SUMÁRIO:
I. Da conjugação do disposto no artigo 10.º do RJAT e da alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, resulta que o pedido de constituição de Tribunal Arbitral, deve ser apresentado 3 meses após o «termo do prazo de pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas aos contribuintes».
II. O pedido de pronúncia arbitral que ocasionou o presente processo tem circunstâncias próprias, porquanto se revela sequencial à decisão de cumulação ilegal de pedidos proferida, no dia 5 de março de 2020, no âmbito do processo n.º 258/2019-T, do CAAD, e por essa razão, apresentado pela aplicação do disposto no n.º 7 do artigo 4.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi do disposto na alínea c) do artigo 29.º do RJAT.
III. Só a falta total (e já não a escassez) ou a ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir é que geram a ineptidão da petição inicial. (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no processo n.º 7630/05.2TBLRA.C1, de 17 de maio de 2007).
IV. IV. O mandato tributário, o mandato civil e a procuração consubstanciam figuras diferentes entre si. A procuração passada a favor do respetivo procurador, em termos gerais, apenas, lhe confere direitos gerais de representação, não lhe confere poderes especiais para receber atos de liquidação que são confidenciais e pessoais.
V. O pedido de pronuncia arbitral em que a Requerente não concretiza e não materializa que erro sobre os pressupostos de facto e de direito entende inquinar o ato de liquidação sindicado está condenado ao insucesso.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. No dia 8 de junho de 2021, A...UNIPESSOAL, LDA, NIPC..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... ..., doravante designada por “Requerente”, solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado n.ºs..., ..., ... e ..., referentes aos quatro trimestres de 2015, nos montantes de € 14.520,28, € 8.141,41, € 3.596,21 e € 2.419,83 respetivamente, bem como dos respetivos juros compensatórios no valor de € 3.393,99, num total de € 32.071,72 (trinta e dois mil, setenta e um euros e setenta e dois cêntimos).
2. A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, o Dr. B... e o Dr. C... e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelas juristas, Dr.ª D... e Dr.ª E... .
3. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi, o signatário, designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e aceitou o cargo, no prazo legalmente estipulado.
4. O presente Tribunal foi constituído no dia 2 de setembro de 2020, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral singular que se encontra junta aos presentes autos.
5. Por despacho de 3 de setembro de 2020, o Tribunal notificou:
a) a Requerente para juntar:
i) a Procuração forense a favor do respetivo mandatário judicial com a ratificação do processado, em virtude de a Procuração junta aos autos ter sido feita em nome do representante legal da Requerente e não em nome desta, bem como,
ii) o documento n.º 9 indicado no pedido de pronúncia arbitral, o qual consubstanciando a certidão comercial da Requerente, continha uma chave de acesso que se encontrava inativa, e
b) a Requerida para apresentar resposta e juntar o processo administrativo.
6. No dia 9 de outubro de 2020, a Requerida apresentou a sua resposta e o respetivo processo administrativo.
7. O Tribunal, por despacho de 13 de outubro de 2020, face ao teor da Resposta da Requerida, notificou a Requerente, para, querendo, exercer o direito ao contraditório. Mais, renovou a notificação feita através do despacho referido em 5. supra, e notificou-a, para indicar os factos concretos enumerados no seu pedido de pronúncia arbitral relativamente aos quais pretendia que incidisse a inquirição da testemunha arrolada.
8. No dia 29 de novembro de 2020, a Requerente veio dar cumprimento ao despacho de 3 de setembro de 2020.
9. No dia 3 de dezembro de 2020, a Requerente, através de requerimento, veio indicar os factos concretos a que a testemunha que arrolou no seu pedido de pronúncia arbitral deverá ser inquirida.
10. Por despacho de 15 de dezembro de 2020, o Tribunal designou o dia 23 de fevereiro de 2021 para a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT, bem como para a audição da testemunha arrolada pela Requerente.
11. Por despacho de 8 de fevereiro de 20212, na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, o Tribunal deu sem efeito o despacho de 15.12.2021, desmarcando a reunião do artigo 18.º do RJAT.
12. No dia 28 de abril de 2021, o Tribunal, através de despacho, por um lado, designou o dia 27 de maio de 2021 para a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT e para audição da testemunha arrolada pela Requerente e, por outro, prorrogou do prazo de arbitragem, nos termos do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, por período de 2 meses, indicando como data-limite para ser proferida a decisão o dia 3 de julho de 2021.
13. No dia 27 de maio de 2021 realizou-se a reunião do artigo 18.º do RJAT, tendo a mesma tido lugar com a presença, nas instalações do CAAD do árbitro Jorge Carita e os mandatários da Requerente, e por via Cisco Webex Meeting, a representante da Requerida, e nela tendo sido, igualmente, inquirida a testemunha arrolada pela Requerente.
14. Na supramencionada reunião, o Tribunal notificou a Requerente e Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, deliberou que a decisão final seria proferida até ao fim do prazo fixado no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, indicado em 12 supra, advertiu a Requerente que, até à data da prolação da decisão arbitral, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente e comunicar tal pagamento ao CAAD.
15. No dia 2 de junho de 2021, a Requerente apresentou substabelecimento que havia protestado juntar aos autos, na reunião realizada no dia 27 de maio de 2021, mediante o qual são conferidos poderes de representação ao Dr. C... .
16. Nesta sequência, no dia 8 de junho de 2020, a Requerente apresentou alegações escritas, e a Requerida apresentou as suas no dia 17 de junho de 2021.
II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:
1. A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes vícios:
a) NULIDADE E INEFICÁCIA DA NOTIFICAÇÃO DOS ATOS TRIBUTÁRIOS sustentando que os atos de liquidação notificados à Requerente não se compadecem com as regras e requisitos formais que lhe são exigidos, pelo que «terá de se concluir pela verificação da falta de notificação das liquidações antes de decorrido o prazo de caducidade, (…) que «ocorreu, relativamente, ao exercício de 2015, em 01/01/2019.» , sacando-lhes, complementarmente os vícios de preterição de formalidade essencial e de caducidade do direito à liquidação.
b) ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO, defendendo que a Requerente que «está em causa o apuramento de uma divergência no valor das CMVMC em sede de inventário e a sua valorização, bem como a rejeição como custo fiscal dedutível de custos suportados pela Impugnante e ainda alegadas vendas omissas. Invocando, para o efeito, que «a correção efectuada no Relatório de Exame, que deu lugar à liquidação de imposto e demais encargos legais apurados, constituem actos praticados em manifesto erro quanto aos pressupostos de facto, em violação de lei imperativa por erro sobre os pressupostos de direito e violação de lei imperativa, pelo que padecendo dos identificados vícios, tal liquidação e seus acréscimos devem ser integralmente anulados, por invalidade relativa, devendo ser anulados, como é de direito»
2. Peticiona, assim, a final, que seja deferido o presente pedido de pronúncia arbitral, e em consequência, sejam anulados os atos de liquidação adicional de IVA referentes aos quatro períodos de 2015 e respetivos juros compensatórios.
III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:
1. Rebate a Requerida os argumentos da Requerente, apresentando a sua defesa por exceção e por impugnação.
2. No que à exceção respeita, invoca a Requerida, por um lado, a “intempestividade do pedido de pronúncia arbitral” referindo, para o efeito, que, à data de 10.04.2019 – data de apresentação do pedido de pronúncia arbitral -, o prazo para o exercício do direito de ação junto do CAAD já havia terminado, contado o prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1 alínea a) do RJAT, «a partir da notificação da liquidação legalmente notificada”,
3. … e, por outro, a “ineptidão do pedido de pronúncia arbitral”, sustentando quanto a este que «(…) o douto pedido de pronúncia arbitral, vem deduzido contra as liquidações adicionais de IVA e, não obstante, a Requerente não invoca em parte alguma do pedido quais as normas ou princípios do imposto em causa, assim como também não invoca quaisquer factos, que, no seu entender, constituem o fundamento da causa de pedir. Ou seja, a Requerente não invoca quaisquer normas jurídicas em que se baseia para formular o seu pedido de anulação das liquidações de IVA.» Aduz, complementarmente, a Requerida que «(…) a falta de indicação da causa de pedir do presente pedido de pronúncia arbitral, no que concerne ao pedido de anulação das liquidações de IVA (ou é esta, no mínimo, manifestamente ininteligível), na medida em que não é possível descortinar-se qual a fonte do direito invocado que no entender da Requerente, o direito procede».
4. Impugna, a Requerida, refutando os argumentos tecidos pela Requerente, referindo quanto à alegada caducidade do direito à liquidação que, entre 29.05.2018 e 19.11.2018, período em que se realizou a ação de inspeção à contabilidade da Requerente, o prazo de caducidade esteve suspenso, pelo que «quando a Requerente foi notificada e 11/12/2018, ainda não tinha ocorrido a caducidade da liquidação referente ao período de tributação de 2015.»,
5. … e no que respeita ao alegado vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, sustenta a Requerida que «resulta assim evidente que a AT demonstrou a ocorrência dos necessários fundamentos para as correções efectuadas, apresentando-se adequadamente fundamentados e pertinentes, os critérios que esta utilizou para a qualificação e quantificação do imposto em falta, sendo que era à Requerente que se impunha demonstrar que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas fundamentada, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade, demonstração essa que, como temos por manifesto na linha do referido, não logrou fazer, não se verificando a invocada isenção prevista no art.º 14.º do RITI.»
6. Concluindo no sentido de que «deverá a argumentação expendida pela Requerente ser julgada improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações de IVA ora impugnadas, concluindo-se pela legalidade das mesmas.»
IV. SANEAMENTO
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.
V. MATÉRIA DE FACTO
1. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC).
3. Assim, atendendo à posição assumida pela Requerente e Requerida nas respetivas peças processuais - pedido de constituição arbitral e resposta, respetivamente, e respetivas alegações – à prova documental carreada para os autos, à prova testemunhal produzida, bem como ao processo administrativo, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
b. Factos dados como provados
1. Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
A. A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas, constituída em novembro de 2013, tendo como seu único sócio E..., contribuinte fiscal n.º ... . – cfr. Doc. n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral -;
B. A Requerente tem como objeto social «Importação, exportação, armazenagem e comércio grossista e ao público de material de papelaria, livraria, material escolar, relojoaria, brinquedos, calçado, vestuário, carteiras, cintos, eletrodomésticos, material fotográfico, informático, artigos de eletrónica, plásticos, utilidades domésticas, perfumaria, cosméticos, produtos de higiene, produtos de limpeza, ferramentas, ferragens, produtos alimentares, quinquilharias e artesanato.» – cfr. Doc. n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral -;
C. A Requerente tem o capital social de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) – cfr. Doc. n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;
D. A Requerente encontra-se inscrita no cadastro com o CAE principal 46900-Comércio por grosso não especializado. – cfr. Doc. n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral e processo administrativo - ;
E. A Requerente, para efeitos de IVA, encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal – cfr. processo administrativo –
F. Em 10 de outubro de 2016, o sócio único da Requerente constitui procuradora desta, a Senhora F..., a quem conferiu os necessários poderes pessoais e de gerência para praticar os atos necessários à prossecução do objeto social da sociedade representada, junto de quaisquer terceiros, em Portugal e no estrangeiro, designadamente junto de Serviços de Finanças, Conservatórias, Notários, Municípios e quaisquer Ministérios, Serviços, Organismos e Repartições Públicas. – cfr. facto não impugnado -;
G. A contabilidade da Requerente foi objeto de uma ação de inspeção, de caráter externo e âmbito geral, ao abrigo da Ordem de Serviço OI2017... que teve início no dia 29.05.2018 e fim no dia 19.11.2018 – cfr. facto não impugnado e Anexo III do processo administrativo –;
H. A Requerente foi notificada, pela Direção de Finanças de..., Divisão de Inspeção Tributária II, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI 2017..., na pessoa da sua procuradora, F..., por Ofício de 27 de agosto de 2018, «para os devidos efeitos do dever de colaboração, em conformidade com os art.s 59.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária (LGT) (…) para no dia 30 de agosto do corrente ano, às 10:00 horas, apresentar, no local onde é elaborada a contabilidade, os (…)elementos/esclarecimentos, por escrito, referentes ao períodos de 2015: 1. Relativamente à base de dados de gestão de stocks, recolhida ao abrigo do Despacho n.º DI2018..., (…); 2. No que respeita, aos documentos contabilizados na conta # 711121 – “Outras vendas(art.º 20.º do Código do IVA” (…) 3. No que concerne, aos documentos contabilizados na conta # 243412 – “Regularizações p7Devoluções Clientes”, apresente os documentos que titulam o registo contabilístico, bem como os documentos que lhe permitem regularizar o IVA a favor do sujeito passivo, nos termos do art.º 78.º do Código do IVA.» » - cfr. Anexo VI do processo administrativo -;
I. No dia 30 de agosto de 2018, a Requerente apresentou um requerimento, junto da Direção de Finanças de ..., em resposta à notificação identificada em H. supra, mediante o qual reconhece os erros de inventário considerados no apuramento do Custo das Existências Vendidas e Consumidas, tendo procedido à entrega, quer aos Serviços de Inspeção, quer, por via eletrónica, à AT, de dois “novos” inventários (reportados a 31.12.2014) e outro reportado a 31.12.2015 – cfr. Anexo VI e VII do processo administrativo - ;
J. Por ofício de 24 de setembro de 2018, da Direção de Finanças de ..., Divisão de Inspeção Tributária II, no âmbito da Ordem de Serviço n.º OI2017..., a Requerente foi notificada, na pessoa da sua procuradora, F... «para efeitos do dever de colaboração (…) para no dia 26 de setembro do corrente ano, às 16:00 horas, apresentar, no local onde é elaborada a contabilidade, os seguintes elementos /esclarecimentos, por escrito, referente ao período de 2015: 1 – Na sequência da v/ resposta, datada de 30 de Agosto de 2018, à alínea c) do n.º 1 da n/ notificação, na qual se reconhece que os Inventários iniciais e finais de 2015, extraídos do sistema de gestão de stocks estão incorrectos, solicita-se que sejam entregues os inventários iniciais e finais de 2015 corrigidos da anomalia alegada por V. Exas na referida resposta.» - cfr. Anexo VIII do processo administrativo - ;
K. No dia 26 de setembro de 2018, a Requerente, em cumprimento à notificação identificada em J supra, enviou, via e-mail, para a Direção de Finanças de ..., «os ficheiros de inventário da A..., Lda» - cfr. Anexo IX e X do processo administrativo –
L. Os Serviços de Inspeção procederam à reanálise dos ficheiros apresentados pela Requerente, tendo detetado outras divergências em termos quantitativos e de valorização – cfr. Anexo XII do processo administrativo -
M. Por Ofício de 1 de outubro de 2018, a Direção de Finanças de ... notificou, no âmbito da Ordem de Serviço n.º OI2017..., a Requerente, na pessoa da sua procuradora, F..., «(…) para justificar a valorização, por código de artigo, de cada um dos bens identificados no quadro infra, juntando os respetivos documentos comprovativos.» - cfr. Anexo XII do processo administrativo -:
N. No dia 5 de outubro de 2018, a Requerente apresentou um requerimento junto da Direção de Finanças de ... nos termos do qual reconhece que os novos inventário estavam mal valorizados, - cfr. Anexo XII do processo administrativo -
O. A Requerente foi notificada na pessoa da sua procuradora, F..., do projeto de correções do Relatório de Inspeção Tributária, e para querendo, exercer o direito de audição prévia que lhe assiste pelo disposto no artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPITA, através de Ofício da Direção de Finanças de ..., Divisão de Inspeção Tributária II, datado de 22 de outubro de 2018 – cfr. Anexo I do processo administrativo - ;
P. A AT, no dia 5 de novembro de 2018, recebeu um requerimento, via e-mail, apresentado pela Requerente, através do qual solicitava a prorrogação do prazo para exercer o direito de audição previsto no artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPITA – cfr. Anexo II do processo administrativo - ;
Q. A Requerente foi notificada, na pessoa da sua procuradora, F..., através do Ofício n.º ... de 05.11.2018, da Direção de Finanças de ..., Divisão de Inspeção Tributária II, do deferimento do pedido de prorrogação do prazo para o exercício do direito de audição sobre o projeto de correções identificado em P. supra, pelo período de 10 dias, «sendo assim concedido o prazo máximo de 25 dias para o exercício do direito de audição previsto no n.º 6 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária» - cfr. Anexo II do processo administrativo - ;
R. A Requerente foi notificada, na pessoa da sua procuradora, F..., através do Ofício n.º..., de 16.11.2018, da Direção de Finanças de ..., Divisão de Inspeção Tributária II do indeferimento do pedido (apresentado a 16.11.2018) de nova prorrogação do prazo para o exercício do direito de audição «porque já lhe foi concedido o prazo máximo de 25 dias para o exercício do direito de audição, previsto no n.º 6 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária» - cfr. Anexo XIII do processo administrativo - ;
S. A Requerente exerceu o direito de audição, através do requerimento que dirigiu à Direção de Finanças de ..., datado de 19.11.2018 – cfr. Doc. n.º 18 junto com o pedido de pronuncia arbitral e Relatório de Inspeção Tributária - ;
T. Por ofício de 21 de novembro de 2018, foi a Requerente notificada, na pessoa da sua procuradora, F..., do Relatório de Inspeção Tributária, do qual resulta o seguinte: – cfr. Doc. n.º 18 junto com o pedido de pronuncia arbitral e Relatório de Inspeção Tributária - ;
«2. SEDE DE IVA
2.1 – FALTA DE LIQUIDAÇÃO DE IMPOSTO – OPERAÇÕES NÃO ENQUADRÁVEIS NO ART.º 3.º DO REGIME DO IVA NAS TRANSACÇÕES INTRACOMUNITÁRIAS (RITI)
O SP contabilizou, em 22-10-2015, na conta #711 121 — "Outras vendas (art.º 20.º do Código do IVA) a factura n. 0 2015000458, emitida a favor do cliente G..., S.L., NIF ES-..., com morada em ...- ... ...- ESPANHA, no valor total de € 38.350,00, referente à venda de 29.500 unidades de "Tomada ...".
Na factura supra identificada não foi liquidado IVA sobre o valor dos bens vendidos, estando inscrito na mesma "Motivo Isenção: Venda Exterior".
O SP foi notificado pessoalmente, em 27 de Agosto de 2018, do seguinte :
“(…)
2 - No que respeita, aos documentos contabilizados na conta #711121 — "Outras vendas (art.º 20.º do Código do IVA", solicita-se o seguinte:
a) Cópia das facturas;
b) Os documentos que lhe permitem beneficiar da isenção de IVA.
(…)”
O SP respondeu, em 30/08/2018, através de um documento escrito o seguinte:
“ (…)
Ponto 2 — Em relação ao documento contabilizado na conta 711121, anexamos fotocópia da fatura. Informamos que não temos na nossa posse mais nenhum documento, pela seguinte razão. Esta empresa com sede em Espanha não é nossa cliente, foi solicitado pelo nosso fornecedor para poder completar a carga no contentor, que juntamente com a nossa encomenda viesse uma encomenda para esta empresa em Espanha. No entanto a fatura da China veio toda em nosso nome, pelo que quando foi desalfandegada emitimos nós uma fatura a vender o produto sem qualquer margem de lucro e todo o transporte foi efetuado pela empresa Espanhola. Assim, não possuímos nenhum documento adicional além da fatura de venda.
(…)”
Em face da resposta do SP, ao ponto 2 da notificação supra identificada, conclui-se que o mesmo não tem documentos que comprovem a isenção de imposto (IVA) ou o motivo da isenção.
Estabelece o n.º 1 do art.º 6.º do CIVA, como regra geral, que as transmissões de bens são sujeitas a imposto quando os bens se encontrem no território nacional no momento em que se inicia a expedição ou transporte para o adquirente ou. na falta de expedicão ou transporte, no momento em que são colocados à disposicão do adquirente. Assim, a operação supra descrita consubstancia uma transmissão de bens sujeita a imposto em território nacional nos termos do art.º 1.º do Código do IVA.
Nas transmissões de bens o imposto é devido e torna-se exigível no momento da sua realização, conforme determina a alínea a) do n. 0 1 do artigo 7. 0 do Código do IVA.
No caso em apreço, dado que as transmissões de bens deram lugar à emissão de factura, o imposto torna-se exigível no momento da emissão da respectiva factura, de acordo com o previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º do CIVA.
Nos termos do n.º 1 do artigo 16.º do CIVA, o valor tributável das transmissões de bens é o valor da «contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro», pelo que, nestes casos, consideram-se o valor inscrito na factura emitida.
O montante do imposto exigível, apurado nos termos dos artigos 19.º a 26.º, e 78.º , todos do CIVA, deve ser entregue nos cofres do Estado, conjuntamente com a respectiva declaração periódica até ao dia 15 do 2.º mês seguinte ao trimestre do ano civil a que respeitam as operações, conforme previsto no n.º 1 do artigo 27.º, conjugado com a alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º todos os artigos do CIVA.
Deste modo, verifica-se imposto em falta, no 4.0 Trimestre/2015 no valor de € 8.820,50, conforme se demonstra:
€ 38.350,00 x 23% =€ 8.820,50
2.2 . REGULARIZAÇÃO DE IVA – ART.º 78.º DO CÓDIGO DO IVA
O SP contabilizou na conta 243412 — "REGUL.P/DEVOLUÇOES CLIENTES", os documentos identificados no quadro seguinte:
(…)
Paralelamente, o SP declarou no campo 40 — "Regularizações a favor do SP" da declaração periódica de
IVA (DP)I por período de imposto, os seguintes valores:
(em euro)
Período do Imposto N.º da Declaração Valor Declarado
2015 2.º Trimestre ... 26.376,16
2015 3.º trimestre ... 4.797,12
2015 4.º Trimestre ... 1.714,17
Dispõe o n.º 5 do art.º 78.º do Código do IVA que:
"Quando o valor tributável de uma operação 011 0 respectivo inlposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reenzbolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução".
No sentido de confirmar se o SP deu cumprimento ao citado normativo legal, notificou-se, pessoalmente, o SP, na pessoa da sua procuradora Sra. F..., para apresentar no dia de 30 de Agosto de 2018, os seguintes elementos:
“(…)
3 — No que concerne, aos documentos contabilizados na conta #243412- «Regularizações p/Devoluções Clientes", apresente os documentos que titulam o registo contabilístico, bem como os documentos que lhe permitem regularizar o IVA a favor do sujeito passivo, nos termos do art.º 78.º do Código do IVA.
(…)”.
O SP respondeu, em 30 de Agosto, através de um documento escrito, o seguinte:
“(…)
Ponto 3 — Em relação às Notas de Crédito que nós emitimos, não temos na nossa posse nenhum documentos assinado pelo cliente, uma vez que as referidas notas de crédito são feitas para rectificar facturas emitidas com erros da nossa parte ou para anular todas ou partes de facturas que são transportadas por empresas de transporte e o material é devolvido, e não temos tido a preocupação de solicitar ao nosso cliente documentos que justifiquem esses créditos.
(…)”
(negrito nosso).
Em face da resposta do SP, conclui-se que o mesmo não tem na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificacão, conforme impõe o n.º 5 do art.º 78.º do Código do IVA.
No âmbito do procedimento de inspecção a decorrer ao cliente H..., LDA NIF..., verificou-se a contabilização de algumas das Notas de Crédito emitidas pela A... . No quadro seguinte estão identificadas as referidas notas de crédito:
TRIMESTRE N.0 da NOTA DE CRÉDITO VALOR
2. 0 Trimestre 12015 V/N CRÉDITO N02015000003 7.485,95
2. 0 Trimestre 12015 V/N CRÉDITO N02015000007 8.430,84
2. 0 Trimestre 12015 V/N CRÉDITO N 02015000008 9.165,74
2 0 Trimestre 12015 V/N CRÉDITO N 02015000009 1.097,10
Trimestre 12015 V/N CRÉDITO N 02015000002 16,56
2. 0 Trimestre 12015 Total 26.196,19
3 0 Trimestre/2015 V/N CRÉDITO N02015000013 666,50
3 0 Trimestre/2015 V/N CRÉDITO N02015000016 401,86
3.0 Trimestre/2015 Total 1.068,36
Total Geral 27.264,55
Nesta conformidade, concluímos que o cliente (H..., Lda.) da A... tomou conhecimento das notas de crédito identificadas no quadro supra e regularizou o IVA respectivo
Todavia, relativamente às restantes notas de crédito, emitidas quer em nome da H..., Ld a . quer em nome de outros clientes, para os quais não existem documentos de prova que comprovem que o cliente tomou conhecimento das respectivas notas de crédito, considera-se que o IVA foi regularizado indevidamente, nos termos do n.º 5 do art.º 78.º do Código do IVA.
No quadro seguinte estão identificadas, por período de imposto, as notas de crédito que têm inscrito o IVA regularizado indevidamente a favor do SP:
(…)
2.3 FALTA DE LIQUIDADÇÃO DE IVA - VENDAS OMISSAS
As correcções nas vendas referidas no ponto III. 1.7, cujo facto gerador de imposto, nos termos do n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, se considera verificado no último dia do período de tributação (31 de Dezembro), têm consequências em sede de IVA. Pois, nos termos do disposto no artigo 86.º do Código do IVA, consideram-se transmitidos os bens adquiridos ou importados que não se encontrem em qualquer dos lugares onde o SP exerce a sua actividade, sendo sujeitas a imposto, nos termos do artigo 1.º e artigo 3.º, ambos, do Código do IVA.
A liquidação de imposto (IVA) é devida, e torna-se exigível, nas transmissões de bens no momento em que os mesmos são colocados à disposição dos adquirentes, nos termos da alínea do n.º 1 do art.º 7.º do Código do IVA.
Em face do exposto, e desconhecendo-se o momento exacto da venda, irá considerar-se como critério objectivo, a repartição do valor global do IVA não liquidado relativo às vendas omissas, calculadas no ponto III. 1.7 da presente informação, pelos vários períodos de 2015, tendo em conta a proporção do volume de vendas por trimestre em face do volume de vendas anual declarado.
No ano em apreço, o SP estava enquadrado no regime trimestral, por isso, repartir-se-á o apuramento das vendas omissas em função das vendas declarada em cada um dos quatro trimestres do ano de 2015 nas respectivas Declarações Periódicas de IVA (DP).
Na base de dados da AT recolheu-se os valores das bases tributáveis declaradas, por período de imposto, nas DP's. Posteriormente, apurou-se a percentagem do valor declarado, por período de imposto, sobre o valor total anual das bases tributáveis, conforme se demonstra no quadro seguinte.
(em euro)
Período de imposto Base Tributável — taxa normal % base tributável: valor do período de Imposto/valor total
(taxa normal)
2015/03T 569.355,30 17%
2015/06T 826.339,83 24%
2015/09T 1.049.364,43 31%
201S/12T 960.174,78 28%
Total 3.405.234,34 100%
Nos termos do n.º 1 do artigo 16.º do CIVA, o valor tributável das transmissões de bens é o valor da «contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro» .
O montante do imposto exigível, apurado nos termos dos artigos 19.º a 26.º e 78.º , todos do CIVA, deve ser entregue nos cofres do Estado, conjuntamente com a respectiva declaração periódica, até ao dia 15 do segundo més seguinte ao trimestre do ano civil a que respeitam as operações, conforme previsto no n.º 1 do artigo 27.º, conjugado com a alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º, todos os artigos do CIVA.
Conforme foi determinado no ponto III.1.7., apuraram-se vendas omissas, no valor € 61.888,28 (€ 61.405,16 + € 483,12).
Deste modo, a correcção ao valor das bases tributáveis a considerar, por período de imposto, são as seguintes:
Período de imposto Valor das Vendas omissas % base tributável período de imposto sobre o total da
mesma Correcção à base tributável por período de imposto Taxa de imposto Falta de liquidação de IVA
2015/03T 61.888,28 17% 10.521,00 23% 2.419,83
2015/06T 24% 14.853,19 23% 3.416,23
2015/09T 31% 19.185,37 23% 4.412,64
2015/12T 17.328,72 23% 3.985,61
Total 100% 61.888,28 14.234,31
2.4- TOTAL DAS CORRECÇÕES EM SEDE DE IVA
A— Falta de liquidação de IVA
Item Relatório Período de imposto Correção à base tributável por período de imposto Taxa de imposto Falta de liquidação de IVA
III 2.3 2015/03T 10 521.02 23% 2 419,83
III 2.3 2015/06T 14 853.21 23% 3 416 23
III 2.3 2015/09T 19 185,40 23% 4 412,64
III 2.1 e III 2.3 2013/12 55 678.75 23% 12 806.11
Total 100.238,38 23.054,81
B— Regularizações indevidas de IVA
Item Relatório Período de imposto Regularização indevida nos termos do artº 78.º do CIVA
III 2 2 2015/06T 179,97
III 2 2 2015/09T 3.728,77
III 2 2 2013/12 1.714,17
Total 5.622,91
»
U. No dia 10 de dezembro de 2018, a Requerente terá sido notificada dos atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado e respetivos juros compensatórios, referentes aos quatro períodos de 2015, que se indicam: -cfr facto não impugnado e admitido pela Requerida -
a) Liquidação n.º 2018..., de 01.12.2018, relativa período 2015/12T, no montante de € 14.520,28 – cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;
b) Liquidação n.º 2018..., de 01.12.2018, relativa ao período 2015/09T, no montante de € 8.141,41 – cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;
c) Liquidação n.º 2018..., de 01.12.2018, relativa ao período 2015/06T, no montante de € 3.596,21 – cfr. Doc. n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral -;
d) Liquidação n.º 2018..., de 01.12.2018, relativa ao período 2015/03T, no montante de € 2.419,83 – cfr. Doc. n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral -
e) Liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., de 01.12.2018, relativa ao período 2015/09T, no montante de € 980,53 – cfr. Doc. n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral -;
f) Liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., de 01.12.2018, relativa ao período 2015/03T, no montante de € 340,49 – cfr. Doc. n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral -;
g) Liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., de 01.12.2018, relativa ao período 2015/06T, no montante de € 468,98 – cfr. Doc. n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral -;
h) Liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., de 01.12.2018, relativa ao período 2015/12T, no montante de € 1.603,99 – cfr. Doc. n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral;
Tudo num montante global de € 32.071,72 (trinta e dois mil, setenta e um euros e setenta e dois cêntimos):
V. No dia 10.04.2019, a Requerente apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, mediante o qual pretendia a pronúncia arbitral sobre os atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referentes ao exercício de 2015 e Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes aos quatro períodos de 2015. – cfr. decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 258/2019-T disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=258%2F2019&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=4576 -;
W. No dia 5 de março de 2020, foi proferida decisão no âmbito do supra referido processo arbitral, tendo a Requerida sido absolvida da instância, em virtude da cumulação ilegal de pedidos – cfr. decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 258/2019-T disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=258%2F2019&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=4576 -;
X. No dia 8 de junho de 2020, a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral, com efeitos reportados, nos termos do artigo 4.º, n.º 7 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos a 10.04.2019
a. Factos dados como não provados
Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Não existem factos dados como não provados, entendendo o presente Tribunal Arbitral que todos os factos dados como provados são os bastantes e relevantes para a apreciação do pedido.
VI- DO DIREITO
Questão prévia:
Da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral
1. A Requerida na Resposta que apresentou, suscitou a exceção da «(in)tempestividade do pedido de pronúncia arbitral», por entender que, à data de 10.04.2019, «já havia caducado o direito de acção que a Requerente pretende exercer», considerando que esta terá sido notificada das liquidações n.º 2018..., 2018..., 2018... e 2018..., todas referentes ao período de 2015, no dia 10.12.2018.
2. Sustenta a Requerida que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, «o prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral é de 90 dias contados a partir da notificação da liquidação legalmente notificada. Sendo o prazo de 90 dias um prazo de natureza substantiva, que não se suspende em férias judiciais, resulta forçoso concluir que o prazo para exercício do direito de acção junto do CAAD já havia terminado em 10/04/2019.»
3. Concluindo no sentido de que «[n]estes termos, deverá a excepção da intempestividade ser julgada procedente, por caducidade do direito de acção, absolvendo-se a entidade Requerida da instância.»
4. Ora, não obstante, a Requerente não exercido o direito ao contraditório para o qual foi notificada através do despacho proferido pelo presente Tribunal no dia 13 de outubro de 2020, a verdade é que já tinha a mesma tomado posição quanto a esta matéria, no pedido de pronúncia arbitral que apresentou, sob os temas “II-Da tempestividade do pedido” e “III-Da tempestividade do pedido original».
5. Esclarece, deste modo, a Requerente que «o presente pedido foi objecto de pedido de pronúncia arbitral, tendo corrido termos sob o processo n.º 258/2019-T onde foi proferida decisão arbitral, em 05/03/2020, de absolvição a Ré da instância pela verificação da excepção da ilegalidade da cumulação de pedidos.»,
6. … pelo que, em consequência, nos termos do artigo 4.º, n.º 7 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e da solução perfilhada no despacho arbitral proferido no processo n.º 258/2019-T, teria a Requerente a faculdade de “[n]o caso de absolvição da instância por cumulação ilegal de pedidos, podem ser apresentadas novas petições no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado, considerando-se estas apresentadas na data de entrada da primeira, para efeitos de tempestividade da sua apresentação.” - o que fez.
7. Acrescenta que, face à situação pandémica vivida pelo Mundo, em geral, e em Portugal, em particular, foi publicada a Lei n.º 1-A/2020, 19 de março «nos termos da qual ficam suspensos todos os prazos processuais e procedimentais a correr termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, julgados de paz, centros de arbitragem e demais tribunais arbitrais, bem como os prazos de prescrição e de caducidade também em curso (cf. O disposto no artigo 7.º da referida Lei).»«Pelo que, considerando que o prazo de 30 dias para apresentação do novo pedido de pronúncia arbitral se conta da data da notificação da decisão, por força da supra aludida suspensão de prazos processuais o pedido é tempestivo.»
8. Mais refere, a Requerente, nesta sequência, que o pedido de pronúncia arbitral “original” foi apresentado em cumprimento das regras conjugadas entre o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e da alínea a) do artigo 102.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).
9. Alega que, «no caso sub judice, nem sequer existem notificações, como se demonstra, mas ainda que se considere ter havido, e nas datas indicadas pela Requerida, o que, sem conceder, por mero dever de patrocínio se admite, conclui-se aritmeticamente pela tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, [p]orquanto, contrariamente ao alegado pela Requerida, o prazo de 90 dias não se conta a partir da data das alegadas notificações das Liquidações ao Sujeito Passivo, mas a partir das datas-limite para o pagamento nelas contidas, [p]elo que, tendo o pedido sido submetido em 10/04/2019, foi submetido tempestivamente.»
10. Concluindo no sentido de que «não podem subsistir duvidas quanto à sua tempestividade».
Vejamos, se assiste razão à Requerida, quanto à exceção que invoca,
11. Antes de mais, recordemos os factos essenciais para solucionar a questão prévia suscitada sob a forma de exceção de «intempestividade do pedido de pronúncia arbitral», designadamente, os seguintes:
S. No dia 10 de dezembro de 2018, a Requerente terá sido notificada dos atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado e respetivos juros compensatórios, referentes aos quatro períodos de 2015, que se indicam: -cfr facto não impugnado e admitido pela Requerida -
(…) Tudo num montante global de € 32.071,72 (trinta e dois mil, setenta e um euros e setenta e dois cêntimos):
T. No dia 10.04.2019, a Requerente apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, mediante o qual pretendia a pronúncia arbitral sobre os atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referentes ao exercício de 2015 e Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes aos quatro períodos de 2015. – cfr. decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 258/2019-T disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=258%2F2019&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=4576 -;
U. No dia 5 de março de 2020, foi proferida decisão no âmbito do supra referido processo arbitral, tendo a Requerida sido absolvida da instância, em virtude da cumulação ilegal de pedidos – cfr. decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 258/2019-T disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=258%2F2019&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=4576 -;
V. No dia 15 de julho de 2020, a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral.
Ora,
12. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT «o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado: no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.»
13. Prevendo, o artigo 102.º do CPPT sob a epígrafe “Impugnação judicial. Prazo de apresentação” que:
«1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;
c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;
d) Formação da presunção de indeferimento tácito;
e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código;
f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.
2 - (Revogado pela alínea d) do artigo 16.º da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro)
3 - Se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.
4 - O disposto neste artigo não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias.» (negrito nosso).
14. Na verdade, face à conjugação do disposto no artigo 10.º do RJAT e da alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral, com aplicação nos presentes autos, deve ser apresentado 3 meses após o «termo do prazo de pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas aos contribuintes».
15. Sendo de acrescentar, ainda, que segundo o artigo 20.º do CPPT aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial - natureza de que se reveste o pedido de pronúncia arbitral - contam-se «nos termos do artigo 279.º do Código Civil».
16. Com efeito, o prazo para deduzir impugnação judicial é um prazo de caducidade e tem natureza substantiva, não se suspendendo em férias judicias, como se pode retirar do disposto no referido no artigo 20.º do CPPT, ao contrário do que sucede com os prazos processuais,
17. … contudo, se o seu termo ocorrer nesse período (férias), é o mesmo transferido para o primeiro dia útil seguinte, como preceitua a alínea e) do artigo 279º do Código Civil.
18. Na verdade, atenta a pandemia que afetou o Mundo, em geral, e Portugal, em particular, os prazos judiciais foram suspensos através de diversos diplomas legislativos. A primeira suspensão dos prazos judiciais, que aqui nos interessa, deu-se entre o dia 09.03.2020 (através da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março) e o dia 03.06.2020 (mediante a publicação e entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio).
19. Ora, regressando ao caso em apreço, teremos de averiguar, por um lado, se o pedido de pronúncia arbitral “original” é extemporâneo, e por outro, como consequência, aferir se o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo é tempestivo.
20. Conforme resulta dos factos dados como provados, a Requerente terá sido notificada do ato de liquidação adicional de IVA, referente aos quatro períodos do ano de 2015, no dia 10.12.2018.
21. Nos termos do disposto no artigo 28.º do Código do IVA, «sempre que se proceda à liquidação do imposto ou juros compensatórios por iniciativa dos serviços, sem prejuízos do disposto no artigo 88.º, é o sujeito passivo notificado para efetuar o respetivo pagamento nos locais de cobrança legalmente autorizados, no prazo referido na notificação, não podendo este ser inferior a 30 dias a contar dessa notificação.»,
22. … pelo que, o prazo dos 30 dias para o pagamento voluntário do imposto, teve início no dia 11.12.2018, em conformidade com o disposto na alínea b) do referido artigo 279.º do CCivil, e o seu término a 10.01.2019.
23. Volvidos os 30 dias para o pagamento voluntário do imposto, é altura de dar início à contagem do prazo de 90 dias para a apresentação do presente pedido de constituição do Tribunal Arbitral, previsto no artigo 10.º do RJAT.
24. Assim, o prazo que a Requerente dispunha para apresentar o presente pedido de constituição do Tribunal Arbitral teria o seu início no dia 11.01.2019 e o seu término a 10.04.2019.
25. Esclarece, com interesse, a decisão proferida no processo n.º 792/2014-T do CAAD, quanto à matéria da contagem dos prazos que:
“É pacífico que a contagem do prazo para deduzir a impugnação deve observar as regras do artigo 279.º do Código Civil, como expressamente resulta do disposto no n.º 1, do artigo 20.º do CPPT. A contagem do prazo ocorre em dias seguidos e não se suspende durante as férias judiciais, sendo inaplicável o disposto no artigo 144.º do CPC, cujo âmbito se restringe aos prazos judiciais (adjetivos). Entendimento partilhado pela Jurisprudência dos tribunais superiores, bem assim como pela jurisprudência arbitral, vertida, entre outros, nas decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 35/2012-T; 83/2012-T; 188/2013-T, 353/2014-T, entre outros.
Assim, é entendimento deste Tribunal arbitral, à semelhança do vertido nas decisões arbitrais supra mencionadas, que a natureza arbitral deste tribunal e a aplicação do regime de arbitragem tributária não acarretam qualquer modificação relativa à natureza, modalidades e forma de contagem dos prazos, como se extrai da leitura do RJAT, e muito menos no tocante a prazos substantivos, que fazem parte integrante do estatuto material do próprio direito de crédito tributário.”
26. Deste modo, é manifesto que o pedido de pronúncia arbitral “original” (que deu origem ao processo do CAAD com o n.º 258/2019-T), apresentado no dia 10.04.2019, é tempestivo.
27. Sucede que, o pedido de pronúncia arbitral que ocasionou o presente processo tem circunstâncias próprias, porquanto se revela sequencial à decisão de cumulação ilegal de pedidos proferida, no dia 5 de março de 2020, no âmbito do processo n.º 258/2019-T, do CAAD, e por essa razão, apresentado pela aplicação do disposto no n.º 7 do artigo 4.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi do disposto na alínea c) do artigo 29.º do RJAT.
28. Prevê este preceito legal que «[n]o caso de absolvição da instância por cumulação ilegal de pedidos podem ser apresentadas novas petições no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado, considerando-se estas apresentadas na data de entrada da primeira, para efeitos de tempestividade da sua apresentação.»
29. Considerando, uma vez mais a situação de suspensão dos prazos judiciais, acima referida, que se recorda, ter ocorrido por um período que compreende o dia 09.03.2020 e o dia 03.06.2020,
30. … apresentação do pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo no dia 08.06.2020 é manifestamente tempestiva, por ter dado entrada nos 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º 258/2019-T.
31. Face ao exposto, é a exceção da “intempestividade do pedido de pronúncia arbitral” invocada pela Requerida totalmente improcedente.
Da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral – falta de causa de pedido do pedido de anulação das liquidações de IVA
32. Na sua resposta, vem, ainda, a Requerida, invocar a exceção dilatória de «ineptidão do pedido de pronúncia arbitral», prevista no artigo 186.º, n.º 1 e 2, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), por entender que «a Requerente não invoca quaisquer factos, nem quaisquer normas jurídicas em que se baseia para formular o seu pedido de anulação das liquidações de IVA»”.
33. Mais, aduz a Requerida que «a falta de indicação da causa de pedir do presente pedido de pronuncia arbitral, no que concerne ao pedido de anulação das liquidações de IVA (ou é esta, no mínimo, manifestamente ininteligível), na medida em que não é possível descortinar-se qual a fonte do direito invocado que no entende da Requerente, o direito procede.»
34. Concluindo no sentido de que «nos termos dos artigos 186.º, n.º 2, alínea a), 187.º, 576.º, n.º 2 e 577, alínea b) todos do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, alínea e) do n.º 1 do RJAT), a ineptidão da petição inicial, provocada por falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir constitui exceção dilatória determinante da absolvição da instância», pelo que, peticiona, a final, que seja « julgada procedente a excepção invocada, absolvendo-se a entidade Requerida da instância quanto à totalidade do pedido, ou subsidiariamente, relativamente ao pedido de IVA cuja causa de pedir se encontra manifestamente em falta na Petição Arbitral.»
35. Notificada para exercer o direito ao contraditório, através do despacho de 13 de outubro de 2020, nada a Requerente veio dizer, pelo que, cumpre apreciar e decidir.
36. Ora, prevê o artigo 186.º do CPC que:
“1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2 - Diz-se inepta a petição:
Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
(…)”
37. Na verdade, e face a esta norma, tudo se reduz a saber se no requerimento inicial, a Requerente mencionou, ou não, os factos determinantes da causa de pedir e identificou devidamente o pedido, sendo certo que só se origina a ineptidão da petição, quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou causa de pedir.
38. Com efeito, e compulsando o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, não poderemos afirmar que o pedido e a causa de pedir se encontrem totalmente subtraídos do mesmo.
39. No que ao pedido diz respeito, intenta a Requerente com o presente processo arbitral «que seja designada a constituição de Tribunal Arbitral para pronúncia sobre a legalidade dos actos tributários identificados, com base nos fundamentos de facto e de direito que infra se indicarão.» Mais, peticionando, a final que «seja declarada a invalidade dos actos de liquidação impugnados, supra identificados, e anuladas essas liquidações, com todas as consequências legais.»
40. Resulta, assim, que pretende a Requerente com o presente pedido de pronúncia arbitral a declaração de invalidade das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado e respetivos juros compensatórios respeitantes aos quatro períodos do ano de 2015, tudo num total de € 32.071,72 (trinta e dois mil, setenta e um euros e setenta e dois cêntimos). – é o chamado PEDIDO.
41. Na verdade, para fundamentar o seu pedido invocou a Requerente alguns vícios para motivar o seu intento quanto à declaração da ilegalidade dos atos de liquidação adicional sindicados nos presentes autos, designadamente, a nulidade e ineficácia da notificação dos atos tributários (preterição de formalidade com a respetiva caducidade do direito de a AT proceder à liquidação sindicada nos presentes autos) e erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
42. Note-se que só a falta total (e já não a escassez) ou a ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir é que geram a ineptidão da petição inicial. (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no processo n.º 7630/05.2TBLRA.C1, de 17 de maio de 2007).
43. De resto, e no que diz respeito à falta de ininteligibilidade do pedido, não poderemos deixar de sublinhar que o nº 3 do referido artigo 186º do CPC, estabelece que “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com o fundamento da alínea a) do número anterior, não se julgará procedente a arguição quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.
44. Isto é, a arguição de ineptidão não será julgada procedente, atendendo que foi possível à Requerida interpretar corretamente e de forma certa a petição inicial.
45. Por isso, concluímos que o pedido de pronúncia arbitral não é inepto, mas tão somente confuso, o que não é alvo de censura processual.
- Thema decidendum –
A questão de fundo dos presentes autos consiste em saber se foram preteridas formalidades, no tocante às notificações que a Requerente recebeu no âmbito do procedimento inspetivo a que foi sujeita, e depois, dos atos de liquidação adicional de IVA referentes aos quatro períodos de 2015, e se as liquidações sindicadas foram emitidas com erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
Posição da Requerente
1. Sustenta a Requerente que o ato de liquidação sindicado nos presentes autos padece de vício de ilegalidade, começando por referir sob a temática «DA NULIDADE E INEFICÁCIA DA NOTIFICAÇÃO DOS ACTOS TRIBUTÁRIOS» que, «[a] notificação do acto tributário de liquidação deve ser efectuada directamente ao Sujeito Passivo, ou ao seu mandatário caso exista, nos termos do artigo 40.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT). No caso dos presentes autos, a Autoridade Tributária notificou, durante todo o procedimento inspectivo, a mandatária do Sujeito Passivo. Notificou inclusivamente esta mandatária do relatório final da inspecção. Contudo, veio a notificar o Sujeito Passivo directamente das notas de liquidação.»
2. Mais refere a Requerente que «Ora, quando o administrado se faz representar por mandatário, é este último que tem de agir por conta e no interesse do representado, pelo que este deve tomar conhecimento de todos os actos que são do interesse do seu representado, sob pena de violação do artigo 268.° n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), que prevê que a notificação deve ser efectuada nos termos legais e dos artigos 40.° do CPPT e 253.° do Código de Processo Civil (doravante CPC), que expressamente prevêem a notificação do mandatário.», aduzindo, complementarmente quanto a esta matéria que «[e]sse motivo é suficiente para se concluir que não pode considerar-se uma mera irregularidade a ausência de um trâmite legal que se funda num direito constitucionalmente previsto. ». Retirando como consequência desta atuação da Autoridade Tributária e Aduaneira, a nulidade de todo o procedimento.
3. Considera a Requerente que «(…) os actos tributários encontram-se feridos de nulidade por falta de cumprimento de requisitos formais que afectam o exercício de direitos fundamentais por parte do Sujeito Passivo.», concluindo, «pela verificação da falta de notificação das liquidações antes de decorrido o prazo de caducidade. Uma vez que a caducidade ocorreu, relativamente ao exercício de 2015, em 01/01/2019. Não tendo a notificação das liquidações ao Sujeito Passivo ocorrido validamente antes dessa data.»
4. Invoca a Requerente que «[a] notificação assume-se como uma conditio iuris de cuja efectiva verificação depende a eficácia subjectiva do acto que se pretende dar a conhecer. »
5. Mais referindo que «[n]ão podem, pois, aquelas notificações ser consideradas válidas em virtude da directa ofensa ao regime legal regulador, em que expressamente se diz apoiar, por omissão de elementos estruturantes das mesmas. Aquelas notificações são, assim, violadoras do regime legal substantivo com que se deveriam conformar, preterindo o fornecimento à ora Impugnante de elementos essenciais do acto, inquinando-o definitivamente, pelo que carecem de ser anuladas por ofensa ao citado artigo 235.º n.º 2 do CPC. Mas isso, sendo por si suficiente para a sua integral anulação não esgota todos os vícios que as afectam.»
6. Continua a Requerente no sentido de que « O que antecede é suficientemente grave pela forma como ofende as mais elementares garantias de defesa da Impugnante, já que, como se prova, não lhe foram indicados os elementos referidos no art.º 235.º do CPC, a saber:
• prazo para oferecer defesa;
• necessidade de patrocínio;
• cominações havendo revelia,
[p]elo que há manifesta preterição de formalidades legais, [o] que tem como consequência directa um manifesto vício de forma e violação de lei, que as inquinam e as impedem de produzir os esperados efeitos legais.»;
7. … e, que, «[t]endo sido claramente desrespeitados os mais elementares requisitos legais, foi violada a disciplina legal constante dos arts. 240.º e 241º do Código do Processo Civil, pelo que as notificações enviadas em 07.12.2018 e 11.12.2018 consubstancia actos ilegais, violadores de lei imperativa e postergadores das mais elementares garantias dos contribuintes, pelo que carecem de ser anulados com todas as legais consequências. Nomeadamente a de que aqueles ofícios não constituem actos pelos quais validamente se haja levado ao conhecimento da Impugnante certo facto tributário. »
8. Menciona, igualmente, que «Sendo, como se prova, todo o procedimento de notificação defeituoso, por estar eivado de múltiplos vícios, conforme supra se deixa abundantemente demonstrado, não pode deixar de se concluir que tal procedimento, quer no seu conjunto quer faseadamente, é ilegal em virtude dos vícios de que padece, que o impedem de produzir os efeitos jurídicos pretendidos.»
9. No que respeita ao vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, defende a Requerente que «os actos tributários em análise incorrem em manifesta violação de lei, erro nos pressupostos de facto e erro nos pressupostos de direito, por se suportarem em procedimento administrativo que é ilegal pelos mesmos vícios e ainda por preterição de formalidades legais essenciais, pelo que não produziu os efeitos que se destinava a produzir. Todos estes factos são, por si só, suficientemente expressivos para determinar a firme convicção da ilegalidade dos actos em análise.»
10. Aduz, ainda, a Requerente que «[é] consabido que a fixação por métodos de avaliação indirecta da matéria colectável é subsidiária da avaliação directa e só pode realizar-se nos termos previstos na lei – artigo 87.º da LGT. Estando em discussão o quantum da matéria colectável, falta naturalmente uma base tributável para que se possa efectuar a quantificação do imposto. Quer isto dizer algo de meridiana clareza de apreensão básica em teoria fiscal: sem que o quantum da matéria tributável esteja fixado, não pode proceder-se à liquidação stricto sensu do imposto, isto é, à aplicação de taxa do imposto a dada matéria colectável. (…) Não oferece dúvidas, por conseguinte, que a liquidação em sentido próprio, só pode efectuar-se depois da fixação definitiva de certa matéria tributável, tal como, de resto, resulta de forma expressa do n.º 2 do citado artigo 91.º, onde se estabelece que tal pedido de revisão “tem efeito suspensivo da liquidação do tributo”. Mais referindo que, «Sendo assim, enquanto não for definitivamente fixada a matéria tributável, claro se torna que não pode a Administração Fiscal realizar a operação de liquidação ou apuramento do imposto, nos termos do artigo 91.º, n.º 2 da LGT.
Todavia, os factos aqui concretamente ocorridos infirmam esta básica realidade! Sendo assim, enquanto não for definitivamente fixada a matéria tributável, claro se torna que não pode a Administração Fiscal realizar a operação de liquidação ou apuramento do imposto, nos termos do artigo 91.º, n.º 2 da LGT. Todavia, os factos aqui concretamente ocorridos infirmam esta básica realidade!
11. Menciona a Requerente, na sua exposição que «Importa, pois, sublinhar que estava à beira da caducidade o direito à liquidação relativamente ao exercício de 2015, pelo que havia interesse sobretudo em construir tal aparência, alijar responsabilidades e criar um quadro formal externo que “legitimasse” a liquidação do imposto ainda no decurso do exercício de 2018 (cf. artigo 45.º, n.º 1 da LGT). Isso passou, todavia, como se vê, pela violação de elementares garantias de defesa, de regras legais imperativas e de princípios estruturantes, como sejam, entre outros, a legalidade, a boa-fé e a protecção da confiança, na medida em que foram praticadas formalidades internas que, na prática, retiram qualquer conteúdo útil às garantias de defesa. Violando princípios que, no seu conjunto, o legislador se tem esforçado por verter em norma substantiva, como emerge das novas leis que na última década foram sendo promanadas (LGT; CPPT; CPA; RGIT; RCPIT, etc.).»
12. Concluindo, por um lado, no sentido de que «[t]udo quanto antecede, explicitado ainda assim de forma sintética, demonstra que o acto de liquidação mais não faz do que culminar um procedimento que nunca teve qualquer preocupação com a protecção dos interesses legítimos do contribuinte. E que permite, afinal, que se levantem legítimas dúvidas sobre se realmente foram realizadas as diligências de notificação.», e por outro de que «não restam dúvidas é de que o procedimento como um todo e os seus actos componentes padecem, quer global, quer especificamente, dos vícios já apontados, de erro, de preterição, de violação de lei e ofensa a princípios estruturantes objecto de consagração constitucional, que o tornam nulo e/ou anulável sob qualquer das perspectivas consideradas.»
13. Alega, ainda, a Requerente que «a falta de indicação dos meios de defesa da contribuinte nas notificações dos actos tributários» deverá ser igualmente apontada como «um vicio de morte! »
14. No que aos fundamentos das correções efetuadas em sede de IVA diz respeito, alega a Requerente que «a correção efectuada no identificado Relatório de Exame, que deu lugar à liquidação de imposto e demais encargos legais apurados, constituem actos praticados em manifesto erro quanto aos pressupostos de facto, em violação de lei imperativa por erro sobre os pressupostos de direito e violação de lei imperativa.Pelo que, padecendo dos identificados vícios, tal liquidação e seus acréscimos devem ser integralmente anulados, por invalidade relativa, devendo ser anulados, como é de direito.»
15. Alude, por último, aos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva de forma genérica e sem concretização ao caso em concreto.
16. Pugnando, por último «que seja declarada a invalidade dos actos de liquidação impugnados, supra identificados, e anuladas essas liquidações, com todas as consequências legais»
Posição da Requerida
17. Contra-argumenta a Requerida a posição da Requerente, de forma muito sintética e assertiva, apresentando a sua defesa por exceção como acima mencionado, ponderado e decidido, e por impugnação, sendo que, no âmbito desta, começa por referir no que à alegada nulidade e ineficácia da notificação dos actos tributários diz respeito que «Em 10/10/2016, através de procuração, o sócio gerente da aqui Requerente constituiu sua bastante procuradora a Sr.ª F..., a quem conferiu os necessários poderes, pessoais e de gerência, para praticar os actos ali mencionados, os quais se destinam à prossecução do objecto social da sociedade representada. Na al. i) da dita procuração são conferidos poderes para representar a sociedade junto de quaisquer terceiros, em Portugal e no estrangeiro, designadamente junto de Serviços de Finanças, Conservatórias, Notários, Municípios e quaisquer Ministérios, Serviços, Organismos e Repartições públicas. É com base nesta alínea, que a Requerente alega que as liquidações deveriam ter sido notificadas na pessoa da mandatária e não directamente ao contribuinte. Contudo, resulta da leitura do art.º 40.º do CPPT, que não está em causa a figura do mandatário civil.»
18. Com efeito, segundo a Requerida, «[n]a nossa lei civil, resulta da interpretação do art.º 262.º do Código Civil (C.C.) que a representação é dominada pela procuração que tem, na linguagem jurídica corrente, um duplo sentido: traduz o acto pelo qual se confiam, a alguém, poderes de representação- e, em simultâneo, exprime o documento em que tal negócio tenha sido exarado. Uma das fontes do poder de representação é a procuração, definida pelo art.º 262.º do C.C. como o acto pelo qual alguém (dominus) atribui a outrem (procurador), voluntariamente, poderes representativos. Trata-se, portanto de um acto uniliteral, por intermédio do qual, é conferido ao procurador o poder de celebrar negócios jurídicos em nome de outrem (dominus), em cuja esfera jurídica se vão produzir os seus efeitos (art.º 262.º do C.C.). A concessão desses poderes de representação não é ilimitada. Está circunscrita ao âmbito dos poderes contidos na procuração, sob pena de, sendo tais poderes extravasados, existir abuso de representação. Enquanto acto, a procuração é um negócio unilateral (submetida aos respectivos preceitos gerais): reclama apenas uma única declaração de vontade, não sendo necessária qualquer aceitação para que produza os seus efeitos: caso não queira ser procurador, o beneficiário terá de renunciar à procuração (art.º 265.º n.º 1 do C.C.). Não obstante, o Código Civil actual separou a procuração do mandato: a primeira promove a concessão de poderes de representação, o segundo dá lugar a uma prestação de serviços, como estabelece o art.º 1157.º do C. C.»
19. Mais refere, a Requerida que, «atentemos no que prevê o art.º 40.º do CPPT, sob epígrafe “Notificação aos mandatários”, mais propriamente no seu n.º 1, alínea a). Assim, refere esta alínea que nos procedimentos tributários, as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário são feitas na pessoa deste, por carta registada, dirigida ao seu escritório. (sublinhado nosso) Posto isto, será de concluir que o mandatário aqui referido só poderá ser o mandatário tributário, a que alude o n.º 2 do art.º 5.º do CPPT, isto é, exercido por advogado, advogado estagiário e solicitador. Desta forma, não tendo a Requerente constituído mandatário, nos termos a que se refere o art.º 40.º do CPPT, não recaía sobre a Administração Tributária o ónus de notificar as liquidações à procuradora designada na procuração supra referida.» Para concluir no sentido de que «todas as consequências que a Requerente pretende assacar à falta de notificação são absolutamente destituídos de fundamentação.»
20. Aduz a Requerida que «tendo sido a liquidação eficazmente notificada à entidade interessada em 11/12/2018 (cfr. Registo dos CTT n.º RY...PT), o prazo de caducidade dessa mesma liquidação mostra-se respeitado.» Na verdade, «[o] procedimento de inspecção pode, nos termos do art.º 36.º n.º 1 a 3 do RCIPT iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade, é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de 6 meses, sem prejuízo de ser ampliado por mais dois períodos de três meses cada. No que concerne à acção inspectiva, esta teve inicío com a assinatura da ordem de serviço, isto é em 29/05/2018 (cfr. art.º 51.º n.º 2 do RCPIT), e considera-se concluído na data da notificação do relatório à sociedade inspecionada (cfr. art.º 62.º n.º 2 do RCIPT), o que in casu ocorreu em 19/11/2018, nos termos do art.º 39.º n.º 1 do CPPT. ». Concluindo, assim, que «entre aquelas datas, o prazo de caducidade esteve suspenso. Assim, quando a Requerente foi notificada em 11/12/2018, ainda não tinha ocorrido a caducidade da liquidação referente ao período tributação de 2015. »
21. Sustenta a Requerida, já no que «se refere às alegadas correcções com recurso a métodos indirectos, e bem assim às considerações que a partir daí tece a Requerente, sempre se dirá que todas as correcções efectuadas no decurso da acção inspectiva que deram azo à liquidação em crise têm natureza meramente aritmética conforme resulta do teor do Relatório Final. A Requerente apenas contesta a correcção efectuada no ponto 2.1. do Relatório da Inspecção Tributária, fazendo a transcrição de excertos deste e do ofício circulado n.º 30009/99, de 10-12- 1999, da Direcção de Serviços do IVA. No entanto, a Requerente continua a não apresentar elementos probatórios de que a mercadoria transmitida, através da factura n.º 2015000458, emitida a favor do cliente G..., S.L., NIF ES-B..., com morada em ... ...- ESPANHA, no valor total de €38.350, referente à compra de 29.500 unidade de “Tomadas...”, saiu do território nacional, conforme impõe o art.º 14.º do RITI e, conforme está esclarecido no ofício circulado n.º 30009/99 de 10-12-1999 de DSIVA. »
22. Defende a Requerida que «[a] liquidação adicional de imposto teve na sua base as conclusões do Relatório Inspectivo, devidamente notificado à Requerente, segundo o qual, de acordo com os elementos probatórios exibidos, não resultou provada a certificação de saída de bens, enquanto transmissão intracomunitária de bens (TIB), para um cliente da Requerente, alegadamente, sujeito passivo em Espanha. (…) Na situação sub judice, a Requerente apesar de legalmente notificada para certificar a operação enquanto TIB em sede de IVA, como consta do relatório inspectivo, não apresentou qualquer dos meios idóneos e legalmente admitidos que comprovassem os pressupostos da isenção prevista na referida norma do RITI.»
23. Concluindo no sentido de que «Assim, será aqui forçoso referir que, ao contrário do alegado pela Requerente, como resulta provado no respectivo relatório, as correcções efectuadas pelos serviços inspectivos não foram efectuadas com recurso a métodos indirectos. Não tem, portanto, aplicação o procedimento de revisão da matéria colectável previsto no art.º 91.º da LGT. »
24. Mais afere a Requerida que, «tendo a Requerente sido válida e legalmente notificada das liquidações controvertidas, antes de decorridos quatro anos conforme estabelecido nos n.ºs 1 e 4.º do art.º 45.º da LGT. Resulta assim evidente que a AT demonstrou a ocorrência dos necessários fundamentos para as correcções efectuadas, apresentando-se adequadamente fundamentados e pertinentes, os critérios que esta utilizou para a qualificação e quantificação do imposto em falta, sendo que era à Requerente que se impunha demonstrar que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas fundamentada, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade, demostração essa que, como temos por manifesto e na linha do referido, não logrou fazer, não se verificando a invocada isenção prevista no art.º 14.º do RITI.»
25. Pugnando, a final, no sentido de que «deverá a argumentação expendida pela Requerente ser julgada improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações de IVA ora impugnadas, concluindo-se pela legalidade das mesmas.»
Expostas as posições da Requerente e Requerida, vejamos, então, a quem assiste razão,
Apreciação, ponderação dos argumentos de facto e de direito
26. Como supramencionado, a matéria em discussão nos presentes autos prende-se em saber:
a) se foram preteridas formalidades, no tocante às notificações que a Requerente recebeu no âmbito do procedimento inspetivo a que foi sujeita, e depois, dos atos de liquidação adicional de IVA referentes aos quatro períodos de 2015, e;
b) se as liquidações sindicadas foram emitidas com erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
Da alegada nulidade e ineficácia da notificação dos atos tributários sindicados nos presentes autos
27. A Requerente vem imputar aos atos de liquidação em apreço nos presentes autos o vício de ilegalidade em virtude de todas as notificações efetuadas no âmbito do procedimento inspetivo a que foi sujeita, terem sido dirigidas à sua procuradora, F... e a respeitante à liquidação ter sido dirigida à sociedade, aqui Requerente.
28. Ora, conforme resulta dos factos dados como provados, podemos aferir que a Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas, a qual, em 10.10.2016, constituiu como sua procuradora, F..., a quem conferiu os necessários poderes pessoais e de gerência para praticar os atos necessários à prossecução do objeto social da sociedade representada, junto de quais Serviços de Finanças, Conservatória, Notários, Municípios e quais Ministérios, Serviços, Organismos e Repartições Públicas.
29. Com efeito, e conforme resulta, igualmente, da matéria dada como assente, todas as notificações efetuadas pela Direção de Finanças de ..., ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI 2017..., respeitante à sociedade, aqui Requerente, foram realizadas na pessoa da sua procuradora, F...,
30. … a qual cumpriu o seu dever de informar e comunicar o teor de todas as notificações que recebeu da Direção de Finanças de ... à sociedade, aqui Requerente, tanto, assim o é que esta respondeu a todas as solicitações feitas por aquela entidade, através dos requerimentos à mesma dirigidos.
31. Ora, conforme refere, e bem, a Requerente, citando MANUEL DE ANDRADE , a notificação «serve genericamente para chamar a juízo alguma pessoa ou para dar conhecimento dum acto ou facto.»
32. Mais se referindo a ANTUNES VARELA , o qual atribui à notificação o intuito de «levar um facto ao conhecimento de alguém.»
33. O CPPT prevê no seu artigo 35.º, sob a epígrafe “notificações e citações” que «[d]iz-se notificação o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo.»
34. Referindo JORGE LOPES DE SOUSA que «a notificação é utilizada para comunicar factos ou chamar alguém para intervenção em qualquer acto, tanto nos procedimentos tributários como nos processos judiciais tributários.»
35. Esclarece, ainda, JORGE LOPES DE SOUSA , que «a notificação de actos tributários é um acto distinto e posterior ao acto notificado, não podendo, por isso, os vícios da notificação afectar a validade do acto, mas apenas a sua eficácia, uma vez que a notificação é condição desta (arts. 77, n.º 6 da LGT e 36.º, n.º 1 do CPPT»
36. Nesta sequência, compulsemos o disposto no n.º 6 do artigo 77.º da LGT, quando ao fundamento e eficácia, nele se prevendo que «[a] eficácia da decisão depende da notificação»,
37. … e no n.º 1 do artigo 36.º da LGT, o qual prevê, sob a epígrafe «Notificações em geral» que «[o]s actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados».
38. Ora, atendendo à matéria de facto dada como assente e aos argumentos tecidos pela Requerente, não se vislumbra qualquer vício da notificação quer no âmbito do procedimento inspetivo à procuradora da sociedade – à qual foram conferidos os poderes pessoais e de gerência para praticar os atos necessários à prossecução do objeto social da sociedade representada, junto de quais Serviços de Finanças, Conservatória, Notários, Municípios e quais Ministérios, Serviços, Organismos e Repartições Públicas – encontrando-se, assim, devidamente habilitada para agir no interesse e em representação da sociedade;
39. … quer no procedimento de liquidação, cuja notificação foi efetuada diretamente ao sujeito passivo, aqui Requerente. Porquanto,
40. Da informação prestada, nos presentes autos, respeitante à procuração retira-se que apenas foram conferidos poderes à procuradora indicada, para agir e praticar atos necessários à prossecução do objeto social, i.e., poderes de representação da sociedade perante uma diversidade de entidades,
41. … dela não resulta que à mesma tenham sido confiados os poderes especiais para receber ou ser notificada de qualquer ato de liquidação, cujo sujeito passivo seja a aqui Requerente.
42. Com efeito, como esclarece doutamente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 066/15.9BEFUN 074/18, de 14 de outubro de 2020: «IV - O ato de liquidação tributária não se pode considerar como “ato pessoal”, nos termos e para os efeitos (de notificação) positivados no art. 40.º n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). V - O ato tributário de liquidação de imposto, também, por necessidades de respeitar exigências de sigilo, confidencialidade, na defesa de direitos individuais, pessoais, tem de ser comunicado a cada um dos sujeitos passivos, na esfera jurídica dos quais (e só na deles) se repercutem os efeitos da competente notificação, destacadamente, o do surgimento (ou não) da caducidade do direito de liquidar; deste modo, fica assegurada a finalidade deste instituto de regular o tempo do exercício do direito, na relação entre o seu titular e o visado com a sua ativação.»
43. Com efeito, o artigo 40.º do CPPT sob a epígrafe “notificação aos mandatários”, dispõe na alínea a) do n.º 1 que «as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário são feitas na pessoa deste da seguinte forma: [n]os procedimento tributários, por carta registada, dirigida para o seu escritório ou por transmissão eletrónica de dados na respetiva área reservado do Portal das Finanças;»
44. Prevendo o seu n.º 2 que «[q]uando a notificação se destine a chamar o interessado para a prática de ato pessoal, além de ser notificado o mandatário, será enviado pelo correio um aviso registado ao próprio interessado, indicando a data, o local e o fim da comparência».
45. Ora, a verdade é que o conceito de mandatário previsto nos preceitos transcritos, tem como referência o mandato tributário, o qual encontra a sua previsão no artigo 5.º do CPPT e dispõe que:
«1 - Os interessados ou seus representantes legais podem conferir mandato, sob a forma prevista na lei, para a prática de actos de natureza procedimental ou processual tributária que não tenham carácter pessoal.
2 - O mandato tributário só pode ser exercido, nos termos da lei, por advogados, advogados estagiários e solicitadores quando se suscitem ou discutam questões de direito perante a administração tributária em quaisquer petições, reclamações ou recursos.
3 - A revogação do mandato tributário só produz efeitos para com a administração tributária quando lhe for notificada.» (negrito nosso).
46. Trata-se de uma figura totalmente diferente do mandato civil, cuja representação é concretizada através da procuração, conforme resulta do disposto no artigo 262.º do Código Civil (C.C.), e «que tem, na linguagem jurídica corrente, um duplo sentido: traduz o acto pelo qual se confiam, a alguém, poderes de representação- e, em simultâneo, exprime o documento em que tal negócio tenha sido exarado.», como aduz, e bem a Requerida na sua resposta.
47. A procuração, no âmbito do Código Civil – artigo 262.º - consubstancia um negócio unilateral, sendo o «acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes de representação», sendo, que, conforme dispõe o artigo 263.º do mesmo diploma «o procurador não necessita de ter mais do que a capacidade de entender e querer exigida pela natureza do negócio que haja de efectuar.»
48. É, na verdade, um instrumento através do qual alguém concede poderes de representação limitados a outrem, circunscritos ao âmbito dos poderes contidos no referido instrumento, não podendo ser extravasados, sob pena de abuso de representação.
49. São a procuração e o mandato figuras manifestamente diferentes, esclarecendo quanto a esta diferença o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 4677/15.4T8GMR-A.G1, de 25 de janeiro de 2018 que «A distinção entre o mandato e a procuração resulta de aquele ser um contrato, ao passo que esta é um negócio jurídico unilateral autónomo; O mandato impõe a obrigação de praticar atos jurídicos por conta de outrem enquanto que a procuração confere o poder de celebrar em nome de outrem.»
50. O mandato civil encontra a sua previsão no artigo 1157.º e seguintes do Código Civil, e consubstancia o contrato pelo qual uma das partes se obriga, gratuitamente ou mediante retribuição, a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra, que, por qualquer motivo, não quer ou não pode praticá-los pessoalmente.
51. Temos, assim, que mandato civil, mandato tributário e procuração consubstanciam figuras diferentes entre si.
52. Nos presentes autos, foi passada uma procuração a F... sendo-lhe conferidos direitos de representação da sociedade aqui Requerente,
53. … não lhe foram conferidos quaisquer poderes especiais para receber atos de liquidação – que como vimos supra são atos confidenciais e pessoais – que apenas devem ser notificados aos respetivos sujeitos passivos, destinatários e interessados.
54. Assim sendo, assiste razão à Requerida quando afirma que «[d]esta forma, não tendo a Requerente constituído mandatário, nos termos a que se refere o art.º 40.º do CPPT, não recaía sobre a Administração Tributária o ónus de notificar as liquidações à procuradora designada na procuração supra referida.»
55. Nesta sequência, é manifesto que não estamos perante qualquer vício das notificações efetuadas pela Administração Tributária no que respeita ao procedimento inspetivo, na pessoa da procuradora da sociedade, e no que respeita ao procedimento de liquidação, ao sujeito passivo, aqui Requerente.
56. Tal como não se verifica o vício de caducidade do direito de liquidar o imposto sindicado nos presentes autos, designadamente, se atendermos que o ato de liquidação foi, eficazmente, notificado à entidade interessada, em 11/12/2018,
57. … prazo de caducidade este que esteve suspenso, nos termos do artigo 36.º n.º 1 a 3 do RCIPTA, em virtude de a ação inspetiva, ter tido início com a assinatura da ordem de serviço, em 29.05.2018 (cfr. artigo 51.º n.º 2 do RCPITA), e ter sido concluída a 19.12.2018, na data da notificação do relatório à sociedade inspecionada (cfr. artigo 39.º, n.º 1 do CPPT e artigo 62.º n.º 2 do RCIPTA),
58. … pelo período de quase 6 meses – desde 29.05.2018 e 19.12.2018 - .
59. Deste modo, e considerando que a Requerente foi notificada a 10 de dezembro de 2018, é manifesto que o prazo de 4 anos referentes à caducidade do direito de liquidar o imposto referente ao período de 2015 não se tinha ainda verificado.
60. Face ao exposto, improcede o pedido de pronuncia arbitral, nesta parte, por não se verificar o alegado vício de nulidade das notificações nem a caducidade do direito de liquidação do imposto sindicado nos presentes autos.
Erro sobre os pressupostos de facto e de direito
61. Como referido supra, a Requerente vem imputar ao ato de liquidação sindicado nos presentes autos, o vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, alegando para o efeito - que aqui retomamos, pelo seu interesse - , que: «a correção efectuada no identificado Relatório de Exame, que deu lugar à liquidação de imposto e demais encargos legais apurados, constituem actos praticados em manifesto erro quanto aos pressupostos de facto, em violação de lei imperativa por erro sobre os pressupostos de direito e violação de lei imperativa. Pelo que, padecendo dos identificados vícios, tal liquidação e seus acréscimos devem ser integralmente anulados, por invalidade relativa, devendo ser anulados, como é de direito.»
62. Pugnando, por último «que seja declarada a invalidade dos actos de liquidação impugnados, supra identificados, e anuladas essas liquidações, com todas as consequências legais».
63. Ora, a verdade é que, no pedido de pronuncia arbitral, a Requerente não concretiza e não materializa que erro sobre os pressupostos de facto e de direito entende inquinar o ato de liquidação em apreço,
64. … tal como, não identifica os erros que entende serem passíveis de ferir a liquidação sindicada nos presentes autos de ilegalidade. Não invoca a Requerente quaisquer factos, nem quaisquer normas jurídicas em que se baseia para formular o seu pedido de anulação das liquidações de IVA.
65. Apenas refere que as liquidações se encontram feridas de ilegalidade por enfermarem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, não indicando, quais os erros em concreto que se verificam,
66. … aflora e indica princípios constitucionais – igualdade e da capacidade contributiva – de uma forma geral, sem que, contudo, os tenha aplicado ao caso em concreto.
67. No âmbito dos presentes autos, não demonstrou ou apresentou, a Requerente, qualquer prova que pudesse contrariar a posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no Relatório de Inspeção Tributária, e que deu origem às liquidações sindicadas.
68. Não apresentou qualquer prova que infirme as correções efetuadas e que resultaram nas liquidações,
69. … não contra-argumentou, impugnou ou refutou as conclusões do Relatório de Inspeção Tributário;
70. … limitou-se, unicamente e de forma manifestamente insuficiente, a Requerente a enunciar e a invocar vícios às correções meramente aritméticas (e não com recurso a métodos indiretos, como equivocadamente anuncia) ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, sem que, contudo, as tivesse concretizado e direcionado para factos constantes do Relatório de Inspeção Tributária.
71. Face ao exposto, tendo em consideração, tal como aduz a Requerida e tal como se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 07148/13, de 26 de junho de 2014, «o valor probatório do RIT poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”, será de improceder o presente pedido de pronúncia arbitral também nesta parte, por falta de apresentação e concretização de factos e de direito que contrariassem as correções efetuadas pela AT e que resultaram nas liquidações sindicadas nos presentes autos.
VII. DECISÃO
Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim, julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral atinente aos atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente aos quatro períodos de 2015 e respetivos juros compensatórios, tudo no montante de € 32.071,72 (trinta e dois mil, setenta e um euros e setenta e dois cêntimos), e em consequência, manter-se o referido ato, nos seus precisos termos;
Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 32.071,72 (trinta e dois mil, setenta e um euros e setenta e dois cêntimos), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas
Custas a cargo da Requerente, nos termos do disposto no artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 1.836,00 (mil, oitocentos e trinta e seis euros)
Notifique-se.
Lisboa, 30 de junho de 2021
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O Árbitro
Jorge Carita