Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 152/2020-T
Data da decisão: 2021-06-18  IVA  
Valor do pedido: € 26.682,37
Tema: IVA – Ginásios; Consultas de nutrição.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

1. No dia 6-3-2020, o sujeito passivo A...– UNIPESSOAL, LDA, com sede na Rua ..., ...-... ..., NIPC ..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios a seguir indicadas: 

IMPOSTO            PERIODO             N.º DA LIQUIDAÇÃO      VALOR (€)

IVA        2017-03T                2019...               4.868,61 

JC           2017-03T                2019...              468,45 

IVA        2017-06T              2019... 6.053,89  

 JC          2017-06T              2019... 519,47    

IVA        2017-09T             2019...                6.555,37 

JC           2017-09T                2019...               498,56

IVA        2017-12T               2019...                7.241,10

 JC          2017-12T                2019...               476,92

 

A Requerente solicita a anulação por ilegalidade desses actos tributários de liquidação de IVA e respectivos juros, no valor global de € 26.682,37.

2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, disso notificando as partes.

3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

4. Os fundamentos que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, os seguintes:

4.1. De acordo com o seu pacto social, a Requerente tem como objecto: «Ginásio, manutenção física, estética e similares, aconselhamento em matéria de nutrição, cafetaria, bar, comércio a retalho de produtos desportivos».

4.2. Encontra-se registada na A.T. para o exercício da actividade principal de «Actividades de Ginásio-Fitness» (CAE 93130) e das actividades secundárias de «Outras actividades de saúde humana não especificadas» (CAE 86906).

4.3. No período de tributação de 2017 ora em causa, a Requerente prestou a título principal serviços de ginásio (fitness), abrangendo treinos individuais, livres ou com acompanhamento personalizado (PT - personal training), aulas em grupo e prestação de serviços de nutrição.

4.4. Sendo que se posiciona, na área de mercado, no segmento “mid-market” (preços muito variáveis, tais como os 75 € - mensalidade ... Fitness, 39,90 € - contrato anual com aconselhamento nutricional, 17,95 € - sócio fundador, 37,95 € - sócio fundador com plano de nutrição, 20,93 € - sócio full time, 34,89 € - sócio full time com aconselhamento nutricional, entre outros).

4.5. As instalações da Requerente situam-se na Rua ..., nº..., Porto, disponibilizando esta aos seus clientes salas de musculação e treino cardiovascular, balneários, estúdio para aulas de grupo, gabinetes de avaliação física e gabinetes de nutrição.

4.6. A frequência das prestações de serviços oferecidas pela Requerente, são em regime livre (uma vez por dia, no horário de funcionamento, de acordo com as modalidades acordadas), revestindo as seguintes modalidades: 1) Mensalidade ... Fitness; 2) Contrato anual com débito directo (sócio anual DD; 3) Contrato anual com pronto pagamento; 4) Contrato anual com aconselhamento nutricional com débito directo; 5) Contrato mensal com aconselhamento nutricional com débito directo.

4.7. Os clientes aderentes têm de subscrever um contrato de adesão e assegurar inicialmente o pagamento de uma verba a título de “inscrição”, e o pagamento mensal, por débito directo em conta bancária, transferência bancária ou pagamento ao balcão, cujo valor depende da modalidade de frequência escolhida.

4.8. Os associados que aderem à mensalidade com acompanhamento nutricional, têm direito a uma consulta de nutrição por mês, incluída na mensalidade, podendo esta ser marcada directamente com a recepção, nutricionista ou solicitada via email.

4.9. A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente, ao abrigo da Ordem de Serviço externa nº OI2019..., na qual conclui ter ocorrido erro na quantificação do IVA liquidado pela Requerente, porquanto «(…) o contribuinte está a utilizar o “Serviço de aconselhamento nutricional” – que, na realidade, será apenas residualmente e sempre a título acessório, utilizado pelos clientes – para, de forma artificial, discriminar as suas receitas, que mais não são do que derivadas da actividade que exerce a título principal, a actividade de ginásio» (pág. 29 do RIT).

4.10. Segundo a AT, a Requerente não podia ter isentado ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 9º do Código do IVA, as prestações de serviços que designou por “serviços de aconselhamento nutricional”, porquanto as importâncias facturadas a esse título, não corresponderam a efectivas prestações de serviços de nutrição, mas à disponibilização do direito às mesmas.

4.11. No entender da Requerente, pelo contrário, as prestações de serviços de nutrição, ainda que no contexto de “ambiente” de ginásio, e ainda que, nalguns casos respeitem somente à sua disponibilização, têm fins terapêuticos e, como tal, encontram-se abrangidas pela isenção de imposto nos termos do nº 1) do artigo 9º do CIVA.

4.12. É essa igualmente a conclusão do Parecer emitido por CLOTILDE CELORICO PALMA a pedido da “AGAP – Associação de Empresas de Ginásios e Academias de Portugal”, sobre o enquadramento em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos serviços de aconselhamento/consultas de nutricionismo prestados pelos ginásios, junto como doc. nº9.

4.13. O valor reduzido dos gastos realizados pela Requerente nesta actividade não é relevante, uma vez que a prestação de serviços de nutrição tem de ser avaliada, não pelo investimento ou gastos neste sector, mas pelo número de consultas efectivamente realizadas ou disponibilizadas pela Requerente aos seus clientes.

4.14. Sendo que no período de tributação de 2017, foram pagos honorários a três nutricionistas no total de €7.126,75, - pág. 15 do RIT, o que demonstra que efectivamente foram prestadas consultas de nutrição e aconselhamento nutricional.

4.15. Encontrando-se igualmente cumpridas as demais condições que permitem o benefício da isenção de imposto na prestação de serviços de nutrição oferecida e realizada pela Requerente de conformidade com o nº 1), do artigo 9º, do CIVA.

4.16. Por outro lado, como a Requerente evidenciou no decurso do procedimento inspectivo, existe uma real dificuldade prática e administrativa de separação dos gastos entre a actividade isenta e a actividade sujeita a IVA, segundo as regras da afectação real no âmbito do artigo 23º do CIVA, a maioria dos gastos incorridos com a actividade de nutrição são comuns aos gastos com a actividade de ginásio.

4.17. Ao invés do entendimento da AT, o facto de tal prestação de serviços ser disponibilizada e, eventualmente, não ser usufruída pelos clientes da Requerente, não lhe retira o benefício da isenção em IVA, uma vez que para tal isenção, basta a disponibilização da prestação de serviços de nutrição, observados que sejam os parâmetros legais.

4.18. Na verdade, o modelo de negócio seguido pela Requerente assenta efectivamente na “venda” da disponibilização de serviços, independentemente de os mesmos virem ou não a ser frequentados pelos clientes.

4.19. A Requerente oferece modalidades apenas para actividade física, oferece a prestação de serviços de nutrição isolada, com valores distintos, tratando-se de sócio e não sócio e oferece a modalidade de actividade física com aconselhamento nutricional, variando os preços conforme se trata de contratos anuais ou mensais com débito directo, mas em todas se encontra discriminado, o valor da prestação de serviços de nutrição, existindo um valor para a actividade física e outro para consultas de aconselhamento nutricional.

4.20. Desta forma, não existe qualquer vínculo de acessoriedade entre a prestação de serviços de actividade física em ginásio e a prestação de serviços de nutrição, sendo prestadas de forma independente.

4.21. Não pode por isso a AT considerar a prestação de serviços de aconselhamento nutricional acessória da prestação de serviços da prática de exercício físico e consequentemente, tal como esta, tributada à taxa normal de imposto, não beneficiando da isenção de IVA prevista no nº 1), do artigo 9º, do CIVA.

4.22. A posição de que as consultas de nutrição correspondem a prestações de serviços autónomas e isentas é sustentada no referido parecer de CLOTILDE CELORICO PALMA, tendo sido igualmente adoptada no Acórdão Arbitral (CAAD) de 2 de Abril de 2018, processo nº 454/2017-T, cujo caso é em tudo semelhante ao caso dos autos.

4.23. Padece assim de ilegalidade, a promoção das correcções da AT, liquidando IVA à taxa de 23% sobre a prestação de serviços de nutrição facturada pela Requerente, uma vez que se mostram cumpridos os requisitos para aplicação da isenção de imposto, nos termos do nº 1), do artigo 9º do CIVA.

4.24. Também carece de razoabilidade a posição da AT de que a Requerente pratica uma discriminação artificial de preços, uma vez que a realidade da Requerente não abarca qualquer discriminação artificial de preços, sendo os mesmos perfeitamente normais no sector de actividade em que a mesma se insere, prestando os serviços de exercício de actividade física e aconselhamento nutricional em condições em tudo semelhantes aos seus congéneres, como facilmente se percebe acedendo aos sítios da Internet de divulgação de ginásios.

4.25. Mesmo que existisse a referida discriminação artificial de preços, o que de todo não ocorreu, deveria então a AT ter corrigido, de forma directa ou indirecta, os preços dos serviços de nutrição para os valores que, na sua óptica, seriam os adequados, mas ainda assim com benefício da isenção, em vez de ter tributado na totalidade.

4.26. Por tudo quanto vem de afirmar-se, só pode concluir-se que os actos objecto de recurso estão feridos de ilegalidade por erro quanto aos pressupostos e violação do princípio da descoberta da verdade material, o que, nos termos do artigo 99º, do CPPT, gera a sua anulabilidade, devendo em consequência, serem anulados os actos de liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios.

5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:

5.1. As referidas liquidações adicionais de imposto, resultaram das conclusões dos SIT, nos RIT notificados à Requerente no âmbito da acção de inspecção efectuada a coberto da Ordem de Serviço OI2019... .

5.2. Do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta a descrição dos factos fiscalmente relevantes que alteraram os valores declarados, meios de prova e fundamentação legal de suporte das correções efetuadas, nos termos do n.º 3 do art.º 62.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA).

5.3. Em suma, concluíram os SIT que os serviços prestados a título de consultas de nutrição que isentou de IVA não obedeciam à obrigação da inscrição da Requerente na ERS, não tinham por fim diagnosticar, tratar e na medida do possível curar problemas de saúde dos destinatários dos serviços; eram meramente disponibilizados e que, não logrou a Requerente demonstrado os ter prestado, demonstrando, ao invés, os SIT, que tal lhe teria sido impossível; e que como tal, não podem beneficiar da isenção de IVA em apreço, pelo que, estão sujeitos a IVA e dele não isentos.

5.4. Ao que acresce que, ao considerar os serviços de nutrição como parte de uma prestação de serviços única e complexa, à prestação de serviços acessória (de nutrição), aplica-se a taxa de imposto da prestação principal (ginásio), pelo que, também por esta razão, não poderia a Requerente aplicar a isenção que aplicou.

5.5. Tudo isto, de resto, de forma coerente com o registo da Requerente em sede de IVA, como sujeito passivo de imposto que pratica exclusivamente operações que conferem o direito à dedução, que deduziu a totalidade do imposto relativo aos inputs.

5.6. Ou seja, tendo em conta que se tratam de serviços prestados, ou melhor dizendo, disponibilizados conjuntamente (e sem possibilidade de contratar ginásio sem nutrição, em iguais condições) e, concluindo como concluíram os SIT, tratar-se de uma operação complexa, única, cuja decomposição, pelos motivos ali melhor descritos, constitui uma decomposição artificial.

5.7. Para além disso, a norma de isenção prevê “os serviços prestados” e não os serviços disponibilizados, sendo, por isso, manifestamente incompatível com o espírito daquela isenção, a mera disponibilização de cuidados de saúde.

5.8. Sendo a Requerente quem invoca o direito à isenção, nos termos do art. 74º da LGT, cabia-lhe fazer prova dos pressupostos da sua aplicação, no caso, do número de consultas efectivamente prestadas e, que reunia os pressupostos técnicos, como desde logo a inscrição na ERS, de que depende a prestação de cuidados de saúde.

5.9. Afigura-se que deve ser tida em conta no processo em apreço a pendência do pedido de reenvio prejudicial relativo ao processo n.º 504/2018-T, que deu entrada no TJUE em 2019-07-31 (processo C-581/19 - caso Frenetikexito), e que versa sobre matéria de facto análoga, que deveria assim servir de justificação para uma suspensão da presente instância até á Decisão que se venha a tomar no TJUE, o que desde já se requer.

5.10. Como bem se evidencia no RIT, o objetivo de prevenir ou tratar problemas de saúde não foi demonstrado pela Requerente e, relativamente à efectividade da prestação das consultas, pelo contrário, ficou cabalmente demonstrado que a maioria dos serviços facturados, não tiveram correspondência a consultas efectivamente prestadas.

5.11. Pelo que, quanto à interpretação da isenção nº 1 do art. 9º, não enfermam as liquidações adicionais de qualquer vício, devendo por via disso o pedido de pronúncia arbitral improceder por não provado com todas as consequências legais.

5.12. A Requerente refere a seu favor decisões proferidas por Tribunais constituídos no CAAD, a versar sobre a matéria em apreço, mas não só os factos não são idênticos aos dos presentes autos, como também aqueles acórdãos concluíram existir Jurisprudência do TJUE que permita interpretar de forma correcta a al. c) do n.º 1 do art.º 132.º da Directiva IVA e, bem assim, o art. 9º, nº 1, do CIVA, no que ora se sabe ser um entendimento contrário ao tacitamente proferido pelo próprio TJUE ao admitir o reenvio.

5.13. Pelo que, atento tudo o exposto, sempre deverão os presentes autos ser suspensos até à Decisão que venha a ser proferida no processo Frenetikexito, acima referido, o que se requer.

6. Em 8/10/2020 foi proferido despacho arbitral, suspendendo a instância nos presentes autos até à decisão do pedido de reenvio prejudicial pelos mesmos factos deste processo no processo 504/2018-T, apresentado ao Tribunal de Justiça da União Europeia em 31/7/2019 (processo C-581/19).

7. Comunicada nos presentes autos a decisão do processo de reenvio prejudicial foi realizada em 17/5/2021 a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, B..., C... e D... .

8. Tendo sido concedido a ambas as partes prazo para alegações, apenas a Requerida as apresentou no prazo fixado, a 4/6/2021, onde reiterou a posição assumida na sua Resposta. Na mesma data, a Requerente viria ainda a proceder à junção das suas alegações mas, em virtude da sua extemporaneidade, foi ordenado o seu desentranhamento.

 

II – Factos provados

9. Com base na prova documental constante do processo administrativo junto aos autos pela Requerida e dos depoimentos das testemunhas consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:

9.1. A Requerente, anteriormente denominada E..., LDA, foi constituída como sociedade unipessoal por quotas, em 29/6/2016, com sede na Rua ..., nº..., ... na freguesia de ..., distrito e concelho do Porto, e com o objecto social de "ginásio, manutenção física, estética e similares, aconselhamento em matéria de nutrição, cafetaria, bar, comércio a retalho de produtos e suplementos desportivos".

9.2. A Requerente tem como actividades registadas para efeitos de IVA no cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira as seguintes:

– Principal 93130 Actividades de ginásio (Fitness) desde 6/7/2016.

– Secundária 1 86906 Outras actividades de saúde humana (NE) desde 6/7/2016

9.3. A Requerente encontra-se inscrita na Entidade Reguladora da Saúde, como prestador de cuidados de saúde desde 16/5/2018.

9.4. Foi efectuada uma inspecção à Requerente em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, o qual se dá por reproduzido o qual destaca na sua pág. 11 que no período em questão a Requerente não estava inscrita junto da entidade reguladora da saúde:

 

9.5. Nesse relatório considerou-se, na pág. 20, sobre a realização das consultas de nutrição o seguinte:

 

9.6. O relatório considera ainda que sobre a afectação dos inputs para efeitos de IVA, nas suas págs. 17 e 18. o seguinte:

 

9.7. O relatório acrescenta ainda a págs. 23 o seguinte:

 

9.8. Na sequência da inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios: 

IMPOSTO            PERIODO             N.º DA LIQUIDAÇÃO      VALOR (€)

IVA        2017-03T                2019...               4.868,61 

JC           2017-03T                2019...              468,45 

IVA        2017-06T              2019... 6.053,89  

 JC          2017-06T              2019... 519,47    

IVA        2017-09T             2019...                6.555,37 

JC           2017-09T                2019...               498,56

IVA        2017-12T               2019...                7.241,10

 JC          2017-12T                2019...               476,92

 

9.9. A Requerente disponibiliza a todos os sócios serviços de aconselhamento nutricional e consultas de nutrição, para o que contratou duas nutricionistas.

9.10. As consultas estavam incluídas no pagamento do ginásio, sendo que o facto de os sócios não as utilizarem não implicava redução do preço.

9.11. Quando os sócios faltavam a consultas era tentado o seu reagendamento.

9.12. O volume de consultas era elevado, realizando as nutricionistas consultas de 20 minutos, o que lhes permitia marcar três consultas por hora.

9.13. As pessoas poderiam ter consultas de nutrição autonomamente, pagando esse serviço, o que algumas faziam.

A prova dos pontos 9.1. a 9.8. resulta do acervo documental constante do processo administrativo junto aos autos pela Requerida. Já a prova dos pontos 9.9. a 9.12. teve por base os depoimentos das testemunhas B..., C... e D..., que aparentaram depor com isenção e conhecimento directo dos factos que relataram.

 

III - Factos não provados

10. Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.

 

IV - Do Direito

11. São as seguintes as questões a examinar no presente processo.

- Do enquadramento das consultas de nutrição no art. 9º, nº1, do CIVA.

- Do enquadramento da simples disponibilização das consultas no art. 9º, nº1, do CIVA.

- Do carácter meramente acessório das consultas de nutrição em relação à actividade de ginásio.

- Da eventual necessidade de registo do prestador de serviços na Entidade Reguladora da Saúde (ERS) para poder beneficiar da isenção prevista no art. 9º, nº1, do CIVA.

Examinar-se-ão assim essas questões:

 

- DO ENQUADRAMENTO DAS CONSULTAS DE NUTRIÇÃO NO ART. 9º Nº 1 DO CIVA.

12. O enquadramento das consultas de nutrição foi esclarecido pela AT através da informação vinculativa aprovada por despacho de 19-08-2015, do Subdiretor-Geral do IVA, publicitada em

https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/despesa/civa/Documents/INFORMAÇÃO.9215.pdf

Nessa Informação Vinculativa, cujo teor se dá como reproduzido, conclui-se, além do mais, que "os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto".

Essa Informação Vinculativa encontrava-se vigente à data da prestação dos serviços, uma vez que nessa data ainda não tinha decorrido o prazo de quatro anos sobre a sua emissão, nos termos do art. 68º, nº 15 da LGT, embora não tivesse chegado a ser convertida em orientação genérica pelo processo previsto no art. 68º-A da LGT. Em qualquer caso, este entendimento mantinha-se a ser seguido pela AT, sendo que nem no relatório de inspecção que serviu de base às liquidações adicionais se coloca em causa o enquadramento das consultas de nutrição no nº1 do art. 9º do CIVA, mas apenas que as mesmas não teriam sido efectivamente prestadas, sendo consequentemente simuladas, e que o preço não poderia ser estabelecido da forma efectuada pela Requerente.

A posição de que as consultas de nutrição se encontram abrangidas pela isenção prevista no art. 9º, nº l, do CIVA tem sido igualmente defendida na jurisprudência no CAAD, designadamente nos acórdãos proferidos nos processos 454/2017-T, 373/2018-T, 159/2019-T, 169/2019-T, 179/2020-T, 695/2019-T.

Apenas em virtude da decisão resultante do processo de reenvio prejudicial pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no caso C-581/19 - caso Frenetikexito, estabeleceu esse Tribunal o entendimento seguinte:

" A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de  acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e  habilitado em instituições desportivas, e  eventualmente  no  âmbito  de  planos que incluem igualmente serviços de  manutenção e  bem-estar físico, constitui uma prestação de  serviços distinta e  independente e  não é  suscetível de  ser  abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º,  n.º 1,  alínea c),  desta diretiva".

Apesar de esta posição do Tribunal de Justiça da União Europeia obrigar à alteração da interpretação do art. 9º, nº1, do CIVA que tinha sido seguida até agora, relativamente ao enquadramento das consultas de nutrição para efeitos da isenção de IVA, a verdade é que o TJUE não exclui em absoluto que as mesmas possam ser enquadradas como tal, uma vez que a sua doutrina é proferida "sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio", cabendo assim aos tribunais internos dos Estados-Membros verificar se no caso concreto as consultas de nutrição poderão ou não ser enquadradas como prestações de serviços de saúde.

Neste processo, não é, porém, possível fazer essa avaliação, uma vez que a Requerida não invocou como fundamento das correcções o não enquadramento das consultas de nutrição na isenção prevista no art. 9º, nº1, do CIVA, não tendo por isso a Requerente tido oportunidade de contestar essa fundamentação e fazer prova que permitisse ao Tribunal Arbitral fazer essa concreta averiguação, tendo a sua prova incidido apenas sobre a efectiva realização das consultas, que era o que a Requerida contestava.

Não é, por isso, possível neste momento alterar o enquadramento das questões submetidas ao Tribunal Arbitral. Na verdade, como se escreveu no acórdão proferido no processo 372/2020-T, cujo colectivo foi igualmente integrado pelo signatário:

 " O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera anulação em que se visa apreciar a legalidade e declarar a eventual ilegalidade dos actos impugnados, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º, n.º 1, do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

                Por isso, os actos impugnados têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. (   )

                Consequentemente, a fundamentação sucessiva ou a posteriori não é relevante para aferir da legalidade do acto impugnado, quando não acompanhada de revogação e prática de um novo acto (   ) e também o tribunal, constatada a ilegalidade da fundamentação do acto impugnado, não pode substituir-se à Administração Tributária, mantendo na ordem jurídica esse acto com nova fundamentação. Isto é, «o tribunal não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do acto impugnado (já que os seus poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o acto explicitamente partiu), nem pode substituir-se à Administração na determinação de outra matéria tributável (sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária)». (   )

                A eventual prática, na sequência da declaração pelo tribunal da ilegalidade do acto impugnado, do «acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral», é tarefa que cabe a Administração Tributária como resulta do teor expresso da alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT.

Neste contexto, há que notar que a hipotética falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição não foi fundamento das liquidações impugnadas".

A situação é idêntica nos presentes autos, pelo que não se pode equacionar in casu uma hipotética falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição, que este Tribunal Arbitral não teve possibilidade de apreciar, uma vez que não foi questão que lhe tivesse sido submetida, como fundamento das liquidações impugnadas.

 

- DO ENQUADRAMENTO DA SIMPLES DISPONIBILIZAÇÃO DAS CONSULTAS DE NUTRIÇÃO NO ART. 9º Nº 1 DO CIVA.

13. A segunda questão a examinar é se o facto de as consultas de nutrição serem meramente disponibilizadas e, eventualmente, não serem usufruídas pelos clientes da Requerente, lhes retira o benefício da isenção em IVA, ou se, para se obter tal isenção, basta a disponibilização da prestação de serviços de nutrição, observados que sejam os parâmetros legais.

Antes de tudo há que salientar que a prova produzida nestes autos afastou para o Tribunal Arbitral qualquer suspeita de que não existisse a prestação de consultas de nutrição, tendo as testemunhas convencido o Tribunal de que esse serviço era efectivamente prestado, ainda que por vezes os clientes não comparecessem. Nesse caso era, porém, tentado o seu reagendamento.

O facto de o cliente não comparecer numa consulta de nutrição que pagou não é, porém, motivo para que a eventual isenção de que pode beneficiar seja perdida. Na verdade, como se escreveu no acórdão proferido no processo 373/2018-T:

"Relativamente ao facto de nem sempre esses serviços serem efetivamente utilizados pelos clientes subscritores, tal não significa a descaracterização dos mesmos e a consequente perda do regime de isenção. Conforme assinalado por CLOTILDE CELORICO PALMA no parecer supra citado “[a] partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de atividades físicas).” 

Aliás, a questão que se poderia colocar a este propósito não seria a de tais serviços passarem a ser tributados em IVA, por não terem sido utilizados, mas, ao invés, a de não serem sequer sujeitos a imposto, porque precisamente não foram prestados (com a eventual restituição da remuneração paga pelos clientes). Em qualquer caso, esta última hipótese não procede, porque o serviço em causa consiste na disponibilização das consultas, pelo que se considera prestado com essa disponibilização, tal como sucede, entre outros, com os serviços de ginásio, telecomunicações ou de transporte aéreo. 

Neste sentido, se pronunciou o Tribunal de Justiça, designadamente nos casos Air France-KLM, C-250/14, de 23 de dezembro de 2015, e MEO, C-295/17, de 22 de novembro de 2018. Segundo o tribunal europeu, com a assinatura do contrato de prestação de serviços o cliente adquire o direito de beneficiar do “cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito”. 

Conclui-se, desta forma, que o facto de os clientes por vezes não usufruírem dos serviços contratados não implica que se considere que a prestação de serviços não foi realizada pelo prestador e/ou que a qualificação desses serviços e respetivo regime de IVA sofram modificações".

O Tribunal Arbitral acolhe esse entendimento, pelo que não considera que essa situação possa ser fundamento das liquidações impugnadas. Em qualquer caso, tal não justifica que deixassem de poder ser consideradas quaisquer consultas de nutrição no âmbito da isenção, como foi efectuado pela Autoridade Tributária.

Na verdade, e conforme se escreveu no acórdão proferido no processo 372/2020-T, cujo colectivo foi igualmente integrado pelo signatário:

"Mesmo que se aceitasse que a mera disponibilização do serviço não permite aplicar a isenção, a falta de «efetiva prestação do serviço» poderia ser fundamento para não aplicar a isenção às consultas não prestadas, mas não a todas as consultas faturadas, designadamente às que foram efectuadas.

                Nesta situação, (…) a solução imposta pelo princípio da proporcionalidade é a avaliação indirecta prevista nos artigos 85.º e 87.º, n. 1, alínea b) da LGT para as situações em que haja «impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto» e não ficcionar que nenhuma das consultas foi realizada (…)".

Verifica-se assim que também este fundamento não pode servir de base às liquidações impugnadas.

 

- DO CARÁCTER MERAMENTE ACESSÓRIO DAS CONSULTAS DE NUTRIÇÃO EM RELAÇÃO À ACTIVIDADE DE GINÁSIO.

14. Outro fundamento invocado pela Requerida para a emissão das liquidações ora impugnadas foi o de que, neste caso, a prestação de serviços de aconselhamento nutricional é meramente acessória da prestação de serviços da prática de exercício físico e consequentemente, tal como esta, é tributada à taxa normal de imposto, não beneficiando da isenção de IVA prevista no nº 1 do artigo 9º, do CIVA.

Esta questão foi igualmente objecto de proficiente tratamento no processo 373/2018-T, onde se escreveu o seguinte:

"Interessa notar que os critérios de determinação do caráter acessório de uma operação relativamente a outra dita “conexa” e considerada como “principal” têm sido recortados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar-se com frequência sobre esta matéria, dadas as dificuldades derivadas da indeterminação concetual.                  

O princípio geral que constitui o ponto de partida é o de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente, como, a título de exemplo, assinalam os Acórdãos Levob Verzekeringen, C-41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP, C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999.                 

O regime-regra pode, porém, ser afastado e uma prestação ser considerada acessória em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, “quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” – Acórdãos CPP, C-349/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998. Em determinadas circunstâncias, “várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” – Acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008. (realce nosso).

Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa. Contudo, não existe uma regra absoluta para determinar o alcance de uma prestação para efeitos de IVA, sendo, para tal, necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola – Acórdãos BGŻ Leasing, C-224/11, de 17 de janeiro de 2013, Field Fisher Waterhouse, C-392/11, de 27 de setembro de 2012, e demais jurisprudência acima citada.                 

O Tribunal de Justiça apela ao padrão do “consumidor médio” como ponto de vista a partir do qual se pode concluir estarmos perante uma prestação única. 

Segundo este Tribunal atenta a “dupla circunstância de que, por um lado, do artigo 2.°, n.º 1, da Sexta Diretiva [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA] decorre que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, importa assim, em primeiro lugar, procurar encontrar os elementos característicos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais distintas ou uma prestação única […]. O mesmo se passa quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor, entendido como consumidor médio, estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial – Levob Verzekeringen, C-41/94. No mesmo sentido, veja-se o caso Aktiebolaget NN, C-111/05, de 29 de março de 2007. (realce nosso) 

A realização, a título oneroso, de uma prestação que não é indispensável para atingir o objetivo visado pela prestação “principal”, se bem que possa ser considerada muito útil para essa prestação, não será considerada uma prestação estreitamente conexa, conforme preconiza o Tribunal de Justiça no caso Ygeia, C 394/04, de 1 de dezembro de 2005. 

Acresce que se o cliente tiver a faculdade de escolher os seus prestadores e/ou as modalidades de utilização dos bens ou serviços em causa, as prestações relacionadas com estes bens ou serviços podem, em princípio, ser consideradas distintas da operação dita “principal” – Acórdão Wojskowa Agencja Mieszkaniowa, C-42/14, de 16 de abril de 2015. 

Retomando a análise concreta, a Requerente presta nas suas instalações múltiplos serviços, todos relacionados com a manutenção de um estilo de vida saudável e bem-estar, como a atividade física, a estética, a nutrição ou o SPA. Apesar de todos estes serviços se orientarem a um denominador comum, numa abordagem multidisciplinar, a conjugação dos diversos serviços apresenta-se complementar e não acessória. 

Com efeito, as prestações de serviços das diversas áreas são perfeitamente autonomizáveis e existem independentemente umas das outras. Os clientes mantêm a faculdade de escolha dos prestadores e das modalidades de utilização dos serviços em causa. O facto de a Requerente, por razões comerciais, ter estabelecido condições vantajosas que fomentam e promovem a adesão aos novos serviços de nutrição, tendo em vista o arranque dessa nova área de atividade e assegurar uma oferta mais vasta de serviços, com o intuito de fidelização dos clientes, não conduz à consideração destes como meramente acessórios à utilização do ginásio. A prática de exercício físico é independente da adoção ou não determinado regime alimentar, pelo que devem ser consideradas prestações de serviços distintas".

A questão da eventual acessoriedade das consultas de nutrição em relação à actividade de ginásio acaba, aliás, de ser esclarecida Tribunal de Justiça da União Europeia no caso C-581/19 - caso Frenetikexito, onde embora o TJUE conteste que a prestação dos serviços de aconselhamento nutricional possam beneficiar automaticamente de isenção de IVA sem uma avaliação concreta da sua necessidade terapêutica, afirma expressamente que constituem prestações autónomas e independentes da actividade de ginásio.

Verifica-se assim que também este fundamento não poderia servir de justificação para as liquidações efectuadas.

 

- DA EVENTUAL NECESSIDADE DE REGISTO DO PRESTADOR DE SERVIÇOS NA ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE PARA PODER BENEFICIAR DA ISENÇÃO PREVISTA NO ART. 9º Nº 1 DO CIVA.

15. A outra fundamentação invocada pela AT para emitir as liquidações impugnadas foi a de que, no período a que o IVA respeita, a Requerente ainda não estaria registada na Entidade Reguladora da Saúde (ERS) como prestadora de cuidados de saúde, razão pela qual não poderia beneficiar da isenção prevista no art. 9º, nº1, do CIVA. Efectivamente, a Requerente apenas procedeu ao seu registo na ERS em 16/5/2018.

Sobre esta questão escreveu-se no acórdão proferido no processo 372/2020-T o seguinte:

"No que concerne à falta de registo na Entidade Reguladora da Saúde (ERS), prevista no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de Agosto, é irrelevante para  efeito de tributação em IVA, pois nenhuma norma do CIVA ou da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, lhe dá qualquer relevância, designadamente para efeitos de aplicação de isenções.

As prestações de serviços são tributadas em IVA nos mesmos termos, com as mesmas isenções, independentemente da natureza lícita ou ilícita dos serviços prestados, o que está em sintomia com os princípios gerais da tributação enunciados na LGT, da relevância da substância económica das operações e da tributação de actos ilícitos (artigos 10.º e 11.º, n.º 3).

É por essa razão, decerto, que a Informação Vinculativa n.º 9215, emitida em 19-08-2015 nem sequer alude à necessidade de registo na ERS com condição da isenção, apesar de ter sido emitida quando o registo já era obrigatório.

Por isso, ao contrário do que se entendeu no Relatório da Inspecção Tributária, a falta de registo na ERS não constitui uma das «condições obrigatórias» para a Requerente aplicar a isenção".

O Tribunal Arbitral acolhe esse entendimento, pelo que não considera que a falta de registo na ERS, que aliás foi posteriormente efectuada, seja fundamento que possa servir de base às liquidações ora impugnadas, tanto mais que a Requerente tinha como actividade registada para efeitos de IVA "outras actividades de saúde humana", sendo esse registo o que é relevante para efeitos de IVA.

 

CONCLUSÃO

De harmonia com o exposto, as liquidações de IVA enfermam de vícios de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito que justificam a sua anulação, nos termos do artigo 163º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c), da LGT.  

As liquidações de juros compensatórios têm como pressupostos as respectivas liquidações de IVA pelo que enfermam dos mesmos vícios.

 

V – Decisão

 

Nestes termos, julga-se procedente o pedido de anulação das liquidações de IVA 2017-03T 2019..., no valor de €4.868,61, de juros compensatórios 2017-03T 2019..., no valor de   €468,45, de IVA 2017-06T 2019..., no valor de €6.053,89, de juros compensatórios  2017-06T   2019..., no valor de €519,47, de IVA  2017-09T  2019..., no valor de  €6.555,37,  de juros compensatórios  2017-09T 2019..., no valor de €498,56, de  IVA  2017-12T   2019..., no valor de €7.241,10, e de juros compensatórios,  JC  2017-12T  2019... no valor de €476,92, perfazendo o valor global de €26.682,37. 

Fixa-se ao processo o valor de €26.682,37 (vinte seis mil, seiscentos e oitenta e dois euros e trinta e sete cêntimos) e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 1530 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, condenando-se a Requerida nas custas do processo.

 

Lisboa, 18 de Junho de 2021

 

O Árbitro

(Luís Menezes Leitão)