SUMÁRIO:
-
O mero facto de um dado custo estar alegado pelo contribuinte, e existir um suporte documental, não pode determinar, por si só, a sua aceitação como custo dedutível, sendo necessária uma subsequente tarefa, por parte do julgador, de apuramento sobre se esse custo é ou não indispensável à atividade prosseguida pelo contribuinte.
-
A AT avança indícios acerca da não indispensabilidade dos diversos custos descritos na matéria de factos, pelo que, quanto a esses custos, competia ao contribuinte (Requerente) afastar esses indícios, o que se entende não ter sido conseguido na totalidade, mas apenas parcialmente, uma vez que lhe cabia esse ónus.
-
Sendo prestado um esclarecimento genérico, segundo o qual as ofertas em questão se destinaram a clientes e/ou fornecedores, não foi capaz de concretizar, minimamente, e ainda que não nominalmente, quais os clientes e fornecedores alegadamente beneficiários das ofertas, de indicar as circunstâncias concretas em que as ofertas foram praticadas, nem de fornecer qualquer outro elemento, que proporcionasse alguma base para o controle da AT sobre a matéria, não tendo sido devidamente preenchido o ónus probatório que assistia à Requerente.
-
O referido contrato de seguro não cumpriu os requisitos previstos no Código do IRC, pois os benefícios não foram estabelecidos segundo um critério idêntico para todos os trabalhadores.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Dr. Rui Miguel Zeferino Ferreira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 06.07.2020, decide o seguinte:
-
RELATÓRIO
-
No dia 20.01.2020 a sociedade A..., Lda., (de ora em diante designada “Requerente”) titular do NIPC..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-..., Lisboa, requereu, nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º e al. a), do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro pelos Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
-
A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade dos atos tributários do qual resultaram as liquidações n.º 2018... de 2014, no montante de € 936,78 (novecentos e trinta e seis euros e setenta e oito cêntimos), e n.º 2018... de 2015, no montante de € 4.118,31 (quatro mil cento e dezoito euros e trinta e um cêntimos), de cujas demonstrações de acerto de contas resultaram os montantes de IRC a pagar de € 571,23 (quinhentos e setenta e um euros e vinte e três cêntimos) e de € 4.588,08 (quatro mil quinhentos e oitenta e oito euros e oito cêntimos), num total de € 5.392,44 (cinco mil trezentos e noventa e dois euros e quarenta e quatro cêntimos).
-
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou “Requerida”) nessa mesma data.
-
A Requerente não procedeu, em 10.03.2020, à nomeação de árbitro, por força do artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, pelo que ao abrigo do disposto no referido artigo o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o pressente Tribunal Arbitral, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
-
A Requerida apresentou resposta em 30.09.2020.
-
Em 18.12.2020, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, o prazo de decisão foi pela primeira vez prorrogado pelo prazo de 2 (dois) meses, atento os constrangimentos e as dificuldades provocadas pela pandemia do coronavírus e, respetivamente, a doença da COVID-19.
-
Na mesma data, determinou-se a dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, indeferindo-se o pedido de prova testemunhal da Requerente, por não se mostrar útil à boa decisão do processo, atenta a autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista a obter, em prazo razoável, a pronuncia sobre o mérito das pretensões das partes, e por se encontrarem as posições devidamente demonstradas em prova documental (artigo 16.º, al. c), do RJAT), bem como com fundamento na livre apreciação dos factos e da livre determinação das diligências de prova necessárias, de acordo com o qual não se vislumbra utilidade (artigo 16.º, al. e), do RJAT).
-
No prazo concedido, de 10 dias, tanto a Requerente como a Requerida não apresentaram alegações.
-
Em 20.05.2021, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, o prazo de decisão foi pela segunda vez prorrogado pelo prazo de 2 (dois) meses.
I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
A Requerente sustenta a sua discordância com o teor do relatório de inspeção tributária, considerando inexistirem fundamentos formais e substanciais que justificassem os montantes adicionais de IRC liquidados, bem como respetivos juros compensatórios, quanto aos exercícios económicos dos anos de 2014 e 2015.
Em primeiro lugar, invoca o vício de falta de fundamentação e violação do direito de audição, no âmbito da reclamação graciosa, referindo, em síntese, que a Requerida no projeto de indeferimento da reclamação graciosa não se pronunciou sobre a prova apresentada (documental e testemunhal) e, bem assim, que a prova não se pode limitar à prova documental e que o afastamento da prova testemunhal sempre teria de ser fundamentada, pelo que sustenta a nulidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
Em segundo lugar, a Requerente vem sustentar que o relatório da inspeção tributária padece de vícios que deveriam necessariamente afetar a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como as liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios. Entre esses vícios, a Requerente invoca, primeiro, a nulidade do procedimento inspetivo por violação de direito de audição, com a consequente nulidade de todos os atos subsequentes, nomeadamente, das liquidações adicionais. Segundo, por vícios do relatório de inspeção tributária, com a consequente viciação das liquidações adicionais e da decisão de reclamação graciosa.
Quanto ao primeiro, em síntese, refere que foi notificada, em 16.08.2018, para exercer o direito de audição prévia no prazo de 15 dias, mas que devido às férias da representante legal (gerente), bem como à dimensão do projeto de relatório da inspeção tributária, foi solicitada a prorrogação até ao seu regresso de férias (que apenas ocorreria a 21.09.2018), mas que apenas lhe foi concedido um prazo suplementar de 10 dias (passou de 15 dias para 25 dias). Entende a Requerente que tal prazo era insuficiente para o exercício efetivo do direito de audição, pelo que a não concessão de prorrogação do prazo fere de nulidade o procedimento de inspeção tributária, inquinando todos os atos subsequentes.
Quanto ao segundo, a Requerente divide as suas alegações entre as correções efetuadas ao ano de 2014, daquelas que se reportam ao ano de 2015. No que concerne ao ano de 2014, sustenta a discordância com a Requerida em não aceitar fiscalmente o gasto com a aquisição de uma máquina de lavar loiça, defendendo, pelo contrário, a sua necessidade para a lavagem dos instrumentos não descartáveis, bem como contesta a alegação da AT quanto ao local de descarga constante da fatura. Igualmente, sustenta a aceitabilidade fiscal de uns óculos como Equipamento de Proteção Individual.
Ainda neste segundo ponto, sustenta que as despesas de deslocações e estadas (refeições) correspondem na realidade a despesas de representação, ou seja, refeições que terão sido pagas aos seus fornecedores. Neste ponto sustenta ainda que eram pagas refeições a potenciais clientes da clínica, numa lógica de estratégia comercial de angariação e fidelização de clientes, sustentando a sua essencialidade para a obtenção de rendimentos futuros.
A requerente alega ainda a dedutibilidade fiscal do seguro de saúde, pelos riscos de saúde a que estão sujeitos e, quanto às despesas de limpeza e conforto alega que os produtos adquiridos se destinam, num caso ao embelezamento da clínica (flores), noutro referem-se a cafés, toalhas de mãos, gin e água tónica utilizados na clínica para serem fornecidos aos clientes, no primeiro e terceiro caso, e a serem utilizados nos gabinetes e casas de banho. Neste âmbito, sustenta que produtos como o gel de banho, sacos do lixo, resmas de papel de impressora e rolos de papel do TPA se encontram justificados como despesas fiscalmente elegíveis.
A Requerente alega que as despesas de farmácia desconsideradas se encontram justificadas, e passiveis de serem consideradas no âmbito da atividade desenvolvida, alegando tratar-se de cremes e outros produtos farmacêuticos utilizados na pele dos pacientes para evitar reações cutâneas, anti-inflamatórios para serem ministrados no pós-operatório, e produtos utilizados em procedimentos cirúrgicos mais longos ou não cirúrgicos.
Quanto às ajudas de custo, a Requerente entende que as mesmas se encontram justificadas, com fundamento que os mapas de ajudas de custo têm todos os elementos necessários, desde a motivação e percurso até às datas, número de kms, valores de km e a abonar o trabalhador, e ainda a identificação da viatura. Também, quanto à tributação autónoma, entende inexistir fundamentação sobre o modo como o valor constante para 2014 foi alcançado.
Por seu lado, quanto ao ano de 2015, a Requerente insurge-se contra a desconsideração fiscal de determinados gastos, nomeadamente de um fervedor de água vermelho usado em Prostodontia e o aspirador 2 em 1, que entende fundamentais ao funcionamento da clínica. Igualmente, entende que os produtos referentes a um painel vermelho e a um candelabro, são elementos decorativos da receção da clínica. Também, quanto aos piaçabas sustenta destinarem-se às casas de banho, bem como uma prateleira que se encontra na casa de banho. Quanto à televisão, cabelagem e suporte de teto sustenta que está ligada ao microscópio, em ordem a que os pacientes da clínica e a assistente possam acompanhar o tratamento que o médico está a realizar quando usa o microscópio. Por seu lado, alega que o lava-loiças e torneira desconsiderados, se encontram na clínica, bem como que a almofada e a manta, que são utilizadas tanto em cirurgias como em consultas normais. Por fim, sustenta a dedutibilidade fiscal dos gastos com a aquisição de suporte de papel higiénico e dois cabides de casa de banho.
No que concerne aos artigos de oferta, defende que o valor de 5.000 corresponde a 100 cartões presente, no valor unitário de € 50,00, do B..., para serem oferecidos a clientes, no âmbito de estratégia comercial. Igualmente, sustenta os artigos constantes da C... correspondem a artigos a oferecidos a clientes, no período de Natal, sustentando que a data da fatura isso mesmo evidencia.
No que respeita às refeições de 2015, a Requerente, conforme referido para 2014, volta a sustentar tratar-se de despesas de representação. Ademais, quando aos valores pagos para compensação de kms realizados por um dos sócios, defende que os mapas apresentados são efetivamente suficientes, para a aceitação fiscal do mencionado gasto. Igualmente, em 2015, quanto ao seguro de saúde, a Requerente reproduz a mesma linha de argumentação expedida quanto ao ano de 2014. Por último, volta a questionar a não aceitação das faturas de aquisição de café, cereais e bebidas, que sustenta fazerem parte da política de bem-estar dos seus clientes.
Em suma, alegando a falta de fundamentação da decisão da AT, a Requerente entende que as faturas emitidas por distintos fornecedores, sejam admitidas e consideradas como gastos (artigo 23º, n.º 1 do CIRC), para efeitos de apuramento do lucro tributável. Alega a Requerente que os referidos gastos estão comprovados e são indispensáveis para a realização dos rendimentos. A Requerente insurge-se assim contra a não admissão de alguns custos, juntando vários documentos (doc. 9 a 15) ao requerimento inicial para demonstrar a sua comprovação e indispensabilidade.
Por último a Requerente peticiona por fim o direito a juros indemnizatórios, por entender existir erro imputável à Requerida.
I.B. Na sua Resposta a AT, Invocou, em síntese, o seguinte:
A Requerida sustenta quanto à alegada violação do direito de audição, que a suspensão do prazo no direito de audição não está prevista no art.º 60.º da LGT, nem no RCIPT, pelo que foi concedida a prorrogação do prazo, nos termos previstos no n.º 6 do art.º 60.º da LGT. Ademais, neste ponto alega que o pedido da inquirição da testemunha arrolada pela Requerente foi aceite e foi o mandatário da Requerente notificado para o efeito, em 14.09.2018, tendo sido proposto no ofício, o dia 20 de Setembro, a qual foi ouvida, tendo-se apenas pronunciado acerca da aquisição da máquina de lavar e do televisor. Além, disso, sustenta que, também, em sede da reclamação graciosa, a Requerente exerceu o direito de audição, através de requerimento enviado pelo correio em 27.08.2019.
Por outro lado, a Requerida sustenta quanto às despesas desconsideradas fiscalmente, e contabilizadas em ferramentas e utensílios de desgaste rápido, isto é, a máquina de lavar loiça e os óculos, que a primeira não se insere diretamente no âmbito da atividade da empresa, bem como a mesma está titulada por fatura que não ostenta a morada da clínica, bem como a mesma não está classificada como ativo fixo tangível. Quanto ao segundo, sustenta que a fatura não está titulada em nome da sociedade.
Quanto às refeições do período de 2014, sustenta que a conta contabilística onde se encontra registada se destina não a despesas de representação, mas a despesas com alojamento, viagens e alimentação efetuadas por trabalhadores, quando se deslocam para longe do seu local de trabalho, ao serviço da empresa. Ademais, refere que não fez a Requerente a prova que lhe competia, nomeadamente, a identificação dos destinatários.
Quanto aos seguros de saúde, sustenta que a despesa apenas poderia ser considerada como um gasto de utilidade social, nos termos do artigo 43.º do CIRC, entendendo que o mesmo não cumpre com os requisitos legais, nomeadamente, com o requisito da generalidade, por só abranger os dois sócios.
Quanto aos gastos de limpeza, higiene e conforto, de 2014, a Requerida sustenta que o montante de € 36,75 foi aceite pela AT, ao contrário do que sucedeu com as faturas da D..., por não entender razoável aceitar gastos com Gin e água tónica, latas e frascos de grão-de-bico, óculos de leitura e cereais, por inexistência de qualquer relação com a atividade e os rendimentos da sociedade.
Quanto às despesas de farmácia, de 2014, alega que as explicações da Requerente entram em contradição com o que foi dito em sede de inspeção, não sendo plausíveis as explicações, na medida em que as mesmas foram efetuadas no interesse da sócia-gerente e não no interesse da sociedade.
Quanto às ajudas de custo, de 2014, a Requerida sustenta que era necessário que a Requerente comprovasse os encargos efetivamente suportados, quilómetros percorridos em viatura própria do trabalhador, através do mapa itinerário, sendo necessário dar a conhecer o motivo de deslocação; o percurso efetuado; a data em que foi efetuada a deslocação; o tempo de permanência; o número de quilómetros da deslocação; o valor atribuído por quilómetro; o valor total a receber pelo trabalhador; a identificação do beneficiário do abono; a identificação da viatura e seu proprietário. A AT entende que não é credível as deslocações, sustentando tal fundamentação no facto de não ter sido encontrada qualquer prova da mencionada deslocação, tais como, documento de receção e devolução da mercadoria, ou recibos de portagens pagos. Acresce ainda ao facto de na contabilidade não estar registada nota de crédito referente à devolução de material. Também não é indicado no mapa o tempo de permanência, nem a identificação do proprietário do veículo.
Quanto à tributação autónoma, sustenta que em face do quadro legal – artigo 88.º, n.º 3 e 5, do CIRC – a Requerente não apurou o valor correto das tributações autónomas, relativamente aos encargos pela utilização e posse da viatura.
Quanto aos gastos contabilizados na conta de ferramentas e utensílios de desgaste rápido, de 2015, sustenta que na fatura de aquisição do televisor LED ... à firma E..., Lda., consta como local de descarga a sede da empresa que é igualmente morada dos sócios da Requerente, em vez de ser a morada da Clínica (Av.., n.º..., ...-... Lisboa). Além disso, sustenta que o mesmo deveria ter sido classificado como ativo fixo tangível, bem como que no horário de funcionamento da clínica foi vedado o acesso das inspetoras para verificação da instalação no local. Ademais, refere que o alegado pela Requerente (doc. 11) se refere a um castiçal, quando a fatura se refere a um candelabro de chão.
Quanto aos gastos com artigos de ofertas, que a Requerida entende tratarem-se de despesas de caráter particular, bem como, não estar comprovado o destinatário das referidas ofertas e o facto da fatura do B... se referir a um cartão presente no montante de 5.000,00 e não a 100 cartões de € 50,00 cada.
Quanto ao gasto com refeições, de 2015, a AT sustenta que, para que um gasto seja fiscalmente aceite, de acordo com o n.º 1 do artigo 23º do CIRC, a empresa tinha que assegurar que se verificam em simultâneo dois requisitos: os gastos dedutíveis são suportados para obter rendimentos sujeitos a IRC; e o gasto terá de ser comprovado por documentos fidedignos emitidos nos termos do n.º 4 do artigo 23º do CIRC, documentos emitidos na forma legal. Nesse âmbito, sustenta não ficou demonstrado que o valor das refeições se relacionou com a realização de rendimentos sujeitos a imposto.
Quanto à compensação por kms realizados, de 2015, a Requerida sustenta que os mapas apresentados são insuficientes, uma vez que, a justificação para as deslocações “Ida e volta ao Laboratório”, “Ida e volta ao F...”, “Ida e volta ao G...”, etc. não são justificações suficientes.
Quanto aos gastos de limpeza, higiene e conforto, de 2015, a AT sustenta que as faturas da D... consta a aquisição de produtos como de vários tipos de Gin, água tónica, cafés, bagas de zimbro, licor, copos de Gin Tonic ... e gel acendalha, que entende serem compras que não estão relacionadas com a atividade da empresa, nem podem ser consideradas no interesse da empresa.
Em síntese, fundamenta que o lucro tributável se encontra influenciado por gastos que não visam a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, pelo que tais gastos não podem ser considerados para efeitos fiscais.
-
SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral é competente e encontrasse regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, al. a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Não há quaisquer questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.
Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.
-
MATÉRIA DE FACTO
III.A. Questões a decidir
-
Ilegalidade das liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios por vício de falta de fundamentação e violação do direito de audição.
-
Ilegalidade do procedimento inspetivo por violação de direito de audição.
-
Ilegalidade das correções aos gastos desconsiderados fiscalmente.
III.B. Factos provados
-
A Requerente foi sujeita a procedimento inspetivo por parte da Requerida, sobre os exercícios económicos de 2014 e 2015, que decorreu sob a Ordem de Serviços OI2018... .
-
No âmbito da referida ação inspetiva os Serviços da AT efetuaram diversas correções à matéria tributável declarada e ao valor da tributação autónoma, nomeadamente:
- Correções aritméticas aos custos declarados pela Requerente, em sede de IRC, no montante de € 5.140,28 relativamente ao exercício de 2014 e € 18.381,41 relativamente ao exercício de 2015; e
- Correções em sede de tributações autónomas nos montantes de € 161,52 relativamente ao ano de 2014 e de (-) € 307,50 nos exercícios económicos de 2014 e 2015.
-
Em 14 de agosto de 2018, a Requerida notificou a Requerente do Projeto de Correções do Relatório de Inspeção Tributária, através do ofício n.º..., para efeitos do exercício do direito de audição prévia.
-
Em 21 de agosto de 2018, a Requerida rececionou requerimento da Requerente com pedido de suspensão do prazo para o exercício de audiência prévia, com fundamento no período em que a representante legal desta estivesse de férias no estrangeiro.
-
A AT através do ofício de 24.08.2018 notificou a Requerente do despacho de alargamento do direito de audição prévia de 15 dias para 25 dias.
-
A Requerente exerceu o direito de audição prévia em 11.09.2018.
-
Em 18.09.2018, a AT notificou a Requerente, na pessoa do seu mandatário, da data e hora para a inquirição da testemunha arrolada em sede de audiência prévia.
-
Em 20.09.2018, pelas 15h30m a testemunha Dr. H... foi sujeita a inquirição na qualidade de testemunha arrolada pela Requerente.
-
Decorrente das correções efetuadas a Requerente foi notificada das liquidações adicionais acima referidas, nas quais de inclui o valor referente a juros compensatórios e de mora, bem como das demonstrações de acerto de contas, a saber:
- Liquidação n.º 2018..., relativa ao IRC de 2014, no montante a pagar de € 936,78, dos quais 67,50 correspondem a juros compensatórios e € 2,96 a juros de mora.
- Liquidação n.º 2018..., relativa ao IRC de 2015, no montante a pagar de € 4.118,31, dos quais 393,96 correspondem a juros compensatórios.
- Demonstração de acerto de contas, referente ao documento 2018... (compensação 2018...), relativa ao IRC de 2014, cujo saldo apurado a pagar correspondia ao montante € 571,23, com data-limite de pagamento em 2018-12-05.
- Demonstração de acerto de contas, referente ao documento 2018... (compensação 2018...), relativa ao IRC de 2015, cujo saldo apurado a pagar correspondia ao montante € 4.588,08, com data-limite de pagamento em 2018-12-06.
-
A Requerente procedeu pagamento das quantias de € 571,23 e de € 4.588,08, respetivamente, em 01.12.2018 e 04.12.2018.
-
A Requerente apresentou em 04 de abril de 2019 Reclamação graciosa, à qual foi atribuído o n.º ...2019... .
-
A Reclamação graciosa foi indeferida pela Requerida, do que notificou a Requerente em 17/10/2019 (ofício n.º...).
-
A Requerente, sociedade por quotas, tem por atividade o exercício de atividades de medicina dentária e odontologia, praticando, em exclusivo, atos médicos no ramo da medicina dentária.
-
Em 23.06.2014, foi passada em nome da Requerente a fatura FT AUD512/017925, constando como morada a Av. ..., n.º..., ..., o qual consta igualmente como morada de entrega, referente à aquisição de uma máquina de lavar loiça, no montante de € 299,00.
-
A clínica tem morada na Av. ..., n.º..., ...-... Lisboa.
-
Em 08.08.2014, foi passada fatura simplificada/recibo n.º VD20145090000335, a consumidor final, indicando o número de identificação fiscal não pertencente à requerente, referente à aquisição de uns óculos, no montante de € 19,90.
-
Do extrato de conta 6251 – Deslocações e estadas, encontravam-se registadas na contabilidade diversos gastos de refeições, nomeadamente, os referentes às seguintes faturas:
-
A Requerente tomou de seguro junto da I..., o produto Individual (seguro de saúde), correspondente à apólice ..., em que são pessoas seguras os Srs. J... e K... .
-
Em 2014 foram emitidos os seguintes documentos, referentes ao seguro referenciado:
-
Em 2014, entre o mais, a Requerente registou na conta 6267 – Limpeza, higiene e conforto as faturas seguintes:
-
A Fatura FS 2465, de 08.01.2014, da L..., Lda., no valor de 36,75, refere-se a flores variadas, cuja Requerida admitiu ser fiscalmente dedutível, e não constar da soma das correções de € 153,36.
-
A Fatura 12984, de 19.05.2014, da D..., S.A., no valor de 90,95, consta a compra de café, gin, toalhas de mão e água tónica.
-
A Fatura 26111, de 26.08.2015, da D..., S.A., no valor de € 62,41, consta a compra de Gel ... Massage, grão, cereais, bolachas ..., sacos do lixo, óculos de leitura.
-
Em 2014, entre o mais, a Requerente registou na conta 626801 despesas de farmácia, resultantes da aquisição dos seguintes produtos: Sebium ... CR 40 ml; Seractil Com. Rev. 400 mg x 30; Dormicum comp. 15 mg x 14; Fucidine CR 2% 15 G; Zaldiar Comp. Rev. 325/37,5 mg x 20; Ibuprofeno Alabesfal 600 mg 20 comp. rev.; e Niquitin CQ Clear R Sist. Transd 7 mg/24h, constantes das faturas seguintes:
-
Em 2014, consta registado na contabilidade na conta 6326 gastos com ajudas de custo, referente à trabalhadora M..., o montante de € 429,08
-
A Requerente elaborou mapa de ajudas de custo, resultando do mesmo a data da deslocação, kms percorridos, motivo da deslocação, local da deslocação, entidade a que se deslocou, valor por km e total a pagar.
-
Em 2014, a Requerente incorreu em gastos relacionados com viaturas automóveis no montante global de € 3.327,69, respeitante às seguintes verbas:
- Conservação e reparação de viaturas: € 1.528,46
- Combustíveis: € 827,09
- Portagens/Estacionamento: € 78,59
- Seguro Automóvel: €247,77
- Amortizações: € 625,00
- Impostos: 20,78
-
Em 2014, a Requerente apurou o montante de € 196,24 de tributações autónomas.
-
Em 2015, a Requerente contabilizou na conta 6231, diversos gastos com ferramentas e utensílios de desgaste rápido, nomeadamente, inscreveu gastos de € 2.850,21, referente à aquisição dos seguintes produtos:
- Fervedor de água vermelho (€ 19,99)
- Aspirador 2 em 1 (€ 49,99)
- Painel de Madeira vermelho (€ 49,95)
- Candelabro Chão (€ 174,95)
- Fortune oil, Good Luck Scrub e Happy Miste (€ 49,60)
- Piassaba e difusor (€ 46,70)
- Televisão, cabos e suporte (€ 2.065,47)
- Lava loiças e toneira (€ 153,97)
- Almofada e manta (€ 111,97)
- Porta rolo e cabides (€ 90,10
-
As referidas aquisições estão tituladas pelas seguintes faturas:
-
Em 2015, a Requerente contabilizou na conta 6234 – artigos para oferta – a aquisição de “cartão presente” no montante de € 5.000,00, em 31.12.2015, junto do B..., bem como diversos produtos de cosmética em 22.12.2015 na C..., Lda., no montante de € 145,00.
-
No ano de 2015, na conta 62513 – Refeições, encontram-se registadas na contabilidade diversos gastos de refeições, no montante de € 2.186,60, nomeadamente, as referentes às seguintes faturas:
-
Em 2015, a Requerente registou na contabilidade diversos gastos para compensação por deslocação em viatura própria (kms), nos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, agosto, setembro, outubro, setembro, novembro e dezembro, percorridos pelo sócio J..., no montante global de € 6.150,00, conforme o quadro seguinte:
-
A Requerente apresenta na contabilidade mapas mensais, de onde resulta a indicação do dia da deslocação, local de destino, justificação, número de kms, valor por km, total de kms, total recebido e a identificação da viatura.
-
Em 2015 foram emitidos os seguintes documentos, que totalizam o valor de € 1.576,59, referentes ao seguro de saúde existente junto da I..., correspondente à apólice ..., em que são pessoas seguras os Srs. J... e K...:
-
Em 2015, entre o mais, a Requerente contabilizou o montante de € 473,01 como gastos da conta 6267 (limpeza, higiene e conforto), resultantes da emissão de 3 (três) faturas da D..., S.A., de onde consta a aquisição, entre outros, dos seguintes bens/produtos:
- Águas tónicas
- Lixivia
- CIF
- Geleia
- Gin
- Caixa de 5 resmas de papel
- Café
- Adoçante
- Copos para café
- Copos de sumo
- Gel acendalha
- ... Amoniacal
-
A existência na clínica dos seguintes bens: fervedor de água vermelho (cfr. Doc. 9 – Requerimento Inicial); aspirador 2 em 1 (doc. 10 – Requerimento Inicial); de um castiçal (cfr. Doc. 11 – Requerimento Inicial); piaçabas (Cfr. Doc. 12 - – Requerimento Inicial); a televisão, suporte e cabelagem (Cfr. Doc. 13 – Requerimento Inicial); lava-loiças e torneira (Cfr. Doc. 14 – Requerimento Inicial); e a almofada e a manta (cfr. Doc. 15 – Requerimento Inicial).
-
Não existiu segunda tentativa de visita ao local da clínica.
III.C. Factos dados como não provados
Sendo certo que nesta sede não importa atender aos juízos conclusivos e considerações de direito que oportunamente serão apreciados, o Tribunal considerou como não provados os seguintes factos:
- Que os Serviços da Autoridade Tributária tenham sido definitivamente impedidos de aceder às instalações da Requerente.
III.D. Motivação da matéria de facto
Na decisão sobre a matéria de facto o Tribunal Arbitral formou a sua convicção com base na análise global e crítica da prova documental, tendo em consideração as regras gerais do ónus da prova, bem como pelas regras da experiência comum.
Quanto à matéria dada como provada atendeu-se:
- Os factos que constam dos números 1 e 2 são dados por assentes por acordo das partes e porque resultam dos documentos n.º 1 a 6 do requerimento inicial, bem como constante do processo administrativo.
- Os factos que constam dos números 3 a 8 são dados como provados por força dos documentos constantes do processo administrativo, junto aos autos pela Requerida.
- Os factos que constam dos números 9 a 13 são dados por assentes por acordo das partes e porque resultam dos documentos n.º 1 a 4 do requerimento inicial, bem como constante do processo administrativo.
- Os factos que resultam dos números 14 a 16 são dados como provados por força dos documentos constantes no anexo II, do relatório final de inspeção tributária, pp. 46 a 50, junto com o processo administrativo.
- Os factos que resultam dos números 17 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo III, do relatório final da inspeção tributária, pp. 51 a 115.
- Os factos que resultam dos números 18, 19 e 35 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo IV, do relatório final da inspeção tributária, pp. 116 a 126.
- Os factos que resultam dos números 20 a 23 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo V, do relatório final da inspeção tributária, pp. 127 a 132.
- Os factos que resultam dos números 24 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo VI, do relatório final da inspeção tributária, pp. 133 a 140.
- Os factos que resultam dos números 25 e 26 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo VII, do relatório final da inspeção tributária, pp. 141 a 143.
- Os factos que resultam dos números 27 e 28 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo VIII, do relatório final da inspeção tributária, pp. 144 a 146.
- Os factos que resultam dos números 29 e 30 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo IX do relatório final da inspeção tributária, pp. 147 a 156.
- Os factos que resultam dos números 31 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo X, do relatório final da inspeção tributária, pp. 157 a 159.
- Os factos que resultam dos números 32 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo XI, do relatório final da inspeção tributária, pp. 160 a 212.
- Os factos que resultam dos números 33 e 34 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo XII, do relatório final da inspeção tributária, pp. 213 a 225.
- Os factos que resultam do número 36 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo XIII, do relatório final da inspeção tributária, pp. 226 a 230.
- Os factos que resultam do número 37 são dados como por provados por força dos documentos n.ºs 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 do requerimento inicial, bem como o facto constante do n.º 38 é dado por provado com fundamento do processo administrativo, bem como pelo doc. 16 do requerimento inicial.
Quanto à matéria dada como não provada atendeu-se:
- À documentação junta pela requerente (doc. 16), bem como o facto dos documentos e alegações da Requerida ser manifestamente insuficiente para permitir uma decisão diferente.
Não existem quaisquer outros factos não provados relevantes para a decisão da causa.
IV.DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO SUBJACENTE AOS PRESENTES AUTOS
-
Da Ilegalidade das liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios por vício de falta de fundamentação e violação do direito de audição; e da Ilegalidade do procedimento inspetivo por violação de direito de audição.
Preliminarmente, veio a requerente invocar, em primeira linha de impugnação, a violação do direito de audiência no procedimento inspetivo, com base em distintos fundamentos jurídicos, que sustenta conduzir à nulidade do procedimento inspetivo e, bem assim, em última instância das liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 2014 e 2015. Como fundamentos sustenta, por um lado, a existência de vício de falta de fundamentação e violação do direito de audição, no âmbito da reclamação graciosa e, por outro, a violação do direito de audição no âmbito do procedimento inspetivo.
Para tanto, sustenta a sua pretensão com base no artigo 69.º, al. e), do CPPT, que estabelece que “São regras fundamentais do procedimento de reclamação graciosa: e) Limitação dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham, sem prejuízo do direito de o órgão instrutor ordenar outras diligências complementares manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material”. E, bem assim, no artigo 58.º da LGT, que estabelece que “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.
No que concerne às violações do direito de audição, a Requerente qualifica tal invalidade como correspondendo a uma nulidade. Porém, não assiste razão à Requerente, visto tratar-se de uma mera anulabilidade, tal como foi entendimento na decisão arbitral 411/2014-T, segundo a qual, “a Requerente não indica qualquer norma que sustente a invocada nulidade, sendo certo que a regra, nos procedimentos de natureza administrativa, é a anulabilidade, conforme decorre do artigo 135.º, do CPA, aplicável ao procedimento tributário por remissão do artigo 2.º/d) do CPPT. Não obstante, sendo a invalidade em causa de natureza procedimental, e tendo em conta o disposto no artigo 54.º do CPPT, sempre será a mesma cognoscível nesta sede”.
Pelo que, se passa a apreciar a ocorrência das pretensas Ilegalidades.
A Requerente vem sustentar o vício de falta de fundamentação e violação do direito de audição, no âmbito da Reclamação graciosa, referindo, em síntese, que a Requerida no projeto de indeferimento da Reclamação graciosa não se pronunciou sobre a prova apresentada (documental e testemunhal) e, bem assim, que a prova não se pode limitar à prova documental e que o afastamento da prova testemunhal sempre teria de ser fundamentada, pelo que sustenta a nulidade da decisão de indeferimento da Reclamação graciosa.
Porém, não assiste razão à Requerente, uma vez que a mesma foi notificada para exercer o direito de audição prévia, conforme resulta do ofício n.º ..., de 09.08.2019, por carta registada com o registo n.º RH...PT, tendo a mesma exercido o direito que lhe assistia em 27.08.2019. Ademais, da informação que sustenta e acompanha o projeto de indeferimento da Reclamação graciosa pondera adequadamente as alegações da Requerente, o que implicitamente teve em consideração toda a prova por esta junta aos autos, pelo que nesse ponto nada se pode apontar à atuação da Requerida. Nesse contexto, essa informação refere inclusivamente que “Em sede de reclamação graciosa, a reclamante não apresentou documentos diferentes dos obtidos pelos SIT, que comprovassem a imprescindibilidade dos gastos para obtenção de rendimentos futuros, cabendo-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que alega, nos termos do nº1 do artigo 74º da LGT “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, o que não se verifica no caso em apreço, ficando, assim, demonstrado a existência de erros ou inexatidões, suscetíveis de correção fiscal.”.
Assim, tendo em consideração as regras de fundamentação das atos administrativo-tributários, a Requerida fundamentou adequadamente a sua decisão, em face do disposto no artigo 77.º, da Lei Geral Tributária, que estabelece que “A decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração e concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”. Acresce que nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal “a fundamentação dos actos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos atos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”. No caso em apreço a AT atuou em conformidade ao que se deixa transcrito da lei, nada havendo a censurar. Tal não significa que a Requerida tenha razão na sua fundamentação, mas, tão só, que do ponto de vista formal fundamentou a sua decisão, tanto no âmbito do relatório final de inspeção tributária, como no âmbito do procedimento de Reclamação graciosa.
Quanto a este argumento avançado pela contribuinte, cumpre-nos referir que é patente em face do articulado da Requerente que a mesma compreendeu, na íntegra, os diversos motivos fácticos que determinaram as correções aritméticas propostas pela AT no Relatório de Inspeção e no indeferimento da Reclamação graciosa (e respetivos projetos de decisão). Na verdade, as divergências existentes entre a AT e a Requerente, são, como resulta do processo, questões de Direito. Desta feita, não nos parece ocorrer aqui qualquer vício de falta de fundamentação, tendo a AT expresso, de forma clara, o percurso lógico, fáctico e jurídico, que determinou as correções que propôs.
Improcede, pois, este argumento aduzido pela contribuinte.
Ademais, no âmbito do procedimento inspetivo necessariamente ter-se-á de chegar à mesma conclusão, não assistindo razão à Requerente nos vícios que aponta à decisão, nomeadamente, a violação do direito de audição. Efetivamente, não assiste razão à Requerente quando alega que devido às férias da representante legal (gerente), bem como à dimensão do projeto de relatório da inspeção tributária, foi solicitada a suspensão até ao seu regresso de férias (que apenas ocorreria a 21.09.2018), mas que apenas lhe foi concedido um prazo suplementar de 10 dias (passou de 15 dias para 25 dias). Entende a Requerente que tal prazo era insuficiente para o exercício efetivo do direito de audição, pelo que a não concessão de prorrogação do prazo fere de nulidade o procedimento de inspeção tributária, inquinando todos os atos subsequentes.
Ora, note-se que aquilo que a Requerente solicitou foi uma suspensão, a qual não encontra cabimento legal tanto na Lei Geral Tributários como no regime legal que regula a atividade da Inspeção Tributária, pelo que apenas era lícito à entidade administrativa equacionar a prorrogação do prazo. Na realidade, não nos podemos esquecer que a atuação dos Serviços de Inspeção Tributária está sujeita ao princípio da legalidade, pelo que atuou esta em conformidade com as possibilidades que a lei lhe permitia. E, nesse contexto, deferiu o pedido de prorrogação para o máximo que está legalmente previsto.
Efetivamente, resulta do artigo 60.º, n.º 6, da LGT, que “o prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até ao máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria”. Pelo que foi concedido o prazo máximo admitido por lei, não parecendo justificável que outra pudesse ser a solução, nem que os motivos invocados pela Requerente justificassem outra solução. Portanto, tem razão a requerida quando sustenta que a suspensão do prazo para o direito de audição não está prevista no art.º 60.º da LGT, nem no RCIPT, pelo que apenas lhe poderia ser concedida a prorrogação do prazo, nos termos previstos no n.º 6 do art.º 60.º da LGT acima transcrito. Acresce que a Requerente não ficou impedida de exercer o correspondente direito de audição, tendo-o efetivamente exercido.
Ademais, como bem refere a Requerida, inclusivamente, a diligência requerida de inquirição de uma testemunha foi deferida, uma vez que em 14.09.2018, propôs o dia 20 de Setembro de 2018 para a audição da mesma, conforme resulta do Relatório da Inspeção. Na realidade, consagrou um ponto exclusivamente para a audição da testemunha (“IX.3.1- Direito de audição- Audição de testemunha”). Ademais, ao contrário do que sustenta a Requerente, este testemunho foi considerado, caso contrário, não teria a Requerida decidido, com o objetivo de descobrir a verdade, diligenciar no apuramento da existência de determinados bens na Clínica.
Em suma, ter-se-á necessariamente de concluir pela improcedência dos vícios de nulidade (ou anulabilidade) por falta de fundamentação e violação do direito de audição no âmbito da reclamação graciosa, bem como do mesmo vício de violação do direito de audição no procedimento inspetivo.
-
Da ilegalidade das correções aos gastos desconsiderados fiscalmente.
Importa, por fim, analisar a legalidade das correções efetuadas no IRC dos exercícios de 2014 e 2015, sendo certo que a maioria das correções decorrem de uma concreta questão de direito, resultante da interpretação e aplicação do artigo 23.º, do CIRC. Isto é, deparamo-nos, no presente processo, essencialmente, com a análise jurídica do que se dispõe no art.º 23.º, n.º 1 e 2 do CIRC, o qual passamos a transcrever, com a redação em vigor à data dos factos:
1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:
a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;
b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;
d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida, doença ou saúde, e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;
e) Os relativos a análises, racionalização, investigação, consulta e projetos de desenvolvimento;
f) De natureza fiscal e parafiscal;
g) Depreciações e amortizações;
h) Perdas por imparidade;
i) Provisões;
j) Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros;
k) Perdas por reduções de justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;
l) Menos-valias realizadas;
m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.
Dita o citado preceito que, para que um determinado gasto de uma pessoa coletiva, possa ser deduzido em sede de IRC, terão de verificar-se dois pressupostos: a) A comprovação desse gasto; b) A indispensabilidade do mesmo para o exercício da atividade da pessoa coletiva em questão.
No essencial, trata-se aqui de averiguar acerca da verificação, ou não, dos pressupostos do art.º 23.º do CIRC conforme acima referido. Ou seja, impõe-se averiguar por um lado se as despesas estão devidamente comprovadas e, num segundo momento, se as mesmas são indispensáveis, ou não, à atividade da contribuinte. Cabe, ainda assim, apurar se se verifica o pressuposto da indispensabilidade exigido pelo art.º 23.º do CIRC e, assim, determinar se este custo pode ser deduzido pela contribuinte em sede de IRC. Ora, a indispensabilidade de determinado custo, nos termos do art.º 23.º do CIRC, depende de uma tarefa de qualificação jurídica desses custos, correlacionando-os com o escopo social da contribuinte.
Trata-se, pois, de uma análise que cabe ao julgador e à qual a contribuinte deve colaborar procurando enquadrar esse custo com a sua atividade, explicando a motivação inerente à realização do custo e os objetivos que se propõe atingir com ele.
Nesse sentido, vide António Moura Portugal, in “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, Coimbra Editora, página 275: “Começamos por deixar expresso o nosso entendimento: a invocação do ónus da prova em questões relacionadas com a necessidade do custo, não tem qualquer pertinência, dado que o que está em discussão é uma questão de qualificação de um gasto como indispensável. Trata-se de um juízo ou operação de qualificação (questão de direito) que os Tribunais têm de decidir, sem que para tal possam repousar apenas no papel mais ou menos activo do contribuinte. E o que se retira das decisões jurisprudenciais analisadas? Que não basta ao contribuinte provar a realidade do gasto e respectiva contabilização.”(…).
E,
“Daí que manifestemos a nossa concordância com as palavras de Vítor Faveiro, quando refere a necessidade de comprovação não se reporta à indispensabilidade dos custos, mas sim à efectividade da realização destes. A indispensabilidade não é, pois, susceptível de prova” Por isso mesmo, na nossa opinião, faz mais sentido falar aqui num dever de motivação ou “explicação acerca da congruência económica da operação”, em vez de verdadeiro ónus da prova” Vide Op. Cit, pg. 276.
Ou seja, afigura-se-nos que o mero facto de um dado custo estar alegado pelo contribuinte, e existir um suporte documental, não pode determinar, por si só, a sua aceitação como custo dedutível. É necessária uma subsequente tarefa, por parte do julgador, de apuramento sobre se esse custo é ou não indispensável à atividade prosseguida pelo contribuinte.
Também nesse sentido vide Rui Duarte Morais, In “Apontamentos ao IRC”, Editora Almedina, páginas 88 a 90: “Já vimos que a questão da “indispensabilidade” de um custo é um problema de qualificação (questão de direito), pelo que, rigorosamente, aqui não se coloca um qualquer problema de ónus da prova.(…) (…) De seguida, salientaremos que a recusa, pela administração, da aceitação fiscal de um determinado custo pela invocação de ser desnecessário não põe em causa a verdade da escrita do sujeito passivo, mas apenas a qualificação por ele feita (em sede de apuramento do lucro) desse custo (que se aceita ter, realmente, existido). Daí que tal não aceitação não legitime o recurso a métodos de avaliação indirecta, mas tão só aquilo que, normalmente, se chama de “correcções técnicas” da matéria colectável declarada.(…) (…) E aqui, segundo entendemos, cabe-lhe o ónus da alegação até porque, de outra forma, tais factos dificilmente serão conhecidos.”(…)
Também, em sentido concordante, vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10-02-2009, processo n.º 02469/08, disponível www.dgsi.pt, página 13: “Sendo assim, a questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (arts. 78º do CPT e 75º da LGT) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível.”(…).
Finalmente, também no mesmo sentido, vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 04-06-2013, processo n.º 06478/13, disponível www.dgsi.pt: “IV) Competindo ao contribuinte ónus da prova da veracidade das operações em causa, não lhe basta criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o art. 100º do CPPT não tem aplicação.”(…).
Sucede que, no caso em apreço, a AT avança indícios acerca da não indispensabilidade dos diversos custos descritos na matéria de factos. Nesse contexto, quanto a esses custos, competia ao contribuinte (Requerente) afastar esses indícios, o que se entende não ter sido conseguido na totalidade, mas apenas parcialmente, uma vez que lhe cabia esse ónus. Designadamente, fica sem explicação cabal e verosímil um conjunto de gastos documentados na contabilidade.
Parte destes indícios, apesar das tentativas da contribuinte em afastá-los, mantêm-se atuais e pertinentes na data presente. A prova destes factos cabia à requerente. Nos termos do artigo 414.º, do CPC, em caso de dúvida, resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita. Pelo exposto, não tendo a contribuinte conseguido afastar a totalidade dos indícios, não podemos aceitar que os custos relacionados com determinadas faturas possam ser aceites como dedutíveis em sede de IRC.
-
Quanto à não aceitação como gastos dedutíveis no exercício económico de 2014
Estamos aqui perante a questão, já anteriormente abordada, da análise se estarão verificados os pressupostos previstos no art.º 23.º do CIRC para que os infra referidos custos possam ser deduzidos no respetivo exercício em sede de IRC. Impõe-se, pois, determinar se os custos estão por um lado devidamente comprovados e, de seguida, se eram indispensáveis à procura de obtenção de proveitos pela contribuinte. Impõe-se, quanto a este aspeto, analisar os documentos de suporte destas despesas oferecidos pela contribuinte um a um, apurando-se, em concreto, relativamente a cada uma, da sua admissibilidade, ou não, como custo dedutível. Assim,
FERRAMENTAS E UTENSILIOS DE DESGATE RÁPIDO
Quanto ao gasto da máquina de lavar loiça, titulada pela fatura “FT AUD512/017925”, de 23 de junho de 2014, a mesma encontra-se comprovada por fatura. Contudo, resulta da mencionada fatura a referência a lugar de descarga que não coincide com as instalações da clínica, que apesar de coincidir com a sede da Requerente é, em simultâneo, a residência da sócia e gerente, a que acresce o facto da documentação referir a pessoa singular como cliente, e não a pessoa coletiva. Ora, todos estes factos indiciam que o gasto comprovado não ter sido efetuado no interesse da Requerente.
Faz-se notar que a Requerente juntou fotografias de vários dos bens que sustenta existirem na clínica, mas não juntou deste equipamento o que indicia igualmente a sua inexistência neste local, para além de não ser verosímil a sua utilização na atividade em concreto.
Pelo que se não aceita o valor desta fatura como gasto, pelos motivos referidos e indícios que a AT apresentou, e que a Requerente não logrou afastar.
No que concerne à aquisição dos óculos, titulada pela fatura simplificada/recibo n.º VD20145090000335, no valor de € 19,90, da mesma não consta a identificação do adquirente, bem como o número de identificação fiscal constante da mesma não coincide com o da requerente. Em conformidade, com o artigo 23.º, n..º 3, do CIRC, estabelece que “Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. Por seu lado, o n.º 4 da identificada disposição legal estabelece que “No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;(...)”. Portanto, a inexistência da identificação do adquirente, bem como a inclusão de número de identificação fiscal que não lhe pertence, conduz necessariamente à não aceitabilidade do gasto fiscal.
Pelo que se não aceita o valor destas faturas como gasto, pelos motivos referidos.
DESLOCAÇÕES E ESTADAS (REFEIÇÕES)
No que respeita ao montante global de refeições no montante global de € 2.688,75, as mesmas foram registadas na contabilidade sob a conta 6251, a qual não diz respeito à conta no âmbito do qual são representadas as despesas de representação. Sendo certo que os gastos estão devidamente comprovados pelas respetivas faturas, em conformidade com a articulação do artigo 23.º, n.º 1 com os números 3 e 4 da mesma disposição legal, tornava-se ainda necessário demonstrar que os mesmos eram indispensáveis à procura de obtenção de proveitos pela contribuinte. Nesse contexto, e em face dos indícios de que tais gastos não cumpriam tal objetivo, a Requerente veio sustentar que os mesmos diziam respeito a despesas de representação. Contudo, a Requerente não apresenta prova desses factos, designadamente não comprovou os beneficiários de tais gastos, sejam eles fornecedores ou clientes.
Assim sendo, não cumpriu o necessário ónus da prova, que pudessem afastar os indícios recolhidos pela AT, nomeadamente a classificação contabilística a que tais despesas foram sujeitas. Pois, conforme resulta do Acórdão do TCAS, de 20.02.2020, proferido no processo 390/06.1BESNT, que “No que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar, fundamentadamente, essa indispensabilidade”. Pelo que não apresentando sequer a lista dos clientes e fornecedores beneficiários, não cumpriu o respetivo ónus que lhe competia. Pois, ao pretender alegar coisa distinta que resultava da classificação contabilística, fundamento que sustenta o questionamento da AT, aquele competia demonstrar tratar-se efetivamente de despesas de representação e, bem assim, da sua indispensabilidade.
Pelo que se não aceita o valor das faturas como gasto fiscal, pelos motivos referidos.
SEGURO DE SAÚDE
Conforme resulta da matéria de facto, a Requerente tomou de seguro junto da I... um seguro de Saúde, a que corresponde a apólice ..., que segura unicamente os sócios J... e K..., implicou um gasto global de € 1.479,71 (em 2014). Assim, o referido seguro não abrangia a totalidade dos trabalhadores/colaboradores da Requerente. Neste âmbito, a Requerida entende estar em causa um benefício de utilidade social, mas que alega não poder ser utilizado, por no caso em apreço não ter aplicação geral a todos os trabalhadores/colaboradores.
A Requerente não juntou aos autos elementos que comprovem os encargos em causa, que os permitam ver no âmbito do artigo 23.º, e não do artigo 43.º, ambos do CIRC. A correção em causa impõe o tratamento como realizações de utilidade social, subsumível ao preceito do artigo 43.º do CIRC. O ataque à bondade da correção e da qualificação jurídica em causa suporia atividade probatória desenvolvida no sentido de concretizar os termos em que foram realizadas as despesas em causa, tendo em vista a sua caracterização como custos efetivos e indispensáveis à formação de proveitos, os quais pela sua permanência, regularidade e efetividade e indispensabilidade afastariam a sua caracterização como realizações de utilidade social.
Sem a referida comprovação a caracterização pretendida incorre em petição de princípio, pois que o eventual erro na subsunção, supõe o esclarecimento da premissa fáctica de que se parte. É esta falta de comprovação em concreto dos termos em que foram realizadas as despesas em apreço que foi objeto de censura por parte da sentença, juízo que a recorrente não logra inverter.
A este propósito, dir-se-á que a dedutibilidade dos custos previstos no artigo 23.º do CIRC, dado que são necessários para a formação dos proveitos depende da demonstração por parte do contribuinte de especiais requisitos, como sejam a efetividade e a indispensabilidade. Por seu turno, a dedutibilidade dos custos previstos no artigo 43.º, do CIRC, depende da sua efetividade e da sua relação com os mecanismos de proteção social dos trabalhadores da empresa, depende também da sua consagração em instrumentos de regulação coletiva do trabalho e de que a sua concessão obedeça a critérios objetivos e idênticos para todos os beneficiários. Subjacente à intenção normativa de ambos os preceitos está o princípio constitucional da tributação do rendimento real das empresas. No caso do preceito do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, a dedutibilidade do custo prende-se com a relação de causalidade do mesmo com a geração dos proveitos, no caso do preceito do artigo 43.º, do CIRC, a dedutibilidade do custo prende-se com a garantia da proteção social do trabalhador e do seu agregado familiar assegurada pela empresa, no quadro dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho. São tipologias de custos diferentes, os quais justificam um regime de dedutibilidade também diferente, nos termos legais.
Em suma, o referido contrato de seguro não cumpriu os requisitos previstos no Código do IRC, pois os benefícios não foram estabelecidos segundo um critério idêntico para todos os trabalhadores. Por isso, os gastos suportados com esses contratos de seguros não são fiscalmente dedutíveis.
DESPESAS DE LIMPEZA, HIGIENE E CONFORTO
Em causa estavam três faturas, descrita no n.º 18 da matéria dado como provada, do qual na resposta a Requerida refere ter aceitado o gasto de € 36,75, e que o mesmo embora constando do relatório de inspeção tributária, não foi efetivamente somado. Assim, estão em causa apenas as duas faturas emitidas pela D... S.A., no valor global de € 153,36, do qual consta a aquisição de produtos/bens dos seguintes produtos: Gel ... Massage; grão; cereais; bolachas...; sacos do lixo; resma de papel; rolos de papel TPA; óculos de leitura; café; gin; toalhas de mão; e água tónica.
Uma vez mais, embora os gastos estejam documentalmente comprovados, havia a necessidade a Requerente demonstrar a indispensabilidade dos gastos para os rendimentos gerados, não se apresentando como verosímil que grande parte dos gastos aqui descritos possam ser admitidos. Ora, não se duvida que uma clínica ofereça aos seus clientes café, mas já não se pode admitir, por exemplo, o fornecimento de produtos com Gin e cereais, pelo que os argumentos apresentados não têm a força probatória para afastar os indícios recolhidos por parte dos Serviços da Inspeção Tributária.
Pelo exposto, apenas se considera justificado a aquisição de café (€ 23,55); toalha de mão (€ 15,20); sacos do lixo (€ 8,99); Resmas de papel (€ 7,40); rolos de papel TPA (€ 2,90), totalizando um valor global de € 58,04, pelo que nesta parte é procedente o pedido arbitral, sendo improcedente o restante.
DESPESAS DE FARMÁCIA
No que respeita à aquisição de produtos farmacêuticos, no montante de € 70,48, relativamente à aquisição dos seguintes produtos: Sebium ... CR 40 ml; Seractil Com. Rev. 400 mg x 30; Dormicum comp. 15 mg x 14; Fucidine CR 2% 15 G; Zaldiar Comp. Rev. 325/37,5 mg x 20; Ibuprofeno Alabesfal 600 mg 20 comp. rev.; e Niquitin CQ Clear R Sist. Transd 7 mg/24h, a Requerente alega esses produtos são indispensáveis e que portante se encontram justificados ao abrigo do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.
Na realidade, em face do alegado torna-se verosímil que efetivamente os referidos gastos possam efetivamente ter sido utilizados no tratamento de clientes, pelo que não se vislumbra razão para não aceitar os referidos gastos como dedutíveis fiscalmente. Ademais, os indícios apresentados pela AT não são fundamente suficientes para que se questione a sua dedutibilidade.
Pelo que neste ponto, parece haver uma efetiva e estreita relação entre a atividade da requerente e a utilização doa fármacos em questão no tratamento dos doentes, como seja, no aliviar da dor.
Contudo, relativamente à aquisição do Fucidine CR 2% 15 G, titulado pela fatura “N.VSQ/13847, de 04.09.2014, a mesma não poderá ser tida em consideração, por da mesma não consta a identificação do adquirente, bem como o número de identificação fiscal. Em conformidade, com o artigo 23.º, n..º 3, do CIRC, estabelece que “Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. Por seu lado, o n.º 4 da identificada disposição legal estabelece que “No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;(...)”.
Portanto, a inexistência da identificação do adquirente, bem como a não inclusão de número de identificação fiscal, conduz necessariamente à não aceitabilidade do gasto fiscal.
Pelo que se considera parcialmente procedente o pedido da Requerente quanto a este concreto gasto, apenas não se aceitando a referida fatura “N.VSQ/13847, de 04.09.2014.
AJUDAS DE CUSTO
No que concerne às ajudas de custo, verifica-se a existência de um gasto de € 429,08, o qual vem titulado por um mapa de suporte. Contudo, os Serviços da inspeção tributária sustentam a existência de indícios que confirmam não se tratar de um gasto real. Na realidade, é questionado o facto de não existir para além do mapa de suporte outros documentos comprovativos da deslocação, nomeadamente, portagens, despesas de refeição, combustível, bem como nota de crédito referente à devolução de material. Efetivamente, sendo a Requerente de Lisboa e a deslocação até Gondomar não é verosímil que, a ter ocorrido a viagem, não tenha existido a passagem por portagens, bem se houve uma devolução de mercadoria, que não tenha existido a emissão de uma fatura.
Em face do exposto, quanto ao entendimento da doutrina sobre o ónus da prova, haverá que reconhecer os indícios suficientes da AT, para que o ónus tenha passado a recair sobre a Requerente. Assim, não tendo sido apresentados nenhum dos seguintes documentos, necessariamente ter-se-á de dar por não demonstrado os elementos constantes do mapa de ajudas de custo.
Pelo que se não aceita o valor do mapa de ajudas de custo como gasto fiscal, pelos motivos referidos.
TRIBUTAÇÕES AUTÓNOMAS
No ano de 2014, a Requerente apurou um montante de ajudas de custo de € 196,24, porém, a autoridade tributária alega ter existido erro de cálculo. Efetivamente, existiu erro de cálculo, pois, o resultado dos encargos com a viatura automóvel ascende a € 3.327,69, respeitante aos seguintes encargos: conservação e reparação de viaturas (€ 1.528,46); combustíveis (€ 827,09); portagens/estacionamento (€ 78,59); seguro Automóvel (€247,77); amortizações (€ 625,00) e
impostos: 20,78.
Assim sendo, de acordo com o artigo 88.º, n.º 3 do CIRC (redação dada pela Lei 2/2014, de 16 de janeiro) estabelece que:
3. São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos ou motociclos, excluindo veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, às seguintes taxas:
a) 10% no caso de viaturas com custo de aquisição inferior a (euro) 25.000;
b) 27,5% no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 25.000 e inferior a (euro) 35.000
c) 35% no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 35.000.
Por seu lado, refere o n.º 5, da identificada disposição legal, quanto à definição dos encargos relacionados com viaturas de passageiros que: “5. Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização”.
No caso em apreço, haveria que aplicar de forma conjugada o artigo 88.º, n.º 3, al. a) com o artigo 88.º, n.º 5, ambos do CIRC.
Portanto, em face dos elementos constantes do processo administrativo, quanto aos gastos relativos ao referido veículo automóvel, o valor da tributação autónoma ascendia a € 357,76 (€ 3.577,58 x 10%). Assim, tendo o valor inscrito na Declaração Mod. 22, de 2014, sido somente o valor de € 196,24, tem razão a Requerida quanto à necessidade de acrescer o montante de € 161,52.
Pelo que improcede o pedido da Requerente quanto a esta matéria.
-
Quanto à não aceitação como gastos dedutíveis no exercício económico de 2015
FERRAMENTAS E UTENSILIOS DE DESGASTE RÁPIDO
No que concerne aos gastos contabilizados sob a conta de ferramentas e utensílios de +desgaste rápido, verifica-se a existência dos seguintes gastos no montante global de € 2.850,21: fervedor de água vermelho; aspirador 2 em 1; painel de madeira vermelho; candelabro de chão; Fortune oil, Good Luck Scrub; piaçabas; televisão, cabos e suporte; lava-loiças e torneira; manta e almofada; porta-rolo e cabides.
A AT sustentou que as referidas aquisições de bens não contribuíram para a formação dos rendimentos sujeitos a IRC, entendendo tais rendimentos como gastos de caráter particular e não ligados à atividade da empresa. Por seu lado, a Requerente sustentou a indispensabilidade dos referido bens adquiridos. Nesse âmbito, a Requerente juntou aos autos fotografias, não impugnadas, quanto à existência na clínica de vários desses bens, nomeadamente, do fervedor de água vermelho, do aspirador 2 em 1, dos piaçabas, da televisão, suporte e cabelagem, do lava loiças e torneira, e da almofada e manta.
Em face dos elementos constantes dos autos, da prova produzida pela Requerente e, bem assim, em face do previsto no artigo 23.º, n.º 1 e 2, do CIRC, é entendimento deste tribunal de tudo que se deixa dito quanto à doutrina e jurisprudência relacionada com o referido dispositivo legal, que será de admitir a dedutibilidade dos seguintes bens, atenta a demonstração da sua existência e indispensabilidade para a atividade da Requerente. Com esse enquadramento será de decidir o pedido favoravelmente quanto aos seguintes bens/produtos: fervedor de água vermelho; aspirador 2 em 1; piaçabas; televisão, cabos e suporte; lava-loiças e torneira; manta e almofada; porta-rolo e cabides, que no seu conjunto perfazem o montante de € 2.538,19.
De referir que não se encontra justificação plausível, quanto ao critério da indispensabilidade, em particular para os produtos cosméticos, o painel e o candelabro de chão, uma vez que a fotografia junto aos autos não corresponde ao bem constante da fatura.
Pelo que se não aceita o valor desta fatura como gasto, pelos motivos referidos.
ARTIGOS PARA OFERTA
No que concerne aos artigos para oferta, respeitante a duas faturas, que na sua globalidade totalizam o montante de € 5.145,00, sustenta a AT que correspondem a € 5.000,00, respeita à aquisição de um cartão presente, adquirido no B..., SA, que por sua vez a Requerente alega tratar-se de 10 cartões de € 50,00 cada. E, por outro lado, o montante de € 145,00, de vários produtos de beleza e cosmética, adquiridos na empresa C..., Lda., que a AT sustenta tratar-se de gastos pessoais e particulares.
Da contabilidade da Requerente não são identificados os beneficiários das ofertas, bem como a alegação da Requerente quanto ao facto de não se tratar de um único cartão oferta, mas, pelo contrário, de 100 cartões com o valor unitário de € 50,00 não encontra cabimentos na análise do documento, que não faz tal referência.
Assim, inexistindo outros documentos de suporte, bem como sendo desconhecidos os beneficiários das ofertas, pelo que se pode questionar se existiu efetivamente beneficiários, entende este Tribunal como válida e aplicável a jurisprudência do Acórdão do TCAS, de 17.06.2003 e 15.06.2015, proferidos nos processos 00319/03 e 00563/05: “1. Não constituem encargos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial;2. Um encargo não se encontra devidamente documentado quando não se encontre apoiado em documentos externos, em termos de possibilitar conhecer fácil, clara e precisamente, a operação, evidenciando a causa, natureza e montante; 3. Uma despesa tem carácter confidencial quando, como a sua própria designação indica, não são especificadas ou identificadas, quanto à natureza, origem e finalidade, sendo não documentadas por natureza; 4. Os encargos suportados pela contribuinte na aquisição de cheques-auto e inscritos como custos na sua contabilidade, desde que não se mostrem comprovados por outros meios de prova de que tal combustível foi utilizado em veículos ao serviço da sua actividade não constituirão um custo, por episodicamente não se mostrarem devidamente documentados, mas não podem ser tributados, autonomamente, ao abrigo do Dec-Lei n.º 192/90, como despesas confidenciais, por não se verificar a ocultação da sua natureza, origem e finalidade.”.
Na realidade, a Requerente, embora prestando um esclarecimento genérico, segundo o qual as ofertas em questão se destinaram a clientes e/ou fornecedores, não foi capaz de concretizar, minimamente, e ainda que não nominalmente, quais os clientes e fornecedores alegadamente beneficiários das ofertas, de indicar as circunstâncias concretas em que as ofertas foram praticadas, nem de fornecer qualquer outro elemento, que proporcionasse alguma base para o controle da AT sobre a matéria. Daí que, não tendo sido devidamente preenchido o ónus probatório que assistia à Requerente, não se poderá, julga-se, dar por assente, para lá de qualquer dúvida razoável, que as “ofertas” em causa foram efetivamente destinadas a clientes e/ou fornecedores daquela.
Estamos aqui, portanto, perante um caso análogo ao que foi objeto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 25-09-2008, proferido no processo 00350/04.7BEBRG, “sabendo-se a origem, natureza e finalidade dos pagamentos, desconhecendo-se apenas a identidade do destinatário”. Aqui, como ali, julga-se, haverá que concluir, nesta situação, pela “não aceitação do custo, (...) por via do não preenchimento do requisito da indispensabilidade das despesas efectuadas (...) para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do art. 23º do CIRC.”, que foi o que fez a AT.
Não podem, assim, deixar de se julgar transponíveis as considerações relevantes da jurisprudência referida, no que diz respeito à dedutibilidade dos gastos em questão. Refira-se ainda que se considera não se estar a ratificar aqui qualquer juízo de interferência da AT na gestão da empresa, já que o que está em causa não é saber se determinada oferta a determinada pessoa é apta ou conforme a obter ganhos tributáveis em IRC, mas se a saída do património da empresa de determinados artigos e/ou valores, sem que se conheça o beneficiário ou as concretas circunstâncias em que se deu, permite considerar, ainda, tal saída como apta ou conforme a obter ganhos tributáveis em IRC
Pelo que se não aceita o valor das faturas como gasto fiscal, pelos motivos referidos.
REFEIÇÕES
No que respeita ao montante global de refeições no montante global de € 2186,60, as mesmas foram registadas na contabilidade sob a conta 62513, a qual não diz respeito à conta no âmbito do qual são representadas as despesas de representação. Sendo certo que os gastos estão devidamente comprovados pelas respetivas faturas, em conformidade com a articulação do artigo 23.º, n.º 1 com os números 3 e 4 da mesma disposição legal, tornava-se ainda necessário demonstrar que os mesmos eram indispensáveis à procura de obtenção de proveitos pela contribuinte. Nesse contexto, e em face dos indícios de que tais gastos não cumpriam tal objetivo, a Requerente veio sustentar que os mesmos diziam respeito a despesas de representação. Contudo, a Requerente não apresenta prova desses factos, designadamente não comprovou os beneficiários de tais gastos, sejam eles fornecedores ou clientes, nem que se destinavam a trabalhadores fora do seu local de trabalho habitual.
Assim sendo, não cumpriu o necessário ónus da prova, que pudessem afastar os indícios recolhidos pela AT, nomeadamente a classificação contabilística a que tais despesas foram sujeitas. Pois, conforme resulta do Acórdão do TCAS, de 20.02.2020, proferido no processo 390/06.1BESNT, que “No que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar, fundamentadamente, essa indispensabilidade”. Pelo que não apresentando sequer a lista dos clientes e fornecedores beneficiários, não cumpriu o respetivo ónus que lhe competia. Ademais, não demonstrou que se destinavam a trabalhadores fora do seu local de trabalho habitual. Pois, ao pretender alegar coisa distinta que resultava da classificação contabilística, fundamento que sustenta o questionamento da AT, aquele competia demonstrar tratar-se efetivamente de despesas de representação e, bem assim, da sua indispensabilidade.
Pelo que se não aceita o valor das faturas como gasto fiscal, pelos motivos referidos.
COMPENSAÇÃO POR DESLOCAÇÃO EM VIATURA PRÓPRIA
No que concerne aos gastos para compensação por deslocação em viatura própria, haverá que recorrer aos mesmos princípios acima referidos quanto aos mapas de ajudas de custo. É especialmente de notar que no ano de 2015 este gasto ocorreu em todos os meses do ano, quando, no exercício do ano anterior (2014) tal efetivamente não ocorreu. Assim, não se compreende a disparidade aqui existente entre a realidade do ano de 2014 e a de 2015, não tendo lograda a Requerente explicitar tal ocorrência.
Na realidade, a Requerente limitou-se a fundar a sustentação da dedutibilidade fiscal do gasto com fundamento nos mapas constante da contabilidade, não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada, mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível. Portanto, conforma atrás referido, competindo ao contribuinte ónus da prova da veracidade das operações em causa, não lhe basta criar dúvida sobre a sua veracidade. Em face, de documentação suplementar que justifique as diversas deslocações, nomeadamente que as mesmas ocorreram no interesse da Requerente e que eram indispensáveis à formação do rendimento, não poderá ser admitida a sua dedutibilidade.
Acresce que, apensar dos mapas da Requerente indicarem o número de km percorridos, deveriam fazer essa indicação através dos km à partida e dos km à distância, que permitiria efetivamente avalizar a efetividade das deslocações. Por outro lado, os referidos mapas, entre outros elementos, deveriam conter de forma explicita a justificação da deslocação, mas tal não é detetável dos mapas apresentados, nomeadamente, as razões que subjazem para a continuada existência de deslocações para fora a área em que se localiza a atividade da Requerente. Na realidade, os mapas limitam-se a referir na justificação a entidade a que se deslocou, não representando tal uma cabal justificação.
Posto isto, a AT avança indícios acerca da dúvida e não indispensabilidade dos custos descritos nos respetivos mapas. Nesse contexto, quanto a esses custos, competia ao contribuinte (Requerente) afastar esses indícios, o que se entende não ter sido conseguido. Designadamente, fica sem explicação cabal e verosímil o conjunto de deslocações descritas nos respetivos mapas.
SEGURO DE SAÚDE
No que concerne a este gasto, a sua fundamentação remete-nos para a apreciação dos mesmos pontos abordados aquando da análise do mesmo gasto no ano de 2015, pelo que em 2015 o mesmo não apresenta nenhuma particularidade que implique um entendimento distinto.
Consequentemente, o referido contrato de seguro não cumpriu os requisitos previstos no Código do IRC, uma vez que os benefícios não foram estabelecidos segundo um critério idêntico para todos os trabalhadores. Por isso, os gastos suportados com esses contratos de seguros não são fiscalmente dedutíveis.
DESPESAS DE LIMPEZA, HIGIENE E CONFORTO
No que concerne aos gastos inseridos nesta rúbrica, estão em causa os gastos constantes de três faturas da D..., S.A., que totalizam o montante global de € 473,01. Das referidas faturas consta a aquisição dos seguintes produtos/bens: água tónica; lixivia tradicional; cif liquido; guardanapos; geleia; gin; toalhas de mão; resma de papel; adoçante; pastilhas; café; copos para café; cofos para sumo; palhetas de café; Bagas de zimbro; colher; papel higiénico; Tequila; Licor; água mineral com gás; ... amoniacal; colher de silicone; gel acendalha; e resmas de papel.
Uma vez mais, embora os gastos estejam documentalmente comprovados, havia a necessidade a Requerente demonstrar a indispensabilidade dos gastos para os rendimentos gerados, não se apresentando como verosímil que grande parte dos gastos aqui descritos possam ser admitidos. Ora, não se duvida que uma clínica ofereça aos seus clientes café, mas já não se pode admitir, por exemplo, o fornecimento de produtos com gin, tequila, licores e cereais, pelo que os argumentos apresentados não têm a força probatória para afastar os indícios recolhidos por parte dos Serviços da Inspeção Tributária.
Pelo exposto, apenas se considera justificada a aquisição dos seguintes bens/produtos: lixivia tradicional (€ 0,75), cif liquido (€ 3,14); toalhas de mão (€ 34,40); resma de papel (€10,95); lixivia tradicional (€ 0,75); adoçante (€ 1,99); cafés (€ 17,37); toalhas de mão (€ 22,50); copos de café (€3,00); palhetas de café (€ 6,90); toalhas de mão (€ 25,20); papel higiénico (€ 10,00); cafés (€ 15,75); copos para café (€ 1,49); lixivia tradicional (€ 1,59); ... gel (€ 2,90); ... amoniacal (€ 3,99); papel de fotocópia e resmas de papel (€ 15,50), totalizando um valor global de € 178,17, pelo que nesta parte é procedente o pedido arbitral, sendo improcedente o restante.
-
Restituição das quantias pagas
Procedendo parcialmente o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia paga em excesso que se venha apurar no âmbito da revisão das liquidações adicionais de IRC de 2014 e 2015.
-
Dos juros indemnizatórios
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
O erro que afeta parcialmente a liquidação é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, o qual é subsumível em face do disposto no mencionado dispositivo legal. Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, quanto à parte objeto de anulação, em consequência do vencimento parcial do pedido.
Os juros indemnizatórios são calculados com base no valor que se venha a apurar, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde a data em que foi efetuado o pagamento da quantia liquidada até ao integral reembolso.
-
DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Anular os atos de liquidação adicional de IRC de 2014, na parte correspondente aos gastos com limpeza, higiene e conforto e gastos farmácia considerados justificados parcialmente;
-
Anular os atos de liquidação adicional de IRC de 2015, na parte correspondente aos gastos com ferramentas e utensílios de desgaste rápido e gastos com limpeza, higiene e conforto, considerados justificados parcialmente;
-
Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos suprafixados.
-
Julgar improcedente o pedido quanto ao demais
-
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 5.392,44, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
-
CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo das partes pelo decaimento.
Notifique-se.
Lisboa, 20 de julho de 2021
O Árbitro
Rui Miguel Zeferino Ferreira
SUMÁRIO:
I. O mero facto de um dado custo estar alegado pelo contribuinte, e existir um suporte documental, não pode determinar, por si só, a sua aceitação como custo dedutível, sendo necessária uma subsequente tarefa, por parte do julgador, de apuramento sobre se esse custo é ou não indispensável à atividade prosseguida pelo contribuinte.
II. A AT avança indícios acerca da não indispensabilidade dos diversos custos descritos na matéria de factos, pelo que, quanto a esses custos, competia ao contribuinte (Requerente) afastar esses indícios, o que se entende não ter sido conseguido na totalidade, mas apenas parcialmente, uma vez que lhe cabia esse ónus.
III. Sendo prestado um esclarecimento genérico, segundo o qual as ofertas em questão se destinaram a clientes e/ou fornecedores, não foi capaz de concretizar, minimamente, e ainda que não nominalmente, quais os clientes e fornecedores alegadamente beneficiários das ofertas, de indicar as circunstâncias concretas em que as ofertas foram praticadas, nem de fornecer qualquer outro elemento, que proporcionasse alguma base para o controle da AT sobre a matéria, não tendo sido devidamente preenchido o ónus probatório que assistia à Requerente.
IV. O referido contrato de seguro não cumpriu os requisitos previstos no Código do IRC, pois os benefícios não foram estabelecidos segundo um critério idêntico para todos os trabalhadores.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Dr. Rui Miguel Zeferino Ferreira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 06.07.2020, decide o seguinte:
I. RELATÓRIO
1. No dia 20.01.2020 a sociedade A..., Lda., (de ora em diante designada “Requerente”) titular do NIPC..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-..., Lisboa, requereu, nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º e al. a), do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro pelos Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
2. A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade dos atos tributários do qual resultaram as liquidações n.º 2018... de 2014, no montante de € 936,78 (novecentos e trinta e seis euros e setenta e oito cêntimos), e n.º 2018... de 2015, no montante de € 4.118,31 (quatro mil cento e dezoito euros e trinta e um cêntimos), de cujas demonstrações de acerto de contas resultaram os montantes de IRC a pagar de € 571,23 (quinhentos e setenta e um euros e vinte e três cêntimos) e de € 4.588,08 (quatro mil quinhentos e oitenta e oito euros e oito cêntimos), num total de € 5.392,44 (cinco mil trezentos e noventa e dois euros e quarenta e quatro cêntimos).
3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou “Requerida”) nessa mesma data.
4. A Requerente não procedeu, em 10.03.2020, à nomeação de árbitro, por força do artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, pelo que ao abrigo do disposto no referido artigo o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o pressente Tribunal Arbitral, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
5. A Requerida apresentou resposta em 30.09.2020.
6. Em 18.12.2020, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, o prazo de decisão foi pela primeira vez prorrogado pelo prazo de 2 (dois) meses, atento os constrangimentos e as dificuldades provocadas pela pandemia do coronavírus e, respetivamente, a doença da COVID-19.
7. Na mesma data, determinou-se a dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, indeferindo-se o pedido de prova testemunhal da Requerente, por não se mostrar útil à boa decisão do processo, atenta a autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista a obter, em prazo razoável, a pronuncia sobre o mérito das pretensões das partes, e por se encontrarem as posições devidamente demonstradas em prova documental (artigo 16.º, al. c), do RJAT), bem como com fundamento na livre apreciação dos factos e da livre determinação das diligências de prova necessárias, de acordo com o qual não se vislumbra utilidade (artigo 16.º, al. e), do RJAT).
8. No prazo concedido, de 10 dias, tanto a Requerente como a Requerida não apresentaram alegações.
9. Em 20.05.2021, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, o prazo de decisão foi pela segunda vez prorrogado pelo prazo de 2 (dois) meses.
I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
A Requerente sustenta a sua discordância com o teor do relatório de inspeção tributária, considerando inexistirem fundamentos formais e substanciais que justificassem os montantes adicionais de IRC liquidados, bem como respetivos juros compensatórios, quanto aos exercícios económicos dos anos de 2014 e 2015.
Em primeiro lugar, invoca o vício de falta de fundamentação e violação do direito de audição, no âmbito da reclamação graciosa, referindo, em síntese, que a Requerida no projeto de indeferimento da reclamação graciosa não se pronunciou sobre a prova apresentada (documental e testemunhal) e, bem assim, que a prova não se pode limitar à prova documental e que o afastamento da prova testemunhal sempre teria de ser fundamentada, pelo que sustenta a nulidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
Em segundo lugar, a Requerente vem sustentar que o relatório da inspeção tributária padece de vícios que deveriam necessariamente afetar a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como as liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios. Entre esses vícios, a Requerente invoca, primeiro, a nulidade do procedimento inspetivo por violação de direito de audição, com a consequente nulidade de todos os atos subsequentes, nomeadamente, das liquidações adicionais. Segundo, por vícios do relatório de inspeção tributária, com a consequente viciação das liquidações adicionais e da decisão de reclamação graciosa.
Quanto ao primeiro, em síntese, refere que foi notificada, em 16.08.2018, para exercer o direito de audição prévia no prazo de 15 dias, mas que devido às férias da representante legal (gerente), bem como à dimensão do projeto de relatório da inspeção tributária, foi solicitada a prorrogação até ao seu regresso de férias (que apenas ocorreria a 21.09.2018), mas que apenas lhe foi concedido um prazo suplementar de 10 dias (passou de 15 dias para 25 dias). Entende a Requerente que tal prazo era insuficiente para o exercício efetivo do direito de audição, pelo que a não concessão de prorrogação do prazo fere de nulidade o procedimento de inspeção tributária, inquinando todos os atos subsequentes.
Quanto ao segundo, a Requerente divide as suas alegações entre as correções efetuadas ao ano de 2014, daquelas que se reportam ao ano de 2015. No que concerne ao ano de 2014, sustenta a discordância com a Requerida em não aceitar fiscalmente o gasto com a aquisição de uma máquina de lavar loiça, defendendo, pelo contrário, a sua necessidade para a lavagem dos instrumentos não descartáveis, bem como contesta a alegação da AT quanto ao local de descarga constante da fatura. Igualmente, sustenta a aceitabilidade fiscal de uns óculos como Equipamento de Proteção Individual.
Ainda neste segundo ponto, sustenta que as despesas de deslocações e estadas (refeições) correspondem na realidade a despesas de representação, ou seja, refeições que terão sido pagas aos seus fornecedores. Neste ponto sustenta ainda que eram pagas refeições a potenciais clientes da clínica, numa lógica de estratégia comercial de angariação e fidelização de clientes, sustentando a sua essencialidade para a obtenção de rendimentos futuros.
A requerente alega ainda a dedutibilidade fiscal do seguro de saúde, pelos riscos de saúde a que estão sujeitos e, quanto às despesas de limpeza e conforto alega que os produtos adquiridos se destinam, num caso ao embelezamento da clínica (flores), noutro referem-se a cafés, toalhas de mãos, gin e água tónica utilizados na clínica para serem fornecidos aos clientes, no primeiro e terceiro caso, e a serem utilizados nos gabinetes e casas de banho. Neste âmbito, sustenta que produtos como o gel de banho, sacos do lixo, resmas de papel de impressora e rolos de papel do TPA se encontram justificados como despesas fiscalmente elegíveis.
A Requerente alega que as despesas de farmácia desconsideradas se encontram justificadas, e passiveis de serem consideradas no âmbito da atividade desenvolvida, alegando tratar-se de cremes e outros produtos farmacêuticos utilizados na pele dos pacientes para evitar reações cutâneas, anti-inflamatórios para serem ministrados no pós-operatório, e produtos utilizados em procedimentos cirúrgicos mais longos ou não cirúrgicos.
Quanto às ajudas de custo, a Requerente entende que as mesmas se encontram justificadas, com fundamento que os mapas de ajudas de custo têm todos os elementos necessários, desde a motivação e percurso até às datas, número de kms, valores de km e a abonar o trabalhador, e ainda a identificação da viatura. Também, quanto à tributação autónoma, entende inexistir fundamentação sobre o modo como o valor constante para 2014 foi alcançado.
Por seu lado, quanto ao ano de 2015, a Requerente insurge-se contra a desconsideração fiscal de determinados gastos, nomeadamente de um fervedor de água vermelho usado em Prostodontia e o aspirador 2 em 1, que entende fundamentais ao funcionamento da clínica. Igualmente, entende que os produtos referentes a um painel vermelho e a um candelabro, são elementos decorativos da receção da clínica. Também, quanto aos piaçabas sustenta destinarem-se às casas de banho, bem como uma prateleira que se encontra na casa de banho. Quanto à televisão, cabelagem e suporte de teto sustenta que está ligada ao microscópio, em ordem a que os pacientes da clínica e a assistente possam acompanhar o tratamento que o médico está a realizar quando usa o microscópio. Por seu lado, alega que o lava-loiças e torneira desconsiderados, se encontram na clínica, bem como que a almofada e a manta, que são utilizadas tanto em cirurgias como em consultas normais. Por fim, sustenta a dedutibilidade fiscal dos gastos com a aquisição de suporte de papel higiénico e dois cabides de casa de banho.
No que concerne aos artigos de oferta, defende que o valor de 5.000 corresponde a 100 cartões presente, no valor unitário de € 50,00, do B..., para serem oferecidos a clientes, no âmbito de estratégia comercial. Igualmente, sustenta os artigos constantes da C... correspondem a artigos a oferecidos a clientes, no período de Natal, sustentando que a data da fatura isso mesmo evidencia.
No que respeita às refeições de 2015, a Requerente, conforme referido para 2014, volta a sustentar tratar-se de despesas de representação. Ademais, quando aos valores pagos para compensação de kms realizados por um dos sócios, defende que os mapas apresentados são efetivamente suficientes, para a aceitação fiscal do mencionado gasto. Igualmente, em 2015, quanto ao seguro de saúde, a Requerente reproduz a mesma linha de argumentação expedida quanto ao ano de 2014. Por último, volta a questionar a não aceitação das faturas de aquisição de café, cereais e bebidas, que sustenta fazerem parte da política de bem-estar dos seus clientes.
Em suma, alegando a falta de fundamentação da decisão da AT, a Requerente entende que as faturas emitidas por distintos fornecedores, sejam admitidas e consideradas como gastos (artigo 23º, n.º 1 do CIRC), para efeitos de apuramento do lucro tributável. Alega a Requerente que os referidos gastos estão comprovados e são indispensáveis para a realização dos rendimentos. A Requerente insurge-se assim contra a não admissão de alguns custos, juntando vários documentos (doc. 9 a 15) ao requerimento inicial para demonstrar a sua comprovação e indispensabilidade.
Por último a Requerente peticiona por fim o direito a juros indemnizatórios, por entender existir erro imputável à Requerida.
I.B. Na sua Resposta a AT, Invocou, em síntese, o seguinte:
A Requerida sustenta quanto à alegada violação do direito de audição, que a suspensão do prazo no direito de audição não está prevista no art.º 60.º da LGT, nem no RCIPT, pelo que foi concedida a prorrogação do prazo, nos termos previstos no n.º 6 do art.º 60.º da LGT. Ademais, neste ponto alega que o pedido da inquirição da testemunha arrolada pela Requerente foi aceite e foi o mandatário da Requerente notificado para o efeito, em 14.09.2018, tendo sido proposto no ofício, o dia 20 de Setembro, a qual foi ouvida, tendo-se apenas pronunciado acerca da aquisição da máquina de lavar e do televisor. Além, disso, sustenta que, também, em sede da reclamação graciosa, a Requerente exerceu o direito de audição, através de requerimento enviado pelo correio em 27.08.2019.
Por outro lado, a Requerida sustenta quanto às despesas desconsideradas fiscalmente, e contabilizadas em ferramentas e utensílios de desgaste rápido, isto é, a máquina de lavar loiça e os óculos, que a primeira não se insere diretamente no âmbito da atividade da empresa, bem como a mesma está titulada por fatura que não ostenta a morada da clínica, bem como a mesma não está classificada como ativo fixo tangível. Quanto ao segundo, sustenta que a fatura não está titulada em nome da sociedade.
Quanto às refeições do período de 2014, sustenta que a conta contabilística onde se encontra registada se destina não a despesas de representação, mas a despesas com alojamento, viagens e alimentação efetuadas por trabalhadores, quando se deslocam para longe do seu local de trabalho, ao serviço da empresa. Ademais, refere que não fez a Requerente a prova que lhe competia, nomeadamente, a identificação dos destinatários.
Quanto aos seguros de saúde, sustenta que a despesa apenas poderia ser considerada como um gasto de utilidade social, nos termos do artigo 43.º do CIRC, entendendo que o mesmo não cumpre com os requisitos legais, nomeadamente, com o requisito da generalidade, por só abranger os dois sócios.
Quanto aos gastos de limpeza, higiene e conforto, de 2014, a Requerida sustenta que o montante de € 36,75 foi aceite pela AT, ao contrário do que sucedeu com as faturas da D..., por não entender razoável aceitar gastos com Gin e água tónica, latas e frascos de grão-de-bico, óculos de leitura e cereais, por inexistência de qualquer relação com a atividade e os rendimentos da sociedade.
Quanto às despesas de farmácia, de 2014, alega que as explicações da Requerente entram em contradição com o que foi dito em sede de inspeção, não sendo plausíveis as explicações, na medida em que as mesmas foram efetuadas no interesse da sócia-gerente e não no interesse da sociedade.
Quanto às ajudas de custo, de 2014, a Requerida sustenta que era necessário que a Requerente comprovasse os encargos efetivamente suportados, quilómetros percorridos em viatura própria do trabalhador, através do mapa itinerário, sendo necessário dar a conhecer o motivo de deslocação; o percurso efetuado; a data em que foi efetuada a deslocação; o tempo de permanência; o número de quilómetros da deslocação; o valor atribuído por quilómetro; o valor total a receber pelo trabalhador; a identificação do beneficiário do abono; a identificação da viatura e seu proprietário. A AT entende que não é credível as deslocações, sustentando tal fundamentação no facto de não ter sido encontrada qualquer prova da mencionada deslocação, tais como, documento de receção e devolução da mercadoria, ou recibos de portagens pagos. Acresce ainda ao facto de na contabilidade não estar registada nota de crédito referente à devolução de material. Também não é indicado no mapa o tempo de permanência, nem a identificação do proprietário do veículo.
Quanto à tributação autónoma, sustenta que em face do quadro legal – artigo 88.º, n.º 3 e 5, do CIRC – a Requerente não apurou o valor correto das tributações autónomas, relativamente aos encargos pela utilização e posse da viatura.
Quanto aos gastos contabilizados na conta de ferramentas e utensílios de desgaste rápido, de 2015, sustenta que na fatura de aquisição do televisor LED ... à firma E..., Lda., consta como local de descarga a sede da empresa que é igualmente morada dos sócios da Requerente, em vez de ser a morada da Clínica (Av.., n.º..., ...-... Lisboa). Além disso, sustenta que o mesmo deveria ter sido classificado como ativo fixo tangível, bem como que no horário de funcionamento da clínica foi vedado o acesso das inspetoras para verificação da instalação no local. Ademais, refere que o alegado pela Requerente (doc. 11) se refere a um castiçal, quando a fatura se refere a um candelabro de chão.
Quanto aos gastos com artigos de ofertas, que a Requerida entende tratarem-se de despesas de caráter particular, bem como, não estar comprovado o destinatário das referidas ofertas e o facto da fatura do B... se referir a um cartão presente no montante de 5.000,00 e não a 100 cartões de € 50,00 cada.
Quanto ao gasto com refeições, de 2015, a AT sustenta que, para que um gasto seja fiscalmente aceite, de acordo com o n.º 1 do artigo 23º do CIRC, a empresa tinha que assegurar que se verificam em simultâneo dois requisitos: os gastos dedutíveis são suportados para obter rendimentos sujeitos a IRC; e o gasto terá de ser comprovado por documentos fidedignos emitidos nos termos do n.º 4 do artigo 23º do CIRC, documentos emitidos na forma legal. Nesse âmbito, sustenta não ficou demonstrado que o valor das refeições se relacionou com a realização de rendimentos sujeitos a imposto.
Quanto à compensação por kms realizados, de 2015, a Requerida sustenta que os mapas apresentados são insuficientes, uma vez que, a justificação para as deslocações “Ida e volta ao Laboratório”, “Ida e volta ao F...”, “Ida e volta ao G...”, etc. não são justificações suficientes.
Quanto aos gastos de limpeza, higiene e conforto, de 2015, a AT sustenta que as faturas da D... consta a aquisição de produtos como de vários tipos de Gin, água tónica, cafés, bagas de zimbro, licor, copos de Gin Tonic ... e gel acendalha, que entende serem compras que não estão relacionadas com a atividade da empresa, nem podem ser consideradas no interesse da empresa.
Em síntese, fundamenta que o lucro tributável se encontra influenciado por gastos que não visam a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, pelo que tais gastos não podem ser considerados para efeitos fiscais.
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral é competente e encontrasse regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, al. a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Não há quaisquer questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.
Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.
III. MATÉRIA DE FACTO
III.A. Questões a decidir
(i) Ilegalidade das liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios por vício de falta de fundamentação e violação do direito de audição.
(ii) Ilegalidade do procedimento inspetivo por violação de direito de audição.
(iii) Ilegalidade das correções aos gastos desconsiderados fiscalmente.
III.B. Factos provados
1. A Requerente foi sujeita a procedimento inspetivo por parte da Requerida, sobre os exercícios económicos de 2014 e 2015, que decorreu sob a Ordem de Serviços OI2018... .
2. No âmbito da referida ação inspetiva os Serviços da AT efetuaram diversas correções à matéria tributável declarada e ao valor da tributação autónoma, nomeadamente:
- Correções aritméticas aos custos declarados pela Requerente, em sede de IRC, no montante de € 5.140,28 relativamente ao exercício de 2014 e € 18.381,41 relativamente ao exercício de 2015; e
- Correções em sede de tributações autónomas nos montantes de € 161,52 relativamente ao ano de 2014 e de (-) € 307,50 nos exercícios económicos de 2014 e 2015.
3. Em 14 de agosto de 2018, a Requerida notificou a Requerente do Projeto de Correções do Relatório de Inspeção Tributária, através do ofício n.º..., para efeitos do exercício do direito de audição prévia.
4. Em 21 de agosto de 2018, a Requerida rececionou requerimento da Requerente com pedido de suspensão do prazo para o exercício de audiência prévia, com fundamento no período em que a representante legal desta estivesse de férias no estrangeiro.
5. A AT através do ofício de 24.08.2018 notificou a Requerente do despacho de alargamento do direito de audição prévia de 15 dias para 25 dias.
6. A Requerente exerceu o direito de audição prévia em 11.09.2018.
7. Em 18.09.2018, a AT notificou a Requerente, na pessoa do seu mandatário, da data e hora para a inquirição da testemunha arrolada em sede de audiência prévia.
8. Em 20.09.2018, pelas 15h30m a testemunha Dr. H... foi sujeita a inquirição na qualidade de testemunha arrolada pela Requerente.
9. Decorrente das correções efetuadas a Requerente foi notificada das liquidações adicionais acima referidas, nas quais de inclui o valor referente a juros compensatórios e de mora, bem como das demonstrações de acerto de contas, a saber:
- Liquidação n.º 2018..., relativa ao IRC de 2014, no montante a pagar de € 936,78, dos quais 67,50 correspondem a juros compensatórios e € 2,96 a juros de mora.
- Liquidação n.º 2018..., relativa ao IRC de 2015, no montante a pagar de € 4.118,31, dos quais 393,96 correspondem a juros compensatórios.
- Demonstração de acerto de contas, referente ao documento 2018... (compensação 2018...), relativa ao IRC de 2014, cujo saldo apurado a pagar correspondia ao montante € 571,23, com data-limite de pagamento em 2018-12-05.
- Demonstração de acerto de contas, referente ao documento 2018... (compensação 2018...), relativa ao IRC de 2015, cujo saldo apurado a pagar correspondia ao montante € 4.588,08, com data-limite de pagamento em 2018-12-06.
10. A Requerente procedeu pagamento das quantias de € 571,23 e de € 4.588,08, respetivamente, em 01.12.2018 e 04.12.2018.
11. A Requerente apresentou em 04 de abril de 2019 Reclamação graciosa, à qual foi atribuído o n.º ...2019... .
12. A Reclamação graciosa foi indeferida pela Requerida, do que notificou a Requerente em 17/10/2019 (ofício n.º...).
13. A Requerente, sociedade por quotas, tem por atividade o exercício de atividades de medicina dentária e odontologia, praticando, em exclusivo, atos médicos no ramo da medicina dentária.
14. Em 23.06.2014, foi passada em nome da Requerente a fatura FT AUD512/017925, constando como morada a Av. ..., n.º..., ..., o qual consta igualmente como morada de entrega, referente à aquisição de uma máquina de lavar loiça, no montante de € 299,00.
15. A clínica tem morada na Av. ..., n.º..., ...-... Lisboa.
16. Em 08.08.2014, foi passada fatura simplificada/recibo n.º VD20145090000335, a consumidor final, indicando o número de identificação fiscal não pertencente à requerente, referente à aquisição de uns óculos, no montante de € 19,90.
17. Do extrato de conta 6251 – Deslocações e estadas, encontravam-se registadas na contabilidade diversos gastos de refeições, nomeadamente, os referentes às seguintes faturas:
18. A Requerente tomou de seguro junto da I..., o produto Individual (seguro de saúde), correspondente à apólice ..., em que são pessoas seguras os Srs. J... e K... .
19. Em 2014 foram emitidos os seguintes documentos, referentes ao seguro referenciado:
20. Em 2014, entre o mais, a Requerente registou na conta 6267 – Limpeza, higiene e conforto as faturas seguintes:
21. A Fatura FS 2465, de 08.01.2014, da L..., Lda., no valor de 36,75, refere-se a flores variadas, cuja Requerida admitiu ser fiscalmente dedutível, e não constar da soma das correções de € 153,36.
22. A Fatura 12984, de 19.05.2014, da D..., S.A., no valor de 90,95, consta a compra de café, gin, toalhas de mão e água tónica.
23. A Fatura 26111, de 26.08.2015, da D..., S.A., no valor de € 62,41, consta a compra de Gel ... Massage, grão, cereais, bolachas ..., sacos do lixo, óculos de leitura.
24. Em 2014, entre o mais, a Requerente registou na conta 626801 despesas de farmácia, resultantes da aquisição dos seguintes produtos: Sebium ... CR 40 ml; Seractil Com. Rev. 400 mg x 30; Dormicum comp. 15 mg x 14; Fucidine CR 2% 15 G; Zaldiar Comp. Rev. 325/37,5 mg x 20; Ibuprofeno Alabesfal 600 mg 20 comp. rev.; e Niquitin CQ Clear R Sist. Transd 7 mg/24h, constantes das faturas seguintes:
25. Em 2014, consta registado na contabilidade na conta 6326 gastos com ajudas de custo, referente à trabalhadora M..., o montante de € 429,08
26. A Requerente elaborou mapa de ajudas de custo, resultando do mesmo a data da deslocação, kms percorridos, motivo da deslocação, local da deslocação, entidade a que se deslocou, valor por km e total a pagar.
27. Em 2014, a Requerente incorreu em gastos relacionados com viaturas automóveis no montante global de € 3.327,69, respeitante às seguintes verbas:
- Conservação e reparação de viaturas: € 1.528,46
- Combustíveis: € 827,09
- Portagens/Estacionamento: € 78,59
- Seguro Automóvel: €247,77
- Amortizações: € 625,00
- Impostos: 20,78
28. Em 2014, a Requerente apurou o montante de € 196,24 de tributações autónomas.
29. Em 2015, a Requerente contabilizou na conta 6231, diversos gastos com ferramentas e utensílios de desgaste rápido, nomeadamente, inscreveu gastos de € 2.850,21, referente à aquisição dos seguintes produtos:
- Fervedor de água vermelho (€ 19,99)
- Aspirador 2 em 1 (€ 49,99)
- Painel de Madeira vermelho (€ 49,95)
- Candelabro Chão (€ 174,95)
- Fortune oil, Good Luck Scrub e Happy Miste (€ 49,60)
- Piassaba e difusor (€ 46,70)
- Televisão, cabos e suporte (€ 2.065,47)
- Lava loiças e toneira (€ 153,97)
- Almofada e manta (€ 111,97)
- Porta rolo e cabides (€ 90,10
30. As referidas aquisições estão tituladas pelas seguintes faturas:
31. Em 2015, a Requerente contabilizou na conta 6234 – artigos para oferta – a aquisição de “cartão presente” no montante de € 5.000,00, em 31.12.2015, junto do B..., bem como diversos produtos de cosmética em 22.12.2015 na C..., Lda., no montante de € 145,00.
32. No ano de 2015, na conta 62513 – Refeições, encontram-se registadas na contabilidade diversos gastos de refeições, no montante de € 2.186,60, nomeadamente, as referentes às seguintes faturas:
33. Em 2015, a Requerente registou na contabilidade diversos gastos para compensação por deslocação em viatura própria (kms), nos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, agosto, setembro, outubro, setembro, novembro e dezembro, percorridos pelo sócio J..., no montante global de € 6.150,00, conforme o quadro seguinte:
34. A Requerente apresenta na contabilidade mapas mensais, de onde resulta a indicação do dia da deslocação, local de destino, justificação, número de kms, valor por km, total de kms, total recebido e a identificação da viatura.
35. Em 2015 foram emitidos os seguintes documentos, que totalizam o valor de € 1.576,59, referentes ao seguro de saúde existente junto da I..., correspondente à apólice ..., em que são pessoas seguras os Srs. J... e K...:
36. Em 2015, entre o mais, a Requerente contabilizou o montante de € 473,01 como gastos da conta 6267 (limpeza, higiene e conforto), resultantes da emissão de 3 (três) faturas da D..., S.A., de onde consta a aquisição, entre outros, dos seguintes bens/produtos:
- Águas tónicas
- Lixivia
- CIF
- Geleia
- Gin
- Caixa de 5 resmas de papel
- Café
- Adoçante
- Copos para café
- Copos de sumo
- Gel acendalha
- ... Amoniacal
37. A existência na clínica dos seguintes bens: fervedor de água vermelho (cfr. Doc. 9 – Requerimento Inicial); aspirador 2 em 1 (doc. 10 – Requerimento Inicial); de um castiçal (cfr. Doc. 11 – Requerimento Inicial); piaçabas (Cfr. Doc. 12 - – Requerimento Inicial); a televisão, suporte e cabelagem (Cfr. Doc. 13 – Requerimento Inicial); lava-loiças e torneira (Cfr. Doc. 14 – Requerimento Inicial); e a almofada e a manta (cfr. Doc. 15 – Requerimento Inicial).
38. Não existiu segunda tentativa de visita ao local da clínica.
III.C. Factos dados como não provados
Sendo certo que nesta sede não importa atender aos juízos conclusivos e considerações de direito que oportunamente serão apreciados, o Tribunal considerou como não provados os seguintes factos:
- Que os Serviços da Autoridade Tributária tenham sido definitivamente impedidos de aceder às instalações da Requerente.
III.D. Motivação da matéria de facto
Na decisão sobre a matéria de facto o Tribunal Arbitral formou a sua convicção com base na análise global e crítica da prova documental, tendo em consideração as regras gerais do ónus da prova, bem como pelas regras da experiência comum.
Quanto à matéria dada como provada atendeu-se:
- Os factos que constam dos números 1 e 2 são dados por assentes por acordo das partes e porque resultam dos documentos n.º 1 a 6 do requerimento inicial, bem como constante do processo administrativo.
- Os factos que constam dos números 3 a 8 são dados como provados por força dos documentos constantes do processo administrativo, junto aos autos pela Requerida.
- Os factos que constam dos números 9 a 13 são dados por assentes por acordo das partes e porque resultam dos documentos n.º 1 a 4 do requerimento inicial, bem como constante do processo administrativo.
- Os factos que resultam dos números 14 a 16 são dados como provados por força dos documentos constantes no anexo II, do relatório final de inspeção tributária, pp. 46 a 50, junto com o processo administrativo.
- Os factos que resultam dos números 17 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo III, do relatório final da inspeção tributária, pp. 51 a 115.
- Os factos que resultam dos números 18, 19 e 35 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo IV, do relatório final da inspeção tributária, pp. 116 a 126.
¬- Os factos que resultam dos números 20 a 23 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo V, do relatório final da inspeção tributária, pp. 127 a 132.
- Os factos que resultam dos números 24 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo VI, do relatório final da inspeção tributária, pp. 133 a 140.
- Os factos que resultam dos números 25 e 26 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo VII, do relatório final da inspeção tributária, pp. 141 a 143.
- Os factos que resultam dos números 27 e 28 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo VIII, do relatório final da inspeção tributária, pp. 144 a 146.
- Os factos que resultam dos números 29 e 30 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo IX do relatório final da inspeção tributária, pp. 147 a 156.
- Os factos que resultam dos números 31 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo X, do relatório final da inspeção tributária, pp. 157 a 159.
- Os factos que resultam dos números 32 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo XI, do relatório final da inspeção tributária, pp. 160 a 212.
- Os factos que resultam dos números 33 e 34 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo XII, do relatório final da inspeção tributária, pp. 213 a 225.
- Os factos que resultam do número 36 são dados como provados por força dos documentos constantes do anexo XIII, do relatório final da inspeção tributária, pp. 226 a 230.
- Os factos que resultam do número 37 são dados como por provados por força dos documentos n.ºs 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 do requerimento inicial, bem como o facto constante do n.º 38 é dado por provado com fundamento do processo administrativo, bem como pelo doc. 16 do requerimento inicial.
Quanto à matéria dada como não provada atendeu-se:
- À documentação junta pela requerente (doc. 16), bem como o facto dos documentos e alegações da Requerida ser manifestamente insuficiente para permitir uma decisão diferente.
Não existem quaisquer outros factos não provados relevantes para a decisão da causa.
IV.DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO SUBJACENTE AOS PRESENTES AUTOS
A) Da Ilegalidade das liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios por vício de falta de fundamentação e violação do direito de audição; e da Ilegalidade do procedimento inspetivo por violação de direito de audição.
Preliminarmente, veio a requerente invocar, em primeira linha de impugnação, a violação do direito de audiência no procedimento inspetivo, com base em distintos fundamentos jurídicos, que sustenta conduzir à nulidade do procedimento inspetivo e, bem assim, em última instância das liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 2014 e 2015. Como fundamentos sustenta, por um lado, a existência de vício de falta de fundamentação e violação do direito de audição, no âmbito da reclamação graciosa e, por outro, a violação do direito de audição no âmbito do procedimento inspetivo.
Para tanto, sustenta a sua pretensão com base no artigo 69.º, al. e), do CPPT, que estabelece que “São regras fundamentais do procedimento de reclamação graciosa: e) Limitação dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham, sem prejuízo do direito de o órgão instrutor ordenar outras diligências complementares manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material”. E, bem assim, no artigo 58.º da LGT, que estabelece que “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.
No que concerne às violações do direito de audição, a Requerente qualifica tal invalidade como correspondendo a uma nulidade. Porém, não assiste razão à Requerente, visto tratar-se de uma mera anulabilidade, tal como foi entendimento na decisão arbitral 411/2014-T, segundo a qual, “a Requerente não indica qualquer norma que sustente a invocada nulidade, sendo certo que a regra, nos procedimentos de natureza administrativa, é a anulabilidade, conforme decorre do artigo 135.º, do CPA, aplicável ao procedimento tributário por remissão do artigo 2.º/d) do CPPT. Não obstante, sendo a invalidade em causa de natureza procedimental, e tendo em conta o disposto no artigo 54.º do CPPT, sempre será a mesma cognoscível nesta sede”.
Pelo que, se passa a apreciar a ocorrência das pretensas Ilegalidades.
A Requerente vem sustentar o vício de falta de fundamentação e violação do direito de audição, no âmbito da Reclamação graciosa, referindo, em síntese, que a Requerida no projeto de indeferimento da Reclamação graciosa não se pronunciou sobre a prova apresentada (documental e testemunhal) e, bem assim, que a prova não se pode limitar à prova documental e que o afastamento da prova testemunhal sempre teria de ser fundamentada, pelo que sustenta a nulidade da decisão de indeferimento da Reclamação graciosa.
Porém, não assiste razão à Requerente, uma vez que a mesma foi notificada para exercer o direito de audição prévia, conforme resulta do ofício n.º ..., de 09.08.2019, por carta registada com o registo n.º RH...PT, tendo a mesma exercido o direito que lhe assistia em 27.08.2019. Ademais, da informação que sustenta e acompanha o projeto de indeferimento da Reclamação graciosa pondera adequadamente as alegações da Requerente, o que implicitamente teve em consideração toda a prova por esta junta aos autos, pelo que nesse ponto nada se pode apontar à atuação da Requerida. Nesse contexto, essa informação refere inclusivamente que “Em sede de reclamação graciosa, a reclamante não apresentou documentos diferentes dos obtidos pelos SIT, que comprovassem a imprescindibilidade dos gastos para obtenção de rendimentos futuros, cabendo-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que alega, nos termos do nº1 do artigo 74º da LGT “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, o que não se verifica no caso em apreço, ficando, assim, demonstrado a existência de erros ou inexatidões, suscetíveis de correção fiscal.”.
Assim, tendo em consideração as regras de fundamentação das atos administrativo-tributários, a Requerida fundamentou adequadamente a sua decisão, em face do disposto no artigo 77.º, da Lei Geral Tributária, que estabelece que “A decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração e concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”. Acresce que nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal “a fundamentação dos actos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos atos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”. No caso em apreço a AT atuou em conformidade ao que se deixa transcrito da lei, nada havendo a censurar. Tal não significa que a Requerida tenha razão na sua fundamentação, mas, tão só, que do ponto de vista formal fundamentou a sua decisão, tanto no âmbito do relatório final de inspeção tributária, como no âmbito do procedimento de Reclamação graciosa.
Quanto a este argumento avançado pela contribuinte, cumpre-nos referir que é patente em face do articulado da Requerente que a mesma compreendeu, na íntegra, os diversos motivos fácticos que determinaram as correções aritméticas propostas pela AT no Relatório de Inspeção e no indeferimento da Reclamação graciosa (e respetivos projetos de decisão). Na verdade, as divergências existentes entre a AT e a Requerente, são, como resulta do processo, questões de Direito. Desta feita, não nos parece ocorrer aqui qualquer vício de falta de fundamentação, tendo a AT expresso, de forma clara, o percurso lógico, fáctico e jurídico, que determinou as correções que propôs.
Improcede, pois, este argumento aduzido pela contribuinte.
Ademais, no âmbito do procedimento inspetivo necessariamente ter-se-á de chegar à mesma conclusão, não assistindo razão à Requerente nos vícios que aponta à decisão, nomeadamente, a violação do direito de audição. Efetivamente, não assiste razão à Requerente quando alega que devido às férias da representante legal (gerente), bem como à dimensão do projeto de relatório da inspeção tributária, foi solicitada a suspensão até ao seu regresso de férias (que apenas ocorreria a 21.09.2018), mas que apenas lhe foi concedido um prazo suplementar de 10 dias (passou de 15 dias para 25 dias). Entende a Requerente que tal prazo era insuficiente para o exercício efetivo do direito de audição, pelo que a não concessão de prorrogação do prazo fere de nulidade o procedimento de inspeção tributária, inquinando todos os atos subsequentes.
Ora, note-se que aquilo que a Requerente solicitou foi uma suspensão, a qual não encontra cabimento legal tanto na Lei Geral Tributários como no regime legal que regula a atividade da Inspeção Tributária, pelo que apenas era lícito à entidade administrativa equacionar a prorrogação do prazo. Na realidade, não nos podemos esquecer que a atuação dos Serviços de Inspeção Tributária está sujeita ao princípio da legalidade, pelo que atuou esta em conformidade com as possibilidades que a lei lhe permitia. E, nesse contexto, deferiu o pedido de prorrogação para o máximo que está legalmente previsto.
Efetivamente, resulta do artigo 60.º, n.º 6, da LGT, que “o prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até ao máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria”. Pelo que foi concedido o prazo máximo admitido por lei, não parecendo justificável que outra pudesse ser a solução, nem que os motivos invocados pela Requerente justificassem outra solução. Portanto, tem razão a requerida quando sustenta que a suspensão do prazo para o direito de audição não está prevista no art.º 60.º da LGT, nem no RCIPT, pelo que apenas lhe poderia ser concedida a prorrogação do prazo, nos termos previstos no n.º 6 do art.º 60.º da LGT acima transcrito. Acresce que a Requerente não ficou impedida de exercer o correspondente direito de audição, tendo-o efetivamente exercido.
Ademais, como bem refere a Requerida, inclusivamente, a diligência requerida de inquirição de uma testemunha foi deferida, uma vez que em 14.09.2018, propôs o dia 20 de Setembro de 2018 para a audição da mesma, conforme resulta do Relatório da Inspeção. Na realidade, consagrou um ponto exclusivamente para a audição da testemunha (“IX.3.1- Direito de audição- Audição de testemunha”). Ademais, ao contrário do que sustenta a Requerente, este testemunho foi considerado, caso contrário, não teria a Requerida decidido, com o objetivo de descobrir a verdade, diligenciar no apuramento da existência de determinados bens na Clínica.
Em suma, ter-se-á necessariamente de concluir pela improcedência dos vícios de nulidade (ou anulabilidade) por falta de fundamentação e violação do direito de audição no âmbito da reclamação graciosa, bem como do mesmo vício de violação do direito de audição no procedimento inspetivo.
B) Da ilegalidade das correções aos gastos desconsiderados fiscalmente.
Importa, por fim, analisar a legalidade das correções efetuadas no IRC dos exercícios de 2014 e 2015, sendo certo que a maioria das correções decorrem de uma concreta questão de direito, resultante da interpretação e aplicação do artigo 23.º, do CIRC. Isto é, deparamo-nos, no presente processo, essencialmente, com a análise jurídica do que se dispõe no art.º 23.º, n.º 1 e 2 do CIRC, o qual passamos a transcrever, com a redação em vigor à data dos factos:
1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:
a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;
b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;
d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida, doença ou saúde, e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;
e) Os relativos a análises, racionalização, investigação, consulta e projetos de desenvolvimento;
f) De natureza fiscal e parafiscal;
g) Depreciações e amortizações;
h) Perdas por imparidade;
i) Provisões;
j) Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros;
k) Perdas por reduções de justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;
l) Menos-valias realizadas;
m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.
Dita o citado preceito que, para que um determinado gasto de uma pessoa coletiva, possa ser deduzido em sede de IRC, terão de verificar-se dois pressupostos: a) A comprovação desse gasto; b) A indispensabilidade do mesmo para o exercício da atividade da pessoa coletiva em questão.
No essencial, trata-se aqui de averiguar acerca da verificação, ou não, dos pressupostos do art.º 23.º do CIRC conforme acima referido. Ou seja, impõe-se averiguar por um lado se as despesas estão devidamente comprovadas e, num segundo momento, se as mesmas são indispensáveis, ou não, à atividade da contribuinte. Cabe, ainda assim, apurar se se verifica o pressuposto da indispensabilidade exigido pelo art.º 23.º do CIRC e, assim, determinar se este custo pode ser deduzido pela contribuinte em sede de IRC. Ora, a indispensabilidade de determinado custo, nos termos do art.º 23.º do CIRC, depende de uma tarefa de qualificação jurídica desses custos, correlacionando-os com o escopo social da contribuinte.
Trata-se, pois, de uma análise que cabe ao julgador e à qual a contribuinte deve colaborar procurando enquadrar esse custo com a sua atividade, explicando a motivação inerente à realização do custo e os objetivos que se propõe atingir com ele.
Nesse sentido, vide António Moura Portugal, in “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, Coimbra Editora, página 275: “Começamos por deixar expresso o nosso entendimento: a invocação do ónus da prova em questões relacionadas com a necessidade do custo, não tem qualquer pertinência, dado que o que está em discussão é uma questão de qualificação de um gasto como indispensável. Trata-se de um juízo ou operação de qualificação (questão de direito) que os Tribunais têm de decidir, sem que para tal possam repousar apenas no papel mais ou menos activo do contribuinte. E o que se retira das decisões jurisprudenciais analisadas? Que não basta ao contribuinte provar a realidade do gasto e respectiva contabilização.”(…).
E,
“Daí que manifestemos a nossa concordância com as palavras de Vítor Faveiro, quando refere a necessidade de comprovação não se reporta à indispensabilidade dos custos, mas sim à efectividade da realização destes. A indispensabilidade não é, pois, susceptível de prova” Por isso mesmo, na nossa opinião, faz mais sentido falar aqui num dever de motivação ou “explicação acerca da congruência económica da operação”, em vez de verdadeiro ónus da prova” Vide Op. Cit, pg. 276.
Ou seja, afigura-se-nos que o mero facto de um dado custo estar alegado pelo contribuinte, e existir um suporte documental, não pode determinar, por si só, a sua aceitação como custo dedutível. É necessária uma subsequente tarefa, por parte do julgador, de apuramento sobre se esse custo é ou não indispensável à atividade prosseguida pelo contribuinte.
Também nesse sentido vide Rui Duarte Morais, In “Apontamentos ao IRC”, Editora Almedina, páginas 88 a 90: “Já vimos que a questão da “indispensabilidade” de um custo é um problema de qualificação (questão de direito), pelo que, rigorosamente, aqui não se coloca um qualquer problema de ónus da prova.(…) (…) De seguida, salientaremos que a recusa, pela administração, da aceitação fiscal de um determinado custo pela invocação de ser desnecessário não põe em causa a verdade da escrita do sujeito passivo, mas apenas a qualificação por ele feita (em sede de apuramento do lucro) desse custo (que se aceita ter, realmente, existido). Daí que tal não aceitação não legitime o recurso a métodos de avaliação indirecta, mas tão só aquilo que, normalmente, se chama de “correcções técnicas” da matéria colectável declarada.(…) (…) E aqui, segundo entendemos, cabe-lhe o ónus da alegação até porque, de outra forma, tais factos dificilmente serão conhecidos.”(…)
Também, em sentido concordante, vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10-02-2009, processo n.º 02469/08, disponível www.dgsi.pt, página 13: “Sendo assim, a questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (arts. 78º do CPT e 75º da LGT) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível.”(…).
Finalmente, também no mesmo sentido, vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 04-06-2013, processo n.º 06478/13, disponível www.dgsi.pt: “IV) Competindo ao contribuinte ónus da prova da veracidade das operações em causa, não lhe basta criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o art. 100º do CPPT não tem aplicação.”(…).
Sucede que, no caso em apreço, a AT avança indícios acerca da não indispensabilidade dos diversos custos descritos na matéria de factos. Nesse contexto, quanto a esses custos, competia ao contribuinte (Requerente) afastar esses indícios, o que se entende não ter sido conseguido na totalidade, mas apenas parcialmente, uma vez que lhe cabia esse ónus. Designadamente, fica sem explicação cabal e verosímil um conjunto de gastos documentados na contabilidade.
Parte destes indícios, apesar das tentativas da contribuinte em afastá-los, mantêm-se atuais e pertinentes na data presente. A prova destes factos cabia à requerente. Nos termos do artigo 414.º, do CPC, em caso de dúvida, resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita. Pelo exposto, não tendo a contribuinte conseguido afastar a totalidade dos indícios, não podemos aceitar que os custos relacionados com determinadas faturas possam ser aceites como dedutíveis em sede de IRC.
a) Quanto à não aceitação como gastos dedutíveis no exercício económico de 2014
Estamos aqui perante a questão, já anteriormente abordada, da análise se estarão verificados os pressupostos previstos no art.º 23.º do CIRC para que os infra referidos custos possam ser deduzidos no respetivo exercício em sede de IRC. Impõe-se, pois, determinar se os custos estão por um lado devidamente comprovados e, de seguida, se eram indispensáveis à procura de obtenção de proveitos pela contribuinte. Impõe-se, quanto a este aspeto, analisar os documentos de suporte destas despesas oferecidos pela contribuinte um a um, apurando-se, em concreto, relativamente a cada uma, da sua admissibilidade, ou não, como custo dedutível. Assim,
FERRAMENTAS E UTENSILIOS DE DESGATE RÁPIDO
Quanto ao gasto da máquina de lavar loiça, titulada pela fatura “FT AUD512/017925”, de 23 de junho de 2014, a mesma encontra-se comprovada por fatura. Contudo, resulta da mencionada fatura a referência a lugar de descarga que não coincide com as instalações da clínica, que apesar de coincidir com a sede da Requerente é, em simultâneo, a residência da sócia e gerente, a que acresce o facto da documentação referir a pessoa singular como cliente, e não a pessoa coletiva. Ora, todos estes factos indiciam que o gasto comprovado não ter sido efetuado no interesse da Requerente.
Faz-se notar que a Requerente juntou fotografias de vários dos bens que sustenta existirem na clínica, mas não juntou deste equipamento o que indicia igualmente a sua inexistência neste local, para além de não ser verosímil a sua utilização na atividade em concreto.
Pelo que se não aceita o valor desta fatura como gasto, pelos motivos referidos e indícios que a AT apresentou, e que a Requerente não logrou afastar.
No que concerne à aquisição dos óculos, titulada pela fatura simplificada/recibo n.º VD20145090000335, no valor de € 19,90, da mesma não consta a identificação do adquirente, bem como o número de identificação fiscal constante da mesma não coincide com o da requerente. Em conformidade, com o artigo 23.º, n..º 3, do CIRC, estabelece que “Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. Por seu lado, o n.º 4 da identificada disposição legal estabelece que “No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;(...)”. Portanto, a inexistência da identificação do adquirente, bem como a inclusão de número de identificação fiscal que não lhe pertence, conduz necessariamente à não aceitabilidade do gasto fiscal.
Pelo que se não aceita o valor destas faturas como gasto, pelos motivos referidos.
DESLOCAÇÕES E ESTADAS (REFEIÇÕES)
No que respeita ao montante global de refeições no montante global de € 2.688,75, as mesmas foram registadas na contabilidade sob a conta 6251, a qual não diz respeito à conta no âmbito do qual são representadas as despesas de representação. Sendo certo que os gastos estão devidamente comprovados pelas respetivas faturas, em conformidade com a articulação do artigo 23.º, n.º 1 com os números 3 e 4 da mesma disposição legal, tornava-se ainda necessário demonstrar que os mesmos eram indispensáveis à procura de obtenção de proveitos pela contribuinte. Nesse contexto, e em face dos indícios de que tais gastos não cumpriam tal objetivo, a Requerente veio sustentar que os mesmos diziam respeito a despesas de representação. Contudo, a Requerente não apresenta prova desses factos, designadamente não comprovou os beneficiários de tais gastos, sejam eles fornecedores ou clientes.
Assim sendo, não cumpriu o necessário ónus da prova, que pudessem afastar os indícios recolhidos pela AT, nomeadamente a classificação contabilística a que tais despesas foram sujeitas. Pois, conforme resulta do Acórdão do TCAS, de 20.02.2020, proferido no processo 390/06.1BESNT, que “No que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar, fundamentadamente, essa indispensabilidade”. Pelo que não apresentando sequer a lista dos clientes e fornecedores beneficiários, não cumpriu o respetivo ónus que lhe competia. Pois, ao pretender alegar coisa distinta que resultava da classificação contabilística, fundamento que sustenta o questionamento da AT, aquele competia demonstrar tratar-se efetivamente de despesas de representação e, bem assim, da sua indispensabilidade.
Pelo que se não aceita o valor das faturas como gasto fiscal, pelos motivos referidos.
SEGURO DE SAÚDE
Conforme resulta da matéria de facto, a Requerente tomou de seguro junto da I... um seguro de Saúde, a que corresponde a apólice ..., que segura unicamente os sócios J... e K..., implicou um gasto global de € 1.479,71 (em 2014). Assim, o referido seguro não abrangia a totalidade dos trabalhadores/colaboradores da Requerente. Neste âmbito, a Requerida entende estar em causa um benefício de utilidade social, mas que alega não poder ser utilizado, por no caso em apreço não ter aplicação geral a todos os trabalhadores/colaboradores.
A Requerente não juntou aos autos elementos que comprovem os encargos em causa, que os permitam ver no âmbito do artigo 23.º, e não do artigo 43.º, ambos do CIRC. A correção em causa impõe o tratamento como realizações de utilidade social, subsumível ao preceito do artigo 43.º do CIRC. O ataque à bondade da correção e da qualificação jurídica em causa suporia atividade probatória desenvolvida no sentido de concretizar os termos em que foram realizadas as despesas em causa, tendo em vista a sua caracterização como custos efetivos e indispensáveis à formação de proveitos, os quais pela sua permanência, regularidade e efetividade e indispensabilidade afastariam a sua caracterização como realizações de utilidade social.
Sem a referida comprovação a caracterização pretendida incorre em petição de princípio, pois que o eventual erro na subsunção, supõe o esclarecimento da premissa fáctica de que se parte. É esta falta de comprovação em concreto dos termos em que foram realizadas as despesas em apreço que foi objeto de censura por parte da sentença, juízo que a recorrente não logra inverter.
A este propósito, dir-se-á que a dedutibilidade dos custos previstos no artigo 23.º do CIRC, dado que são necessários para a formação dos proveitos depende da demonstração por parte do contribuinte de especiais requisitos, como sejam a efetividade e a indispensabilidade. Por seu turno, a dedutibilidade dos custos previstos no artigo 43.º, do CIRC, depende da sua efetividade e da sua relação com os mecanismos de proteção social dos trabalhadores da empresa, depende também da sua consagração em instrumentos de regulação coletiva do trabalho e de que a sua concessão obedeça a critérios objetivos e idênticos para todos os beneficiários. Subjacente à intenção normativa de ambos os preceitos está o princípio constitucional da tributação do rendimento real das empresas. No caso do preceito do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, a dedutibilidade do custo prende-se com a relação de causalidade do mesmo com a geração dos proveitos, no caso do preceito do artigo 43.º, do CIRC, a dedutibilidade do custo prende-se com a garantia da proteção social do trabalhador e do seu agregado familiar assegurada pela empresa, no quadro dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho. São tipologias de custos diferentes, os quais justificam um regime de dedutibilidade também diferente, nos termos legais.
Em suma, o referido contrato de seguro não cumpriu os requisitos previstos no Código do IRC, pois os benefícios não foram estabelecidos segundo um critério idêntico para todos os trabalhadores. Por isso, os gastos suportados com esses contratos de seguros não são fiscalmente dedutíveis.
DESPESAS DE LIMPEZA, HIGIENE E CONFORTO
Em causa estavam três faturas, descrita no n.º 18 da matéria dado como provada, do qual na resposta a Requerida refere ter aceitado o gasto de € 36,75, e que o mesmo embora constando do relatório de inspeção tributária, não foi efetivamente somado. Assim, estão em causa apenas as duas faturas emitidas pela D... S.A., no valor global de € 153,36, do qual consta a aquisição de produtos/bens dos seguintes produtos: Gel ... Massage; grão; cereais; bolachas...; sacos do lixo; resma de papel; rolos de papel TPA; óculos de leitura; café; gin; toalhas de mão; e água tónica.
Uma vez mais, embora os gastos estejam documentalmente comprovados, havia a necessidade a Requerente demonstrar a indispensabilidade dos gastos para os rendimentos gerados, não se apresentando como verosímil que grande parte dos gastos aqui descritos possam ser admitidos. Ora, não se duvida que uma clínica ofereça aos seus clientes café, mas já não se pode admitir, por exemplo, o fornecimento de produtos com Gin e cereais, pelo que os argumentos apresentados não têm a força probatória para afastar os indícios recolhidos por parte dos Serviços da Inspeção Tributária.
Pelo exposto, apenas se considera justificado a aquisição de café (€ 23,55); toalha de mão (€ 15,20); sacos do lixo (€ 8,99); Resmas de papel (€ 7,40); rolos de papel TPA (€ 2,90), totalizando um valor global de € 58,04, pelo que nesta parte é procedente o pedido arbitral, sendo improcedente o restante.
DESPESAS DE FARMÁCIA
No que respeita à aquisição de produtos farmacêuticos, no montante de € 70,48, relativamente à aquisição dos seguintes produtos: Sebium ... CR 40 ml; Seractil Com. Rev. 400 mg x 30; Dormicum comp. 15 mg x 14; Fucidine CR 2% 15 G; Zaldiar Comp. Rev. 325/37,5 mg x 20; Ibuprofeno Alabesfal 600 mg 20 comp. rev.; e Niquitin CQ Clear R Sist. Transd 7 mg/24h, a Requerente alega esses produtos são indispensáveis e que portante se encontram justificados ao abrigo do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.
Na realidade, em face do alegado torna-se verosímil que efetivamente os referidos gastos possam efetivamente ter sido utilizados no tratamento de clientes, pelo que não se vislumbra razão para não aceitar os referidos gastos como dedutíveis fiscalmente. Ademais, os indícios apresentados pela AT não são fundamente suficientes para que se questione a sua dedutibilidade.
Pelo que neste ponto, parece haver uma efetiva e estreita relação entre a atividade da requerente e a utilização doa fármacos em questão no tratamento dos doentes, como seja, no aliviar da dor.
Contudo, relativamente à aquisição do Fucidine CR 2% 15 G, titulado pela fatura “N.VSQ/13847, de 04.09.2014, a mesma não poderá ser tida em consideração, por da mesma não consta a identificação do adquirente, bem como o número de identificação fiscal. Em conformidade, com o artigo 23.º, n..º 3, do CIRC, estabelece que “Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. Por seu lado, o n.º 4 da identificada disposição legal estabelece que “No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;(...)”.
Portanto, a inexistência da identificação do adquirente, bem como a não inclusão de número de identificação fiscal, conduz necessariamente à não aceitabilidade do gasto fiscal.
Pelo que se considera parcialmente procedente o pedido da Requerente quanto a este concreto gasto, apenas não se aceitando a referida fatura “N.VSQ/13847, de 04.09.2014.
AJUDAS DE CUSTO
No que concerne às ajudas de custo, verifica-se a existência de um gasto de € 429,08, o qual vem titulado por um mapa de suporte. Contudo, os Serviços da inspeção tributária sustentam a existência de indícios que confirmam não se tratar de um gasto real. Na realidade, é questionado o facto de não existir para além do mapa de suporte outros documentos comprovativos da deslocação, nomeadamente, portagens, despesas de refeição, combustível, bem como nota de crédito referente à devolução de material. Efetivamente, sendo a Requerente de Lisboa e a deslocação até Gondomar não é verosímil que, a ter ocorrido a viagem, não tenha existido a passagem por portagens, bem se houve uma devolução de mercadoria, que não tenha existido a emissão de uma fatura.
Em face do exposto, quanto ao entendimento da doutrina sobre o ónus da prova, haverá que reconhecer os indícios suficientes da AT, para que o ónus tenha passado a recair sobre a Requerente. Assim, não tendo sido apresentados nenhum dos seguintes documentos, necessariamente ter-se-á de dar por não demonstrado os elementos constantes do mapa de ajudas de custo.
Pelo que se não aceita o valor do mapa de ajudas de custo como gasto fiscal, pelos motivos referidos.
TRIBUTAÇÕES AUTÓNOMAS
No ano de 2014, a Requerente apurou um montante de ajudas de custo de € 196,24, porém, a autoridade tributária alega ter existido erro de cálculo. Efetivamente, existiu erro de cálculo, pois, o resultado dos encargos com a viatura automóvel ascende a € 3.327,69, respeitante aos seguintes encargos: conservação e reparação de viaturas (€ 1.528,46); combustíveis (€ 827,09); portagens/estacionamento (€ 78,59); seguro Automóvel (€247,77); amortizações (€ 625,00) e
impostos: 20,78.
Assim sendo, de acordo com o artigo 88.º, n.º 3 do CIRC (redação dada pela Lei 2/2014, de 16 de janeiro) estabelece que:
3. São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos ou motociclos, excluindo veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, às seguintes taxas:
a) 10% no caso de viaturas com custo de aquisição inferior a (euro) 25.000;
b) 27,5% no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 25.000 e inferior a (euro) 35.000
c) 35% no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 35.000.
Por seu lado, refere o n.º 5, da identificada disposição legal, quanto à definição dos encargos relacionados com viaturas de passageiros que: “5. Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização”.
No caso em apreço, haveria que aplicar de forma conjugada o artigo 88.º, n.º 3, al. a) com o artigo 88.º, n.º 5, ambos do CIRC.
Portanto, em face dos elementos constantes do processo administrativo, quanto aos gastos relativos ao referido veículo automóvel, o valor da tributação autónoma ascendia a € 357,76 (€ 3.577,58 x 10%). Assim, tendo o valor inscrito na Declaração Mod. 22, de 2014, sido somente o valor de € 196,24, tem razão a Requerida quanto à necessidade de acrescer o montante de € 161,52.
Pelo que improcede o pedido da Requerente quanto a esta matéria.
b) Quanto à não aceitação como gastos dedutíveis no exercício económico de 2015
FERRAMENTAS E UTENSILIOS DE DESGASTE RÁPIDO
No que concerne aos gastos contabilizados sob a conta de ferramentas e utensílios de +desgaste rápido, verifica-se a existência dos seguintes gastos no montante global de € 2.850,21: fervedor de água vermelho; aspirador 2 em 1; painel de madeira vermelho; candelabro de chão; Fortune oil, Good Luck Scrub; piaçabas; televisão, cabos e suporte; lava-loiças e torneira; manta e almofada; porta-rolo e cabides.
A AT sustentou que as referidas aquisições de bens não contribuíram para a formação dos rendimentos sujeitos a IRC, entendendo tais rendimentos como gastos de caráter particular e não ligados à atividade da empresa. Por seu lado, a Requerente sustentou a indispensabilidade dos referido bens adquiridos. Nesse âmbito, a Requerente juntou aos autos fotografias, não impugnadas, quanto à existência na clínica de vários desses bens, nomeadamente, do fervedor de água vermelho, do aspirador 2 em 1, dos piaçabas, da televisão, suporte e cabelagem, do lava loiças e torneira, e da almofada e manta.
Em face dos elementos constantes dos autos, da prova produzida pela Requerente e, bem assim, em face do previsto no artigo 23.º, n.º 1 e 2, do CIRC, é entendimento deste tribunal de tudo que se deixa dito quanto à doutrina e jurisprudência relacionada com o referido dispositivo legal, que será de admitir a dedutibilidade dos seguintes bens, atenta a demonstração da sua existência e indispensabilidade para a atividade da Requerente. Com esse enquadramento será de decidir o pedido favoravelmente quanto aos seguintes bens/produtos: fervedor de água vermelho; aspirador 2 em 1; piaçabas; televisão, cabos e suporte; lava-loiças e torneira; manta e almofada; porta-rolo e cabides, que no seu conjunto perfazem o montante de € 2.538,19.
De referir que não se encontra justificação plausível, quanto ao critério da indispensabilidade, em particular para os produtos cosméticos, o painel e o candelabro de chão, uma vez que a fotografia junto aos autos não corresponde ao bem constante da fatura.
Pelo que se não aceita o valor desta fatura como gasto, pelos motivos referidos.
ARTIGOS PARA OFERTA
No que concerne aos artigos para oferta, respeitante a duas faturas, que na sua globalidade totalizam o montante de € 5.145,00, sustenta a AT que correspondem a € 5.000,00, respeita à aquisição de um cartão presente, adquirido no B..., SA, que por sua vez a Requerente alega tratar-se de 10 cartões de € 50,00 cada. E, por outro lado, o montante de € 145,00, de vários produtos de beleza e cosmética, adquiridos na empresa C..., Lda., que a AT sustenta tratar-se de gastos pessoais e particulares.
Da contabilidade da Requerente não são identificados os beneficiários das ofertas, bem como a alegação da Requerente quanto ao facto de não se tratar de um único cartão oferta, mas, pelo contrário, de 100 cartões com o valor unitário de € 50,00 não encontra cabimentos na análise do documento, que não faz tal referência.
Assim, inexistindo outros documentos de suporte, bem como sendo desconhecidos os beneficiários das ofertas, pelo que se pode questionar se existiu efetivamente beneficiários, entende este Tribunal como válida e aplicável a jurisprudência do Acórdão do TCAS, de 17.06.2003 e 15.06.2015, proferidos nos processos 00319/03 e 00563/05: “1. Não constituem encargos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial;2. Um encargo não se encontra devidamente documentado quando não se encontre apoiado em documentos externos, em termos de possibilitar conhecer fácil, clara e precisamente, a operação, evidenciando a causa, natureza e montante; 3. Uma despesa tem carácter confidencial quando, como a sua própria designação indica, não são especificadas ou identificadas, quanto à natureza, origem e finalidade, sendo não documentadas por natureza; 4. Os encargos suportados pela contribuinte na aquisição de cheques-auto e inscritos como custos na sua contabilidade, desde que não se mostrem comprovados por outros meios de prova de que tal combustível foi utilizado em veículos ao serviço da sua actividade não constituirão um custo, por episodicamente não se mostrarem devidamente documentados, mas não podem ser tributados, autonomamente, ao abrigo do Dec-Lei n.º 192/90, como despesas confidenciais, por não se verificar a ocultação da sua natureza, origem e finalidade.”.
Na realidade, a Requerente, embora prestando um esclarecimento genérico, segundo o qual as ofertas em questão se destinaram a clientes e/ou fornecedores, não foi capaz de concretizar, minimamente, e ainda que não nominalmente, quais os clientes e fornecedores alegadamente beneficiários das ofertas, de indicar as circunstâncias concretas em que as ofertas foram praticadas, nem de fornecer qualquer outro elemento, que proporcionasse alguma base para o controle da AT sobre a matéria. Daí que, não tendo sido devidamente preenchido o ónus probatório que assistia à Requerente, não se poderá, julga-se, dar por assente, para lá de qualquer dúvida razoável, que as “ofertas” em causa foram efetivamente destinadas a clientes e/ou fornecedores daquela.
Estamos aqui, portanto, perante um caso análogo ao que foi objeto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 25-09-2008, proferido no processo 00350/04.7BEBRG, “sabendo-se a origem, natureza e finalidade dos pagamentos, desconhecendo-se apenas a identidade do destinatário”. Aqui, como ali, julga-se, haverá que concluir, nesta situação, pela “não aceitação do custo, (...) por via do não preenchimento do requisito da indispensabilidade das despesas efectuadas (...) para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do art. 23º do CIRC.”, que foi o que fez a AT.
Não podem, assim, deixar de se julgar transponíveis as considerações relevantes da jurisprudência referida, no que diz respeito à dedutibilidade dos gastos em questão. Refira-se ainda que se considera não se estar a ratificar aqui qualquer juízo de interferência da AT na gestão da empresa, já que o que está em causa não é saber se determinada oferta a determinada pessoa é apta ou conforme a obter ganhos tributáveis em IRC, mas se a saída do património da empresa de determinados artigos e/ou valores, sem que se conheça o beneficiário ou as concretas circunstâncias em que se deu, permite considerar, ainda, tal saída como apta ou conforme a obter ganhos tributáveis em IRC
Pelo que se não aceita o valor das faturas como gasto fiscal, pelos motivos referidos.
REFEIÇÕES
No que respeita ao montante global de refeições no montante global de € 2186,60, as mesmas foram registadas na contabilidade sob a conta 62513, a qual não diz respeito à conta no âmbito do qual são representadas as despesas de representação. Sendo certo que os gastos estão devidamente comprovados pelas respetivas faturas, em conformidade com a articulação do artigo 23.º, n.º 1 com os números 3 e 4 da mesma disposição legal, tornava-se ainda necessário demonstrar que os mesmos eram indispensáveis à procura de obtenção de proveitos pela contribuinte. Nesse contexto, e em face dos indícios de que tais gastos não cumpriam tal objetivo, a Requerente veio sustentar que os mesmos diziam respeito a despesas de representação. Contudo, a Requerente não apresenta prova desses factos, designadamente não comprovou os beneficiários de tais gastos, sejam eles fornecedores ou clientes, nem que se destinavam a trabalhadores fora do seu local de trabalho habitual.
Assim sendo, não cumpriu o necessário ónus da prova, que pudessem afastar os indícios recolhidos pela AT, nomeadamente a classificação contabilística a que tais despesas foram sujeitas. Pois, conforme resulta do Acórdão do TCAS, de 20.02.2020, proferido no processo 390/06.1BESNT, que “No que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar, fundamentadamente, essa indispensabilidade”. Pelo que não apresentando sequer a lista dos clientes e fornecedores beneficiários, não cumpriu o respetivo ónus que lhe competia. Ademais, não demonstrou que se destinavam a trabalhadores fora do seu local de trabalho habitual. Pois, ao pretender alegar coisa distinta que resultava da classificação contabilística, fundamento que sustenta o questionamento da AT, aquele competia demonstrar tratar-se efetivamente de despesas de representação e, bem assim, da sua indispensabilidade.
Pelo que se não aceita o valor das faturas como gasto fiscal, pelos motivos referidos.
COMPENSAÇÃO POR DESLOCAÇÃO EM VIATURA PRÓPRIA
No que concerne aos gastos para compensação por deslocação em viatura própria, haverá que recorrer aos mesmos princípios acima referidos quanto aos mapas de ajudas de custo. É especialmente de notar que no ano de 2015 este gasto ocorreu em todos os meses do ano, quando, no exercício do ano anterior (2014) tal efetivamente não ocorreu. Assim, não se compreende a disparidade aqui existente entre a realidade do ano de 2014 e a de 2015, não tendo lograda a Requerente explicitar tal ocorrência.
Na realidade, a Requerente limitou-se a fundar a sustentação da dedutibilidade fiscal do gasto com fundamento nos mapas constante da contabilidade, não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada, mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível. Portanto, conforma atrás referido, competindo ao contribuinte ónus da prova da veracidade das operações em causa, não lhe basta criar dúvida sobre a sua veracidade. Em face, de documentação suplementar que justifique as diversas deslocações, nomeadamente que as mesmas ocorreram no interesse da Requerente e que eram indispensáveis à formação do rendimento, não poderá ser admitida a sua dedutibilidade.
Acresce que, apensar dos mapas da Requerente indicarem o número de km percorridos, deveriam fazer essa indicação através dos km à partida e dos km à distância, que permitiria efetivamente avalizar a efetividade das deslocações. Por outro lado, os referidos mapas, entre outros elementos, deveriam conter de forma explicita a justificação da deslocação, mas tal não é detetável dos mapas apresentados, nomeadamente, as razões que subjazem para a continuada existência de deslocações para fora a área em que se localiza a atividade da Requerente. Na realidade, os mapas limitam-se a referir na justificação a entidade a que se deslocou, não representando tal uma cabal justificação.
Posto isto, a AT avança indícios acerca da dúvida e não indispensabilidade dos custos descritos nos respetivos mapas. Nesse contexto, quanto a esses custos, competia ao contribuinte (Requerente) afastar esses indícios, o que se entende não ter sido conseguido. Designadamente, fica sem explicação cabal e verosímil o conjunto de deslocações descritas nos respetivos mapas.
SEGURO DE SAÚDE
No que concerne a este gasto, a sua fundamentação remete-nos para a apreciação dos mesmos pontos abordados aquando da análise do mesmo gasto no ano de 2015, pelo que em 2015 o mesmo não apresenta nenhuma particularidade que implique um entendimento distinto.
Consequentemente, o referido contrato de seguro não cumpriu os requisitos previstos no Código do IRC, uma vez que os benefícios não foram estabelecidos segundo um critério idêntico para todos os trabalhadores. Por isso, os gastos suportados com esses contratos de seguros não são fiscalmente dedutíveis.
DESPESAS DE LIMPEZA, HIGIENE E CONFORTO
No que concerne aos gastos inseridos nesta rúbrica, estão em causa os gastos constantes de três faturas da D..., S.A., que totalizam o montante global de € 473,01. Das referidas faturas consta a aquisição dos seguintes produtos/bens: água tónica; lixivia tradicional; cif liquido; guardanapos; geleia; gin; toalhas de mão; resma de papel; adoçante; pastilhas; café; copos para café; cofos para sumo; palhetas de café; Bagas de zimbro; colher; papel higiénico; Tequila; Licor; água mineral com gás; ... amoniacal; colher de silicone; gel acendalha; e resmas de papel.
Uma vez mais, embora os gastos estejam documentalmente comprovados, havia a necessidade a Requerente demonstrar a indispensabilidade dos gastos para os rendimentos gerados, não se apresentando como verosímil que grande parte dos gastos aqui descritos possam ser admitidos. Ora, não se duvida que uma clínica ofereça aos seus clientes café, mas já não se pode admitir, por exemplo, o fornecimento de produtos com gin, tequila, licores e cereais, pelo que os argumentos apresentados não têm a força probatória para afastar os indícios recolhidos por parte dos Serviços da Inspeção Tributária.
Pelo exposto, apenas se considera justificada a aquisição dos seguintes bens/produtos: lixivia tradicional (€ 0,75), cif liquido (€ 3,14); toalhas de mão (€ 34,40); resma de papel (€10,95); lixivia tradicional (€ 0,75); adoçante (€ 1,99); cafés (€ 17,37); toalhas de mão (€ 22,50); copos de café (€3,00); palhetas de café (€ 6,90); toalhas de mão (€ 25,20); papel higiénico (€ 10,00); cafés (€ 15,75); copos para café (€ 1,49); lixivia tradicional (€ 1,59); ... gel (€ 2,90); ... amoniacal (€ 3,99); papel de fotocópia e resmas de papel (€ 15,50), totalizando um valor global de € 178,17, pelo que nesta parte é procedente o pedido arbitral, sendo improcedente o restante.
c) Restituição das quantias pagas
Procedendo parcialmente o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia paga em excesso que se venha apurar no âmbito da revisão das liquidações adicionais de IRC de 2014 e 2015.
d) Dos juros indemnizatórios
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
O erro que afeta parcialmente a liquidação é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, o qual é subsumível em face do disposto no mencionado dispositivo legal. Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, quanto à parte objeto de anulação, em consequência do vencimento parcial do pedido.
Os juros indemnizatórios são calculados com base no valor que se venha a apurar, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde a data em que foi efetuado o pagamento da quantia liquidada até ao integral reembolso.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular os atos de liquidação adicional de IRC de 2014, na parte correspondente aos gastos com limpeza, higiene e conforto e gastos farmácia considerados justificados parcialmente;
c) Anular os atos de liquidação adicional de IRC de 2015, na parte correspondente aos gastos com ferramentas e utensílios de desgaste rápido e gastos com limpeza, higiene e conforto, considerados justificados parcialmente;
d) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos suprafixados.
e) Julgar improcedente o pedido quanto ao demais
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 5.392,44, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo das partes pelo decaimento.
Notifique-se.
Lisboa, 20 de julho de 2021
O Árbitro
Rui Miguel Zeferino Ferreira