 do artigo 8.º do CIRC, atribui-se relevância fiscal (e não apenas contabilística) à data constante do projeto de fusão a partir da qual as operações das sociedades a fundir ou a incorporar são consideradas, contabilisticamente, como efetuadas por conta da nova sociedade ou da sociedade
10. Na situação em análise, é facto assente:
- a data a partir da qual, a nível contabilístico, as operações da sociedade incorporada passaram a ser consideradas por conta da sociedade incorporante: 1/01/2016;
- a data da produção de efeitos jurídicas da fusão: 30/06/2016, por corresponder à data do registo da fusão (cf. artigo 112.º do CSC).
11. Resta, assim, aferir se ambas as datas decorreram no mesmo período de tributação, sendo relevante, para esse efeito, saber o que significa período de tributação.
12. O IRC é devido por referência a um determinado hiato temporal, designado por período de tributação, o qual, em regra, é de um ano e coincide com o ano civil (cf. no 1 do artigo 8.0 do CIRC), ou seja, vai de 1 de janeiro a 31 de dezembro.
13. Contudo, em situações legalmente previstas pode não se verificar essa coincidência. Uma das situações é a opção do sujeito passivo por um "período anual de imposto' não coincidente com o ano civil (cf. no 2 do artigo 8. 0 do CIRC).
14. Dada a opção pela anualidade como regra para os períodos de imposto" (cf. ponto 7 do Preâmbulo do CIRC), a qual é observável na citada expressão "período anual de imposto» constante do n.o 2 do artigo 8.º do CIRC, todo e qualquer período de tributação, ainda que não iniciado a 1/01 e consequentemente não terminado a 31/12, tem subjacente um ano civil, sendo a data do início do período a defini-lo.
15. O que significa que, por exemplo, um período iniciado a 1/07/2015 e findo em 30/06/2016 respeita ao ano de 2015, sendo, por conseguinte, o período de 2015, como de resto dá conta a decisão arbitral (processo no 179/2018-T) aludida no relatório de inspeção, relativamente a um outro período: "o período de tributação de 2013 (...) iniciado a 01/07/2013, findo em 30/06/2014"
16. Assim se explica que:
- na declaração modelo 22 se exija (no campo 2 do quadro 1), aquando do seu preenchimento pelo sujeito passivo, a inscrição do ano correspondente ao primeiro dia do período de tributação;
- no Despacho n.0 10551/2019, de 18 de novembro, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (que aprovou as alterações da declaração periódica de rendimentos Modelo 22, respetivos anexos e instruções de preenchimento), conste, quanto ao anexo A da declaração modelo 22, a sua aplicabilidade "aos períodos de tributações de 2015 e seguintes", por contraponto com a aplicação do mesmo anexo a
"períodos de tributação anteriores a 2015"
17. Aqui chegados, voltemos à questão anteriormente formulada: as datas de 1/01/2016 e 30/06/2016 respeitam ao mesmo período de tributação?
18. Trata-se de uma questão que nos coloca naturalmente perante a necessidade de saber qual o período de tributação que as sociedades intervenientes na fusão tinham aquando das referidas datas.
19. Não faria sentido que fosse de outra forma, pois se se pretende apurar se as operações da sociedade incorporada podem ser consideradas como efetuadas por conta da sociedade incorporante em data anterior à do registo da fusão, concretamente no período intercalar, a partir da data convencionada no projeto de fusão, o foco terá de passar pelos concretos períodos de imposto que ambas as sociedades tinham vigentes à data.
20. Tem, assim, em 1/01/2016 e em 30/06/2016 de estar em curso para cada uma das sociedades o mesmo período de tributação.
21. Sucede que tal não ocorre no caso: i) na sociedade incorporada estava a decorrer o "período anual" de 2016; ii) na sociedade incorporante estava a decorrer o "período anual" de 2015.
22. Sendo distintos os períodos, a inclusão dos resultados da sociedade incorporada, de 2016 (até 30/06), na base tributável da sociedade incorporante, referente ao período de 2015, levaria ao incumprimento do princípio da especialização dos exercícios, plasmado no n.º 1 do artigo 18.º do CIRC, segundo o qual todos os rendimentos e gastos devem ser imputados ao período a que respeitam, independentemente do seu recebimento ou pagamento.
23. Consequentemente, merece a nossa concordância a posição seguida pela IT, que esteve na base da correção da liquidação reclamada, pelo que não se afigura de acolher a argumentação apresentada pela reclamante no sentido de ser aplicado o disposto no n.º 11 do artigo 8.º do CIRC.
24. Nestes termos:
a) propõe-se a manutenção da vigência da liquidação controvertida na ordem jurídica;
b) fica, desde togo, afastada a atribuição de juros indemnizatórios, por, em razão do acima exposto, não se identificar no caso erro imputável aos serviços (cf. n.º 1 do artigo 43.º da LGT).
[…]
§ VI. Da análise do direito de audição prévia
28. Invoca a reclamante que não houve, no âmbito do projeto de decisão, pronúncia quanto à "doutrina administrativa da AT".
29. Ora, antes de mais, cumpre salientar que se fundamentou quanto à inaplicabilidade do n.º 1 1 do artigo 8.º do CIRC. Pode a reclamante discordar dessa fundamentação mas não se pode refutar que a mesma não existiu. Existiu e, diga-se, a reclamante nem sequer se refere a eia, de modo concreto.
30. Tendo sido com base nessa fundamentação que se entendeu ser de improceder toda a argumentação suscitada pela reclamante, incluindo os artigos de opinião de autores que colocou na petição inicial. Ainda assim, esclarece-se o seguinte.
31. Maria do Rosário Lousa, no Parecer do CEF (ponto 6.5) a que a reclamante se refere, tem por referência as soluções defendidas peia doutrina vigente em França, as quais, de acordo com a sua análise, impõem como condição fundamenta/ para a aceitação da retroactividade em termos fiscais, a de que a data da produção dos efeitos da fusão se situe no exercício em curso à data da realização definitiva da fusão, tanto no tocante à sociedade incorporante como às sociedades incorporadas, de modo a que os resultados do período intercalar obtidos por estas sociedades, sejam integrados na base tributável da sociedade incorporante relativa àquele exercício" (realce nosso).
32. Donde resulta, a nosso ver, que, tal como exposto no projeto de decisão, a resposta à questão de saber se as referidas datas integram o mesmo período de tributação apenas e só pode ser dada através da determinação do exercício que, aquando dessas mesmas datas, se encontrava vigente para cada uma das sociedades. Aferir se
ambas as datas fazem parte do mesmo exercício é, assim, indissociável do apuramento do exercício que as sociedades, incorporante e incorporada, tinham a decorrer.
33. Sendo que, apenas no caso de ser o mesmo exercício para as sociedades em apreço é que, conforme referido no projeto de decisão, se torna possível observar o princípio da especialização dos exercícios, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do CIRC.
34. Ora, se, no caso, as sociedades em causa à data da produção de efeitos da fusão e à data do respetivo registo definitivo tinham, como já vimos anteriormente, a decorrer um período distinto, a sociedade incorporante o período de 2015, e a sociedade incorporada o período de 2016, afigura-se-nos que viola o referido principio integrar os resultados do período intercalar (da sociedade incorporada), de 1/01/2016 a 30/06/2016, respeitantes ao exercício de 2016, no exercício de 2015, em curso para a sociedade incorporante.
35. Não sendo coincidente o período tributário vigente para cada uma das sociedades, a solução preconizada por Maria do Rosário Lousa, não se mostra aplicável ao caso, na medida em que a data designada para a produção de efeitos (1/01/2016) não se enquadra "no exercício no decurso do qual ocorre a fusão, para a sociedade incorporante" (2015).
36. Passando para a interpretação de Rui Marques do nº 11 do artigo 8.º do CIRC , interpretação que, segundo a reclamante, assenta na exigência de uma "coincidência" entre o período de tributação da sociedade beneficiária/incorporante e a data em que ocorre o registo da fusão, afigura-se que a fazer-se uma interpretação nestes termos estar-se-ia a desconsiderar a sociedade incorporada e a data designada para a produção de efeitos da fusão. Bastando essa “coincidência”, e na hipótese da data designada para a produção de efeitos respeitar a um outro exercício, estaria claramente comprometido o aludido princípio da especialização dos exercícios, na medida em que estaríamos, assim, a incluir na base tributável da sociedade incorporante resultados da sociedade incorporada, obtidos noutro período/exercício.
37. À luz da acima explanado e do exposto no projeto de decisão, que aqui reiteramos, afigura-se não merecer reparos a orientação da IT, que esteve na base da correção da liquidação sindicada, no sentido desta passar a contemplar o resultado tributável apurado pela sociedade incorporada entre 1/01/2016 e 30/06/2016 (prejuízo fiscal de € 7.279.843,34), por inobservância do disposto no n.º 11 do artigo 8.º do CIRC.
§ VII. Da conclusão
Em conformidade com o anteriormente exposto no ponto VI., bem como no nosso anterior projeto de decisão de INDEFERIMENTO, somos de parecer que este seja convertido em definitivo, com todas as consequências legais.
M) O pedido arbitral deu entrada em 27 de Outubro de 2020.
O tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, evidenciando-se que existe o consenso das partes quanto à mesma.
Factos não provados
Não existem factos não provados que tenham relevância para a decisão da causa.
Matéria de direito
5. A questão essencial em debate é a de saber se a fusão por incorporação de duas sociedades, com retroação de efeitos a 1 de Janeiro de 2016, poderá permitir o reporte do prejuízo fiscal registado pela sociedade incorporada na declaração de rendimentos da sociedade incorporante, para o período de tributação de 2015, quando as entidades intervenientes se encontravam sujeitas a períodos fiscais não coincidentes, correspondendo o da sociedade incorporada ao ano civil (1 de Janeiro a 31 de Dezembro) e o da sociedade incorporante ao período que decorria entre 1 de Julho de 2015 a 30 de Junho de 2016.
A Autoridade Tributária defende, em resumo, que à data do registo da fusão (30 de Junho de 2016), estavam a decorrer, para as entidades em causa, diferentes períodos de tributação, visto que, em relação à sociedade incorporada, o período fiscal em curso, àquela data, era o do ano de 2016 (iniciado em 1 de Janeiro desse ano), ao passo que o período fiscal em curso, no tocante à sociedade incorporante, era o do ano de 2015 (que teve início em 1 de Julho de 2015).
Do ponto de vista da Requerente, o período de tributação em que ocorre a operação de fusão é coincidente, uma vez que, tendo sido registada a fusão em 30 de Junho de 2016 e reportando-se os seus efeitos a 1 de Janeiro desse ano, a essa data estavam a decorrer, simultaneamente, os períodos fiscais de ambas as entidades, considerando que um deles se havia iniciado em 1 de Janeiro (sociedade incorporada) enquanto um outro apenas terminava em 30 de Junho (sociedade incorporante).
Para dilucidação da questão em análise, as normas que interessam considerar são as dos n.ºs 11 e 12 do artigo 8.º do CIRC, que na redacção introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, sob a epígrafe “Período de tributação”, dispunham nos seguintes termos:
11- Sempre que, no projeto de fusão ou cisão, seja fixada uma data a partir da qual as operações das sociedades a fundir ou a cindir são consideradas, do ponto de vista contabilístico, como efetuadas por conta da sociedade beneficiária, a mesma data é considerada relevante para efeitos fiscais desde que se situe num período de tributação coincidente com aquele em que ocorra a produção dos efeitos jurídicos da operação em causa.
12- Quando seja aplicável o disposto no número anterior, os resultados realizados pelas sociedades a fundir ou a cindir, durante o período decorrido entre a data fixada no projeto e a data da produção dos efeitos jurídicos da operação, são transferidos para efeitos de serem incluídos no lucro tributável da sociedade.
Cabe fazer notar que, na redacção anterior, essas disposições constavam, nos mesmos precisos termos, do artigo 74.º do CIRC, epigrafado como “Regime especial aplicável às fusões, cisões e entradas de activos”, permitindo concluir que a atribuição de eficácia retroactiva à fusão, para efeitos de IRC, apenas era acautelada pelo legislador no âmbito das operações abrangidas pelo regime de neutralidade fiscal, correspondendo a uma norma especial, ao passo que, por efeito da alteração sistemática ocorrida com a reforma de 2014, essas disposições passaram a constituir normas gerais relativas ao período de tributação.
O mesmo artigo 8.º consagra, no seu n.º 1, o princípio da periodização anual do imposto, pelo qual se pretende definir o momento em que o rendimento deve ser efectivamente levado à tributação e destina-se a facilitar a obtenção de informação, não só por parte do Estado, mas também das empresas, que poderão calcular os seus gastos e rendimentos, numa base anual, para efeitos financeiros e fiscais. O critério de periodização dos rendimentos encontra-se justificado, no plano fiscal, na medida em que não pode ficar dependente de um critério aleatório em que a imputação dos gastos ou dos rendimentos a um certo ano económico seja determinada com base em meras opções de gestão do empresário.
Ainda nos termos desse preceito, o período de tributação tem a duração de um ano, embora se admita nos casos expressamente enumerados e por circunstâncias relacionadas com a própria situação da empresa, uma duração inferior ou superior (n.ºs 4 e 8). Em regra, o período de tributação coincide com o ano civil, mas não se exclui, em certos casos, que se adopte diferentes datas de início e de termo do período, como se prevê no n.º 2 (cfr ponto 7 do preâmbulo ao diploma que aprovou o CIRC).
A periodização anual do imposto relaciona-se ainda com o princípio contabilístico da especialização económica dos exercícios, que resulta do artigo 18.º do CIRC, e consiste em incluir nos resultados fiscais os rendimentos e gastos correspondentes a cada ano económico, independentemente do seu efectivo recebimento ou pagamento.
Numa primeira aproximação ao problema que vem colocado, importa ainda observar que a fusão é um negócio jurídico pelo qual se opera a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra já existente ou para uma nova sociedade a constituir para a qual se transferem globalmente os patrimónios das sociedades fundidas (artigo 97.º, n.ºs 1 e 4, do Código das Sociedades Comerciais), com a consequência de, com o registo comercial da fusão, se extinguirem as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade (artigo 112.º, do CSC).
Acresce que a lei permite que as administrações das sociedades que pretendam fundir-se elaborem, em conjunto, um projecto de fusão donde constem, além de outros elementos necessários ou convenientes, a data a partir da qual as operações da sociedade incorporada ou das sociedades a fundir são consideradas, do ponto de vista contabilístico, como efectuadas por conta da sociedade incorporante ou da nova sociedade (artigo 98.º, n.º 1, alínea i), do CSC).
E, como tem sido sublinhado pela jurisprudência, a fusão de sociedades por incorporação, ainda que implique a perda de personalidade jurídica da sociedade incorporada, não determina o desaparecimento da realidade económica que ela constituía, que passa a encontrar-se integrada na sociedade incorporante por efeito da reorganização societária (cfr. acórdão do STA de 13 de abril de 2005, Processo n.º 01265/04).
E, assim, é em relação à realidade económica no seu conjunto, resultante da incorporação, e no pressuposto de que a sociedade incorporada entretanto se extinguiu, que cabe aferir da relevância fiscal da operação de fusão na esfera jurídica da sociedade incorporante.
A norma do n.º 11 do artigo 8.º do CIRC tem, pois, de ser interpretada na perspectiva da sociedade beneficiária do processo de fusão e para qual foram transmitidas as posições jurídicas da sociedade incorporada.
Neste contexto, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), não faz qualquer sentido e é incongruente com o sistema jurídico que a alusão que é feita, na falada disposição do n.º 11 do artigo 8.º, a um “período de tributação coincidente” pretenda referir-se ao período de tributação da sociedade incorporante e da sociedade incorporada.
O que se pretende regular no n.º 11 do artigo 8.º do CIRC é o regime jurídico aplicável quando, no projecto de fusão, tenha sido indicada a data a partir da qual as operações da sociedade incorporada ou das sociedades a fundir são consideradas, do ponto de vista contabilístico, como efectuadas por conta da sociedade incorporante ou da nova sociedade.
E o que essa disposição consigna é que essa data – tida como a data convencional - é considerada relevante para efeitos fiscais desde que se situe num período de tributação coincidente com aquele em que ocorra a produção dos efeitos jurídicos da operação em causa. A coincidência que está aqui em causa é, pois, relativa ao período de tributação, por referência à entidade incorporante, em que ocorra a data convencional - ou seja, a data convencionada pelas partes a partir da qual as operações da sociedade incorporada são consideradas como efectuadas por conta da sociedade beneficiária – e a data da produção dos efeitos jurídicos da operação – ou seja, a data em que, por efeito do registo comercial, a sociedade incorporada se extingue, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante.
O que se tem em vista evitar, por conseguinte, é que a sociedade incorporante, com base num projecto de fusão, possa relevar na sua esfera jurídica, num certo período de tributação, os resultados da sociedade incorporada, quando a fusão ainda não tenha sido concretizada, ou tenha sido concretizada mas em período de tributação distinto.
Como parece claro, sendo esse o objectivo da lei, não tem qualquer relevo para o caso que as sociedades que são objecto de fusão se encontrem sujeitas a diferentes períodos de tributação, visto que o que está em causa são apenas os efeitos fiscais da fusão no âmbito da sociedade incorporante, uma vez que esta sucede nos direitos e obrigações da sociedade incorporada.
Esta interpretação foi adoptada, aliás, na informação vinculativa emitida no Processo n.º 1437/16, com despacho concordante da Subdiretora-Geral dos impostos sobre o rendimento e relações internacionais, de 28 de Março de 2017, em que muito explicitamente se diz o seguinte:
Nos termos do n.º 11 do art.º 8.º do Código do IRC (CIRC), atribui-se relevância fiscal (e não apenas contabilística) à data a que se refere o projeto de fusão, desde que esta data se localize num período de tributação coincidente com aquele em que se situa a data da produção de efeitos jurídicos da operação de fusão.
No caso concreto, uma vez que a data a que se refere o projeto de fusão e o registo definitivo da fusão ocorrem no mesmo período de tributação, a sociedade incorporante pode refletir nas contas relativas ao período da fusão, os resultados das operações realizadas pelas sociedades incorporadas durante o período intercalar (ou seja, desde a data fixada no projeto de fusão até à data do registo definitivo da mesma).
E, sendo assim, só quando a data relevante em termos contabilísticos e fiscais prevista no projecto de fusão não coincidir no mesmo período de tributação com a data do registo definitivo da fusão, que determina a extinção e cessação da actividade da sociedade incorporada, é que a sociedade incorporante se encontra impedida de imputar o resultado negativo de € 7.279.843,34 registado na esfera da sociedade incorporada no seu último exercício fiscal para efeito do apuramento do seu lucro tributável.
Verificando-se, na situação do caso, que a data convencionada para a produção de efeitos da fusão recai no dia 1 de Janeiro de 2016 e a data do registo da fusão é de 30 de Junho desse ano, e que o período de tributação aplicável à sociedade incorporante se iniciava em 1 de Julho de cada ano e terminava no dia 30 de Junho do ano seguinte, conclui-se que o período intercalar, ou seja, o período desde a data definida no projecto de fusão para a produção de efeitos e data do registo definitivo da fusão, ocorreu no mesmo período de tributação.
E, consequentemente, encontram-se preenchidos os pressupostos, que, nos termos do n.º 11 do artigo 8.º do CIRC, permitem considerar as operações realizadas pela entidade incorporada como efectuadas pela entidade incorporante.
Por todo o exposto, o acto de liquidação adicional de IRC e o despacho de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzido violam o estabelecido na referida disposição legal e o pedido arbitral, com tal fundamento, mostra-se ser procedente.
Vícios de conhecimento prejudicado
Face à solução a que se chega, considera-se prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados, bem como das questões de constitucionalidade e de violação do direito europeu.
Reenvio prejudicial
Não se tendo tornado necessário analisar a compatibilidade da interpretação efectuada pela Autoridade Tributária, quanto ao artigo 8.º, n.º 11, do CIRC, com o direito europeu, fica igualmente prejudicado o reenvio prejudicial para o TJUE solicitado pela Requerente.
III - Decisão
Termos em que se decide julgar procedente o pedido arbitral e anular a liquidação adicional em IRC n.o 2019..., bem como a decisão de reclamação graciosa contra ela deduzida.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 1.528.767,10, que explicitou ter sido determinado pela aplicação da taxa do IRC de 21% ao prejuízo imputado pela Autoridade Tributária à sociedade incorporada, a anterior B..., S.A
Por despacho arbitral de 29 de Maio de 2021, o tribunal remeteu o processo para alegações e para as partes se pronunciarem, nessa fase processual, além do mais, sobre a possibilidade de alteração do valor da causa para o montante de € 7.279.843.34, tendo em conta o critério estabelecido no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea b), do CPTT.
Em sede de alegações, a Requerente veio dizer que, nos termos do artigo 97.º - A do CPPT, quando seja impugnada a liquidação, o valor atendível para efeitos de custas, é o da importância cuja anulação se pretende, e apesar de a liquidação se encontrar ‘a zero’, o cálculo que lhe dá o resultado é composto por um montante certo com utilidade económica delimitada e essa vantagem económica não será superior ao valor indicado no pedido arbitral.
Atento o disposto no artigo 306.º do CPC, é ao tribunal que cabe fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes.
O artigo 97.º-A do CPPT, sob a epígrafe “valor da causa”, no seu n.º 1, autonomiza os valores atendíveis consoante seja impugnada a liquidação, caso em que o valor a considerar é o da “importância cuja anulação se requer” (alínea a)), ou se impugne o acto de fixação da matéria colectável ou o acto de fixação dos valores patrimoniais, caso em que o valor da causa é o “valor contestado” (alíneas b) e c)).
Interpretando conjugadamente as disposições do artigo 97.º-A com as do artigo 97.º, ambas do CPPT, que se refere aos meios processuais tributários, conclui-se que o legislador distingue entre a impugnação da “liquidação de tributos”, mencionada na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º, e a “impugnação da fixação da matéria colectável, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo”, mencionada na alínea b) do n.º 1.
Constata-se, assim, que o critério a considerar é o do valor contestado quando da fixação da matéria tributável não resulte o apuramento de imposto a pagar, e só nos demais casos é que o valor a atender corresponderá ao valor da prestação pecuniária que se pretende ver anulada.
No caso vertente, a Requerente impugna a liquidação de IRC referente a 2016, com valor a pagar de € 0,00 e fixação de prejuízo fiscal de € 7 279 843,34;
E, desse modo, do acto tributário notificado ao sujeito passivo não resulta qualquer liquidação de IRC, por falta de lucro tributável, por terem sido reconhecidos prejuízos fiscais, pelo que a impugnação incide propriamente sobre as correcções feitas à matéria colectável que não se reflectem em qualquer imposto a pagar e apenas relevam no plano dos prejuízos fiscais e do seu eventual reporte nos exercícios seguintes, o que apenas constitui um facto futuro e incerto.
E, nesse sentido, o valor da causa terá de ser fixado nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea b), do CPPT, tal como decidiu, em situação similar, o acórdão do STA de 14 de outubro de 2020 (Processo n.º 062/18).
Assim sendo, fixa-se o valor da causa no montante de € 7.279.843.34.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 90.882,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 19 de Julho de 2021,
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O árbitro vogal
Gustavo Gramaxo Rozeira
O árbitro vogal
Francisco Melo