Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 933/2019-T
Data da decisão: 2021-06-15  IRC  
Valor do pedido: € 2.077.790,38
Tema: IRC – dupla tributação económica de dividendos; Acordo Euromediterrânico.
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SUMÁRIO:

I. Nos termos da jurisprudência do TJUE (Acórdão C-464/14 de 24 Novembro de 2016) a não eliminação da dupla tributação económica de dividendos com origem em Estados terceiros, quando essa eliminação é permitida a favor de dividendos de origem doméstica constitui uma discriminação e uma restrição aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros e países terceiros que, em princípio, é proibida pelo art. 63.º do TFUE;

II. A recusa daquela eliminação não pode ser justificada pela alegada necessidade de assegurar a eficácia dos controlos fiscais, na medida em que existam mecanismos que permitam a verificação da efectiva tributação no Estado terceiro;

III. Ainda que não existam tais mecanismos, essa recusa apenas poderá ser justificada pela impossibilidade de obter tais informações e já não pelo facto de não se terem obtido informações em virtude da inércia da AT para o efeito.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros José Pedro Carvalho (árbitro-presidente), Carla Castelo Trindade e Rita Guerra Alves, designados para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

                1. A..., S.A., com sede no ..., ..., ..., freguesia de ..., ...  e ..., ... ... ..., titular do número de identificação de pessoa colectiva ..., vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a) e 6.º, n.º 2, alínea a), todos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aplicáveis nos termos e para os efeitos previstos no artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro,

com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2009, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...20120... que apresentou tendo aquele acto tributário enquanto objecto.

 

                2. Em concreto, a Requerente formulou os seguintes pedidos:

(i) Ser declarada ilegal e anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...20120..., tendo por objecto o acto tributário de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2009;

(ii) Ser declarado ilegal e anulado o acto de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2009 na parte que o imposto incidiu sobre os lucros distribuídos à Requerente pela B... e pela C..., subsidiárias domiciliadas para efeitos fiscais na Tunísia e no Líbano, respectivamente, por violação do princípio da livre circulação de capitais consagrado pelo artigo 63.º, n.º 1, do TFUE (anterior artigo 56.º, n.º 1, do Tratado CE) e também do disposto no artigo 34.º, n.º 1, do Acordo CE-Tunísia e no artigo 31.º do Acordo CE Líbano;

(iii) Subsidiariamente a (ii), e apenas no caso de se entender que não estão reunidos os pressupostos para a dedução integral dos lucros distribuídos à Requerente – o que seria materialmente inconcebível no que aos dividendos distribuídos pela B... diz respeito e processualmente inadmissível no caso dos dividendos distribuídos pela C...– ser o acto de autoliquidação de IRC respeitante a 2009 anulado na parte em que o imposto incidiu sobre metade (50%) desses lucros;

(iv) Em qualquer caso, ser determinada a restituição à Requerente do montante de IRC correspondente à diferença entre o montante pago e aquele que deveria ter sido pago em relação aos lucros distribuídos pela B... e pela C... caso tais sociedades tivessem residência fiscal em Portugal; e

(v) Ser determinado o pagamento pela Fazenda Pública à Requerente de juros indemnizatórios, à taxa legal anual de 4%, sobre a prestação tributária indevidamente paga por violação das normas de direito da União Europeia e de direito internacional público, nos termos previstos nos artigos 43.º, n.º 1, e 100.º da LGT e no artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, ex vi artigo 24.º, n.º 5, do RJAT.

 

                3. Na fundamentação do seu pedido a Requerente alegou, em síntese, que o acto de autoliquidação de IRC ora impugnado era ilegal, na parte relativa à tributação que incidiu sobre os lucros distribuídos à Requerente pelas suas subsidiárias domiciliadas na Tunísia e no Líbano, no exercício de 2009, pelo facto de ter sido negada a aplicação aos referidos dividendos das regras de eliminação da dupla tributação económica previstas na legislação nacional.

 

4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 31 de Dezembro de 2019 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à Requerida.

 

5. A Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

6. Em 17 de Fevereiro de 2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.

 

7. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 18 de Março de 2020.

 

8. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta em 2 de Julho de 2020 na qual defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, remetendo a respectiva fundamentação para a contestação, alegações e alegações complementares que juntou ao processo e que haviam sido deduzidas em sede de impugnação judicial no âmbito do processo n.º .../12...BEALM da 3.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, antes de a Requerente efectuar a migração do processo para os tribunais arbitrais tributários.

 

9. Na sua resposta a Requerida peticionou ainda a remessa do procedimento administrativo (daqui em diante apenas “PA”) junto ao processo de impugnação judicial referido no ponto anterior. Por despacho proferido em 15 de Julho de 2020 o tribunal facultou às partes o prazo de 30 dias para, querendo, juntarem aos autos os elementos documentais que tivessem por pertinentes, designadamente eventuais certidões de peças ou documentos que fizessem parte do referido processo. Mediante requerimento apresentado em 17 de Setembro de 2020, veio a Requerente peticionar a junção ao processo do acórdão arbitral proferido em 10 de Setembro de 2020 no âmbito do processo n.º 938/2019-T, em virtude da sua similitude com o caso ora em juízo. Em 24 de Setembro de 2020 foi junto aos autos o procedimento administrativo já referido.

 

10. Por despacho proferido em 18 de Outubro de 2020, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT, tendo-se facultado às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas. Faculdade que a Requerente veio a exercer mediante requerimento apresentado em 9 de Novembro de 2020, juntando ainda aos autos decisão de deferimento de pedido de reclamação graciosa que apresentou quanto ao exercício de 2013 relativamente a idêntica factualidade.

 

11. Tendo em conta que estava em curso, e não terminado, o processo de elaboração da decisão final, e tendo em conta a tramitação processual verificada, os períodos de férias judiciais decorridos na pendência do presente processo, o disposto no art. 17.º-A, do RJAT, bem como a pública situação de pandemia que assolou o país, foi proferido despacho em 2 de Dezembro de 2020 e, posteriormente, pelos mesmos fundamentos, em 19 de Abril de 2021, nos termos e para os efeitos do art. 21.º, n.º 2 do RJAT, tendo-se prorrogado por dois meses o prazo para emissão e notificação da decisão arbitral, a que se refere o n.º 1 do mesmo artigo.

 

II. SANEAMENTO

 

12. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, e 5.º, n.º 3, alínea a), todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

 

III. DO MÉRITO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

 

                13. Com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

a)            A Requerente é uma sociedade anónima de direito português, com sede e direcção efectiva em território nacional, que tem como objecto social o fabrico e venda de cimento e seus derivados;

b)           Em 2009 a Requerente era a sociedade dominante de um grupo para efeitos de aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”) em IRC;

c)            No exercício fiscal de 2009 a Requerente detinha uma participação de 98,72% no capital social da B... S.A., (doravante designada apenas por “B...” ou “subsidiária tunisina”) com sede na Tunísia (cfr. Relatório do Conselho de Administração de 2010 mencionado pela Requerente no artigo 16.º do seu pedido de pronúncia arbitral, disponível em http://www...  e cfr. PA junto aos autos);

d)           No exercício fiscal de 2009 a referida participação gerou rendimentos para a Requerente, sob a forma de dividendos, no montante de € 6.288.683,39 (cfr. PA junto aos autos e docs. n.º 6 e 7 juntos pela Requerente aos autos com o pedido de pronúncia arbitral);

e)           Naquele período a participada B... foi sujeita a uma tributação sobre o rendimento na Tunísia à taxa de 30% (cfr. docs. n.º 2 e 3 juntos pela Requerente aos autos com o pedido de pronúncia arbitral);

f)            Os dividendos auferidos pela Requerente da B... concorreram para a formação da matéria colectável de IRC do exercício de 2009;

g)            No exercício fiscal de 2009 a Requerente detinha uma participação de 51,05% (dos quais 28,64% eram detidos directamente pela Requerente e 22,41% eram detidos de forma indirecta) no capital social da C... S.A.L., (daqui em diante designada por “C...” ou “subsidiária libanesa”) com sede no Líbano (cfr. Relatório do Conselho de Administração de 2010 mencionado pela Requerente no artigo 16.º e 21.º do seu pedido de pronúncia arbitral, disponível em http://www...   e cfr. PA junto aos autos);

h)           No exercício fiscal de 2009 a referida participação gerou rendimentos para a Requerente, sob a forma de dividendos, no montante líquido de € 2.247.197,91 (cfr. PA junto aos autos e docs. n.º 6 e 7 juntos pela Requerente aos autos com o pedido de pronúncia arbitral);

i)             Naquele período a participada C... foi sujeita a uma tributação sobre o rendimento no Líbano à taxa de 15% (cfr. docs. n.º 4 e 5 juntos pela Requerente aos autos com o pedido de pronúncia arbitral);

j)             Os dividendos auferidos pela Requerente da C... concorreram para a formação da matéria colectável de IRC do exercício de 2009;

k)            Aos rendimentos auferidos pela Requerente mencionados nos pontos anteriores não foram aplicadas as regras de eliminação da dupla tributação económica previstas na legislação portuguesa;

l)             À data dos factos existia entre Portugal e a Tunísia uma Convenção para evitar a Dupla Tributação que possibilitava a troca de informações para aplicação das disposições dessa convenção ou as da legislação interna dos Estados Contratantes relativas aos impostos abrangidos pela Convenção, designadamente o IRC;

m)          À data dos factos não existia entre Portugal e o Líbano uma Convenção para evitar a Dupla Tributação que permitisse a troca de informações nos termos descritos no ponto anterior;

n)           À data dos factos não existia entre Portugal e o Líbano um Acordo para Troca de Informações em Matéria Fiscal;

o)           À data dos factos não existia entre Portugal e o Líbano um Protocolo em matéria de Assistência Mútua Administrativa;

p)           Em 28 de Maio de 2012, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação de IRC de 2009, que foi indeferida em 10 de Outubro de 2012 por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças, em regime de delegação de competências;

q)           A Requerente impugnou judicialmente aquela decisão junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, tendo sido atribuído ao processo o n.º .../12...BEALM;

r)            Em 25 de Junho de 2014 foi determinada pelo Tribunal Tributário de Lisboa a suspensão da instância e o reenvio prejudicial ao TJUE (cfr. doc. n.º 8 junto pela Requerente aos autos com o pedido de pronúncia arbitral), que culminou no acórdão “...” de 24 de Novembro de 2016, proferido no âmbito do processo C-464/14;

s)            Em 31 de Outubro de 2019 a Requerente apresentou naquele processo um requerimento com vista à extinção da instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018 (cfr. doc. n.º 1 junto pela Requerente aos autos com o pedido de pronúncia arbitral);

t)            Em 20 de Dezembro de 2019 foi a instância declarada extinta (cfr. doc. n.º 9 junto pela Requerente aos autos com o pedido de pronúncia arbitral);

u)           Em 31 de Dezembro de 2019 a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo arbitral.

 

III.1.2. Factos não provados

 

14. Com relevo para a decisão da causa, consideram-se como não provados os seguintes factos:

a)            Não se provou que a Requerida tenha realizado diligências no sentido de sindicar as informações constantes da prova documental junta pela Requerente ao procedimento gracioso, designadamente no que respeita à verificação da efectiva sujeição a imposto da Requerente no Líbano;

b)           Não se provou que a Requerente tenha efectuado o pagamento do montante de imposto resultante da autoliquidação de IRC quanto ao exercício de 2009.

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

15. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 Neste sentido, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, tal como decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Relativamente aos factos dados como provados nos pontos e) e i) da matéria de facto, cumpre salientar que do PA constam elementos probatórios juntos pela Requerente com o pedido de reclamação graciosa que versam, precisamente, sobre a sujeição a imposto e respectiva taxa aplicável à tributação em sede de IRC da B..., na Tunísia, e da C..., no Líbano. Ainda que a AT fundamente a decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa com base no não preenchimento dos respectivos pressupostos legais, a verdade é que esse incumprimento não é reportado à falta de prova de tributação efectiva dos lucros daquelas sociedades. Neste sentido, não assiste razão à Requerida quando alega nos artigos 30.º a 48.º da sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral que a decisão da reclamação graciosa não poderia ser outra porque a Requerente apenas teria juntado ao procedimento “meros documentos particulares” com um “valor probatório limitado”, que não constituiria “prova idónea tendente à demonstração de dois dos requisitos exigidos no artigo 51.º do Código do IRC, quais sejam, a sujeição desta sociedade libanesa a imposto e da tributação efetiva de tais lucros (cf. respetivamente os n.º 1 e 10 daquele artigo)”.

De facto, não se verificava na lei qualquer limitação dos meios de prova admissíveis no procedimento gracioso aos “documento[s] emitido[s] pelas respectivas autoridades fiscais desses países [Tunísia e Líbano]”, mas tão só uma “[l]imitação dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham (…)”, nos termos da alínea e) do artigo 69.º, do CPPT. E ainda que se verificasse na lei tal imposição sempre se diria, em linha com a jurisprudência do STA a respeito do cumprimento de formalidades probatórias com o intuito de verificação do preenchimento dos pressupostos de que depende a aplicação de um determinado regime fiscal, que essas formalidades seriam ad probationem, não limitando a prova dos factos pelo sujeito passivo através de qualquer outro meio idóneo para o efeito (neste sentido, ainda que a respeito de outra temática, veja-se o acórdão do STA de 22 de Junho de 2011, proferido no âmbito do processo n.º 0283/11).

Acresce a tais considerações que na sua resposta a Requerida não colocou em causa a veracidade de tais documentos e respectiva traduções (juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral enquanto docs. n.ºs 2, 3, 4 e 5), não existindo factos ou alegações nos autos que suscitem a falta da sua idoneidade e/ou veracidade. Pelo contrário, a AT limitou-se a alegar o incumprimento do ónus da prova acometido à Requerente, referindo em concreto (cfr. artigo 45.º da resposta) que “não cabe à AT suprir essa falta, mormente accionando os mecanismos de troca de informação”, sendo certo que “relativamente ao Líbano, por não existir mecanismo de cooperação no domínio da fiscalidade, não é possível obter a colaboração das autoridades competentes do Estado de estabelecimento da sociedade distribuidora no sentido da confirmação dos elementos apresentados” (cfr. artigo 47.º).

Nota-se, também, que os documentos 3 e 5, juntos pela Requerente, de acordo com as respectivas traduções certificadas, são provenientes de autoridades fiscais locais, e declaram o imposto pago naqueles países e o rendimento tributável sujeito.

O facto dado como não provado na alínea b) resulta de não terem sido juntos aos autos elementos probatórios que permitissem aferir tal facto.

Por último ressalva-se que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

III.2.1. Considerações prévias sobre a ordem de conhecimento dos vícios alegados

                16. Sobre a ordem do conhecimento dos vícios, determina o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT, que o Tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação. Quanto a estes últimos, a apreciação dos vícios é feita pela ordem indicada pela Requerente, desde que se estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público. Nestes termos, a apreciação da matéria de direito seguirá a ordem dos vícios alegados pela Requerente.

 

III.2.2. Conformidade do regime de eliminação da dupla tributação económica com o Direito da União Europeia

 

                17. A questão de direito de que cumpre conhecer resume-se, essencialmente, à conformidade do regime de eliminação da dupla tributação económica – no que respeita à impossibilidade de dedução pela Requerente dos dividendos auferidos das suas subsidiárias sedeadas na Tunísia e no Líbano –, com o Direito da União Europeia, designadamente com a jurisprudência do TJUE vertida no acórdão ... já prontamente identificado.

               

                18. A questão de que cumpre decidir nos presentes autos foi já analisada, de forma constante, por jurisprudência anterior em casos idênticos, designadamente nas decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.º 22/2013-T, de 12 de Setembro de 2013; n.º 567/2015 T, de 15 de Julho de 2016; n.º 577/2016-T, de 1 de Junho de 2017 e n.º 938/2019 T, de 10 de Setembro de 2020. O mesmo se diga quanto aos tribunais judicias, designadamente quanto à sentença proferida pela Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, em 20 de Dezembro de 2019, no âmbito do processo n.º 448/12.8BEALM (cfr. doc. n.º 10 junto pela Requerente aos autos com o pedido de pronúncia arbitral) e quanto ao acórdão do STA de 6 de Maio de 2020, proferido no âmbito do processo n.º 0830/11.8BEALM 0588/16.

                Nos termos do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, “[n]as decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”. Ora, a jurisprudência supra referida corresponde a impugnações efectuadas pela Requerente quanto a actos de liquidação de IRC de outros exercícios ficais nos quais se verificaram situações idênticas às dos presentes autos, razão pela qual deverá a referida jurisprudência ser tida em consideração por este tribunal arbitral tendo em vista a obtenção de uma “interpretação e aplicação uniformes do direito”, tutelando dessa forma a coerência sistemática e a segurança jurídica na aplicação do direito.

                Por conseguinte, transcrever-se-á de seguida um excerto decisório do acórdão arbitral n.º 938/2019 T, de 10 de Setembro de 2020, em virtude da identidade substancial do quadro fáctico, da circunstância de o referido acórdão tomar em conta as considerações do TJUE no acórdão ... bem como as mais recentes considerações do STA sobre esta questão e, claro está, da profundidade e minúcia da análise efectuada. Referiu se assim naquele acórdão que:

“O artigo 51.º do CIRC, na redacção vigente em 2010, estabelecia o seguinte, no que aqui interessa:

Artigo 51.º

Eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos

1 – Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direcção efectiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos:

a) A sociedade que distribui os lucros tenha a sede ou direcção efectiva no mesmo território e esteja sujeita e não isenta de IRC ou esteja sujeita ao imposto referido no artigo 7.º;

b) A entidade beneficiária não seja abrangida pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º;

c) A entidade beneficiária detenha directamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10 % ou com um custo de aquisição não inferior a € 20.000.000 e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período.(...)

5 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é também aplicável quando uma entidade residente em território português detenha uma participação, nos termos e condições aí referidos, em entidade residente noutro Estado membro da União Europeia, desde que ambas as entidades preencham os requisitos estabelecidos no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho. (Redacção da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril) (...)

11 - O disposto nos n.ºs 1, 2 e 8 é igualmente aplicável quando uma entidade residente em território português detenha uma participação, nos termos e condições aí referidos, em entidade residente noutro Estado membro do espaço económico europeu que esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia, desde que ambas essas entidades preencham condições equiparáveis, com as necessárias adaptações, às estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho. (Redacção da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril)

A decisão da reclamação graciosa, transcrevendo as conclusões do Parecer n.º 79/09, do Centro de Estudos Fiscais, revela que o obstáculo à aplicação à Requerente do regime consagrado no n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRC se consubstancia no facto de esse regime não estar previsto para os «lucros distribuídos por sociedades fiscalmente residentes em Estados Terceiros a sociedades residentes em Portugal». No referido Parecer conclui-se ainda que «a livre circulação de capitais e o Acordo de Associação com a Tunísia não se opõem à não aplicação do regime consagrado no n.º 1 do art.º 46º do Código do IRC aos lucros distribuídos por sociedades fiscalmente residentes em Estados Terceiros a sociedades residentes em Portugal». (   )

O acórdão do TJUE de 24-11-2016, proferido no processo n.º C-464/14, proferido em relação a específica situação da Requerente, decidiu, em suma, o seguinte:

1) Os artigos 63.º e 65.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que:

– uma sociedade estabelecida em Portugal que recebe dividendos de sociedades estabelecidas, respetivamente, na Tunísia e no Líbano pode invocar o artigo 63.º TFUE para impugnar o tratamento fiscal reservado a esses dividendos no referido Estado-Membro com base numa legislação que não tem por objeto aplicar-se exclusivamente às situações em que a sociedade beneficiária exerce uma influência decisiva sobre a sociedade distribuidora;

– uma legislação como a que está em causa no processo principal, segundo a qual uma sociedade residente num Estado-Membro pode efetuar uma dedução integral ou parcial dos dividendos recebidos da sua base tributável, quando estes são distribuídos por uma sociedade residente no mesmo Estado-Membro, mas não pode proceder a esta dedução quando a sociedade distribuidora é residente num país terceiro, constitui uma restrição aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros e os países terceiros, que, em princípio, é proibida pelo artigo 63.o TFUE;

– a recusa em conceder uma dedução integral ou parcial dos dividendos recebidos da base tributável, em aplicação do artigo 46.º, n.ºs 1 e 8, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na sua versão em vigor em 2009, pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral relativas à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, quando for impossível as autoridades fiscais do Estado-Membro em que é residente a sociedade beneficiária obterem informações junto do país terceiro em que é residente a sociedade que distribui esses dividendos, que permitam verificar se está preenchido o requisito relativo à sujeição desta última sociedade a imposto;

– a recusa em conceder uma dedução parcial em aplicação do artigo 46.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na referida versão, não pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral relativas à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, quando a mesma disposição puder ser aplicada a situações em que a sujeição da sociedade distribuidora a imposto, no Estado em que é residente, não pode ser verificada, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.

2) O artigo 64.º, n.º 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que:

– na medida em que a adoção do regime de benefícios fiscais para o investimento de natureza contratual, previsto no artigo 41.º, n.º 5, alínea b), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na sua versão em vigor em 2009, e do regime relativo aos dividendos provenientes dos países africanos de língua oficial portuguesa e de Timor-Leste, previsto no artigo 42.º do mesmo Estatuto, não alterou o quadro jurídico relativo ao tratamento dos dividendos provenientes da Tunísia e do Líbano, a adoção dos referidos regimes não afetou a qualificação, como restrição em vigor, da exclusão dos dividendos pagos pelas sociedades estabelecidas nesses países terceiros da possibilidade de beneficiarem de uma dedução integral ou parcial;

– um Estado-Membro renuncia à faculdade prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE, quando, sem revogar ou alterar formalmente a legislação existente, celebra um acordo internacional, como um acordo de associação, que prevê, numa disposição com efeito direto, a liberalização de uma categoria de capitais referida nesse artigo 64.º, n.º 1; por conseguinte, esta alteração do quadro jurídico deve ser equiparada, quanto aos seus efeitos na possibilidade de invocar o artigo 64.º, n.º 1, TFUE, à introdução de uma legislação nova, que assenta numa lógica diferente da legislação existente.

3) O artigo 34.º, n.º 1, do Acordo euro-mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Tunísia, por outro, assinado em Bruxelas, em 17 de julho de 1995, e aprovado, em nome da Comunidade Europeia e da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, pela Decisão 98/238/CE, CECA do Conselho e da Comissão, de 26 de janeiro de 1998, deve ser interpretado no sentido de que:

– tem efeito direto e pode ser invocado numa situação como a que está em causa no processo principal, em que uma sociedade residente em Portugal recebe dividendos de uma sociedade residente na Tunísia, em razão do investimento direto que realizou na sociedade distribuidora, para efeitos de oposição ao tratamento fiscal reservado a esses dividendos em Portugal;

– uma legislação como a que está em causa no processo principal, segundo a qual uma sociedade residente num Estado-Membro pode efetuar uma dedução integral ou parcial dos dividendos recebidos da sua base tributável, quando estes são distribuídos por uma sociedade residente no mesmo Estado-Membro, mas não pode proceder a esta dedução quando a sociedade distribuidora é residente na Tunísia, constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, no que diz respeito aos investimentos diretos e, em especial, ao repatriamento do produto de tais investimentos, pelo artigo 34.º, n.º 1, do referido acordo;

  numa situação como a que está em causa no processo principal, o efeito desta disposição não está limitado pelo artigo 89.º do referido acordo;

  recusa em conceder uma dedução integral ou parcial dos dividendos recebidos da base tributável da sociedade beneficiária, em aplicação do artigo 46.º, n.ºs 1 e 8, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na sua versão em vigor em 2009, pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral relativas à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, quando for impossível as autoridades fiscais do Estado-Membro em que é residente a sociedade beneficiária obterem informações junto da República da Tunísia, Estado em que é residente a sociedade que distribui esses dividendos, que permitam verificar se está preenchido o requisito relativo à sujeição da sociedade que distribui os referidos dividendos a imposto;

– a recusa em conceder esta dedução parcial, em aplicação do artigo 46.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na referida versão, não pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral relativas à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, quando a referida disposição puder ser aplicada a situações em que a sujeição da sociedade distribuidora a imposto na Tunísia, Estado em que esta sociedade é residente, não pode ser verificada, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.

 4) O artigo 31.º do Acordo euro-mediterrânico que cria uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República do Líbano, por outro, assinado no Luxemburgo, em 17 de junho de 2002, e aprovado, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2006/356/CE do Conselho, de 14 de fevereiro de 2006, deve ser interpretado no sentido de que:

– tem efeito direto;

– uma situação como a que está em causa no processo principal, que diz respeito ao tratamento fiscal dos dividendos decorrentes dos investimentos diretos feitos no Líbano por um residente em Portugal, está abrangida pela hipótese referida no artigo 33.º, n.º 2, deste acordo; por conseguinte, o artigo 33.º, n.º 1, do mesmo acordo não se opõe a que o seu artigo 31.º seja invocado no presente caso;

– uma legislação como a que está em causa no processo principal, segundo a qual uma sociedade residente num Estado-Membro pode efetuar uma dedução integral ou parcial dos dividendos recebidos da sua base tributável, quando estes são distribuídos por uma sociedade residente no mesmo Estado-Membro, mas não pode proceder a esta dedução quando a sociedade distribuidora é residente no Líbano, constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 31.º do Acordo euro mediterrânico que cria uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República do Líbano, por outro;

– numa situação como a que está em causa no processo principal, o efeito desta disposição não está limitado pelo artigo 85.º deste acordo;

– a recusa em conceder uma dedução integral ou parcial dos dividendos recebidos da base tributável da sociedade beneficiária, em aplicação do artigo 46.º, n.ºs 1 e 8, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na sua versão em vigor em 2009, pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral relativas à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, quando for impossível as autoridades fiscais do Estado-Membro em que é residente a sociedade beneficiária obterem informações junto da República do Líbano, Estado em que é residente a sociedade que distribui esses dividendos, que permitam verificar se está preenchido o requisito relativo à sujeição da sociedade que distribui os referidos dividendos a imposto;

– a recusa em conceder esta dedução parcial, em aplicação do artigo 46.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na referida versão, não pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral relativas à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, quando a referida disposição puder ser aplicada a situações em que a sujeição da sociedade distribuidora a imposto no Líbano, Estado em que esta sociedade é residente, não pode ser verificada, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.

5) No que se refere às consequências, para o processo principal, da interpretação dos artigos 63.º a 65.º TFUE assim como do Acordo euro-mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Tunísia, por outro, e do Acordo euro mediterrânico que cria uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República do Líbano, por outro:

– quando as autoridades do Estado-Membro em que é residente a sociedade beneficiária puderem obter informações junto da República da Tunísia, Estado em que é residente a sociedade que distribui os dividendos, que permitam verificar se está preenchido o requisito relativo à sujeição da sociedade que distribui esses dividendos a imposto, os artigos 63.º e 65.º TFUE assim como o artigo 34.º, n.º 1, do Acordo euro-mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados Membros, por um lado, e a República da Tunísia, por outro, opõem-se à recusa em conceder uma dedução integral ou parcial dos dividendos distribuídos da base tributável da sociedade beneficiária, em aplicação do artigo 46.º, n.º 1, ou do artigo 46.º, n.º 8, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na sua versão em vigor em 2009, sem que a República Portuguesa possa invocar, a este respeito, o artigo 64.º, n.º 1, TFUE;

– os artigos 63.º e 65.º TFUE assim como o artigo 34.º, n.º 1, do Acordo euro-mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Tunísia, por outro, e o artigo 31.º do Acordo euro-mediterrânico que cria uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República do Líbano, por outro, opõem-se à recusa em conceder uma dedução parcial dos dividendos distribuídos da base tributável da sociedade beneficiária, em aplicação do artigo 46.o, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na referida versão, quando esta disposição puder ser aplicada a situações em que a sujeição das sociedades distribuidoras a imposto na Tunísia e no Líbano, Estados em que estas sociedades são residentes, não pode ser verificada, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, sem que a República Portuguesa possa invocar, a este respeito, o artigo 64.º, n.º 1, TFUE;

– os montantes cobrados em violação do direito da União devem ser reembolsados, com juros, ao contribuinte.

No essencial, o TJUE decidiu que os Acordos Euro-Mediterrâneos têm efeito directo, que a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) se aplica aos Estados terceiros por eles abrangidos e que as cláusulas limitativas previstas naqueles Acordos não limitam a liberdade de circulação.

É também claro o entendimento do TJUE no sentido de constituir uma restrição do princípio da liberdade de circulação proibida pelo artigo 63.º, n.º 1, do TFUE, dar um tratamento fiscalmente desfavorável a dividendos recebidos desses Estados terceiros comparativamente aos dividendos recebidos de uma subsidiária nacional.

As possibilidades de ser permitida a restrição ao princípio da liberdade de circulação, com fundamento nos artigos 64.º e 65.º do TJUE, restringem-se, neste caso, à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, designadamente nos casos de impossibilidade de troca de informações com as autoridades dos Estados terceiros, como decorre dos seguintes parágrafos do acórdão do TJUE:

55      Resulta de jurisprudência constante que, relativamente a uma norma fiscal destinada a evitar ou a atenuar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos, como a que está em causa no processo principal, a situação de uma sociedade acionista que receba dividendos com origem num país terceiro é comparável à de uma sociedade acionista que receba dividendos de origem nacional, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de uma tributação em cadeia (v., neste sentido, acórdão de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C 436/08 e C 437/08, EU:C:2011:61, n.º 84 e jurisprudência referida).

56      A justificação da restrição apenas pode, por conseguinte, prender se com razões imperiosas de interesse geral. Nesta hipótese, é ainda necessário que a restrição seja adequada a garantir a realização do objetivo por ela prosseguido e que não vá além do necessário para o alcançar (acórdão de 17 de dezembro de 2015, Timac Agro Deutschland, C 388/14, EU:C:2015:829, n.º 29 e jurisprudência referida). (...)

58      Resulta da jurisprudência que constituem razões imperiosas de interesse geral que podem justificar uma restrição às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado tanto a luta contra a fraude fiscal (v., designadamente, acórdão de 11 de outubro de 2007, ELISA, C 451/05, EU:C:2007:594, n.º 81) como a necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais (v., designadamente, acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C 101/05, EU:C:2007:804, n.º 55, e de 5 de julho de 2012, SIAT, C 318/10, EU:C:2012:415, n.º 36 e jurisprudência referida).(...)

60      Neste contexto, a simples circunstância de a sociedade que distribui os dividendos estar situada num país terceiro não pode gerar uma presunção geral de fraude fiscal e justificar uma medida de restrição ao exercício de uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado (v., por analogia, acórdão de 19 de julho de 2012, A, C 48/11, EU:C:2012:485, n.º 32 e jurisprudência referida).

61      No caso em apreço, a legislação fiscal em causa no processo principal exclui, de uma maneira geral, a possibilidade de evitar ou de atenuar a dupla tributação económica dos dividendos, quando os referidos dividendos são distribuídos por sociedades estabelecidas em países terceiros, sem procurar especificamente prevenir comportamentos que consistem em criar expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, com o objetivo de eludir o imposto normalmente devido ou obter um benefício fiscal.

62      Nestas condições, a restrição à livre circulação de capitais não pode ser justificada por motivos relativos à necessidade de prevenir a fraude e a evasão fiscal. (...)

64      Decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, por conseguinte, quando a legislação de um Estado Membro faz depender o benefício de um regime fiscal mais vantajoso da satisfação de requisitos cuja observância só pode ser verificada mediante a obtenção de informações junto das autoridades competentes de um país terceiro, esse Estado Membro pode, em princípio, recusar se a conceder esse benefício se for impossível obter essas informações junto desse país terceiro, designadamente por este último não estar vinculado a uma obrigação convencional de fornecer informações (acórdão de 17 de outubro de 2013, Welte, C 181/12, EU:C:2013:662, n.º 63 e jurisprudência referida).

Relativamente à República da Tunísia, decorre do acórdão do TJUE que, prevendo a Convenção Portugal Tunísia, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/2000, de 31 de Março de 2000, um mecanismo de troca de informações, a restrição que resulta da recusa da eliminação ou redução da dupla tributação económica, previstas no artigo 51.º do CIRC, não pode ser justificada pela necessidade de assegurar a eficácia dos controlos fiscais, pois está-se perante situação em que foi possível obter as informações oficiais que constam do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, de valor idêntico às informações oficiais da Administração Tributária Portuguesa (n.ºs 1 e 4 do art. 76.º da LGT.).

Aplicando esta jurisprudência do TJUE, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu em 06-05-2020, acórdão no processo n.º 0830/11.8BEALM 0588/16, em que entendeu o seguinte:

II - Conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (Acórdão C-464/14 de 24.11.2016) o artº 46º do CIRC, na redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, é claramente abrangido pela circulação de capitais, pelo que a recusa de conceder eliminação da dupla tributação de dividendos com origem na Tunísia, quando essa eliminação é permitida a favor de dividendos de origem doméstica constituiu uma discriminação e uma restrição aos movimentos de capitais entre os estados membros e países terceiros que, em princípio, é proibida pelo artº 63º do TFUE.

III - Decorre igualmente da citada jurisprudência do Tribunal de Justiça que os artigos 61º e 65.º do TFUE se opõem à legislação – no caso concreto o artigo 46.º do CIRC, na redacção vigente à data dos factos – de um estado membro (Portugal) que não conceda isenção de imposto sobre o rendimento aos dividendos distribuídos por uma filial residente num estado terceiro (Tunísia) com o qual tenha sido celebrada uma convenção que preveja a troca de informações.

IV - Prevendo a Convenção Portugal-Tunísia, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/2000, de 31 de Março de 2000, um mecanismo de troca de informações, a restrição que resulta da recusa da eliminação ou da mitigação da dupla tributação económica, previstas no artigo 46º do CIRC, não pode ser justificada pela alegada necessidade de assegurar a eficácia dos controlos fiscais.

Por isso, relativamente aos dividendos recebidos pela Requerente da sua subsidiária na Tunísia, é de aplicar esta jurisprudência e, uma vez que foi feita prova através de  informações oficiais no sentido de aquela ter sido tributada, justifica-se a procedência do pedido de pronúncia arbitral.

No que concerne à República do Líbano, o TJUE entendeu que só é admissível justificar a restrição pela necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, «quando for impossível as autoridades fiscais do Estado-Membro em que é residente a sociedade beneficiária obterem informações junto da República do Líbano».

Relativamente ao Líbano, poderá não ser possível obter essa informação directamente junto das suas autoridades fiscais, dada a inexistência de um mecanismo que previsse a assistência mútua em matéria de informações fiscais.

Mas, por um lado não pode considerar-se demonstrada a impossibilidade, pois não se provou sequer que a administração tributária tivesse realizado qualquer diligência no sentido de poder obter essas informações.

 

Por outro lado, como se entendeu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31-05-2017, processo n.º 0738/16, «para que a AT pudesse lançar mão de um regime diferenciado relativamente aos rendimentos provenientes de países terceiros era essencial que tivesse invocado razões atinentes à fraude e controlos fiscais, o que não fez».

Na verdade, como se vê pela decisão da reclamação graciosa e transcrição que nela se faz do Parecer n.º 79/09 do Centro de Estudos Fiscais, emitido relativamente a subsidiária tunisina (que, como se disse, deve ser considerada a fundamentação da manutenção da autoliquidação na ordem jurídica), não foi fundamento de indeferimento a hipotética impossibilidade de comprovação da sujeição da subsidiária libanesa a tributação no Líbano, mas apenas, em suma, com actualização das normas invocadas:

– o não preenchimento dos requisitos previstos nos n.ºs 1 e 5 do artigo 51.º do CIRC;

– mesmo que se entendesse que o artigo 51.º (antigo artigo 46.º) comporta situações protegidas pela liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.º do TFUE (antigo artigo 56.º do TCE), seria de aplicar, neste caso, a cláusula de salvaguarda constante do n.º 1 do artigo 64.º do TFUE (antigo artigo 57.º do TCE), «por uma razão imperiosa de interesse geral relativo à luta contra a fraude fiscal».

Ora, o não preenchimento dos requisitos previstos no artigo 51.º do CIRC não é obstáculo à aplicação do regime de eliminação da dupla tributação, em face do decidido, pelo TJUE no acórdão do processo C 464/14 (§ 137), sobre o efeito directo;

«o artigo 31.º do Acordo CE Líbano deve ser interpretado no sentido de que:

– tem efeito direto;

– uma situação como a que está em causa no processo principal, que diz respeito ao tratamento fiscal dos dividendos decorrentes dos investimentos diretos feitos no Líbano por um residente em Portugal, está abrangida pela hipótese referida no artigo 33.º, n.º 2, deste acordo; por conseguinte, o artigo 33.º, n.º 1, do mesmo acordo não se opõe a que o seu artigo 31.º seja invocado no presente caso.

Por outro lado, quanto à cláusula de salvaguarda constante do n.º 1 do artigo 64.º do TFUE (antigo artigo 57.º do TCE), «por uma razão imperiosa de interesse geral relativo à luta contra a fraude fiscal», o TJUE entendeu que não tem aplicação nesta situação, pelo seguinte:      

59 Em primeiro lugar, quanto aos argumentos relativos à necessidade de prevenir a fraude fiscal, decorre da jurisprudência que uma medida nacional que restrinja a livre circulação de capitais pode ser justificada por esta razão imperiosa de interesse geral quando vise especificamente expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, cujo único objetivo seja eludir o imposto normalmente devido ou obter um benefício fiscal sobre os lucros gerados por atividades realizadas no território nacional (v., neste sentido, acórdãos de 17 de setembro de 2009, Glaxo Wellcome, C 182/08, EU:C:2009:559, n.º 89, e de 3 de outubro de 2013, C 282/12, Itelcar, EU:C:2013:629, n.º 34 e jurisprudência referida).

60 Neste contexto, a simples circunstância de a sociedade que distribui os dividendos estar situada num país terceiro não pode gerar uma presunção geral de fraude fiscal e justificar uma medida de restrição ao exercício de uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado (v., por analogia, acórdão de 19 de julho de 2012, A,C 48/11, EU:C:2012:485, n.º 32 e jurisprudência referida).

 61 No caso em apreço, a legislação fiscal em causa no processo principal exclui, de uma maneira geral, a possibilidade de evitar ou de atenuar a dupla tributação económica dos dividendos, quando os referidos dividendos são distribuídos por sociedades estabelecidas em países terceiros, sem procurar especificamente prevenir comportamentos que consistem em criar expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, com o objetivo de eludir o imposto normalmente devido ou obter um benefício fiscal.

62 Nestas condições, a restrição à livre circulação de capitais não pode ser justificada por motivos relativos à necessidade de prevenir a fraude e a evasão fiscal. (negrito nosso).

Pelo exposto, sendo obrigatória a jurisprudência do TJUE sobre a interpretação do Direito da União, tem de se concluir que a auto-liquidação relativa ao exercício de 2010, com a fundamentação que lhe foi dada na decisão da reclamação graciosa, enferma de vícios de violação de lei que justificam a sua anulação de harmonia com o disposto no artigo 134.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de  1991 e no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 2015, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.”

 

19. Em virtude da concordância com os argumentos expressos na decisão citada, e em virtude da proibição da prática de actos no processo inúteis e desnecessários nos termos do artigo 130.º, do CPC, subsidiariamente aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, nos quais se incluiria a repetição daqueles argumentos, conclui-se pela ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa apresentado pela Requerente

Isto na medida em que as normas que à data dos factos previam as regras para eliminar a dupla tributação económica violavam a liberdade fundamental de circulação de capitais ao afastarem a possibilidade de aplicação de tal regime quanto aos dividendos distribuídos a sociedades residentes em território português por sociedades residentes em países terceiros.

Em decorrência da jurisprudência do TJUE, deveria ser demonstrada a impossibilidade de verificação da efectiva tributação sofrida pelas subsidiárias da Requerente nos respectivos Estados de residência, algo que não se comprovou nos presentes autos.

Acresce que, embora na decisão arbitral supra-transcrita estivesse em causa o exercício de 2010, sendo aplicável o art.º 51.º do CIRC então vigente, e estando no presente caso em causa o exercício de 2009, sendo aplicável o art.º 46.º do CIRC em vigor nesse exercício, o certo é que ambas as normas, no que para o caso importa, têm redacção idêntica, sendo, como tal, o regime legal aplicável substancialmente o mesmo.

Assim sendo, e em virtude da sua ilegalidade, deverá a decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa ser parcialmente anulada.

 

20. Aqui chegados, cumpre apreciar, então, o pedido arbitral de anulação (parcial) do acto de autoliquidação.

            Na supra-citada decisão do processo arbitral nº 577/2016-T, relativamente a esta matéria, acabou por se entender, em suma, que:

“Nos casos em que, na sequência de uma autoliquidação, foi proferida uma decisão de indeferimento expresso de um pedido de revisão oficiosa, é esta que fica a subsistir na ordem jurídica como ato que define a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira perante o contribuinte.

Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 628/2014-T, “a questão que se coloca ao Tribunal Arbitral num processo contencioso de mera anulação em que foi proferida uma decisão de reclamação graciosa, a qual apreciou a legalidade de um ato de autoliquidação, é a de saber se os fundamentos invocados nessa decisão asseguram ou não tal legalidade.

“Com efeito, como é jurisprudência assente, é irrelevante a fundamentação a posteriori”.

“Num contencioso de mera anulação, como é o que vigora no processo de impugnação judicial e nos processos arbitrais, que são a sua alternativa (artigo 124.º, n.º2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), tem de aferir-se da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado.

Assim, não pode o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, apreciar se ela deveria ser indeferida por outras razões, embora a Administração Tributária não fique impedida de, em novo acto, poder invocar outros fundamentos.

Por isso, é à face da fundamentação da decisão reclamação graciosa que tem de ser apreciada a questão da sua legalidade e, indirectamente, da sua autoliquidação, o que no caso em apreço se reconduz a saber se os fundamentos invocados naquela decisão justificam que a autoliquidação tivesse sido efectuada de forma que foi”.(…)

É, pois, à face da fundamentação que o acompanha que se há-de apreciar a legalidade do ato tributário impugnado, o que torna irrelevantes, para este efeito, a fundamentação a posteriori que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio colocar em sede de Contestação.  

E mais à frente:

Relativamente ao Líbano, perante a ausência de comprovação daquele requisito por parte do sujeito passivo, de facto, não seria possível obter essa informação diretamente junto das suas autoridades fiscais, dada a inexistência de um qualquer mecanismo que previsse a assistência mútua. Consequentemente, haveria, no plano puramente abstrato fundamento para recusar a dedução dos dividendos distribuídos pela filial libanesa.

No plano concreto, porém, tal como se deu como comprovado, a AT nunca suscitou sequer a questão. Consequentemente, impõe-se que este tribunal se restrinja aos fundamentos apresentados para justificar o ato de indeferimento da revisão oficiosa, não podendo, por conseguinte, considerar fundamentação apresentada a posteriori.”

            Ressalvado o (muito) respeito devido, não se subscrevem, nesta parte, as conclusões daquele aresto, assim como, nesta mesma parte, do concluído no acórdão arbitral proferido no processo n.º 938/2019 T, atrás citado.

            É que os actos de autoliquidação e de indeferimento da reclamação graciosa são actos distintos e autónomos, praticados em momentos distintos por entidades distintas, e com fundamentos distintos.

            Com efeito, enquanto que o acto de autoliquidação é um acto praticado pelo contribuinte, fundamentado, ope legis, na sua própria declaração (que se presume, em princípio, verdadeira – cfr. artigo 75.º/1 da LGT), sendo que será ao contribuinte que a pretende impugnar que assiste o ónus da prova da respectiva ilegalidade, o acto de decisão da reclamação graciosa é um acto praticado pela AT, com os fundamentos que integram a respectiva fundamentação, sendo que “É à AT que cabe a obrigação da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável)” .

            Daí que não se considere que a fundamentação do acto de autoliquidação seja integrada pelos fundamentos da decisão da reclamação graciosa, nem que a contestação que a AT ofereça em sede arbitral ao ónus de demonstração da ilegalidade da autoliquidação que assiste ao contribuinte, constitua uma fundamentação – por qualquer forma, incluindo a posteriori, como sustenta a Requerente – daquele acto, que, como se referiu, se fundamenta, directa e exclusivamente, por força da lei, na declaração do contribuinte.

            Como se escreveu no Ac. do STA de 03-06-2015, proferido no processo 0793/14, “Na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do acto tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afectem o acto tributário em crise”.

            E, mais adiante, na mesma decisão:

“o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise (no mesmo sentido, entre outros, o acórdão deste Supremo Tribunal datado de 18/06/2014, rec. n.º 01942/13), também aqui não faz qualquer sentido que o âmbito da impugnação judicial do acto que decide o pedido de revisão oficiosa esteja limitado pela própria decisão da revisão oficiosa, antes se impondo que esta impugnação judicial possa ter como fundamento qualquer ilegalidade de substância (no presente caso apenas se trata deste tipo de ilegalidade) do acto tributário, cfr. acórdão deste STA datado de 08/07/2009, recurso n.º 0306/09 [Em causa está, pois, mediatamente, a legalidade do acto tributário de liquidação: apreciar o acto recorrido - saber se a pretensão da recorrente, de que fosse revisto aquele acto, merecia, ou não, ser indeferida (ainda que presumidamente) - implica sindicar a legalidade da liquidação].”.

            Conclui-se, deste modo, que independentemente do conteúdo e destino dos actos de segundo e terceiro grau que venham a ter a autoliquidação por objecto, a validade, em primeira linha, do acto de autoliquidação está assente na sua conformidade com a declaração do contribuinte, sendo que será a este, no caso de pretender o reconhecimento da sua ilegalidade, que assistirá, em princípio, o ónus da demonstração de tal ilegalidade, conforme decorre do artigo 74.º/1 da LGT.

            Assim, e sumariando o quanto se desenvolveu na jurisprudência arbitral que previamente se citou, considerando-se que a diferenciação, estabelecida pela legislação nacional, entre o tratamento dos lucros quando estes são distribuídos por uma sociedade não residente ou em Portugal ou num Estado-Membro da União Europeia é incompatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes, e que, portanto, se deve aplicar a estes as mesmas regras previstas para os restantes, cumpre, no sentido de apurar a legalidade da autoliquidação da Requerente, objecto da presente acção arbitral, verificar do cumprimento, ou não do estabelecido pela legislação nacional, relativamente ao tratamento dos lucros distribuídos por uma sociedade residente ou em Portugal ou num Estado-Membro da União Europeia.

            A este propósito, dispunha o artigo 46.º do CIRC, na redacção aplicável que:

“1 - Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direcção efectiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos:

a) A sociedade que distribui os lucros tenha a sede ou direcção efectiva no mesmo território e esteja sujeita e não isenta de IRC ou esteja sujeita ao imposto referido no artigo 7º;

b) A entidade beneficiária não seja abrangida pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6º;

c) A entidade beneficiária detenha directamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10% ou com um valor de aquisição não inferior a (euro) 20000000 e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período.

2 - O disposto no número anterior é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, aos rendimentos de participações sociais em que tenham sido aplicadas as reservas técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros e, bem assim, aos rendimentos das seguintes sociedades:

a) (Revogada.)

b) Sociedades de desenvolvimento regional;

c) (Revogada.)

d) Sociedades de investimento;

e) Sociedades financeiras de corretagem.

3 - Não obstante o disposto no nº 1, o regime aí consagrado é aplicável, nos termos prescritos no número anterior, às agências gerais de seguradoras estrangeiras.

4 - O disposto no nº 1 é igualmente aplicável, verificando-se as condições nele referidas, ao valor atribuído na associação em participação, ao associado constituído como sociedade comercial ou civil sob forma comercial, cooperativa ou empresa pública, com sede ou direcção efectiva em território português, independentemente do valor da sua contribuição relativamente aos rendimentos que tenham sido efectivamente tributados, distribuídos por associantes residentes no mesmo território.

5 - O disposto no nº 1 é também aplicável quando uma entidade residente em território português detenha uma participação, nos termos e condições aí referidos, em entidade residente noutro Estado membro da União Europeia, desde que ambas essas entidades preencham os requisitos estabelecidos no artigo 2o da Directiva no 90/435/CEE, de 23 de Julho.

6 - O disposto nos nºs 1 e 5 é igualmente aplicável aos rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos que sejam imputáveis a um estabelecimento estável, situado em território português, de uma entidade residente noutro Estado membro da União Europeia que detenha uma participação, nos termos e condições aí referidos, em entidade residente num Estado membro, desde que ambas essas entidades preencham os requisitos e condições estabelecidos no artigo 2º da Directiva no 90/435/CEE, de 23 de Julho.

7 - Para efeitos do disposto nos nºs 5 e 6:

a) A definição de entidade residente é a que resulta da legislação fiscal do Estado membro em causa, sem prejuízo do que se achar estabelecido nas convenções destinadas a evitar a dupla tributação;

b) O critério de participação no capital referido no nº 1 é substituído pelo da detenção de direitos de voto quando este estiver estabelecido em acordo bilateral.

8 - A dedução a que se refere o nº 1 é apenas de 50% dos rendimentos incluídos no lucro tributável correspondentes a:

a) Lucros distribuídos, quando não esteja preenchido qualquer dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do mesmo número e, bem assim, relativamente aos rendimentos que o associado aufira da associação à quota, desde que se verifique, em qualquer dos casos, a condição da alínea a) do nº 1;

b) Lucros distribuídos por entidade residente noutro Estado membro da União Europeia quando a entidade cumpre as condições estabelecidas no artigo 2º da Directiva nº 90/435/CEE, de 23 de Julho, e não esteja verificado qualquer dos requisitos previstos na alínea c) do nº 1.

9 - Se a detenção da participação mínima referida no nº 1 deixar de se verificar antes de completado o período de um ano aí mencionado, deve corrigir-se a dedução em conformidade com o disposto no número anterior, ou anular-se a mesma, sem prejuízo da consideração do crédito imposto por dupla tributação internacional a que houver lugar, de acordo com o disposto no artigo 85º, respectivamente.

10 - (Revogado.)

11 - A dedução a que se refere o nº 1 é reduzida a 50% quando os rendimentos provenham de lucros que não tenham sido sujeitos a tributação efectiva, excepto quando a beneficiária seja uma sociedade gestora de participações sociais.

12 - Para efeitos do disposto no nº 5 e na alínea b) do nº 8, o sujeito passivo deve provar que a entidade participada e, no caso do nº 6, também a entidade beneficiária cumprem as condições estabelecidas no artigo 2º da Directiva nº 90/435/CEE, de 23 de Julho, mediante declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro da União Europeia de que é residente.”

            Relativamente ao regime em questão, contesta a Requerida a pretensão da Requerente, alegando, a “falta de prova idónea que permita a validação do preenchimento de dois dos requisitos exigidos naquele artigo, quais sejam, a sujeição desta sociedade tunisina a imposto e da tributação efetiva de tais lucros”.

            Como se escreveu no Ac. do STA de 31-05-2017, proferido no processo, 0738/17:

“deve-se considerar que ocorre a tributação efectiva sempre que o rendimento distribuído já tenha em algum momento sido sujeito a imposto sobre o rendimento, independentemente de tal tributação se verificar na esfera jurídica da entidade que procede à distribuição dos rendimentos, quer tenha ocorrido anteriormente na esfera jurídica de qualquer outra entidade que os tenha gerado.

Por outro lado, o rendimento distribuído não deve ser decomposto nas diversas partes que o compõem de modo a determinar quais os rendimentos já tributados e quais ainda o não foram, deve ser considerado na sua totalidade e de forma agregada.

Assim, colocando-se a tónica no rendimento em si mesmo e não já na entidade geradora ou distribuidora do mesmo, para efeitos do conceito de tributação efectiva basta que uma das parcelas que compõem esse rendimento distribuído tenha de facto sido sujeita a imposto sobre o rendimento, independentemente do momento e entidade, para que se deva considerar a totalidade do rendimento distribuído abrangido pelas regras próprias do regime fiscal da eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos consagrado no artigo 46º, n.º 10 do CIRC”.

            Como também se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 23-04-2015, proferido no processo 08149/14, “A tributação efectiva exige a sujeição a IRC ou imposto equivalente do rendimento gerado em sede da entidade distribuidora do mesmo”.

            Ora, compulsados os factos provados e não provados, constata-se não existir matéria suficiente para este Tribunal concluir pela verificação do cumprimento do estabelecido pela legislação nacional, relativamente ao tratamento dos lucros distribuídos por uma sociedade residente ou em Portugal ou num Estado-Membro da União Europeia, designadamente do previsto no n.º 10 do artigo 46.º do CIRC aplicável.

            Com efeito, dos factos dados como provados, não obstante verificar-se que terá havido pagamento de imposto pelas sociedades libanesa e tunisina, não é possível retirar se tal imposto se refere, ao lucro que foi distribuído à Requerente, sendo que tal juízo não incumbe, em primeira linha, ao Tribunal.

            Deste modo, não poderá proceder o pedido de reembolso formulado, e ter-se-á que concluir que em face da anulação da decisão da reclamação graciosa, deve o Tribunal determinar que o processo seja devolvido à Autoridade Tributária e que esta, assente que se aplica, in casu, o regime do supra-transcrito artigo 46.º do CIRC, se pronuncie sobre a verificação, ou não, dos respectivos pressupostos.

            Efectivamente, tal decorre da obrigação da AT “Praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral”, consagrada na al. a) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT, bem como do próprio efeito anulatório da presente decisão, que, retirando da ordem jurídica o acto decisório da reclamação graciosa, e os que dele dependem, faz retornar o procedimento à fase imediatamente anterior à decisão daquele pedido, assistindo à AT o dever legal de o decidir, em respeito do caso julgado que se formar, ou seja, e no caso, do entendimento de que a diferenciação, estabelecida pela legislação nacional, entre o tratamento dos lucros quando estes são distribuídos por uma sociedade não residente ou em Portugal ou num Estado-Membro da União Europeia é incompatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes, e que, portanto, se devem aplicar a estes as mesmas regras previstas para os restantes.

                O ora decidido não integrará o acolhimento de qualquer fundamentação a posteriori do acto de autoliquidação, na medida em que aquele, como se referiu previamente, se funda na declaração do contribuinte.

 

III.2.2. Restituição do montante indevidamente pago e direito a juros indemnizatórios

 

                21. A Requerente peticionou ainda a restituição do montante de IRC correspondente à diferença entre o montante pago e aquele que deveria ter sido pago em relação aos lucros distribuídos pela B... e pela C... caso tais sociedades tivessem residência fiscal em Portugal, bem como a condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrassem devidos nos termos do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, do artigo 43.º, n.º 1 e 100.º, ambos da LGT e do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT.

Todavia, não se tendo, no presente caso, por procedente o pedido de anulação do acto de autoliquidação, não poderá, por ora, proceder, em qualquer caso, o pedido acessório de restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Por outro lado, ainda que nos termos da jurisprudência do TJUE no âmbito do acórdão ... o tribunal tenha referido que “os montantes cobrados em violação do direito da União devem ser reembolsados, com juros, ao contribuinte”, a verdade é que quer o reembolso quer a determinação dos juros indemnizatórios a atribuir à Requerente estão dependentes do pagamento indevido de imposto por parte desta, algo que não é possível determinar em função de não terem sido juntos aos autos elementos probatórios que permitam aferir esse quantum. Em todo o caso, tais imposições legais por parte do Direito da União Europeia e, consequentemente, o pedido formulado pela Requerente, sempre teriam de ter em consideração a natureza impugnatória do processo em que aquela pretende valer os seus direitos. Quer isto dizer que, sendo o processo arbitral tributário um contencioso de mera anulação, não incumbe ao tribunal aferir do concreto montante de reembolso que deve ser restituído à Requerente em função da declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação, porquanto essa determinação é da competência da Requerida. Efectivamente, ao ficar a AT vinculada nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, incumbe-lhe o restabelecimento da situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito, nos quais se incluem a determinação do reembolso da diferença entre o montante pago e aquele que deveria ter sido pago, bem como a determinação dos juros indemnizatórios devidos.

Deste modo, devem estes pedidos ser julgados improcedentes, cabendo à Requerente sindicar a determinação (ou a falta dela) do montante de reembolso e de juros indemnizatórios devidos, se necessário, em sede de execução de julgados.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

                a) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, declarar ilegal a decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa que teve por objecto o acto de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício fiscal de 2009;

                c) Julgar improcedentes os restantes pedidos;

                e) Condenar as partes nas custas do processo, no valor de € 27.234,00, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 50%.

 

V. VALOR DO PROCESSO

               

Atendendo ao disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixando-se ao processo o valor de € 2.077.790,38.  

 

VI. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 27.234,00, a cargo das partes, na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 15 de Junho de 2021.

 

Os Árbitros

 

José Pedro Carvalho

Carla Castelo Trindade

(Relatora)

Rita Guerra Alves