Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 680/2020-T
Data da decisão: 2021-06-23  IRS  
Valor do pedido: € 15.298,93
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias – Não residentes.
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SUMÁRIO

 

1. Na medida em que prevê uma limitação a 50% da tributação das mais-valias realizadas por residentes em território português não extensiva aos não residentes, a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, constitui uma restrição à livre circulação de capitais, incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

2. O regime opcional introduzido ao artigo 72.º do mencionado Código pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, não é suscetível de tornar a referida restrição compatível com o direito da União Europeia.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

1. A..., contribuinte n.º..., com domicílio fiscal em ..., ..., Barcelona, ..., Espanha, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 26-11-2020, visa a declaração de ilegalidade e anulação parcial do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2020..., relativa ao ano de 2019, com o montante de imposto a pagar no valor de € 30 597,86.

 

3. A Requerente pede também a devolução do imposto que considera indevidamente cobrado, no valor de € 15 298,93, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, contados nos termos legais.

 

4. Como fundamento do pedido que formula, argumenta a Requerente, em síntese, que a liquidação impugnada, efetuada ao abrigo das normas do artigo 43.º e 72.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, enferma de ilegalidade, por, considerando como base de tributação 100% das mais-valias realizadas por não residentes e apenas 50% das realizadas por residentes, constituir uma restrição à livre circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

5. Em resposta ao que vem solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronuncia-se pela improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, alegando, no essencial, ter o ato impugnado sido efetuado de acordo com o direito nacional e comunitário, pelo que o mesmo não enferma de qualquer vício, e deve, consequentemente, manter-se na ordem jurídica.

 

6. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

7. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

 

8. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as partes.

 

9. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

10. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral foi constituído em 03-05-2021.

 

11. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal, considerando o disposto no artigo 130.º, do Código de Processo Civil, aplicável na jurisdição arbitral por remissão expressa do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a junção de alegações, por desnecessárias, sendo indicado o dia 30 de junho como data limite para prolação da decisão.

 

II. Saneamento

 

12. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

13. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

III. Matéria de facto

 

14. Com base nos documentos que integram o presente processo destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:

 

14.1. No período de tributação de 2019, a que respeita a liquidação ora impugnada, o Requerente tinha o seu domicílio fiscal em Espanha.

 

14.2. Em 2015, adquiriu, juntamente com a esposa, B..., contribuinte n.º..., um imóvel, inscrito na matriz predial da União das Freguesias de ... e ... sob o artigo n.º... .

 

14.3. O imóvel em causa, adquirido pelo preço de € 730 000,00 foi alienado em 2019 pelo preço de € 1 132 000,00.

 

14.4. Na declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2019, o Requerente, com o estatuto de não residente, declarou as mais-valias realizadas com a alienação do referido imóvel, mais declarando pretender a tributação pelo regime geral. 

 

14.5. Do anexo G da referida declaração modelo 3, constam os seguintes elementos:

- Realização: Data -2019/01 – Valor - € 566 000,00;

- Aquisição: Data – 2015/19 – Valor – 266 057,00

- Despesas e encargos: € 80 771,90.

 

14.6. De acordo com o artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, a liquidação foi efetuada à taxa especial de 28% sobre 100% da mais-valia realizada sendo apurado o valor total de imposto a pagar de € 30 597,86.

 

15. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos ao processo, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

IV. Matéria de direito

 

16. É estritamente de direito a questão que a Requerente suscita no seu pedido de pronúncia arbitral e prende-se com a alegada incompatibilidade com o direito comunitário da norma do artigo 43.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aplicada na liquidação impugnada.

 

17. Segundo a Requerente, a referida norma, na medida em que limita a tributação a 50% das mais-valias realizadas pelos residentes através da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis sujeitando, contudo, esse tipo de rendimentos a tributação pela sua totalidade quando auferidos por não residentes, viola a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

18. Reportando-se às normas do artigo 43.º, n.º 2 e 72.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, relativas à matéria coletável e taxa especial de 28%, aplicadas na liquidação impugnada, refere o Requerente que a jurisprudência largamente maioritária aponta no sentido de considerarem este enquadramento discriminatório e, como tal, contrário ao Direito Comunitário.

 

19. Neste sentido, invoca, nomeadamente, os seguintes acórdãos:

 - Acórdão do TJUE de 11.10.2007 – Proc. C-443/06, Acórdão Holman e, no mesmo sentido, o acórdão proferido no processo C-184/18, de 6.9.2018, que determina a incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com o direito da União Europeia, aplicando o mesmo entendimento também a residentes em países terceiros;

      - Acórdãos do STA, de 3.2.2016, Proc. 01172/14;

- Decisões arbitrais vertidas nos processos 89/2017-T, 617/2017-T, 370/2018.T e 600/2018-T-

 

20. Com fundamento na incompatibilidade das normas em causa com o Direito Comunitário, tais decisões consideraram ilegais das liquidações efetuadas pela AT em circunstâncias idênticas e procederam à sua anulação parcial, “por as respectivas liquidações de imposto subjacentes terem restringido o direito à tributação de apenas metade das mais-valias relativas à venda de imóveis situados em Portugal aos sujeitos passivos aqui residentes.”  

 

21. Suportando-se na jurisprudência supra referida, conclui o Requerente que “ ... parece claro que a larga maioria da jurisprudência existente sobre esta matéria vem considerar o regime em vigor ilegal, por ser contrário a normas de Direito Europeu, e consequentemente considera inadmissível, por um lado, a existência do regime de opção no qual uma das opções concedidas é contrária à lei, e, por outro lado, a própria escolha, voluntária ou não, dos contribuintes desse mesmo regime, que nunca poderá ser aceite sob qualquer preceito.” Pelo que “Em face do exposto, as mais-valias obtidas pelo Requerente deveriam apenas ter sido consideradas em 50%.”

 

22. Nestes termos, conclui o Requerente que a liquidação impugnada é ilegal, “... por não tributar apenas metade das mais-valias realizadas pelo Requerente aquando da venda do imóvel, e deve ser anulada.” E, consequentemente, “... ser restituídos ao Requerente os valores indevidamente pagos acrescidos, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, do pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais.”

 

23. Respondendo ao solicitado, considera a Requerida que “... em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não-residentes neste território mas residentes noutro Estado Membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto no n.ºs 1 e n.º 7 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais: o "regime geral de tributação", nos termos do qual, aqueles rendimentos são sujeitos a uma taxa especial de 28% e; um outro regime, de "opção de equiparação" aos sujeitos passivos não residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à "taxa que, de acordo com a tabela prevista no n. º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português", tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, aplicando-se a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS.”

E esse regime foi precisamente instituído por o Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 11/10/2007, ter decidido a incompatibilidade com o Direito Comunitário da disciplina da tributação das mais-valias imobiliárias de não residentes resultante dos artigos 72°, n.º 1 e 43°, n.º 2 do Código do IRS, por entender que “o artigo 56° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel”

 

24. Porém, “Tendo em conta o teor do Acórdão supramencionado e no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão nele sufragada, foi aditado ao artigo 72° do Código do IRS, pela Lei n.º 67- A/2007, de 31/12, n.º 7, à data dos factos nº 14, cujo teor é o seguinte: « - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n. º 1 e no n. º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n. º 1 do artigo 68. º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

Por sua vez, o n.º 8, à data dos factos n.º 15, do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2008), prescrevia, que: «- Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

E, por força dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008, em vigor a partir de janeiro de 2009, e seguintes, mais concretamente o mod.3 do IRS, têm um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68° do Código do IRS

 

25. Assinala, assim, a Requerida que o Requerente não optou pelo regime acima referido, antes assinalando na declaração modelo 3-IRS do ano de 2019, a par do seu estatuto de não residente, a vontade de ser tributado pelo regime geral.

 

26. Nestes termos, conclui a Requerida, manifestando entendimento no sentido de que deve ser mantida a liquidação impugnada, referente ao ano fiscal de 2019, devendo concluir-se pela improcedência do pedido.

 

27. Expostas, nas suas linhas essenciais, as posições das Partes, pode constatar-se que o litígio que as opõe se centra exclusivamente na incompatibilidade da norma do n.º 2 do artigo 43.º, na redação aplicável, com o direito da União Europeia, mormente com o disposto no artigo 65.º do TFUE relativo à livre circulação de capitais.

 

28. Conforme bem alega a Requerida, o quadro normativo em vigor no ano fiscal a que respeita a liquidação impugnada não é o mesmo que vigorava ao tempo em que foi prolatado o referido acórdão Hollman.

 

29. Com efeito, da alteração legislativa operada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, resultou ser conferida aos não residentes titulares de rendimentos da categoria G a possibilidade de opção pela tributação da totalidade desse rendimento à taxa especial de 28% ou pela sua tributação em termos idênticos aos aplicáveis aos residentes em território português, isto é, com a redução do rendimento a 50% e sua tributação com base nas taxas gerais previstas no artigo 68.º do CIRS.

 

30. Segundo a Requerida, o regime opcional acima referido teria vindo sanar a discriminação decorrente da não aplicação aos não residentes da redução da 50% das mais-valias imobiliárias compatibilizando assim a legislação nacional com o direito comunitário.

 

31. Diverso, porém, é o entendimento maioritário da jurisprudência adotada pela maioria das decisões proferidas pelo CAAD e pelos tribunais superiores, salientando-se, em especial, os acórdãos do Pleno da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, de 09-12-2020, proferidos nos processos n.ºs 75/20.6BALSB e 64/20.0BALSB, uniformizando jurisprudência no sentido de que o “ n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art. 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro.”

 

32. Mais recentemente, na sequência de reenvio prejudicial suscitado no âmbito de processo arbitral, foi esta questão objeto de apreciação e decisão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia que, em acórdão de 18-03-2021, proferido no processo C-388/19, MK, se pronunciou nos seguintes termos: “ 26 No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que, tratando se de mais valias realizadas no momento da alienação onerosa de um bem imóvel situado em Portugal, o artigo 43.°, n.° 2, e o artigo 72.°, n.° 1, do CIRS previam regras de tributação diferentes consoante os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento residissem ou não no território desse Estado Membro.

27 Em especial, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, as mais valias realizadas por residentes no momento da alienação de bens imóveis situados em Portugal eram apenas consideradas em 50 % do seu valor. Em contrapartida, para os não residentes, o artigo 72.°, n.° 1, do CIRS previa a tributação dessas mesmas mais valias sobre a totalidade do seu montante à taxa autónoma de 28 %.

28 Daqui decorre que, em aplicação destas disposições, a matéria coletável deste tipo de mais valias não era a mesma para os residentes e para os não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel situado em Portugal, no caso de realização de mais valias, os não residentes estavam sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que era aplicada aos residentes, encontrando se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C 443/06, EU:C:2007:600, n.° 37).

29 Com efeito, enquanto, por força do artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, um não residente era tributado a uma taxa de 28 % aplicada sobre a matéria coletável correspondente à totalidade das mais valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável das mais valias realizadas por um residente permitia que este beneficiasse sistematicamente de uma carga fiscal inferior a esse título, qualquer que fosse a taxa de tributação aplicada à totalidade dos seus rendimentos, uma vez que, segundo as observações apresentadas pelo Governo português, os rendimentos dos residentes estavam sujeitos a um imposto de acordo com uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado era de 48 %, isto embora se pudesse aplicar uma taxa adicional de solidariedade de 2,5 % a rendimentos coletáveis de 80 000 euros a 250 000 euros e de 5 % acima desse valor.

30 Ora, no Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C 443/06, EU:C:2007:600, n.° 40), o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que a fixação, pelo artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, de uma matéria coletável de 50 % para as mais valias realizadas apenas por sujeitos passivos residentes em Portugal, e não por sujeitos passivos não residentes, constituía uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.° TFUE.

31 Esta constatação não é posta em causa pelo n.° 44 do Acórdão de 19 de novembro de 2015, Hirvonen (C 632/13, EU:C:2015:765), no qual o Tribunal de Justiça declarou que uma diferença de tratamento entre contribuintes não residentes e contribuintes residentes, que consiste em sujeitar os rendimentos brutos dos primeiros a uma tributação a título definitivo a uma taxa única, através de retenção na fonte, ao passo que os rendimentos líquidos dos segundos são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui um abatimento de base, é compatível com o direito da União, na medida em que essa constatação está sujeita, todavia, à condição de a taxa única não ser mais elevada do que a taxa resultante da aplicação efetiva para o interessado da tabela progressiva aos rendimentos líquidos que excedem o abatimento de base. Ora, no caso em apreço, como resulta do n.° 29 do presente acórdão, o regime de tributação diferenciado em causa conduz a que os não residentes sejam sistematicamente sujeitos a uma carga fiscal superior à aplicada aos residentes aquando da realização de mais valias sobre a venda de imóveis.

32 Nestas condições, a fixação da matéria coletável em 50 % para as mais valias realizadas por todos os sujeitos passivos residentes em Portugal, e não para os sujeitos passivos não residentes que optaram pelo regime de tributação previsto no artigo 72.°, n. 1, do CIRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.°, n. 1, TFUE.”

 

33. No tocante à opção pela tributação segundo as modalidades aplicáveis aos residentes, o referido Tribunal, afirma, ainda no mencionado processo, que “42. Antes de mais, há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.°, n.o 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.°, n. 2, desse código permite a um contribuinte não residente, como MK, escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.°, n.°1, do CIRS, e outro que não o é.

43 Ora, cumpre frisar a este respeito que, no caso em apreço, essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

44 Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.° TFUE em razão do seu caráter discriminatório (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C 440/08, EU:C:2010:148, n.° 52).

45 Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C 440/08, EU:C:2010:148, n.° 53 e jurisprudência referida).

46 Daqui resulta que a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.° 32 do presente acórdão compatível com o Tratado.

47 Tendo em conta todas as considerações precedentes, importa responder à questão submetida que o artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado Membro que, para permitir que as mais valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais valias realizadas por um residente do primeiro Estado Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.”

 

34. Do exposto decorre, com clareza, que a liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, na parte que que considera como base tributável o valor total das mais-valias realizadas pela Requerente no ano fiscal de 2019, enferma de ilegalidade por violação do direito da União Europeia, tal como declarado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

35. A par da anulação parcial do ato de liquidação, e consequente reembolso das importâncias indevidamente cobradas, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

36. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

37. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

38. No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, pelas razões que se apontaram anteriormente, o Requerente efetuou o pagamento de importância manifestamente indevida.

 

39. Julgando-se, assim, a ilegalidade da norma em que se fundou a liquidação impugnada, reconhece-se à Requerente o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante indevidamente cobrado, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso (cfr. LGT, art.43.º, n.º 1 e CPPT, art. 61.º).

 

V. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando a anulação parcial da liquidação impugnada de IRS, com o consequente reembolso da importância indevidamente cobrada, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios, contados nos termos legais.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 15 298,93, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 918,00, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se o Ministério Público, na pessoa da Senhora Procuradora-Geral da República, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 280.º,3, da CRP e 72.º, 3, da LTC.

 

Lisboa, 23 de junho de 2021,

 

O árbitro,

Álvaro Caneira.