Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 678/2019-T
Data da decisão: 2021-06-21  IRC  
Valor do pedido: € 283.033,07
Tema: IRC – Fundamentação; Perdão de créditos; Efectividade dos gastos; Gastos com financiamentos; Gastos com formação.
* O conteúdo do Despacho de retificação notificado a 04-10-2021 foi incorporado na decisão.
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SUMÁRIO:

Se da análise do conteúdo da liquidação em conjunto com o relatório da inspecção tributária, do qual também o contribuinte tem conhecimento, a fundamentação do acto tributário resultar cristalina, sem ambiguidades, obscuridades, ou qualquer contradição, não se verifica o vício de falta de fundamentação.

Quando a AT se pronuncia expressamente sobre o direito de audição exercido pelo sujeito passivo, ainda que de forma imperfeita, não incorre em falta de fundamentação nem em preterição do direito de audição.

Um perdão de créditos a favor de uma entidade relacionada, mas não integrante de um grupo sujeito ao RETGS, que não se destinou ou teve por propósito obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC para o sujeito passivo que abdica do crédito, não cumpre os pressupostos para a sua aceitação como gasto, nos termos do art.º 23.º do CIRC.

Não beneficiando a questão da dedutibilidade dos gastos da presunção legal de veracidade que decorre do artigo 75.º, n.º 1 da LGT, sempre serão de aplicar as regras gerais do ónus da prova.

Havendo mais do que um fundamento para as correcções operadas pela AT, e não sendo todos eles contestados, não poderá, em caso algum, proceder o pedido de anulação de tais correcções.

À luz do art.º 23.º, n.ºs 1 e 2/c) do CIRC, na redacção introduzida em 2014, a dedutibilidade dos encargos com financiamentos suportados, decorrentes de suprimentos e prestações suplementares efectuados a favor das empresas relacionadas, dependerá do facto de tais financiamentos contribuírem para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expectativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora.

A concessão, por um sujeito passivo de IRC, de financiamentos gratuitos a pessoas singulares, conexionáveis, sinalagmaticamente, com contraprestações por parte daquelas, constitui, em princípio, uma remuneração em espécie, sendo a empresarialidade do correspondente gasto dependente da aptidão da contraprestação para gerar ou garantir a produção de rendimentos sujeitos a IRC.

Os gastos com terceiros, estranhos à entidade que os realiza e sem que aqueles sejam reconduzíveis a qualquer contrapartida inserível no contexto empresarial daquela, não podem ser aceites fiscalmente, à luz do art.º 23.º do CIRC.

Os gastos com formação de colaboradores, ainda que não reúnam os requisitos para serem qualificáveis como tal para efeitos de IRS, são, em princípio, aceites para efeitos de IRC, sem prejuízo do enquadramento que possam ter a nível da tributação singular dos beneficiários de tais gastos.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

No dia 08 de Outubro de 2019, A… S.A., NIPC ………, com sede Av. ………, 1500-578 Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IRC, para os anos de 2015, 2016 e 2017, com os n.ºs, respectivamente, 2017………… (2015), 2018……… (2016) e 2019……… (2017), e respectivas liquidações de juros compensatórios, no valor total de € 283.033,07.

 

Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:

Falta ao dever de fundamentação da AT;

Quanto aos gastos e perdas em investimentos não financeiros não aceites fiscalmente (2017), que o ganho a que a permuta de créditos entre ambas deu lugar determinou (na B….) um elevado pagamento de IRC, pelo que, na A…. a perda terá, necessariamente, de ser enquadrada na regra geral de gasto ou perda como definido no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC;

Quanto a outros serviços não aceites fiscalmente (2016), entende a Requerente que não é à AT que cabe ajuizar das acções necessárias à prossecução dos objetivos do negócio;

Quanto aos gastos de financiamento não aceites fiscalmente, (2015, 2016 e 2017), entende a Requerente que todos os encargos financeiros e impostos suportados o foram no âmbito da sua exploração;

Quanto aos gastos de formação não aceites fiscalmente (2015 e 2016), entende a Requerente que os custos decorrentes dos contratos com os colaboradores Dr. C…. e Dr. D…. foram assumidos com o business purpose de garantir elevada qualificação dos seus colaboradores, decisivo na geração de proveitos para a Impugnante.

 

No dia 09-10-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

A Requerente procedeu à indicação de árbitro, tendo indicado o Exm.º Sr. Professor Doutor Júlio Landeiro Vaz, nos termos do artigo 11.º n.º 2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro o Exm.º Sr. Professor Doutor Henrique Fiúza.

 

Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respectivos encargos.

 

Na sequência do requerimento apresentado pelos árbitros designados pelas partes para que o árbitro-presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi designado árbitro-presidente nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e do artigo 5.º do Regulamento de Selecção e de Designação de Árbitros em Matéria Tributária, o ora relator, que, no prazo aplicável, também aceitou o encargo.

 

Em 12-12-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

Em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 14-01-2020.

 

No dia 19-02-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

No dia 06-11-2020, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.

 

Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

Em 1999, E…. e mulher F….. constituíram a sociedade A…. -, Lda. (A….), com o capital social de 5.000 euros.

O objecto social da A… é a “Prestação de serviços médicos e operações conexas, actividades de gestão e exploração de clínicas, actividades de consultadoria (não jurídica), conselheiros técnicos, especialistas e peritos em todos os assuntos relacionados com a pesquisa e desempenho da medicina, actividades de promoção de vendas, serviços de formação.”.

A gerência ficou confiada a E…..

A A…., era, à data da apresentação do pedido arbitral, uma sociedade anónima com o capital social de € 5.900.000 euros, detida a 100% pela G…., SA (G….) e esta, à mesma data, era detida a 100% por E…. e F…..

Em 1996, E…. e F…., constituíram a sociedade B…., Lda., com o capital social de 5.000,00 euros.

O objecto social era a "Prestação de serviços de saúde, de formação clínica dentária, representação e comercialização de equipamentos médicos”.

A gerência ficou confiada ao sócio E…..

A sociedade tinha, à data da apresentação do pedido arbitral, a denominação de B…., S.A. e o capital social de € 5.089.994 euros e era detida a 100% pela H…, SA e esta detida a 100% por E…. e F…..

Em 2000, E…. e F….. constituíram a sociedade I….., Lda., com o capital social de 7.500,00 euros.

O objecto social inicial era o de “Exploração e administração de laboratórios de próteses dentárias e ainda a comercialização de equipamentos, próteses dentárias e produtos afins”.

A gerência ficou confiada a E…...

A I…. era, à data da apresentação do pedido arbitral, uma sociedade anónima com o capital social de € 50.064,00 euros, detida a 100% pela A…..

A sociedade J….LDA. (J….) foi constituída em 1964 e veio a ser adquirida a 100%, directa e indirectamente, por E…. e F…...

A sua gerência coube a E…..

À data do pedido arbitral, a J…. era uma sociedade por quotas, com o capital social de €498.797,89 euros, detida a 100% pela I…., S.A..

A sociedade L…. LDA., (L….) foi constituída em 2011 por E…. e mulher, F…., então com a denominação M…. LDA.

A sua gerência coube a E….

À data da apresentação do pedido arbitral, a L…. era uma sociedade por quotas com o capital social de € 1.200,00 Euros, detida a 100% pela I…., S.A..

A sociedade N…. LDA (N…), foi constituída em 2013 com o capital de € 500.00 euros, e detida indirectamente a 100% por E… e  F…., com o objecto social de comercialização e manutenção de equipamentos médicos.

A N…., à data da apresentação do pedido arbitral, era detida a 100% pela I…, S.A., atrás identificada, mantendo o mesmo montante de capital social (500,00 euros) e a mesma gerência de sempre E….

O seu objeto social, à mesma data, era o de "Exploração de clínicas dentárias e a comercialização e manutenção de equipamentos médicos e comercialização de medicamentos não sujeitos a receita médica”.

Em 2012  E… e F… constituíram a sociedade O….LDA., (O…) com o capital de € 5.000,00 euros, por eles detida a 100%.

O objecto social consistia na “Prestação de serviços de formação, consultoria, investigação e transferência e gestão de tecnologias. Dentro da área da formação, os seguintes domínios de intervenção: I - Planeamento de intervenção ou actividades formativas. II - Concepção de Acções, programas, instrumentos e suportes formativos. III – Organização e promoção de intervenções formativas ou actividades formativas. IV - Organização e promoção de intervenções formativas ou actividades formativas (com validação específica para formação à distância). V - Desenvolvimento/execução de intervenções ou actividades formativas. VI - Desenvolvimento/execução de intervenções ou actividades formativas (com validação específica para formação à distância).VII – Outras formas de intervenção sócio-cultural, pedagógico, preparatórias ou complementares da actividade formativa ou facilitadoras do processo de socialização profissional”.

A gerência pertenceu sempre a E….

A sociedade mantinha, à data da apresentação do pedido arbitral, o mesmo capital, objecto social e gerência, e era detida a 100% pela I…, S.A..

A sociedade P…. -, S.A. (antes Q… - S.A.), foi constituída em 2013 para o desenvolvimento da investigação, designadamente, na área da nanobiotecnologia.

O seu objecto social é:

“a) actividades no campo das ciências físicas e naturais aplicáveis à medicina e medicina reconstitutiva no domínio dos três tipos de investigação e desenvolvimento (investigação fundamental, investigação aplicada e desenvolvimento experimental);

b) actividades na área de Nanobiotecnologia aplicada às ferramentas e processos de nano-microfabricação para construir dispositivos para estudar biossistemas médicos e aplicações na entrega de medicamentos, diagnósticos e outras aplicações em medicina reconstutiva;

c) actividades de investigações científica e de desenvolvimento em biotecnologia para cultura de tecidos, células e engenharia de cultura de células/tecidos, engenharia de tecidos, "esqueletos" de tecidos, engenharia biomédica, fusão celular, estimulantes e vacinas;

d) actividades relacionadas investigação científica e de desenvolvimento de preparações, artigos e produtos farmacêuticos;

e) a prestação de serviços científicos no âmbito do objecto social.”

Em 2017 a sociedade pertencia a 90% a E… e F… e 10% a um dos filhos do casal R….

À data do pedido arbitral, o capital da sociedade pertencia em 90% à I…., S.A.

Esta empresa constituía, à data, uma startup na área das biotecnologias que ainda não estava a facturar visto que tinha os seus produtos em fase final de certificação.

Como forma de prover a P /Q de meios para poder fazer face a estes investimentos a A…, detentora (indirectamente) de 90% do capital social, disponibilizou meios financeiros, através de entradas para prestações acessórias de capital.

Em 2012 E… e F…. constituíram a sociedade "S…" com € 12.500,00 euros de capital e com o seguinte objecto social: “Gestão, administração e exploração de actividades recreativas, nomeadamente aprazimento, desportivas, culturais e de ensino; passeios turísticos, exploração de embarcação com ou sem tripulação; promoção turística e de vendas”.

A gerência foi confiada a E….

À data da apresentação do pedido arbitral, a sociedade tem o capital social de € 244.919,80 euros e o seu capital é detido a 100% pela I…. S.A..

A P…., está sediada em Parque Tecnológico em …...

Todas as demais sociedades estão sediadas no Edifício da Av. ………, sob a denominação de T…..

Após terem sido efetuados investimentos substanciais na adaptação do edifício à actividade do Grupo (T…..) o Fundo de Investimento, proprietário da maioria das frações autónomas, fez pressão sobre E… e F…, para que estes, através das suas sociedades, adquirissem as fracções autónomas do edifício que estavam arrendadas à A…, sob pena de não renovar os arrendamentos.

Através da B…, E…. e F…, mediante a prestação de garantias pessoais e reais, adquiriram, em nome daquela, todas as fracções do Edifício da Av. …..

O nível de endividamento de E… e F…, pessoal e ilimitadamente e através das sociedades por si directa ou indirectamente controladas, era, à data do pedido arbitral, da ordem de oito milhões e oitocentos mil euros.

Parte substancial desse endividamento resultou do exercício do direito de preferência na aquisição de fracções autónomas do Edifício da Av. ……., tendo em vista a manutenção e desenvolvimento da atividade da A…. e da empresa T…. no seu conjunto.

Em 28 de outubro de 2009 a B…, S.A. adquiriu 30% do capital social da A…. S.A. pelo valor de € 9.540.000.00 Euros.

Esta operação deu lugar a um aumento substancial passivo da B…, S.A..

Bem como à contabilização de um "goodwill" de milhões de euros inerente àquela participação.

Em 2017, a estrutura accionista da A…: era constituída por E…. com 39,89%, F… 30,11 % e B… 30%.

Tanto a A…. como a B…. prestavam serviços médicos, sendo que, até 2009, os serviços médicos eram essencialmente prestados pela B…..

Com alguma regularidade as prestações de serviços médicos sobrepunham-se nas mesmas áreas.

A A…. adquiriu, em Tróia, um imóvel destinado a implementar um projecto de turismo de saúde, tendo em conta a procura, a localização, o reconhecimento internacional da qualidade dos serviços e a experiência na prestação de serviços médicos a pacientes estrangeiros.

Até 2017, a actividade do grupo de empresas atrás descrito, ocorria em imóveis na titularidade da B…. e da A…..

Uma das finalidades da reestruturação societária operada naquele ano foi a de congregar as actividades médicas na A…., detento as demais sociedades do grupo dedicadas a esta área de actividade, e a de concentrar na B…. todos os imóveis destinados à instalação da A… e das suas participadas.

Outra das finalidades foi a de preparar o grupo para eventuais necessidades de internacionalização.

A referida restruturação teve também por fim eliminar a participação da B…. na A…., dado pertencerem aos mesmos beneficiários efectivos, assim como eliminar o inerente passivo e goodwill.

Após a reestruturação de 31-12-2017, grupo de empresas atrás descrito apresentava as seguintes relações:

 

 

Quer a sociedade H…, quer a sociedade G…, eram detidas a 100% por E… e F…

Na reestruturação e com a finalidade de separar completamente a A… da B…, foi deliberado que a G…, sociedade mãe da A…, comprasse à B… a participação social que esta detinha na A…, no montante de € 1.770.000,00 (6.000 acções).

Em consequência da aludida compra e venda de acções a B… ficou detentora de um crédito do preço de € 1.770.000,00 sobre a G….

No âmbito da mesma operação de reestruturação, a A… vendeu à H… uma participação que detinha no capital da B… no montante de € 2.926.768.00.

Em consequência da aludida compra e venda de acções a A… ficou detentora de um crédito do preço de € 2.926.768,00 sobre a H….

Em resultado das aludidas operações:

A A… era detentora de um crédito de € 2.926.768,00 sobre a H…., detentora da B… a 100%; e

A B…. era detentora de um crédito de € 1.770.000,00 sobre a G…., detentora da A…. a 100%.

Face à referida situação foi deliberado, pelos administradores de todas as sociedades, efectuar a permuta dos dois créditos entre a A…. e a B…. por forma a eliminar o aludido cruzamento de créditos.

Em resultado de tal permuta, a B…. deixou de ter o crédito de € 1.770.000,00 sobre a sociedade mãe da A…. e a A…. ficou com um crédito de € 1.770.000,00 sobre a sua sociedade mãe, a G…., S.A.

Do ponto de vista contabilístico a operação de permuta gerou, pela diferença de valores nominais dos créditos (€ 1.156.768,00 Euros) um custo na A…. e um proveito na B…..

Caso a operação de permuta de créditos não se tivesse verificado, a A…. teria de pagar IRC no montante de € 102.963,90 enquanto a B…. seria credora em IRC (reembolso/crédito) do montante de € 113.704,75.

Com a operação de permuta de créditos, a B…. teve de pagar € 146.568,05 de IRC enquanto a A…. ficou credora de IRC, no montante de € 132.934,72.

Os actos inspectivos da Autoridade Tributária (AT) tiveram início em 17/09/2018, quanto ao exercício de 2015 (OI2018……) e em 21/01/2019, quanto aos exercícios de 2016 e 2017 (respectivamente, OI2018….. e OI2019…..).

As mencionadas ordens de serviço foram assinadas pelo Presidente do Conselho de Administração da ora Requerente, E…..

Tendo sido de imediato nomeado como representante nas relações com a AT o contabilista certificado, U….

Em 21/01/2019 a AT notificou a A… para, até ao dia 06/02/2019 disponibilizar elementos/esclarecimentos.

Em face ao pedido de elementos/esclarecimentos por parte da AT, a Requerente pediu a prorrogação do prazo até 20/02/2019, dia em que apresentou a sua resposta.

A AT, no dia 20/02/2019, notificou a A…. para disponibilizar novos pedidos de elementos/esclarecimentos.

Nessa mesma data, a AT decidiu dirigir à Requerente mais um pedido de esclarecimento.

A Requerente apresentou a sua resposta, por escrito, aos dois últimos pedidos de elementos no dia 22/03/2019.

A A…. foi notificada do Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, no dia 09/04/19.

Nesse projecto eram propostas as seguintes correcções:

 

 

 

Em 23 de Abril de 2019, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia.

A correcção relativa a “Gastos de financiamento não aceites fiscalmente”, reportam-se às seguintes situações:

 

O médico V…. celebrou um contrato com a Requerente pelo qual, em troca, para além do mais, do financiamento a que se reporta o quadro anterior, se comprometeu a prestar serviços no futuro, em exclusividade, para a Requerente.

A médica X…. era, desde Agosto de 2013, em exclusividade, prestadora de serviços da Requerente.

A correcção relativa a “Gastos com formação não aceites fiscalmente” diz respeito a gastos da Requerente com os médicos D… e C….

O médico D… assumiu o compromisso de prestar serviços para a Requerente, pelo período mínimo de 5 anos, como contrapartida do gasto da Requerente em causa.

O médico C…. era, à data, colaborador da sociedade B…., não sendo conhecida nenhuma relação de prestação de serviços, ou outra, com a Requerente.

Em 29 de Maio de 2019, foi a ora Requerente notificada do RIT.

Após notificação do RIT, foram emitidas e notificadas à Requerente as liquidações referentes aos anos de 2015, 2016, e 2017, objecto do presente processo arbitral.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis com os factos dados como provados.

 

B. DO DIREITO

                i. da questão prévia

                A Requerida, sustenta como questão prévia, o facto de a Requerente peticionar a anulação total das liquidações objecto da acção arbitral, e de, de acordo com a causa de pedir, apenas estarem em causa as correcções que infra se analisarão, e que não esgotam as que foram operadas pela AT, e incorporadas naquelas mesmas liquidações.

                A Requerente não se pronunciou sobre tal questão, nas suas alegações.

                Não sendo propriamente uma questão prévia, no sentido processual do termo, é, no entanto, evidente, que as liquidações apenas serão anuladas na medida dos vícios alegados, que sejam conhecidos e procedentes, na apreciação que se passará a fazer.

 

                ii. do fundo da causa

do vício de forma - falta de fundamentação

Começa a Requerente por arguir a falta de fundamentação das liquidações objecto da presente acção arbitral, por não se encontrarem devidamente fundamentados, em violação do artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e do artigo 77. º da Lei Geral Tributária.

Entende a Requerente que do teor dos actos recebidos, não resulta suficiente a necessária fundamentação de facto e de direito, por forma a justificar a decisão nela inserta. De acordo com o entendimento da Requerente, não são explicitados os fundamentos, de facto e de direito, que determinaram a sua emissão, já que a AT terá ignorado “todas as respostas que a Impugnante lhe apresentou, tanto no decorrer da inspeção, como em sede de audição prévia que contribuíam para. uma visão global da empresa e para. uma compreensão da substância de todas as operações interempresas de que teria resultado uma mais acertada aplicação das normas legais, ao invés das manifestas liquidações ilegais objeto da presente Impugnação.” .

Contestando esse entendimento, defende a Requerida que “as liquidações controvertidas tiveram origem num procedimento de inspecção, sendo que, como resulta do RIT, a Requerente foi notificada para exercer o seu direito de audição prévia sobre o projecto de correcções, o que veio efectivamente a fazer” e que “consta igualmente do RIT, que a Inspeção Tributária analisou a argumentação invocada e justificou, cabalmente, as razões que sustentam a rejeição do entendimento da Requerente”. 

Cumpre, em primeiro lugar, ter em atenção a redacção da norma prevista no artigo 77.º da Lei Geral Tributária e desta retirar o seu conteúdo útil. De acordo com o referido preceito, cuja epígrafe é “Fundamentação e eficácia”: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos anteriores, pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária” e prossegue o segundo número do mesmo artigo, “ A fundamentação dos actos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação.”

De acordo com DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA , a Constituição da República Portuguesa garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os actos administrativos que afectem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos. Ora, tendo em consideração o que se encontra previsto no artigo 120.º do Código de Procedimento Administrativo, ter-se-á como compreendido nesse conceito, os actos tributários. Por outro lado, o artigo 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa garante aos interessados a impugnação contenciosa contra quaisquer actos administrativos que sejam lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos. Descortina-se assim, a razão pela qual o dever de fundamentação dos actos tributários e decisórios de procedimentos tributários surge reforçado no artigo 77.º da Lei Geral Tributária: a proteção dos administrados.

Em suma, impende sobre a AT um dever de fundamentação sobre os actos tributários por ela praticados, devendo obrigatoriamente constar as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos actos tributários, assim como, os prazos e meios de defesa à disposição do contribuinte, conforme o disposto no artigo 77.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.

Trata-se de uma disposição legal que visa assegurar a racionalidade das decisões cometidas à AT, proporcionando um controlo interno do percurso lógico-valorativo encetado pela própria entidade antes de emitir a sua decisão e, que se destina, fundamentalmente, a desempenhar um controlo de legalidade das decisões da AT, permitindo ao contribuinte optar, conscientemente, por cumprir a decisão, conformando-se com a mesma ou cumprir a decisão mas sindicá-la, seja pela via administrativa ou pela via judicial.

Na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria, exige-se que a fundamentação possa ser considerada suficientemente clara e compreensível, nas razões de facto e de direito, para um destinatário médio colocado na situação concreta.

Todavia, mesmo tendo o atrás referido em especial consideração, ainda assim e em face da prova documental produzida, julga-se não ter havido falta de fundamentação da notificação do acto de liquidação.

Como, bem, aponta a Requerida, “os elementos que constam do procedimento de inspecção permitem identificar e conhecer, clara e documentalmente, todo o percurso percorrido pela AT para chegar ao valor total das correcções, dando a conhecer à Requerente o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão, esclarecendo o que levou a decidir num determinado sentido e não em qualquer outro”, mais “constando, igualmente, todos os elementos de que a Requerente poderia necessitar para compreender e apreender as correcções efectuadas, bem como, os actos de liquidação que consequentemente lhe seguiriam.”, tanto que “a Requerente teve conhecimento da fundamentação que sustenta os actos tributários, pois de outra forma não estaria habilitada a discutir, como discute na presente acção arbitral, ao longo de 416.º artigos, as correcções efectuadas”.

A circunstância, em que se funda a Requerente, de, eventualmente, a argumentação que apresentou no decurso do procedimento inspectivo e, posteriormente, em sede de audiência prévia, não ter sido, na opinião daquela, devidamente considerada pela AT, não integraria, de resto e por qualquer forma, qualquer vício de fundamentação, mas, antes, uma preterição do dever de audiência prévia, caso fosse arguido tal vício, e se apurasse que tinha ocorrido uma total omissão de ponderação da audição prévia do contribuinte – o que não é o caso (cfr. pp. 37 e ss. do RIT) – ou, então e como aponta a Requerida, uma falta de fundamentação material, a analisar em sede da apreciação do mérito da causa.

Deve, pelo exposto, improceder o vício ora em apreço.

 

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do fundo da causa

Nota prévia – da ausência de grupo económico sujeito ao RETGS, e sobre os “beneficiários efectivos”

Por constituir um factor transversal a toda a argumentação substancial da Requerente, cumpre, para evitar repetições adiante, enquadrar previamente a situação jurídica e fiscal da Requerente e demais sociedades cujos “beneficiários efectivos”, na expressão da Requerente, são os mesmos, ou seja, E…. e F…..

Como bem aponta a Requerente, em sede de IRC existe o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (REGTS), que, como a própria designação revela, se trata de um regime especial, que tem em vista dar um tratamento jurídico-fiscal próprio aos grupos económicos e que se caracteriza, essencialmente, por ter em vista garantir o “princípio da neutralidade na tributação dos rendimentos da actividade empresarial”, consagrando, naturalmente, o legislador os requisitos que entendeu por adequados, a cumprir por quem queira beneficiar de tal regime.

Por outro lado, e ao contrário do que também perpassa por toda a argumentação da Requerente, a existência de pessoas colectivas não é, evidentemente, uma circunstância fiscal (nem muito menos juridicamente) neutra.

As pessoas colectivas, como se sabe, constituem patrimónios autónomos, centros de direitos e deveres independentes das pessoas, singulares ou colectivas, que integram o respectivo substracto pessoal.

Quer isto dizer, naturalmente, que as pessoas colectivas tem uma função e são constituídas com um propósito próprio, que justifica o respectivo regime jurídico, e que quem as constitui e quem beneficia da sua exigência não poderá, quando lhe seja conveniente, pretender que tudo se passe como se as mesmas não existissem.

Descendo ao caso concreto, as diversas sociedades que são detidas, directa e/ou indirectamente, por E… e F…, foram constituídas por vontade sua, naturalmente com propósitos que, em última instância, visariam obter resultados e efeitos jurídicos benéficos para si, e que não se prenderão só com benefícios de gestão e organização empresariais.

Concomitantemente, bem ou mal, esclarecidamente ou não, será, em última instância, por opção dos mesmos, que o grupo de sociedades por si, directa e/ou indirectamente detidos, não está sujeito ao RETGS, o que, tendo o benefício de não sujeitar o grupo às obrigações próprias daquele regime especial, não poderá deixar de ter o correspectivo de não beneficiar, justamente, das especialidades típicas daquele mesmo regime, tudo o que, como anteriormente, não poderá deixar de se considerar como tendo sido uma opção efectuada por aqueles, designados pela Requerente “beneficiários efectivos”.

Deste modo, e em suma, à existência de uma identidade de “beneficiários efectivos” entre sociedades intervenientes em operações cujo enquadramento jurídico-fiscal adiante cumprirá fazer, apenas poderá ser conferida relevância se, e na medida, em que a própria Lei fiscal, devidamente interpretada, a confira.

Assim, e pelo exposto, não será atendida a argumentação da Requerente, relativamente às questões que infra se apreciarão, que assente na existência da identidade de “beneficiários efectivos”, sempre que da Lei não resultar que tal circunstância deva relevar, remetendo-se para o ora exposto.

 

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dos gastos e perdas em investimentos não financeiros não aceites fiscalmente (2017)

Começa a Requerente por arguir, relativamente aos gastos e perdas em investimentos não financeiros não aceites fiscalmente (2017), que o ganho a que a permuta de créditos entre ambas deu lugar determinou (na B….) um elevado pagamento de IRC, pelo que, na A…. a perda terá, necessariamente, de ser enquadrada na regra geral de gasto ou perda como definido no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC.

Está aqui em causa, como se resulta da matéria de facto dada como provada, uma permuta de créditos que resultou numa menos valia de €1.156.768,00, na esfera da Requerente.

A AT entendeu, em suma, que a perda registada na operação de permuta não teve em vista garantir a obtenção de rendimentos futuros ou de evitar uma maior perda, por ter adquirido um crédito com menor risco associado.

Já a Requerente argumenta, essencialmente, que da operação não resultou qualquer perda de imposto para o Estado, pelo contrário.

Antes de mais, cumpre esclarecer que a argumentação da Requerente não invalida directamente a fundamentação da AT. Com efeito, a circunstância de não ter ocorrido – por efeito da operação em apreço – perda de receita fiscal, não invalida que, como entendeu a AT, que a perda registada na operação de permuta não tenha tido em vista garantir a obtenção de rendimentos futuros ou de evitar uma maior perda, por ter adquirido um crédito com menor risco associado.

Efectivamente, nada do que a Requerente expõe a este propósito, se relaciona directamente com a possibilidade ou propósito de obtenção de rendimentos (ou prevenção de prejuízos) futuros por si própria, mas, antes, com a conveniência da organização societária, para aqueles a quem designa “beneficiários efectivos”, sendo que, a mera circunstância de, eventualmente, não resultar perda de receita fiscal, nada diz sobre a referida possibilidade ou propósito de obtenção de rendimentos futuros.

Tal circunstância, poderia, eventualmente, relevar em sede do princípio da justiça material (art.º 5.º, n.º 2 da LGT), na medida em que, de um ponto de vista do ordenamento jurídico globalmente considerado, poder-se-ia, no caso concreto, concluir pela inexistência de justificação material para a tributação operada pela AT.

Todavia, não só tal vício não foi arguido pela Requerente – pelo que o conhecimento do mesmo faria o Tribunal incorrer em pronúncia indevida, fundamento de impugnação da decisão arbitral (cfr. art.º 28.º/1/c) do RJAT) – como o mesmo implicaria uma demonstração mais exaustiva da efectiva neutralidade fiscal (ou vantagem fiscal para o Estado) da tributação efectivamente operada em concreto.

É que não só, como aponta a AT, a operação em causa foi determinante para colocar a Requerente numa situação de prejuízo fiscal e contrariar a excelente performance comercial do exercício de 2017, tal como é reconhecido no seu relatório e contas, e concretizou uma limpeza de saldos com uma entidade relacionada, como, a verificação de determinadas circunstâncias laterais associadas a uma operação deste género, como a existência ou não de prejuízos fiscais, são susceptíveis de ter consequências fiscais (como acontece, por exemplo, em sede de tributações autónomas – cfr. art.º 88.º/14 do CIRC, em sede de reporte e dedução de prejuízos; possibilidade de integrar um grupo para efeitos de RETGS – cfr. art.º 69.º/3/c) do CIRC – etc.).

Note-se ainda que a questão ora em apreço se centra apenas na permuta de créditos, e não na transmissão de participações sociais, ao contrário do que a Requerente pretende entender (com efeito, as participações foram adquiridas por ambas, Requerente e B…, a entidades terceiras), e que o quanto se refere não enfermará de qualquer inconstitucionalidade, designamente por violação do princípio da proporcionalidade ou do direito à propriedade privada, como alega a Requerente, porquanto, em primeiro lugar, o referente do juízo de proporcionalidade efectuado por aquela não se situa na sua esfera jurídica, mas na da B…., e depois porquanto é inerente à tributação a compressão do direito de propriedade e, enquadradas devidamente as coisas, tal tributação, na esfera da Requerente, pelo que se disse, corresponde à correcta aplicação das normas tributárias.

                Daí que, não tendo sido alegadas quaisquer circunstâncias que infirmem o juízo da AT, segundo o qual a operação de permuta de créditos em questão não se destinou a obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC para a Requerente, e não tendo a Requerente imputado à liquidação adicional a violação de qualquer norma susceptível de, abstractamente, acolher a argumentação que apresenta, não poderá, nesta parte, proceder o pedido arbitral, devendo manter-se a correcção ora em apreço, sendo que, se assim o entenderem, os “beneficiários efectivos” poderão diligenciar no sentido de a sociedade B…., verificados que sejam os pressupostos para tal necessários, reclamar a correcção da tributação, eventualmente ilegal, que haja ocorrido na sua esfera jurídico-tributária.

 

 

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iii. outros serviços não aceites fiscalmente (2016)

Conforme resulta do RIT, estão aqui em causa valores debitados na conta 626819 – Fornecimentos e Serviços de terceiros/Outros serviços, por contrapartida da conta 27882100024 S…., Lda., titulados por quatro facturas, na importância de €14.760,00 cada uma, no total de € 59.040,00, com o descritivo “Organização de eventos”.

Nos termos do mesmo Relatório, é questionado quer a circunstância de os gastos em questão terem sido incorridos pela Requerente, para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, quer a efectividade dos mesmos (cfr. p. 27 do RIT ).

A questão ora em causa reconduz-se à problemática mais geral da dedutibilidade dos gastos em IRC, regulada, em primeira linha pelo artigo 23.º do CIRC que, no exercício em questão, apresentava a seguinte redacção:

“Artigo 23.º

Gastos e Perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. (...)

3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para

esse efeito.”.

                No que concerne ao ónus da prova dos requisitos da dedutibilidade dos gastos para efeitos fiscais, determina o artigo 75.º, n.º 1 da LGT, o seguinte:

“1 – Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízos dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”

Os requisitos de dedutibilidade dos gastos não beneficiam, portanto, da presunção de veracidade que decorre do artigo 75.º, n.º 1 da LGT, tal como resulta expressamente do teor do referido normativo, tendo em conta a ressalva feita pelo legislador – “sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.

Esta conclusão tem vindo, inclusive, a ser defendida pelos tribunais superiores, como decorre da jurisprudência que se extrai do Acórdão do TCA-Sul de 28 de Março de 2019, proferida no processo n.º 69/17.9BCLSB , nos termos da qual se refere que, “A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C”. Conclui aquele aresto que “no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a Fazenda Pública questionar essa indispensabilidade (cfr.artºs.74, nº.1, e 75, nº.1, da L.G.T.)”.

Assim, não beneficiando a questão em análise – dedutibilidade dos gastos – da presunção legal de veracidade que decorre do artigo 75.º, n.º 1 da LGT, sempre serão de aplicar as regras gerais do ónus da prova.

A este respeito, refere o n.º 1 do artigo 74.º da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, cabendo, pois, à Requerente, que pretende fazer valer o seu direito à dedutibilidade dos gastos, o ónus de demonstrar, não só que tais gastos têm carácter empresarial, mas também que os mesmos correspondem a serviços efectivamente prestados.

Ora, tal como apontado no RIT, também na presente sede a Requerente nada provou, ou sequer alegou, relativamente à efectividade da realização daqueles gastos, centrando unicamente a sua alegação na conexão daqueles com a sua actividade social e na sua liberdade de gestão.

Efectivamente, compulsado todo o requerimento inicial, nada se diz sobre a concreta realização dos eventos a que se referem as facturas em questão, em termos de se poder perceber, minimamente, quando, onde e em que circunstâncias os mesmos se realizaram, ou era suposto terem sido realizados.

Neste contexto, independentemente da bondade, ou não, da argumentação apresentada pela Requerente, relativa à empresarialidade dos gastos em questão, não poderá, em caso algum, proceder esta parte do pedido arbitral, na medida em que um dos fundamentos da correcção contestada, não é minimamente posto em causa.

 

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iv. dos gastos de financiamento não aceites fiscalmente, (2015, 2016 e 2017)

                Quanto aos gastos de financiamento não aceites fiscalmente, (2015, 2016 e 2017), entende a Requerente que todos os encargos financeiros e impostos suportados o foram no âmbito da sua exploração.

                Em causa, no que diz respeito à correcção ora em apreço, estão os seguintes financiamentos efectuados pela Requerente:

 

                Como se vê do quadro supra, as correcções em causa respeitam a 4 sociedades relacionadas, e a duas pessoas singulares, circunstância que justifica uma abordagem diferenciada a cada um desses grupos.

Nos termos da fundamentação lavrada pela AT, e subjacente às correcções em questão, as mesmas assentam no disposto no art.º 23.º/1 e 2/c) do CIRC, na redacção aplicável ao referido período, tendo, em suma, a AT entendido que não estão em causa encargos relativos a capitais alheios aplicados na exploração da actividade económica da Requerente e que não se tratam de gastos necessários à obtenção do rendimento, à manutenção da fonte produtora, ou ainda, para garantir os rendimentos sujeitos a IRC, dado não possuírem nexo de causalidade económica com a actividade da Requerente. 

                A redacção da norma em questão, à data dos factos, era, e é, a seguinte:

“1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;”

                A matéria em questão foi objecto de ampla apreciação e discussão, a nível jurisprudencial e doutrinal, sendo que, independentemente do mais, julga-se que o ponto de partida para a apreciação de qualquer questão que se apresente a decidir relativa à matéria em causa, deve ser, conforme formulado no Acórdão do STA de 04-06-2014, proferido no processo 01763/13, o de que “a relevância ou não de determinadas despesas como custos do exercício sempre teria que ser vista em concreto, caso a caso, em função do peculiar contexto empresarial em que se desenvolvem e das finalidades que prosseguem”.

                Posto isto, “constitui jurisprudência consolidada do S.T.A. que à luz do artº. 23, do C.I.R.C., não são de considerar como fiscalmente relevantes, além do mais, os custos com juros de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas” .

Com efeito, reiteradamente, tem afirmado o STA que “À luz do art. 23º do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas.”  e que “Não sendo a recorrente uma SGPS nem estando abrangida pelo regime de tributação de grupos de sociedade os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a empresas associadas de forma gratuita não podem ser considerados como custos fiscalmente dedutíveis por não serem indispensáveis para a realização de proveitos da recorrente sujeitos a imposto ou para a sua manutenção como fonte produtora dos mesmos nos termos do artigo 23.º do CIRC na redacção vigente à data dos factos” .

                O referido entendimento tem sido reafirmado por aquele Superior Tribunal, ao longo dos anos e até ao presente, tendo nos acórdãos de 19-04-2017 e de 28-02-2018, proferidos, respectivamente, nos processos 0925/16 e 01206/17, sido exarado que:

- “I - Não sendo a recorrente uma SGPS nem estando abrangida pelo regime de tributação de grupos de sociedade os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a empresas associadas de forma gratuita não podem ser considerados como custos fiscalmente dedutíveis por não serem indispensáveis para a realização de proveitos da recorrente sujeitos a imposto ou para a sua manutenção como fonte produtora dos mesmos nos termos do artigo 23 do CIRC na redacção vigente à data dos factos.

II - Mantendo-se a recorrente autonomamente como sujeito passivo de IRC e as empresas a si associadas igualmente autónomas e igualmente sujeitos passivos em sede de IRC os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a favor das empresas a si associadas não podem considerar-se como custo indispensável para efeitos de dedutibilidade em sede de IRC ao abrigo do disposto no artigo 23 do CIRC por serem alheios ao exercício da sua actividade.”;

- “I - Sendo certo que a impugnante é um sócio da sociedade participada e a ela pode efectuar prestações suplementares, caso preencha os requisitos legais, o que aqui se não mostra em discussão, na sua esfera jurídica a decisão de efectuar a prestação suplementar não é exercício da sua actividade empresarial porque ela não tem por objecto, também, a gestão de participações sociais.

II - O acordo parassocial que celebrou e em cumprimento do qual veio a realizar as prestações suplementares, não altera/amplia o objecto social da impugnante, e, por não obter enquadramento legal neste, não é desenvolvimento da actividade social da impugnante.

III - Não se trata de aferir da bondade dos actos de gestão realizados pela impugnante, mas de verificar que, sejam quais forem as operações financeiras que realize, fora do seu objecto social, não são um acto de gestão da sua actividade empresarial, pelo que não pode aportar a esta os custos que essa operação financeira produza.

IV - O reforço do capital da sociedade participada através de prestações suplementares efectuadas pela impugnante não são exercício da actividade empresarial da impugnante, pelo que os custos que incorram com essas ou por causa das realizações de tais prestações não são custos dedutíveis em sede de IRC à luz do art.º 23.º do CIRC.”.

                Por seu lado, doutrina relevante emergiu em várias sedes de forma crítica em relação à jurisprudência assinalada, pugnando que os financiamentos gratuitos ou abaixo do custo, de uma sociedade a uma outra, consigo relacionada, poderão ainda considerar-se como exercício da actividade empresarial daquela.

                Assim, no processo arbitral 695/2015T , é revista doutrina e jurisprudência anterior sobre a matéria, análise para a qual se remete.

Em síntese, no referido aresto arbitral, quanto ao conceito de activo e de fonte produtora, conclui-se que quanto à questão “Uma sociedade participante que se endivide e ceda esses fundos a entidades participadas, cobrando-lhes juros nulos, ou inferiores aos pagos, está a desenvolver atividade própria ou alheia (i.e., a realizar atos de gestão alheios ao seu interesse)?, deverá considerar-se que “a dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto de tais financiamentos contribuíram para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expetativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (ativo financeiro)”. 

Entendeu-se assim, naquele caso, que quando a participante financia as participadas (seus activos financeiros), na contabilidade da participante “a alocação de fundos às participadas tem como contrapartida o incremento do valor do investimento contabilizado na conta "41-Investimentos financeiros". A fonte produtora que é financiada, na qual se reforça a posição da investidora é, em primeira linha, o conjunto de ativos financeiros” da participante.

Mais se julgou que “a fonte produtora materializa-se jurídica e contabilisticamente no ativo da [participante], que concentra legal, económica e financeiramente as características de uma fonte produtora da [participante]: é um conjunto de ativos previamente adquirido por esta entidade, que lhe outorga direitos sobre as participadas, e dele se esperam rendimentos na esfera da adquirente.”.

Ainda no acórdão arbitral em questão, acabou-se por concluir que: “… a AT corrige apenas o diferencial de juros e não a totalidade dos juros pagos pela [participante]. …, esta lógica de ajustamento fiscal afigura-se desajustada. Querendo-se questionar o diferencial de preços (taxas de juro) pagos e cobrados, seriam as normas de preços de transferência as que se deveriam aplicar, e não as do artigo 23.º do CIRC”.

 

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                Ponderados os vários argumentos das posições antagónicas acima apresentadas, propende-se para o entendimento de que os financiamentos de uma sociedade a uma outra sua relacionada com a qual esteja em situação de relações especiais, deverão reputar-se como integrando o âmbito da actividade empresarial da primeira.

                Com efeito, será notório, crê-se, que numa situação dessas a “saúde” financeira do grupo económica se revista de capital importância para as sociedade que o integram, como notório será que o bom desempenho económico das sociedades relacionadas é susceptível de gerar ganhos sujeitos a IRC para as restantes sociedades do grupo, quer ao nível do aumento do valor económico das participações, com o consequente aumento do património e da robustez financeira do grupo, e todas as vantagens, em termos de mercado, que daí advêm, quer ao nível da eventual geração de dividendos e/ou mais-valias, quer, também, ao nível dos movimentos económicos e sinergias intra-grupo, que é, consabidamente, um dos principais fundamentos da existência de um regime jurídico especial aplicável aos grupos económicos.

                Deste modo, não se julga que se deva considerar que a disponibilização de meios financeiros, num caso como o dos autos, por uma sociedade a outra (ou a outras) sua relacionada, seja alheio, por regra, ao interesse empresarial da primeira, dado que este integra, não só o interesse singular da mesma, mas, igualmente e de forma relevante, o interesse colectivo grupal. Ou seja, e dito de outra forma, o interesse do grupo – e no que para o caso releva, a saúde financeira do grupo – integra também, de forma directa e imediata, o interesse empresarial de cada uma das entidades relacionadas, devendo por isso as decisões, actos e actividades praticados no interesse do grupo, ser considerados, também e por regra, praticados no interesse da sociedade que os pratica e que integra aquele.

Sabendo-se, não obstante, que à luz da redacção vigente em 2013 da norma aplicanda (art.º 23.º/1/c) do CIRC então vigente), a jurisprudência do STA na matéria é clara e reiterada, no sentido de que “Não sendo a recorrente uma SGPS nem estando abrangida pelo regime de tributação de grupos de sociedade os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a empresas associadas de forma gratuita não podem ser considerados como custos fiscalmente dedutíveis por não serem indispensáveis para a realização de proveitos da recorrente sujeitos a imposto ou para a sua manutenção como fonte produtora dos mesmos nos termos do artigo 23 do CIRC na redacção vigente à data dos factos.” , o certo é que, no caso sub iudice, não está em causa a aplicação daquela redacção da norma do art.º 23.º do CIRC.

                De facto, no ano de 2014, a norma em questão nos presentes autos, o art.º 23.º do CIRC, foi alterada na sua redacção, de modo significativo e intencional, passando a referir como critério geral da dedutibilidade dos gastos, que estes tenham sido incorridos ou suportados “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, quando antes dispunha no sentido da necessidade de que os mesmos “comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.

                Conforme resulta, inequivocamente, do “Anteprojeto de Reforma” do Código do IRC , a alteração introduzida foi no sentido de deixar claro que “o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC” e se destina a excluir os “encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios”.

                À luz de tal critério, e do quanto se expôs anteriormente, não se julga que se possa considerar, por regra, que a concessão de financiamento por uma sociedade integrante de um grupo económico a uma outra sociedade relacionada e integrante desse mesmo grupo, em situações como a dos autos, se possa qualificar como não inserida na actividade da primeira, e como tal se julguem os gastos subjacentes a tal operação qualificáveis como indedutíveis, à luz do art.º 23.º do CIRC aplicável.

De resto, toda a jurisprudência conhecida dos Tribunais Superiores da jurisdição tributária estadual, na matéria em questão, que foi emitida à luz da redacção anterior da norma em causa, que, como se viu, foi alterada, acabou por reconduzir a questão à mera inserção da actividade de detenção e gestão de participações sociais no objecto social das sociedades participantes, conforme decorre, transparentemente, dos cotejo dos acórdãos do STA de 21-02-2018 e de 30-05-2018, ambos proferidos no processo 0473/13, e de 28-02-2018, proferido no processo 01206/17.

Todavia, o objecto social não limita a licitude dos actos jurídicos das sociedades, nem a sua capacidade jurídica, nem, muito menos, a sujeição a imposto dos proveitos de tais actos ou actividades, dispondo o art.º 6.º/4 do C.S. Comerciais que “As cláusulas contratuais e as deliberações sociais que fixem à sociedade determinado objecto ou proíbam a prática de certos actos não limitam a capacidade da sociedade, mas constituem os órgãos da sociedade no dever de não excederem esse objecto ou de não praticarem esses actos.”, de onde decorre que a prática por uma sociedade de actos de comércio que não estejam compreendidos no seu objecto, não são proibidos, nem, consequentemente, e de per si, ilícitos.

Assim, e ainda que estranhos ao objecto social, se esses actos ou actividades são susceptíveis de “obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC” das sociedades, razão alguma se vê para excluir os gastos, decorrentes desses mesmos actos ou actividades, à luz da redacção do art.º 23.º/1 do CIRC, vigente de 2014 em diante, unicamente por não se reconduzirem, formalmente, ao objecto social do sujeito passivo, sem prejuízo de, em situações como a dos autos, a dedutibilidade de tais gastos poder ser excluída ou limitada, quer por via das normas relativas aos preços de transferência, quer da limitação da dedutibilidade dos gastos financeiros, nos termos do art.º 67.º do CIRC.

 

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Posto isto, e descendo ao caso concreto, o que se verifica, face à matéria de facto provada, é que a Requerente integra um conjunto relativamente vasto de sociedades, que são, directa ou indirectamente, total e exclusivamente controladas por duas pessoas singulares, casadas entre si, formando um grupo (em sentido económico, que não jurídico-fiscal) que se dedica a uma actividade específica, incluindo actividades acessórias e complementares daquela, apresentando-se na praça, essencialmente, como uma entidade única – o “T…” -, com sede no mesmo local (com excepção da sociedade P….) – a Av………….., em Lisboa – e gozando de uma acentuada personalização da sua imagem pública, na pessoa do sócio e administrador da maioria, senão todas, as sociedades, E…..

Neste contexto, será notório, crê-se, que a preservação da imagem pública de solvabilidade de todas as empresas relacionadas, mediante o cumprimento atempado das respectivas obrigações pecuniárias, será empresarialmente relevante para todas as sociedades do grupo, não só ao nível do respectivo crédito perante a Banca, como, igualmente, perante o público.

Com efeito, o incumprimento atempado de obrigações pecuniárias de uma sociedade de um grupo com as características daquele que está em causa nos autos, ou, pior, a sua insolvência, não poderia, segundo a normal experiência das coisas, deixar de se reflectir quer na credibilidade perante a banca das restantes sociedades e dos próprios sócios/administradores, quer na imagem, perante o público em geral, daquelas e destes, tudo o que, julga-se, não deixaria de ter um impacto relevante na capacidade daquelas, incluindo a Requerente, gerarem receita.

Assim sendo, haverá de concluir-se que, em concreto, a concessão de financiamento às sociedades relacionadas, prossegue, ainda, o interesse económico da Requerente, visando garantir rendimentos sujeitos a IRC, sendo a questão de saber se o preço das operações é, ou não (e, no caso, tudo indica que não seriam), idênticos aos que seriam praticados por entidades não relacionadas, uma questão a dirimir em sede de preços de transferência, e não, como aconteceu no caso, em sede do art.º 23.º do CIRC.

Deste modo, e face ao exposto, haverá que julgar procedente esta parte do pedido arbitral, anulando-se as correcções relativas a gastos com financiamento, respeitantes às outras sociedades relacionadas.

 

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                Quanto aos financiamentos disponibilizados a duas pessoas singulares, a linha de argumentação acima apresentada, já não poderá ser aplicada.

                Aí, o único factor relevante a ter em conta será o de apurar se os beneficiários dos financiamentos se apresentam, a qualquer título, como colaboradores da Requerente, ou mais concretamente, se com ela praticam operações que se possam dizer sinalagmaticamente ligadas aos financiamentos, ou não.

                No primeiro caso, deverá considerar-se que aos financiamentos concedidos assiste uma finalidade empresarial – remunerar os colaboradores – situando-se a tributação que ao caso possa caber na esfera dos beneficiários do financiamento, enquanto beneficiários de uma prestação em espécie.

                Já no segundo caso, tratando-se de pessoas juridicamente estranhas à entidade financiadora, não se poderá deixar de considerar que se trata de uma aplicação para fins particulares, e não empresariais, dos capitais concedidos, pelo que os encargos financeiros directamente relacionáveis com o financiamento não poderão ser considerados dedutíveis.

                No caso concreto, o que se verifica é que o beneficiário dos financiamentos em causa nos autos, a que se reportam as correcções operadas pela AT ora em apreço, V…., celebrou com a Requerente um contrato, pelo qual, se obrigou a, e em troca para além do mais, do financiamento que lhe foi concedido, a prestar serviços em exclusividade à ora Requerente.

                Quanto à beneficiária X…., a mesma era, à data colaboradora da Requerente, sendo que se julga notório que tal relação comercial/profissional foi a causa da disponibilização, a título gratuito, do financiamento ora em causa.

                Assim sendo, como é, julga-se que os encargos suportados pela Requerente com os financiamentos concedidos aos referidos V…. e X…., constituem verdadeiras prestações em espécie, contrapartida das prestações que aqueles assumiram com a Requerente, pelo que, sendo aquelas prestações adequadas à actividade da Requerente, não se poderá deixar de considerar que os referidos gastos se enquadram na actividade daquela e se destinam a gerar ou assegurar rendimento sujeito a IRC.

                Deste modo, e pelo exposto, deverá proceder, também nesta parte, o pedido arbitral, anulando-se as correcções ora em apreço.

 

*

v. Gastos de formação não aceites fiscalmente (2015 e 2016)

                Quanto aos gastos de formação não aceites fiscalmente (2015 e 2016), entende a Requerente que os custos decorrentes dos contratos com os colaboradores Dr. D…. e Dr. C… foram assumidos com o business purpose de garantir elevada qualificação dos seus colaboradores, decisivo na geração de proveitos para a Impugnante.

                Já a AT conclui pela não aceitação dos gastos suportados, nos exercícios de 2015 (€7.954,00) e de 2016 (€ 7.500,00) com o curso de doutoramento do médico D…. e com a formação ERKODENT do médico C…., alicerçando-se no princípio geral consagrado no n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC, segundo o qual são dedutíveis os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos.

                Relativamente ao médico C…., não se poderá concluir de outra forma, julga-se, que não a da legalidade da correcção operada pela AT, já que, conforme está provado, o mesmo não tinha qualquer tipo de relação conhecida com a Requerente, sendo antes, colaborador da B…..

                Assim sendo, não havendo qualquer tipo de correspectivo directo para a Requerente, decorrente do encargo que assumiu a favor do referido C…., o mesmo não poderá encontrar qualquer justificação empresarial na esfera daquela, reconduzindo-se a argumentação da Requerente nesta matéria à assumpção de uma lógica de grupo em termos fiscais que, na realidade não existe, conforme anteriormente abordado.

                Já quanto ao médico D…., a conclusão será diferente.

                Com efeito, sendo o encargo assumido pela Requerente contrapartida da garantia de prestação de serviços para aquela, pelo período mínimo de 5 anos, pelo beneficiário da mesma, trata-se, evidentemente de uma empresa com caracter de empresarialidade, que se destina a obter ou garantir a produção de rendimentos sujeitos a IRC.

                A circunstância de, eventualmente, para efeitos de IRS, o gasto não reunir os requisitos para beneficiar o estatuto de despesa com formação, apenas relevará ao nível da tributação singular do beneficiário daquele gasto.

                Deste modo, e pelo exposto, deverá proceder o pedido arbitral, no que diz respeito à dedutibilidade do gasto da Requerente com o médico D…., ora em causa.

 

***

                A Requerente formula ainda o pedido acessório de condenação da AT no pagamento por prestação de garantia indevida.

                Não obstante, o facto é que nada alegou, nem consequentemente provou, relativamente à prestação de garantia e encargos com a mesma.

                Assim, não poderá ser atendido tal pedido, sem prejuízo de a referida indemnização lhe ser devida, a provarem-se os necessários pressupostos legais, se necessário em execução de sentença.

 

***

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

Anular parcialmente:

os actos de liquidação adicional de IRC, para os anos de 2015, 2016 e 2017, com os n.ºs, respectivamente, 2017………… (2015), 2018…………. (2016) e 2019…………. (2017), e respectivas liquidações de juros compensatórios, na parte que reflectem as correcções determinadas no RIT, relativas a gastos com financiamentos não aceites fiscalmente;

o acto de liquidação adicional de IRC, para o ano de 2015, com o n.ºs 2017…………. (2015), e respectiva liquidação de juros compensatórios, na medida em que reflectem as correcções determinadas no RIT, relativas a gastos com formação não aceites fiscalmente, com o médico D….;

Julgar improcedente a restante parte do pedido arbitral.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 283.033,07, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

Lisboa

 

21 de Junho de 2021

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Jorge Júlio Landeiro Vaz)

Nos termos e para os efeitos do art.º 153.º/1 do CPC e do art.º 15.º-A do DL 10-A/2020, de 13-03, alterado pelo art.º 3.º do DL 20/2020, de 01-05, atesto o voto de conformidade do Sr. Professor Doutor Jorge Júlio Landeiro Vaz.)

 

O Árbitro Vogal

(Henrique Fiúza – com declaração de voto)

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

Acompanho a Decisão Arbitral quanto a todos os temas nela decididos, à excepção do tratado na alínea “iv. dos gastos de financiamento não aceites fiscalmente, (2015,2016 e 2017)”.

Com o devido respeito pela fundamentação produzida e respectiva decisão, no que diz respeito aos encargos financeiros não aceites como gastos fiscais, não fazemos a nossa adesão à fundamentação e à decisão, pelos motivos que de seguida se apresentam.

Defende o Tribunal Arbitral que “os financiamentos de uma sociedade a uma outra sua relacionada com a qual esteja em situação de relações especiais, deverão reputar-se como integrando o âmbito da actividade empresarial da primeira.”

E ainda que “que numa situação dessas a “saúde” financeira do grupo económico se revista de capital importância para as sociedade que o integram, como notório será que o bom desempenho económico das sociedades relacionadas é susceptível de gerar ganhos sujeitos a IRC para as restantes sociedades do grupo, quer ao nível do aumento do valor económico das participações, com o consequente aumento do património e da robustez financeira do grupo, e todas as vantagens, em termos de mercado, que daí advêm, quer ao nível da eventual geração de dividendos e/ou mais-valias, quer, também, ao nível dos movimentos económicos e sinergias intra-grupo, que é, consabidamente, um dos principais fundamentos da existência de um regime jurídico especial aplicável aos grupos económicos.

Deste modo, não se julga que se deva considerar que a disponibilização de meios financeiros, num caso como o dos autos, por uma sociedade a outra (ou a outras) sua relacionada, seja alheio, por regra, ao interesse empresarial da primeira, dado que este integra, não só o interesse singular da mesma, mas, igualmente e de forma relevante, o interesse colectivo grupal. Ou seja, e dito de outra forma, o interesse do grupo – e no que para o caso releva, a saúde financeira do grupo – integra também, de forma directa e imediata, o interesse empresarial de cada uma das entidades relacionadas, devendo por isso as decisões, actos e actividades praticados no interesse do grupo, ser considerados, também e por regra, praticados no interesse da sociedade que os pratica e que integra aquele.”

Para de seguida concluir que “Deste modo, não se julga que se deva considerar que a disponibilização de meios financeiros, num caso como o dos autos, por uma sociedade a outra (ou a outras) sua relacionada, seja alheio, por regra, ao interesse empresarial da primeira, dado que este integra, não só o interesse singular da mesma, mas, igualmente e de forma relevante, o interesse colectivo grupal. Ou seja, e dito de outra forma, o interesse do grupo – e no que para o caso releva, a saúde financeira do grupo – integra também, de forma directa e imediata, o interesse empresarial de cada uma das entidades relacionadas, devendo por isso as decisões, actos e actividades praticados no interesse do grupo, ser considerados, também e por regra, praticados no interesse da sociedade que os pratica e que integra aquele.

Como se pode confirmar pelas passagens do acórdão acima transcritas, bem como da restante fundamentação, a lógica argumentativa do Tribunal assenta na qualificação do conjunto de sociedades detidas directa e indirectamente por E… e a F… (Casal E…e F…), como um grupo societário estruturado, à imagem da lógica seguida pela Requerente.

Porém, com o devido respeito, todo a raciocínio seguido enferma de uma realidade que não foi tida em consideração e que é, a inexistência de um “Grupo” empresarial em que a lógica exposta pelo Tribunal se possa encaixar.

Isto porque, até 31/12/2017, o alegado grupo empresarial não era formalmente um Grupo societário, sendo apenas um conjunto de sociedades detidas a 100% pelo Casal E….e F…., com esporádicas participações de uma das sociedades no capital de outra.

Só depois de 31/12/2017 passou a haver dois grupos de sociedades, cujas holdings eram detidas a 100% pelo Casal E….e F…., sendo beneficiários efectivos E…. e a F…., e administrador o sócio E…: um “Grupo” encabeçado pela H…., SA e outro encimado pela G…., SA, sem que um e outro grupo de empresas tenha quaisquer participações cruzadas entre si.

Sendo que as duas principais sociedades do Casal E…e F…. pertencem a Holdings diferentes, a B…., SA que é detida a 100% pela H…., SA (Holding) e a A…. que é detida pela G…., SA (Holding)

Dado os factos em apreciação pelo Tribunal serem referentes aos exercícios de 2015, 2016 e 2017, e sendo a estrutura empresarial do Casal E….e F…. diferente da atrás indicada (à data, todas as sociedades financiadas pela A…. eram detidas a 100% pelo Casal E….e F…., à excepção da B…. que era também detida em 30% pela A….), a lógica de Holding/Grupo que financia as suas participadas não pode ser acolhida sem crítica, quando aplicável ao caso.

Isto porque,

Até 31 de Dezembro de 2017, a principal beneficiária dos financiamentos feitos pela A…. foi a B…., a que se seguiu a S…. e a Q…./P….

Assim, não sendo a S…. nem a Q…./P….participadas, nem directa nem indirectamente, pela A…., não é possível ser aplicada a lógica de Grupo/Holding e de, com base nessa lógica, poder alegar-se haver expectativa de a A…. vir a recuperar através dos lucros distribuídos os custos suportados com os financiamentos obtidos. Motivo pelo qual, pensa-se, é de rejeitar a lógica que presidiu à decisão favorável à Requerente no que ao financiamento a estas sociedades diz respeito.

Por outro lado, embora a B…. tenha sido até 31 de Dezembro de 2017 sócia da A…., detentora de 30% do seu capital social, os empréstimos da A…. (participada) à B…. (participante) nunca levariam à A…. resultados que pudessem compensar esta sociedade dos gastos por si suportados com os financiamentos bancários, uma vez que os lucros são distribuídos pelas participadas às participantes e não no sentido inverso.

Se a lógica exposta pelo Tribunal - embora contrariada por vários acórdãos do STA - pode fazer sentido quando no âmbito de um grupo encabeçado por uma Holding (SGPS ou não), sendo esta a financiadora das suas filhas – porque mais tarde irá receber os lucros que as filhas gerarem, com a “ajuda” dos financiamentos que lhes concedeu – o mesmo raciocínio não poderá ser aplicado quando os financiamentos são feitos no sentido inverso – de baixo para cima, ou seja, das filhas para as mães – porque as filhas não recebem lucros distribuídos pelas mães, mas sim o contrário.

Portanto, concluindo-se que a A…. em caso algum vai ser ressarcida dos gastos suportados com os financiamentos contratados para financiar um dos participantes no seu capital - a B…. - os gastos suportados com os financiamentos obtidos não podem ser considerados como gastos para efeitos fiscais. E, note-se, que os financiamentos feitos à B…. pela A…., em 2015 e em 2016 são de montantes superiores aos montantes dos financiamentos obtidos pela A…..

Pelo exposto, entende-se que os encargos financeiros suportados pela Requerente, pelo menos com referência aos exercícios de 2015 e de 2016, não podem ser aceites como gastos para efeitos fiscais, pelo simples facto de não terem sido suportados “para obter ou garantir os (seus) rendimentos sujeitos a IRC” conforme é imposto pelo artigo 23º do Código do IRC. E, repete-se, a A…. em caso algum irá auferir quaisquer rendimentos das sociedades a quem fez empréstimos de dinheiro, compensando-a dos gastos que suportou.

Estes são os motivos pelos quais se entende que os encargos suportados com financiamentos obtidos pela Requerente para financiar outras sociedades do Casal E…e F…., a B…., a S…. e a P…./Q…. não deve ser aceite como gastos para efeitos fiscais do exercício de 2015 e 2016, dado esses encargos não terem sido suportados pela Requerente “para obter ou garantir os (seus) rendimentos sujeitos a IRC”.

 

Henrique Fiúza

(Economista)