DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Mariana Vargas e Dra. Rita Guerra Alves (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-05-2021, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., LDA., doravante apenas “Requerente”, sociedade por quotas, com capital social de € 500.000,00, titular do NIPC ..., com sede social sita na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ... Valongo, veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação do despacho de indeferimento do procedimento de revisão oficiosa do acto tributário que correu termos junto da Autoridade Tributária e Aduaneira sob o n.º ...2019..., bem como a anulação do acto de liquidação de IMT n.º..., bem como dos correspondentes juros compensatórios, na importância total de € 118.574,25.
A Requerente pede ainda reembolso da quantia paga, com juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 23-11-2020.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 15-01-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 03-05-2021.
A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Em 02-07-2021, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) Requerente é uma sociedade por quotas, constituída a 24 de janeiro de 2007, cujo objeto social visa a “Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, assim como a construção de imóveis, reabilitação de imóveis e sua promoção e venda, compra e venda de bens móveis e revenda destes, assim como a gestão de condomínios e de patrimónios imobiliários e Construção de edifícios (residenciais e não residenciais), Arrendamento de bens móveis, Arrendamento de bens imobiliários, Atividade de prestação de informação no âmbito de atividade imobiliária.”;
B) No âmbito destas atividades empresariais procedeu a Requerente, em 15 de Abril de 2010, e na qualidade de “promitente-compradora”, à celebração de um contrato-promessa de compra e venda (CPCV) com o Banco B..., S.A., titular do NIPC..., esta entidade na qualidade de “promitente-vendedora”, porquanto proprietária do objeto prometido vender, incidente sobre o prédio urbano da espécie “terreno para construção”, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo..., freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Gaia, e com preço acordado de € 2.050.000,00, (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
C) Refere-se no contrato-promessa, além do mais, que no imóvel «se encontram dez moradias em fase de construção» (cláusula 1.ª) e que nele «estão em construção dez moradias inacabadas» (considerando 2.º);
D) Em 23 de Setembro de 2011, foi celebrado um aditamento a este contrato-promessa, reduzindo o preço para € 1.950.000,00 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
E) Em 14 de Novembro de 2011, foi aprovada por despacho da Senhora Vereadora da Câmara Municipal de..., em nome do Banco B..., S.A., o alvará de licença especial para obras inacabadas n.º .../11, processo administrativo n.º .../05, licenciando a conclusão da obra incidente sobre o prédio prometido vender à Requerente (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
F) No alvará referido indicam-se as seguintes obras:
- alvenarias interiores;
- revestimentos de pavimentos;
- revestimentos de paredes;
- revestimentos de tetos;
- preenchimento de vãos;
- arte de carpintaria;
- arte de pintor;
- redes de abastecimento de água, saneamento, eletricidade, gás e telefones;
- conclusão de arranjos exteriores.
G) No referido alvará indica-se o praz de 18 meses para a conclusão das obras, a terminar em 14-05-2013;
H) Em 30 de Julho de 2013, foi outorgado o correspondente contrato de compra e venda incidente sobre o prédio urbano, terreno para construção, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ..., com o preço final ajustado entre as Partes a ser de € 1.750.000,00, e com expressa declaração aposta pela Requerente de que o indicado prédio cuja propriedade estava a ser por si adquirida se destinava a revenda (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
I) Previamente à aquisição efectuada pela Requerente foram cumpridas as obrigações fiscais, tendo, em razão disso, sido efetuada a liquidação de IMT “a zeros”, em face do benefício previsto no artigo 7.º do Código do IMT – prédio para revenda, identificada pela liquidação n.º..., DUC n.º ... (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
J) Na sequência de requerimento da ora Requerente, em 20 de Agosto de 2013, o Senhor Diretor do Departamento Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal de ... emitiu certidão, na qual certificou que “os documentos instrutórios apresentados correspondem ao projeto de arquitetura aprovado no âmbito do processo administrativo .../05, do prédio sito em RUA ..., N.ºs..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... (Habitação), 70, 100 (Garagem), freguesia de ..., constituindo as frações do edifício unidades independentes e isoladas entre si, com saída para a parte comum do edifício e via pública, e reúne os requisitos necessários para ser afeto ao Regime de Propriedade Horizontal, conforme os artigos 1414º e 1415 do Código Civil.” (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
K) A 12 de dezembro de 2013, com o número de registo ..., foi entregue pela Requerente a declaração modelo 1 de IMI no Serviço de Finanças de ... (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
L) A 17 de Dezembro de 2013, ou seja, decorridos 4 meses e 17 dias a contar do momento da aquisição do prédio pela Requerente, foi constituída a propriedade horizontal daquele, composta por 10 unidades independentes (frações A, B, C, D, E, F, G, H, I e J), distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma zona comum do prédio e desta para a via pública (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
M) A 5 de Agosto de 2014, 1 ano depois da aquisição do prédio pela Requerente, foram emitidos os certificados energéticos das moradias referidas, conforme decorre do documento que se junta e cujo conteúdo atinente, de modo exemplificativo (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
N) As licenças de utilização emitidas pela Câmara Municipal de ... foram todas emitidas entre 24 de Fevereiro de 2014 e 22 de Agosto de 2014 (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
O) O prédio urbano, aquando da sua aquisição pela Requerente, estava já erguido e numa fase de construção concluída, faltando apenas trabalhos de acabamentos que foram implementados pela Requerente (depoimentos das testemunhas C..., D... e declarações de E...);
P) Com a data de 23 de Fevereiro de 2015, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IMT e de juros compensatórios n. °..., e o documento de cobrança n.º..., no valor total de € 118.574,25, na qual figura como sujeito passivo a aqui Requerente, pelo facto tributário identificado pelo código 1 – Aquisição do direito de propriedade plena sobre imóvel (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
Q) Na «Descrição» da liquidação refere-se o seguinte:
Em 2013-07-30 a sociedade "A... - LDA", NIF:..., adquiriu para revenda o terreno para construção sito na Rua ... em ..., inscrito sob o artigo matricial n°... da freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Gaia, tendo beneficiado da isenção de IMT ao abrigo do artigo 7° do CIMT.
O terreno não foi revendido como terreno no prazo legal de três anos, tendo sido construído aí um edifício, inscrito como prédio em propriedade horizontal na respectiva matriz. Desta forma ocorreu a caducidade da isenção beneficiada nos termos do n°5 do artigo 11° do CIMT em 2013-12-12 (data da inscrição do novo prédio na matriz - Art.58 da União das freguesias de ... e ...).
O sujeito passivo requereu a liquidação do imposto em falta em 23/12/2014, fora do prazo estabelecido no artigo 34° do CIMT, pelo que são devidos juros compensatórios contados desde a data da caducidade da isenção até à data do pedido de liquidação.
R) Em 23 de Dezembro de 2014, a ora Requerente pediu a liquidação do imposto, que pagou, com juros compensatórios (documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, não impugnado);
S) A 2 de Fevereiro de 2017, a Requerente pediu a revisão oficiosa da liquidação referida, nos termos que constam do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
T) A 18 de Junho de 2020, a Requerente foi notificada pela AT, através do ofício n.º..., de 12 de junho de 2020, do projecto de decisão de indeferimento do procedimento de revisão oficiosa do acto tributário, para exercer direito de audição (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
U) No projecto de decisão refere-se, além do mais, o seguinte:
O sujeito passivo requer a anulação da liquidação de IMT n°... de 2015-02-23 e a restituição do imposto pago no valor de €113.750,00 por não concordar que foi dado destino diferente do da revenda ao imóvel objeto da liquidação.
O reclamante A...- LDA, NIPC..., procedeu em 2013-07-30 à liquidação de IMT referente à aquisição prédio urbano sito na Rua ..., inscrito sob o artigo matricial n.º..., da freguesia de ..., Concelho de Vila Nova de Gaia, pelo preço de €1.750.000,00. Este prédio urbano estava inscrito na matriz como terreno para construção.
Foi emitido o documento de cobrança de IMT n° ... no valor de €0,00, com o benefício associado - 15 - Prédios para revenda (Art°7 do CIMT) e o documento de cobrança de IMT n°... no valor de €14.000,00, pago em 2013-07-30.
A escritura de aquisição do imóvel foi celebrada em 2013-07-30 no Balcão Casa Pronta da Conservatória do Registo Predial de Lisboa. Nesta escritura consta que o prédio transmitido foi o terreno para construção inscrito sob o artigo matricial n° ..., da freguesia de ..., Concelho de Vila Nova de Gaia.
Em 2013-12-12 foi entregue no serviço de finanças de ... (área do imóvel) declaração modelo 1 do IMI n°... referente a "prédio novo" em resultado da construção que estava a ser efetuada no terreno inscrito sob o artigo n.º ... da freguesia de ... . Foi atribuído nessa altura o artigo matricial provisório n°...da união de freguesias de ... e ... .
Como não revenderam o terreno para construção no prazo de três anos no estado em que foi adquirido o sujeito passivo requereu voluntariamente ao serviço de finanças de ... em 2014-12-23, liquidação do imposto por ter entregue a declaração modelo 1 do IMI, originando assim novo artigo matricial, ou seja houve alteração do prédio constante na matriz ocorrendo assim a caducidade da isenção de IMT beneficiada, conforme n° 5 do artigo 11° do CIMT.
Foi emitida a nota de cobrança de IMT n.º ... no valor de€113.750,00, acrescido de juro compensatórios no valor de €4.824,25 pois o pedido de liquidação não cumpriu o prazo disposto no n° do artigo 34° do CIMT.
De acordo com a ficha doutrinária IVE n° 10752, com despacho concordante de 2016-08-05, da Sub-Diretora Geral da Área de Gestão Tributaria-Património, por delegação da Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, também já apreciada pela mesma Direção de Serviços na IVE n° 1004, a isenção constante do art° 7 do CIMT, caduca no caso em que os prédios não são revendidos no estado em que foram adquiridos. A ficha doutrinária esclarece também que ao edificar moradias no terreno para construção adquirido o sujeito passivo deu-lhe um destino diferente da revenda.
Excetuando a realização de obras de mera conservação ou de acabamento, e as situações de arrendamento e loteamento de prédios rústicos, que o ponto 2 do Ofício-Circular D-2/91, de 17-06, vem esclarecer que por si só não configuram destino diferente do da revenda, qualquer desvio daquele fim faz caducar a isenção de IMT beneficiado ao abrigo do art° 7 do CIMT.
Face às informações vinculativas já produzidas, não assiste ao sujeito passivo razão relativamente ao pedido de revisão oficiosa da liquidação de IMT efetuada, requerendo a sua anulação e a restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.
Proponho assim o indeferimento da pretensão do sujeito passivo.
V) Em 22-11-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo e, no ponto indicado, também nos depoimentos das testemunhas e declarações de parte.
A testemunha C... é engenheiro que acompanhou as obras dos edifícios referidos nos autos, tendo assegurado que, em 2011, já estavam em fase de acabamento.
A testemunha D... é arquitecto e autor do projecto de arquitectura dos edifícios referidos e afirmou que as obras estavam avançadas, estando as casas quase prontas, quando a Requerente fez a aquisição.
O declarante C... é gerente da Requerente desde 2013 e afirmou que, quando a Requerente fez a aquisição, as moradias estavam concluídas mas precisavam de arranjos para as tornar atractivas.
Todos aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos que relataram.
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
3. Matéria de direito
A Requerente adquiriu, em 30 de Julho de 2013, um «terreno para construção», em que estavam já construídas 10 moradias, em fase de acabamento, tendo declarado que o seu destino era a revenda e beneficiado da isenção condicionada prevista no artigo 7.º do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).
Em 12-12-2013, a Requerente entregou no serviço de finanças de ... (área do imóvel) declaração modelo 1 do IMI n°... referente a "prédio novo" em resultado das construções que foram feitas no terreno.
Nos termos do n.º 5 do artigo 11.º do mesmo Código, «a aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda».
Na sequência da apresentação da referida declaração modelo 1, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a isenção caducou, tendo liquidado IMT, que a Requerente pagou.
A Requerente pediu a revisão oficiosa da liquidação, que foi indeferida, invocando a doutrina da ficha doutrinária IVE n° 10752, com fundamento em caducidade da isenção porque, em suma,
– «ao edificar moradias no terreno para construção adquirido o sujeito passivo deu-lhe um destino diferente da revenda»;
– «excetuando a realização de obras de mera conservação ou de acabamento, e as situações de arrendamento e loteamento de prédios rústicos (...) qualquer desvio daquele fim faz caducar a isenção de IMT beneficiado ao abrigo do art° 7 do CIMT».
– a Requerente não revendeu «o terreno para construção no prazo de três anos no estado em que foi adquirido» e apresentou declaração modelo 1 que «originando assim novo artigo matricial, ou seja houve alteração do prédio constante na matriz ocorrendo assim a caducidade da isenção de IMT beneficiada, conforme n° 5 do artigo 11° do CIMT».
Da prova produzida resulta que há um erro sobre os pressupostos de facto subjacente ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa, pois a Requerente fez apenas obras de acabamento que, no próprio entendimento da doutrina administrativa invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não implicam que ao prédio seja dado destino diferente do que tinha quando foi adquirido.
Por outro lado, embora no momento da aquisição o prédio estivesse classificado como «terreno para construção», o que a Requerente realmente adquiriu foram 10 moradias, quase prontas para venda, que revendeu cerca de 4 meses após a aquisição, depois de efectuar alguns acabamentos.
Não há, assim, qualquer alteração do destino dos prédios adquiridos entre a data da aquisição e da revenda, pois a Requerente adquiriu as moradias em fase de acabamento, para as vender depois de feitos os acabamentos.
Por outro lado, como entendeu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 2/2015, de 17-09-2014, proferido no processo n.º 01626/13 ( ),
Para efeitos de caducidade da isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) que decorre da conjugação das normas contidas nos arts. 7º e 11º nº 5 do CIMT (isenção pela aquisição de prédios para revenda), não importa se o imóvel adquirido é ou não revendido no preciso estado em que foi adquirido.
O que importa é que não haja uma metamorfose ou alteração substancial do bem que foi adquirido para revenda.
Pelo que se o imóvel adquirido é constituído por um terreno com um edifício habitacional já em construção ou remodelação segundo determinado projecto aprovado (seja em tosco, seja em adiantada fase de construção/remodelação), a expressão para revenda não exige que o imóvel seja alienado tal como existia no momento da aquisição, admitindo, antes, a possibilidade de realização pelo adquirente de todas as obras necessárias à ultimação dessa construção, por forma a acabá-lo, licenciá-lo para o referido destino, constituir a propriedade horizontal e alienar as respectivas fracções autónomas.
Esta jurisprudência é manifestamente aplicável ao caso em apreço, pois o imóvel adquirido é constituído por um terreno com edifícios habitacionais já em construção e a actividade da Requerente foi realizar as obras necessárias à ultimação dessa construção, por forma a acabá-los e licenciá-los para venda.
Assim, tem de se concluir que a liquidação impugnada, que teve como pressuposto que a Requerente deu ao imóvel adquirido um destino diferente da revenda ou executou mais que obras de acabamento e praticou os actos necessários para a revenda, enferma de erro sobre os pressupostos de facto e também de erro sobre os pressupostos de direito, por errada interpretação da norma do n.º 5 do artigo 11.º do CIMT, erros estes que justificam a anulação da liquidação impugnada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
4. Restituição de quantia paga indevidamente e juros indemnizatórios
A Requerente pagou a quantia liquidada.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.
Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.
A Requerente pagou a quantia liquidada e pede o seu reembolso com juros indemnizatórios.
Como consequência da anulação liquidação há lugar a reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de € 118.574,25.
No que concerne a juros indemnizatórios, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.
O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido n processo n.º 402/06.
Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».
Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».
Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 02-02-2017 e apenas foi decidido em Junho de 2020, pelo que se verifica uma situação em que são devido juros indemnizatórios, a partir de 03-02-2018, data em que se completou mais de um ano sobre a data da apresentação do pedido.
Assim, os juros indemnizatórios devem ser contados desde 03-02-2018, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
5. Decisão
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
B) Anular a liquidação de IMT n°... (documento n.º...), bem como a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que a manteve;
C) Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia de € 118.574,25;
D) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, calculados com base na quantia de € 118.574,25, desde 03-02-2018, até à data do reembolso desta quantia, nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 118.574,25.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 15-07-2021
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Mariana Vargas)
(Rita Guerra Alves)