Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 858/2019-T
Data da decisão: 2021-07-14  IRC  
Valor do pedido: € 86.024,38
Tema: IRC – Seguros Unit Linked; Retenção na Fonte; Swaps; Pagamentos ao Reino Unido.
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SUMÁRIO:

I. Comercializando a Impugnante seguros unit linked, os rendimentos dos valores mobiliários, que constituem a carteira a que está a associada a rentabilidade do seguro, são da Impugnante, não obstante o risco ser por conta do tomador.

II. Atento o referido em I., assiste-lhe direito à dedução de imposto pago no estrangeiro, à dedução de retenções na fonte e aos benefícios fiscais previstos nos então art.ºs 31.º e 32.º do EBF.

III. A constituição de provisões técnicas, obrigatórias, não desvirtua o mencionado em II.

IV. Os rendimentos provenientes de swaps não integravam, em 2003 e 2004, o conceito de rendimentos provenientes de juros, face à legislação nacional.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 13 de Dezembro de 2019, A..., NIPC A-..., com sede em ..., Madrid, Espanha, sociedade-mãe do anteriormente designado B..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IRC n.º 2007..., n.º 2007... e n.º 2006..., referentes aos períodos de tributação de 2003 e 2004, no valor de € 86.024,38, e da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que teve a decisão da reclamação graciosa que apreciou a legalidade das referidas liquidações como objecto. 

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

 

i.             a aplicabilidade da norma do artigo 46.º, n.º 1 e 2 do CIRC vigente à data do facto tributário (actual artigo 51.º, n.º 1 e 2);

ii.            a inexistência de obrigação de retenção na fonte sobre os rendimentos pagos ao D..., durante o exercício de 2004.

 

3.            No dia 16-12-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 05-02-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 06-03-2020.

 

7.            No dia 19-06-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, as partes abstiveram-se de o fazer.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            O Requerente era, à data dos factos, uma agência da companhia de seguros C..., S.A., sociedade com sede e direção efectiva em Espanha, com estabelecimento estável em Portugal.

2-            O Requerente encerrou a sua actividade em Portugal em 11-05-2016 tendo, até essa data, estado inscrita no cadastro com o seguinte CAE: 65111 – “Seguros Vida”.

3-            O Requerente é sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto nos arts. 2.º, n.º 1, alínea c) e 3.º, n.º 1, alínea c) do CIRC.

4-            No exercício da actividade seguradora, o Requerente comercializava seguros de vida com capitalização (“Unit Linked”) nos quais o risco do investimento é suportado pelo tomador de seguro.

5-            Nos seguros “Unit Linked” a seguradora paga o valor do capital seguro em cada momento, quer quando ocorram os riscos tipificados no contrato, quer o seu valor capitalizado.

6-            O prémio do seguro é convertido em unidades de investimento e a gestão dos activos é feita pela seguradora.

7-            Após receber os montantes pagos pela contraparte no contrato, a seguradora adquire os activos financeiros a que o valor das unidades de conta está indexado.

8-            No âmbito dos contratos em causa é a seguradora a proprietária dos activos que compõem a carteira de Investimentos ligada ao contrato, sendo que todos os activos são adquiridos pela seguradora em seu nome próprio e por sua conta, sendo levados ao activo da seguradora e sujeitos a registo em seu nome e sem reserva quando se tratam de activos sujeitos a registo.

9-            O valor de subscrição dos seguros Unit Linked e os investimentos e títulos em que os mesmos se corporizam, integram o activo do Requerente e são refletidos na sua demonstração de resultados.

10-         Os proveitos são contrabalançados por igual montante no passivo, correspondente à responsabilidade perante terceiros.

11-         O Requerente transferiu parte do risco assumido para outra empresa do grupo, o D... Plc, com sede e residência fiscal no Reino Unido.

12-         O Requerente pagou ao D..., durante o exercício de 2004, a quantia de €722.717,59.

13-         O Requerente não efectuou retenção na fonte sobre os valores pagos ao D... .

14-         O Requerente foi objecto de uma ação inspectiva realizada pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária da Direção Geral dos Impostos, em sede de IRC e retenções na fonte, com incidência nos anos de 2003 e 2004.

15-         O Requerente foi notificado do relatório de inspecção, do qual constavam as seguintes correcções:

a)            Correcção relativa a imputação de lucros de Agrupamento Complementar de Empresas, no valor de €111,28, relativa ao ano de 2003;

b)           Correcções relativas a eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, no valor de €2.413,76 e €22.191,50, relativas ao exercício de 2003 e 2004;

c)            Correcção relativa a retenção na fonte sobre pagamentos a não residentes, no valor no valor de €144.543,52, relativas ao exercício de 2004.

16-         Em resultado dessas correcções, foram emitidas as liquidações n.º 2007..., n.º 2007 ... e n.º 2006 ... .

17-         Em 08-06-2007, o Requerente apresentou reclamação graciosa tendo por objecto as referidas liquidações, em que foram contestadas as correcções efectuadas no relatório de inspecção tributária, com excepção da correcção relativa à imputação de lucros de ACE, no exercício de 2003.

18-         O Requerente não efetuou o pagamento voluntário das liquidações, tendo, por isso, sido instaurados os processos de execução fiscal n.º ...2007... e n.º ...2007... .

19-         O Requerente prestou garantias bancárias para obter a suspensão dos processos de execução fiscal.

20-         Em 21-12-2015 e 28-12-2015, os processos de execução fiscal foram extintos por pagamento.

21-         Por despacho do Ex.mo Senhor Diretor da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 20 de Abril de 2010, a reclamação graciosa foi parcialmente deferida, tendo a AT mantido as correcções na parte respeitante à eliminação da dupla tributação económica e de lucros distribuídos, dos anos de 2003 e 2004 e anulado 50% da correcção relativa à retenção na fonte sobre juros pagos pelo A... ao D... .

22-         Em 21-05-2010, o Requerente apresentou recurso hierárquico contra o despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa.

23-         O recurso hierárquico foi indeferido através de despacho datado de 17-05-2011.

24-         O Requerente apresentou impugnação judicial da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o processo n.º .../11...BELRS.

25-         Ao abrigo do regime previsto no artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 81/2019, o Requerente requereu a migração do processo para a jurisdição arbitral tributária.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , o “relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

A questão material em causa nos presentes autos, é de simples formulação, e radica essencialmente em compreender e tirar as devidas consequências do modus operandi dos produtos enquadrados no âmbito dos seguros Ramo Vida, denominados unit linked. Os referidos produtos operam nos termos melhor descritos nos pontos 4 a 10 da matéria de facto dada como provada.

Em especial, o nó górdio do problema, tal como configurado pela AT, reside na circunstância de os rendimentos derivados da titularidade de participações sociais e em fundos de investimento, no quadro daquele tipo de contratos, terem, por força das normas prudenciais que vinculam a actividade seguradora, uma correspondência no estabelecimento obrigatório de provisões de igual montante, relativas às responsabilidades assumidas com a contraparte naqueles contratos, o que, na prática, se traduziria na circunstância de, em si próprios, aqueles referidos rendimentos não aumentarem a matéria colectável da entidade seguradora.

Deste enquadramento, reconhecido pacificamente por ambas as partes nos presentes autos, decorre, na opinião da AT, a inaplicabilidade da norma do artigo 46.º/1 e 2 do CIRC vigente à data do facto tributário (actual artigo 51.º/1 e 2), bem como da norma da alínea f) do n.º 2 do artigo 83.º do Código do IRC (actual alínea d) do n.º 2 do artigo 90° do CIRC). 

Já a requerente, por seu turno, entende não existir qualquer óbice, legal ou de facto, à aplicabilidade das normas indicadas.

Vejamos.

 

*

Dispunha o art.º 46.º do CIRC, na redacção aplicável (Redacção da Lei 32-B /2002 de 30 de Dezembro), que:

“1 - Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direcção efectiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos:

a) A sociedade que distribui os lucros tenha a sede ou direcção efectiva no mesmo território e esteja sujeita e não isenta de IRC ou esteja sujeita ao imposto referido no artigo 7.º;

b) A entidade beneficiária não seja abrangida pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º;

c) A entidade beneficiária detenha directamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10% ou com um valor de aquisição não inferior a (euro) 20000000 e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período.

2 - O disposto no número anterior é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, aos rendimentos de participações sociais em que tenham sido aplicadas as reservas técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros e, bem assim, aos rendimentos das seguintes sociedades: (...)”.

                Já o art.º 83.º do mesmo diploma, no que para o caso releva, dispunha que:

“1 - A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes: (...)

2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada: (...)

f) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.”

 

*

A matéria em questão nos presentes autos, foi objecto de detalhado e pertinente estudo da autoria de Saldanha Sanches e João Taborda da Gama, publicado na revista Fiscalidade, no ano de 2008 , que se acompanhará aqui de muito perto.

Após analisarem o enquadramento económico e jurídico do tipo de contratos em questão (“seguros unit linked”) em termos grosso modo coincidentes com aqueles sumariamente já apontados, concluem aqueles autores, apontando uma característica a tais contratos, essencial para a compreensão da matéria em causa, que é a circunstância de que a seguradora “não entrega as unidades de conta, que não têm existência nem valor fora desta relação. Entrega aquilo a que está obrigada e aquilo a que segurado tem direito – o valor das unidades de conta, que constitui o objecto desta relação jurídica, ou seja, a quantia em que consiste o seu dever de prestar.”

Ou seja: a obrigação primária/principal da seguradora no quadro dos contratos “unit linked”, é uma obrigação única, pecuniária, de entrega de um montante liquidado em função do valor que, no momento do evento que extingue o contrato, tenha a unidade de conta. Deste modo, apenas nesse momento, no fim do contrato, é que há um rendimento do beneficiário, pago pela seguradora. Até aí, sublinhe-se, o património da contraparte da seguradora mantém-se inalterado, intocado. As variações no valor da unidade de conta, que foram tendo correspondência no provisionamento obrigatório levado a cabo pela seguradora, não têm qualquer influência no património da contraparte desta. Não dão causa, em suma, a nenhum rendimento do titular do produto “unit linked”.

Nas palavras dos mesmos autores, “As seguradoras não são intermediárias financeiras, nem actuam por conta dos segurados (não são agentes, corretores, mandatários ou comissionistas). Elas actuam por sua própria conta nos mercados. As unidades de conta não são unidades de participação em fundos, títulos de qualquer outra espécie que pertençam aos clientes. São meras unidades de cálculo nacionais” .

Para se perceber que isto é assim, de resto, basta atentar, desde logo, que em caso de insolvência da seguradora, sem que os respetivos contratos se hajam vencido, as contrapartes nos contratos unit linked não terão qualquer direito próprio quer sobre os activos adquiridos pela seguradora em função do “seu” contrato, quer sobre os rendimentos que por aqueles haja sido gerado e distribuído à seguradora. Em tal caso (insolvência da seguradora), as contrapartes nos contratos unit linked terão de se apresentar como credores da seguradora, sendo pagos de acordo com as regras de concurso aplicáveis, pela totalidade do património daquela, na medida que lhes caiba, e não em função do contrato que celebraram ou da sua suposta “participação” dos activos contabilisticamente afetos àquele.

Prosseguindo a sua análise, os autores citados apontam mais algumas características próprias do regime contratual em causa, dignas de especial nota na perspectiva que nos ocupa. Assim, refere-se no trabalho que se segue, que “do ponto de vista prático, não é de excluir, também, que, se tal não for proibido pelos contratos, as seguradoras não cheguem sequer a deter os activos indexantes ou que não os vendam no momento em que o contrato com os clientes cessa”, acrescentando-se que “O dever da seguradora no evento é sempre o da entrega de determinados valores, mesmo que não adquira quaisquer activos, adquira menos ou diferentes, ou os não venda.”, evidenciando-se deste modo “que os unit-linked implicam dois tipos de relação jurídica, diferentes em quase todos os seus elementos.”

 Fica assim claro, pensa-se, que quer em termos jurídicos quer em termos económicos, não existe, no quadro dos chamados “seguros unit linked” qualquer relação entre os sujeitos geradores dos rendimentos devidos pelas aplicações financeiras realizadas pela seguradora, e o cliente desta titular daquele produto.

Neste quadro, não têm dúvidas os autores que os segurados “Não compram, não vendem, não participam em perdas, não recebem dividendos. O sujeito, aqui, é a seguradora. São dela as obrigações comerciais e os direitos. Serão dela consequentemente, as obrigações tributárias activas e passivas” , pelo que “os rendimentos que venha a obter por ser detentora de acções e UP são ganhos sujeitos a imposto. Em concreto. a IRC”, mais referindo aqueles que “Quando afirmamos que são ganhos sujeitos a imposto, queremos, claro, afirmar que são ganhos incluídos na base tributável, ou seja, sujeitos ao regime fiscal globalmente considerado e não apenas a parte do regime. Assim, todo o regime do artigo 22.º do EBF e todo o regime do IRC – incluindo os mecanismos de eliminação da dupla tributação económica do artigo 46.º do respectivo Código - lhe são aplicáveis.”

 Como recordam os autores, “Para o Código do IRC, no momento de definir a base de tributação, não há dúvidas de que um lucro distribuído ao sujeito passivo está incluído na sua base tributável, tal como o rendimento decorrente da venda de mercadorias, prestação de um serviço ou renda de um imóvel.”

 Deste modo, não só terá cabal aplicação nestas situações o artigo 46.º do CIRC vigente à data do facto tributário em causa nos autos, (actual artigo 51.º), já que “O artigo46.º não é um benefício fiscal - é um mecanismo de elementar justiça tributária que repõe a neutralidade da tributação, evitando que a mesma realidade seja tributada duas vezes. Não faz sentido negar a sua aplicação às companhias de seguros no âmbito dos produtos unit-linked que comercializem afirmando, por exemplo, que os rendimentos que resultam dos activos de que dispõem não lhes pertencem ou que o resultado contabilístico é nulo, por via das provisões” , até porque “Não se pode afirmar”, nem a AT o faz, “que o mecanismo do artigo 46.º exige que os rendimentos sejam duplamente tributados” , bem como a norma da alínea, f) do n.º 2 do artigo 83.º do Código do IRC (actual alínea d) do n.º 2 do artigo 90° do CIRC), dado que “Se a companhia de seguros não pudesse exonerar-se dos encargos tributários que o fundo ou as sociedades comerciais suportaram, teria de repercutir esse encargo na indemnização a pagar ao segurado que deste modo sofreria uma dupla tributação: primeiro, no fundo de investimento ou na pessoa colectiva e, depois, no momento em que fosse tributado em IRS pela indemnização que iria receber”, que “anularia o benefício fiscal que o legislador procurou conceder à poupança”

 

*

Em parte alguma do rol de considerações sobre esta matéria, elaborado pela AT, quer nos presentes autos quer no PA que o precedeu, se descortinam argumentos que ponham em causa as conclusões formuladas no trabalho que se vem a seguir na presente decisão e que se acabam de citar. É que, ao contrário do sustentado pela AT, a interpretação defendida nas decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.ºs 65/2017-T, 268/2015-T e 160/2017-T não assenta numa “interpretação meramente “formal” dos pressupostos que subjazem à eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos, não sendo, de resto, consentânea com o legalmente determinado” . A interpretação da AT, conduz a uma efectiva dupla tributação do rendimento em questão, na esfera da seguradora, em sede de IRC, e, depois, na esfera da contraparte desta, em sede de IRS, já que “quando contrata um seguro unit-linked, o particular vai sempre pagar IRS sobre a valorização, ainda que com um benefício fiscal.” .

Como refere o trabalho aqui seguido “a lei estrutura um sistema que tem a sua trave-mestra na neutralidade fiscal da companhia de seguros que cria e gere os unit linked, prevendo que esta, como qualquer pessoa colectiva, se vá desonerando de uma série de encargos fiscais cobrados antecipadamente (retenções na fonte e tributação de lucros distribuídos), pela razão de que a jusante todos esses rendimentos serão tributados na esfera do segurado pessoa singular.” .

Não se tem, igualmente, por correcta, outra ideia angular do argumentário da AT, segundo a qual “as comissões recebidas constituem o único rendimento que afeta o resultado contabilístico da seguradora, pois que os rendimentos gerados pelas carteiras Unit Linked, apesar de registados como proveitos da Requerente, não se destinam a si, que detém e gere aquelas carteiras, mas sim aos tomadores de seguro que são os destinatários desses lucros (isto, na eventualidade de os haver), sendo na sua esfera que ocorre a tributação” , pelo menos no sentido implícito e, para o caso, relevante, de que aqueles rendimentos seriam imediatamente rendimento dos tomadores, o que é, desde logo, e para além do mais, manifesto, na medida em que, aquando da sua distribuição pelo fundo ou sociedade participada, não contribuem (nem devem, nem a AT sustenta que devam contribuir) para a base tributável dos tomadores de seguro.

As “provisões que a seguradora faz (rectius, tem o dever legal de fazer) com vista à cobertura” das suas responsabilidades, e das quais decorre a “imputação” apontada pela AT, como apontam os autores que ora nos têm guiado, “é uma matéria independente cujo funcionamento não pode ser utilizado para impedir os efeitos acima referidos”  .

Efetivamente, “As provisões, ao cativarem lucros que de outra forma seriam distribuídos, vão traduzir-se na libertação de fundos que vão ser investidos em determinados activos, com maior ou menor risco, com maior ou menor rentabilidade. A questão do maior ou menor risco do seguro é uma questão distinta da forma mais ou menos segura como pode ser feito o investimento que vai permitir pagar futuramente as prestações desse seguro, as quais são sempre devidas independentemente da política concreta de investimentos da seguradora” , já que “Se a companhia de seguros faz uma provisão de l00, pode ao mesmo tempo investir esses 100 num depósito a prazo, em obrigações, em acções ou noutros activos quaisquer.”

E se, como refere a AT na resposta apresentada nos autos, “qualquer ganho ou perda verificada nos investimentos em produtos “Unit Linked” implicam uma variação de igual montante nas provisões técnicas, uma vez que os ganhos ou perdas resultantes da gestão deste tipo de investimentos afetam, na sua totalidade, o tomador do seguro” , menos certo não será que “A contabilização dos dividendos (em proveitos) e da correspondente provisão (em custos)” não poderá, igualmente, ser vista de forma totalmente dependente e ligada, nem, muito menos – como faz a AT – de forma totalmente monolítica.

É que, como se viu já, apenas no momento do vencimento da “apólice” (resgate, termo, morte) é que se forma o direito de crédito da contraparte da seguradora, e se gera, consequentemente, o rendimento desta, pelo que, antes deste momento, nada é jurídica ou economicamente passado “para o tomador do seguro”.

 Sendo um facto que, conforme a AT aponta, “O que está em causa é que ao mesmo tempo que são registados como rendimentos também são registados como gastos da seguradora” , daí não decorre, como pretende aquela Autoridade, no que será a pedra de toque da tese em que assenta a posição por si sustentada, que o impacto dos dividendos na contabilidade da seguradora é totalmente nulo, seja ao nível dos resultados, seja ao nível do fluxo financeiro, pelo menos no sentido de que não tenha, de facto e efectivamente, ocorrido distribuição desses dividendos à seguradora, e não ao “segurado”, e que, consequentemente, seja a base tributária daquela, e não deste, a afectada por esse acontecimento real – distribuição do dividendo.

 Diga-se, de resto, que é, precisamente, por a distribuição do dividendo concorrer, efectivamente, para a base tributável da seguradora, que é necessário o estabelecimento da provisão! É, com efeito, por aquela base tributável se ter incrementado por via da distribuição do dividendo, que surge a necessidade/obrigação da contabilização da provisão. Se, como no fundo sustenta a AT, não ocorresse, económica, jurídica e realmente, uma alteração da base tributável da seguradora por via da distribuição do dividendo , não haveria qualquer necessidade ou justificação para a criação de qualquer provisão! Daí que, ao contrário do que aquela autoridade entende, o funcionamento do mecanismo do provisionamento das responsabilidades das seguradoras no quadro dos produtos unit linked por si comercializados, não só não demonstra a irrelevância, para a base tributária daquelas, dos dividendos resultantes das participações adquiridas em função de tais relações contratuais, como corrobora, antes, a relevância de tais dividendos para aquela base, que é, justamente, o que justifica e explica a existência do referido mecanismo.

Assim, como referem Saldanha Sanches e João Taborda da Gama, “Para o Código do IRC, no momento de definir a base de tributação, não há dúvidas de que um lucro distribuído ao sujeito passivo está incluído na sua base tributável, tal como o rendimento decorrente da venda de mercadorias, prestação de um serviço ou renda de um imóvel. (...) O legislador não se preocupa, em nenhum dos casos em que manda adicionar ou retirar realidades da base tributável, com a tributação que eventualmente venha a recair sobre essas realidades” . Deste modo, embora se subscreva que, tendencialmente, “o “lucro” da Seguradora com a existência dos unit linked era (no PCES94) e – mais relevante para o caso sub judice – continua a ser (com o PCES07), unicamente, constituído pela comissão pelo serviço prestado com a gestão do referido produto (unit linked).” , não se considera fundada a conclusão de que “os rendimentos gerados pelos investimentos que constituem os fundos autónomos afectos a este tipo de produtos eram (no PCES94) e continuam a ser (com o PCES07) imputados aos tomadores do seguro, entidade que efectua o investimento e que suporta o risco do investimento e os seus ganhos e perdas”

Aliás – e complementarmente ao que já se expôs no que diz respeito à circunstância de os, eventuais, ganhos ou peradas dos “tomadores do seguro” apenas ocorrerem no momento do vencimento do produto – diga-se, com os autores que temos acompanhado, que “só não haveria risco (nem lucro futuro) se a companhia de seguros fosse uma espécie de fiel depositário dos investimentos do cliente. limitando-se a cobrar uma comissão de guarda de títulos” , o que não é manifestamente o caso.

Conclui-se, face a tudo o que se vem de expor, que a correcção ora em apreço deve ser anulada, procedendo nessa parte o pedido arbitral.

No mesmo sentido tem decidido a jurisprudência publicada, quer em sede arbitral (cfr. acórdãos proferidos nos processos 65/2014T, 268/2015T e 160/2017T, todos do CAAD ) quer em sede dos tribunais tributários estaduais (cfr. Acs. do TCA-Sul de 15-12-2016 e de 25-02-2021, proferidos, respectivamente, nos processos n.º 09756/16 e 2173/04.4BELSB).

 

***

                Insurge-se ainda a Requerente contra as correcções operadas pela AT, relativas a pagamentos a não residentes, respeitantes a operações relativas a instrumentos financeiros derivados (swaps), pagos à entidade não residente (residente em Inglaterra), D... .

                O dissídio, no que concerne esta matéria, radica em primeira linha na definição da natureza dos rendimentos pagos pelo Requerente ao D..., entendendo o Requerente que aqueles decorrem de prestações de serviços no âmbito de uma actividade financeira, e entendendo a Requerida que estão em causa, conforme definido pela IT, instrumentos financeiros derivados (swaps).

                Mais sustenta a Requerente que os serviços em causa não foram utilizados em Portugal, bem como que se encontram preenchidos os pressupostos materiais para a aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido.

                Entende, assim, o Requerente que a liquidação efectuada é, nesta parte, ilegal, por violação do disposto no artigo 4.º, n.º 3, al. c), parágrafo 7, do Código do IRC, e ainda da CDT e, indirectamente, do artigo 8.º, n.º 2, da CRP.

                A Requerida, em sede de decisão do recurso hierárquico  apresentado pelo Requerente, entendeu em suma que:

                - "não nos parece tratar-se de prestações de serviços, mas sim de instrumentos financeiros derivados, tal como é indicado pela Inspeção Tributária, que analisou os documentos «in loco» e, não foi provado que não se tratavam de tais instrumentos financeiros;";

                - " os rendimentos de instrumentos financeiros derivados encontram-se sujeitos a tributação, no território português, de acordo com o disposto no n.º 8 da alínea c) do artigo 4.º do CIRC;"

- "Não se tratando de prestações de serviços, como alega a Recorrente, mas sim de rendimentos de instrumentos financeiros derivados, enquadráveis no n.º 8 do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, os mesmos deveriam ter sido sujeito[s] a retenção na fonte, à taxa de 20%, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, uma vez que não foi apresentado o formulário Mod [21]-RFI, a comprovar a residência do beneficiários dos rendimentos em causa;"

- "Tendo o formulário Mod [21]-RFI, devidamente certificado pelas autoridades do país de residência do beneficiário dos rendimentos, sido apresentado em sede de Reclamação Graciosa, foi, corretamente, alterada a taxa de retenção na fonte sobre os rendimentos dos instrumentos financeiros derivados, para 10%, de acordo com o artigo 11.º da CDT celebrada entre Portugal e o Reino Unido;".

Relativamente à posição da AT, cumpre antes de mais deixar claro que o seu ponto de partida não será de acolher.

Efectivamente, não se pode ter por legítimo que a AT inverta o ónus da prova, pondo a cargo do contribuinte a obrigação de demonstrar que “não se tratavam de tais instrumentos financeiros”.

É que, para além da declaração do contribuinte beneficiar da presunção de veracidade consagrada no art.º 75.º, n.º 1, da LGT, é pacífico que “Sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional” .

Assim, sendo pressuposto da liquidação adicional que os rendimentos em causa derivam de instrumentos financeiros, deveria ser a AT a demonstrar que assim é, não lhe sendo legítimo afirmá-lo, e concluir nesse sentido porquanto o contribuinte, no seu entender, não demonstra que assim não é.

Aparte isso, e como se viu, a AT, em sede de recurso hierárquico, revogou parcialmente a liquidação adicional primitiva, aplicando uma taxa de 10%, com base no disposto no art.º 11.º da CCT entre Portugal e o Reino Unido.

Ora, como bem aponta o Requerente, os rendimentos em causa não se podem reconduzir a tal normativo.

Com efeito, estando em causa – o RIT é expresso a esse respeito – rendimentos provenientes de swaps, é perfeitamente claro que os mesmos não têm enquadramento naquele normativo, face aos Comentários à Convenção Modelo da OCDE para evitar a Dupla Tributação, segundo os quais, na versão de 2003, “21. 1 The definition of interest in the first sentence of paragraph 3 does not normally apply to payments made under cerlain kinds of non-traditional financial instruments where there is no underlying debt (for example, interest rate swaps).”.

Também a, apontada pelo Requerente, revogação quase imediata, pela Lei n.º 64-A/2000, de 31 de Dezembro, do n.º 5 aditado ao art.º 10.º do CIRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, indicia claramente que face à legislação nacional os rendimentos de swaps não são equiparados a juros.

                Assim sendo, e face a todo o exposto, não se poderá concluir de outra forma, que não a da ilegalidade da correcção ora em apreço, devendo, também nesta parte, proceder o pedido arbitral.

 

***

Cumula o Requerente com o pedido anulatório do acto tributário objecto dos presentes autos, os pedidos acessórios de condenação da AT no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida e de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade do acto de liquidação cuja quantia o Requerente pagou é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.

Tem, por isso, o Requerente direito a indemnização pela garantia prestada, nos termos do art.º 51 da LGT.

No entanto, não foram alegados nem provados os encargos que o Requerente suportou para prestar a garantia, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que aquela tem direito, o que poderá ser efectuado, se necessário, em execução desta decisão.

Para além disso, o Requerente tem direito à restituição do imposto pago por força das liquidações ora anuladas, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento indevido do imposto, até à integral restituição ao Requerente das quantias liquidadas, e são calculados à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular parcialmente os actos de liquidação de IRC n.º 2007..., n.º 2007 ... e n.º 2006..., referentes aos períodos de tributação de 2003 e 2004, no valor de € 86.024,38, bem como, na mesma medida, a decisão de indeferimento do recurso hierárquico que teve a decisão da reclamação graciosa que apreciou a legalidade das referidas liquidações como objecto;

b)             Condenar a Requerida na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos previamente indicados, bem como no pagamento de indemnização pela prestação de garantia indevida, em montante a liquidar, se necessário, em execução de sentença;

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 86.024,38, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de Julho de 2021

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Marisa Isabel Almeida Araújo)

 

O Árbitro Vogal

(Mariana Vargas)