Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 693/2019-T
Data da decisão: 2021-07-28  IVA  
Valor do pedido: € 37.642,59
Tema: IVA - Direito à dedução; Ginásios; Consultas de Nutrição
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Sumário:

 

I – As liquidações de IVA impugnadas têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua atuação poderia basear-se noutros fundamentos. Consequentemente, a fundamentação sucessiva ou a posteriori não é relevante para aferir da legalidade do ato impugnado.

II- No caso dos presentes autos, considerados os requisitos e orientações vigentes no momento da ocorrência dos factos tributários, conclui-se que as prestações de serviços de consulta de nutricionismo cumpriam os pressupostos para beneficiarem da e no artigo 9º do CIVA.

III – Da Jurisprudência do TJUE decorre que «sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente», o que contraria a posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório de Inspeção Tributária, donde resulta a fundamentação das liquidações de IVA emitidas oficiosamente..

IV – À luz da fundamentação das liquidações impugnadas e da matéria provada nos autos conclui-se pela ilegalidade e consequente anulação de todas as liquidações impugnadas por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito.

 

Decisão Arbitral

 

I.             Relatório

 

1.            A…., LDA., NIPC ………, com sede na …….Póvoa de Santo Adrião (doravante designada apenas por “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, referentes aos anos de 2014 e 2015, a seguir discriminadas:

Número Liquidação        Período                Data      Valor a pagar em €

 

2017 ………          201403T              2017-02-11        4.475,58

2017 ………          201403T              2017-02-11        429,52

2017 ………          201406T              2010-02-11        4.535,65

2017 ………          201406T              2010-02-11        443,37

2017 ………          201409T              2010-02-11        4.471,45

2017 ………          201409T              2010-02-11        392,50

2017 ………          201412T              2010-02-11        5.316,10

2017 ………          201412T              2010-02-11        413,63

2017 ………          201503T              2010-02-11        4.358,50

2017 ………          201503T              2010-02-11        297,09

2017 ………          201506T              2010-02-11        4.360,71

2017 ………          201506T              2010-02-11        252,32

2017 ………          201509T              2010-02-11        3.822,51

2017 ………          201509T              2010-02-11        183,06

2017 ………          201512T              2010-02-11        3.748,47

2017 ………          201512T              2010-02-11        142,13

 

Tudo no total de € 37.642,59.                                

 

 

2.            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

3.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 16-10-2019.

 

4.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou, em 4-12-2019, como árbitro do tribunal arbitral singular a aqui signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 09-09-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6.            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 07-01-2020. Na mesma data foi proferido despacho, nos termos do disposto no artigo 17º do RJAT.

 

7.            A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em 12-02-2020, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e, em caso de dúvida, defende que devia ser suspensa a instância até à Decisão a proferir no processo arbitral nº 504/2018-T, que deu entrada no TJUE em 2019-07-31, onde assumiu o nº de processo C-581/19 (doravante designado por «caso Frenetikexito»), porquanto no processo em apreço a pendência do pedido de reenvio prejudicial versa sobre matéria de facto análoga, que deveria assim servir de justificação para uma suspensão da apreciação dos casos idênticos que se encontram pendentes de decisão no CAAD.

 

8.            Em 17-02-2020 foi proferido despacho arbitral fixando o prazo de 10 dias para a Requerente vir aos autos confirmar se mantinha interesse na produção da prova testemunhal indicada, e, desde logo, se fixou a data de 20-03-2020 para a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, consideradas as disponibilidades de agenda do CAAD.

 

9.            Em 02-03-2020 a requerente veio aos autos responder ao despacho antecedente, declarando manter o interesse na produção de prova testemunhal. Em 12-03-2020 foi proferido o seguinte despacho arbitral: “Considerando o Despacho conjunto dos Exmos. Senhores Presidente do CAAD e Presidente do Conselho Deontológico, de 10-03-2020, bem assim como o requerimento apresentado pela Requerente, o Tribunal decide dar sem efeito a marcação da diligência agendada para o próximo dia 20-03-2020 e determina-se o próximo dia 17 de Abril de 2020, pelas 10h 30m para a realização da mesma. Fixa-se o prazo de cinco dias para as partes se pronunciarem sobre esta nova data, sendo que em caso de nada dizerem se presume a sua concordância. (…)”

 

10.          Em 16-04-2020 veio a Requerida AT manifestar a indisponibilidade para a realização da reunião agendada para o dia seguinte (17-04-2020) e, ainda, manifestar a sua discordância com a realização da diligência, por entender que não era admissível a prova testemunhal. O Tribunal, por despacho arbitral inserido no sistema no próprio dia 16-04-2020, deu sem efeito a data previamente fixada, mas manteve a decisão de realizar as diligências probatórias requeridas, para data a definir oportunamente, considerando que a Requerente indicou matéria de facto relevante para a correta qualificação jurídica das operações em causa nos autos, da qual decorre a eventual aplicação (ou não) da isenção de IVA reclamada pela Requerente. Assim, em obediência ao princípio do contraditório, a autonomia do tribunal na condução do processo e a livre apreciação dos factos e das diligências de prova necessárias à boa decisão da causa (vd. artigo 16º, alíneas a), c) e e) do RJAT), a realização da reunião a qual se efetuou por videoconferência, atenta a situação de pandemia COVID 19 e as medidas excecionais em vigor. Atendendo a todos os constrangimentos determinados pela pandemia, e as dificuldades de agendamento, foi possível agendar a reunião para 25-06.2020. A reunião foi realizada nesta data, conforme ata constante dos autos e que se dá por integralmente reproduzida. Foi produzida prova testemunhal apresentada pela Requerente, finda a qual foi determinado pelo Tribunal que o processo prosseguisse para alegações escritas, no prazo de 15 dias. Foi ainda determinado que, após a junção das respetivas alegações escritas o Tribunal se pronunciaria sobre a eventual suspensão da instância, para aguardar pela decisão do processo «caso Frenetikexito».

 

11.          Em 07-08-2020 o tribunal proferiu despacho arbitral, para esclarecimento das partes, com o seguinte teor:

 “DESPACHO ARBITRAL: suspensão da contagem dos prazos - Legislação COVID 19. Considerando a suspensão dos prazos decorrente da legislação determinada pela situação de Pandemia COVID 19, e o regime de prazos vigente à luz do RJAT, esclarece-se o seguinte:

1. Nos termos da Lei nº1-A/2020 de 19 de março, com as alterações introduzidas pela Lei nº4-A/2020 de 6/04/22, suspensão dos prazos, operada a partir de 09/03/2020, a qual expressamente se aplica, também, aos Tribunais arbitrais.

2. A suspensão dos prazos cessou a 3/06/2020, conforme Lei 16/2020 de 29 de maio.

3. Aplicando o regime da suspensão supra mencionada aos presentes autos, constata-se que o prazo limite para prolação da decisão arbitral passou, assim, para 1 de outubro de 2020. Constata-se, ainda, que o prazo para alegações da Requerida se encontra suspenso por força do período de férias judiciais, só terminará no próximo dia 12 de setembro de 2020.

4. Assim, sem prejuízo do Tribunal poder vir a usar da possibilidade de prorrogação de prazo prevista no artigo 21º, nº 2 do RJAT, se necessário, fixa-se como data limite para prolação da decisão arbitral o próximo dia 1 de outubro de 2020.”

 

12.          As partes entregaram as respetivas alegações escritas, no prazo determinado (o qual se suspendeu durante as férias judiciais), respetivamente em 10-07-2020 e 11-09-2020. Em 01.10.2020 o Tribunal determinou a suspensão da instância, por despacho proferido, com o seguinte:

“Considerando: - que no despacho arbitral de ---o Tribunal arbitral indicou como data provável para prolação da decisão arbitral o dia 01-10-2020, sem prejuízo de possibilidade de prorrogação do prazo nos termos previstos no artigo 21º, nº2 do RJAT; - que na reunião de 24-04-2020, o tribunal decidiu que se pronunciaria sobre a questão suscitada pela AT na sua resposta, a propósito da eventual suspensão do processo para aguardar a decisão do TJUE em sede de Reenvio Prejudicial, no âmbito de processo arbitral nº 581/19 -T, sobre as mesmas questões de direito que se colocam nos presentes autos; - que a tramitação dos presentes autos se encontra concluída aguardando a pronúncia arbitral e que até à presente data ainda não foi proferida decisão pelo TJUE no processo acima mencionado, Cumpre decidir, antes de mais, sobre a necessidade de suspensão dos presentes autos por força do reenvio prejudicial em curso sobre as mesmas questões de direito a decidir. Na verdade, este tribunal arbitral constatou que as questões a decidir neste processo e no processo 581/2019-T são exatamente as mesmas, relativas à mesma atividade; à aplicação dos mesmos normativos de IVA e que a jurisprudência sobre a matéria não é unânime, o que aliás, justificou o pedido de reenvio prejudicial promovido no processo 581/2019-T. Assim sendo, justifica-se a pretensão da AT na suspensão dos presentes autos, ficando os mesmos a aguardar a decisão do TJUE. CAAD: Arbitragem Tributária Processo n.º: 693/2019-T Tema: Suspensão do processo – Reenvio Prejudicial – prazo para decisão – prorrogação.

O tribunal arbitral aguardou até à presente data, todavia o TJUE ainda não proferiu decisão, sendo que o processo se encontra para decisão. Assim, em cumprimento dos princípios da boa administração da justiça, da confiança e da uniformidade do sistema jurídico, impõe-se aguardar que o TJUE se pronuncie sobre as questões submetidas no âmbito do processo 581/2019-T, evitando proferir uma decisão arbitral que, eventualmente, pudesse colidir com o entendimento que o TJUE venha a estabelecer sobre a matéria. Nestes termos decide este Tribunal arbitral suspender a instância até que seja proferida decisão pelo TJUE no processo supra identificado. Fica a Requerida notificada para vir aos autos juntar cópia da decisão do TJUE, logo que a mesma seja notificada. Antecipando a faculdade conferida pelo nº 2 do artigo 21º do RJAT, determina-se que decisão arbitral será proferida no prazo de 30 dias após a cessação da suspensão da instância, que operará com a receção e junção aos autos da decisão do TJUE, a proferir no âmbito do processo arbitral tributário nº 581/19. no uso da faculdade de prorrogação do prazo para decisão arbitral, prevista no artigo 21º, nº2 do RJAT.”

 

13.          Em 09-03-2021, veio a Requerente aos autos juntar cópia do Acórdão do TJUE proferido no processo nº C/581/19, designado por «caso Frenetikexito», e apresentou o seguinte requerimento:

“No despacho de 01.10.2020 consta, além do mais, o seguinte: “Assim, em cumprimento dos princípios da boa administração da justiça, da confiança e da uniformidade do sistema jurídico, impõe-se aguardar que o TJUE se pronuncie sobre as questões submetidas no âmbito do processo 581/2019-T, evitando proferir uma decisão arbitral que, eventualmente, pudesse colidir com o entendimento que o TJUE venha a estabelecer sobre a matéria. Nestes termos decide este Tribunal arbitral suspender a instância até que seja proferida decisão pelo TJUE no processo supra identificado. Fica a Requerida notificada para vir aos autos juntar cópia da decisão do TJUE, logo que a mesma seja notificada.”.

2. A Requerente tomou conhecimento de que foi proferido o Acórdão do Tribunal de Justiça, de 4 de Março de 2021, no qual consta, além do mais, o seguinte: “A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1,alínea c), desta diretiva” (vd. Doc. 1, adiante junto) (sublinhado nosso).

3. Sem prejuízo do regime de suspensão processual estabelecido pelo artigo 6.º-B, n.º 1 da Lei n.º 4- B/2021, de 1 de fevereiro e para cumprimento com a maior brevidade possível da reserva de verificação pelo Tribunal Arbitral no presente processo, requer-se a notificação da Requerida para juntar cópia da decisão do TJUE, com as legais consequências.”

 

14.          Em 08-04-2021, veio a Requerida juntar aos autos o Acórdão do TJUE, de 04/03/2021, no Processo C-581/19 e Despacho de retificação do mesmo. Nesta mesma data o Tribunal proferiu despacho arbitral determinando o fim da suspensão da instância e prosseguimento dos autos para decisão, no prazo previamente determinado de 30 dias após esta data.

 

15.          Em 22-04-2021 a Requerente, notificada do despacho de 08.04.2021, vem apresentar requerimento, ao abrigo do princípio da cooperação e boa fé processual das partes previsto na alínea f), do artigo 16.º do RJAT, no qual requereu a junção das decisões arbitrais do Processo n.º 196/2020-T e do Processo nº 236/2020-T proferidas, respetivamente, em 12.11.2020 e 01.03.2021, nas quais foi recusado o reenvio prejudicial por considerar-se que o tema em apreço, tal como o dos presente autos, já se encontra suficientemente tratado pela jurisprudência do TJUE e não suscita nenhuma dúvida fundada quanto à aplicação da norma comunitária aos casos concretos, pelo que deverá proceder-se à análise das questões de facto do presente processo e não à interpretação do Acórdão do TJUE relativo ao Processo C-581/19 e respetiva retificação.

 

16.          Em 03.05-2021 foi proferido o seguinte Despacho arbitral:

“Considerando o requerimento apresentado pela Requerente em 28-04-2021, no qual vem alegar a nulidade da resposta apresentada nos autos pela AT em 27-04-2021, notifique-se a AT para se pronunciar sobre a alegada nulidade, no prazo de 10 dias.”

“Atento o requerido e o prazo agora fixado para a AT exercer o contraditório, o tribunal arbitral, vê-se obrigado a prorrogar o o prazo previamente definido para prolação da decisão arbitral, o qual terminaria a 8 de maio de 2021, por mais 15 dias. O prazo para prolação da decisão arbitral passa, assim, para 28 de maio de 2021.”

17.          Em 19-05-2021, a Requerida AT responde por requerimento apresentado nos autos em 19-05-2021, que se dá por integralmente reproduzido, no qual, em suma, responde à invocada nulidade por parte da requerente, que considera inapropriada, porquanto considera tratar-se de uma resposta a um requerimento apresentado pela requerente (a qual não se coibiu de o fazer nesta fase do processo), resposta que considera ser naturalmente admissível no uso do direito do contraditório.

 

18.          Em 28-05-2021, face às vicissitudes do processo supra descritas, o tribunal profere o seguinte despacho arbitral, no uso da prerrogativa prevista no nº2 do artigo 21º do RJAT, prorrogando o prazo para decisão Despacho Arbitral por mais dois meses, passando, assim, a data para prolação da decisão arbitral para 28-07-2021.

 

19.          Em 07-07-2021 veio, ainda a Requerente, apresentar novo requerimento nos autos para junção  do Acórdão arbitral Processo n.º 372/2020-T, proferido em 26.04.2021, “na qual foi recusada a aplicação do Acórdão do TJUE relativo ao Processo C-581/19 e respetiva retificação, invocado pela Requerida nos presentes autos por, além do mais, o seguinte: “Na verdade, admitir, na pendência do processo jurisdicional uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os actos impugnados, afectaria o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos artigos 20.º, n.º 1, e 268,º, n.º 4, da CRP, pois prejudicaria a possibilidade de utilizar os meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei. É por isso, que a fundamentação a posteriori só pode ser fundamento de um novo acto, eventualmente em execução de decisão, nos termos do artigo 24.º, n.º1, do RJAT e 100.º da LGT.”

 

II.            SANEAMENTO

 

20.          O tribunal arbitral foi regularmente constituído, face ao preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

 

21.          As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

- Quanto à nulidade invocada pela Requerente:

 

22.          Pese embora a invocada nulidade pela Requerente é evidente que inexiste qualquer nulidade processual. O Tribunal atendeu e aceitou todos os requerimentos juntos aos autos por Requerente e Requerida, observando sempre um escrupuloso respeito pelo princípio do contraditório e da igualdade entre as partes processuais, como bem resulta do descrito nos itens 13 a 17 da presente decisão. É manifestamente óbvio, face ao preceituado no artigo 16º do RJAT, que o Tribunal arbitral tem uma ampla autonomia na condução da tramitação do processo, sempre no respeito dos princípios supra enunciados.

 

23.          A Requerida limitou-se a juntar o acórdão TJUE e a salientar a sua conclusão final, evidenciando alguns outros aspetos em resposta ao requerimento prévio da Requerente. Tanto mais que, já em momento posterior à apresentação desse seu requerimento, no qual invoca a dita nulidade da resposta apresentada pela AT, veio também a Requerente, apresentar nos autos requerimento idêntico juntando Acórdão arbitral recentemente proferido no processo nº 372/2020 T, sobre a mesma matéria em discussão nos presentes autos.

 

24.          Tudo visto, é entendimento do Tribunal que todos os requerimentos apresentados nos autos foram úteis e se justificam ao abrigo dos princípios do contraditório, da colaboração e da boa-fé processual. Nestes termos improcede a alegada nulidade.

O processo não enferma, pois, de nulidades.

III.          DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

A)           Factos provados:

 

25.          Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

a.            A Requerente tem como objeto social a «a exploração de ginásios e centro de manutenção do bem-estar físico e psíquico; comércio de produtos alimentares, bebidas, suplementos alimentares e vitamínicos, vestuário, calçado e artigos de desporto; prestação de serviços na área da medicina e terapias convencionais e alternativas. Outras atividades de saúde humana, não especificadas».

b.            A sociedade iniciou a sua atividade em 01/08/2008, com o CAE – 93130 – Atividades de Ginásio (Fitness), tendo em 18/02/2014 procedido a alteração da atividade adicionando o CAE Secundário – 86906 – Outras Atividades de Saúde Humana, N.E.

c.            Os atos tributários impugnados resultaram das correções técnicas apuradas, por falta de liquidação do imposto no montante de € 34.588,43, no decurso de um procedimento de inspeção, externo, de âmbito geral, realizado a coberto das Ordens de Serviço n.º OI2016….. (2014) e n.º OI2016….. (2015), de 2016-08-09, pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças de Lisboa.

d.            Do respetivo Relatório de Inspeção Tributária (RIT), que se dá por integralmente reproduzido, consta a descrição dos factos fiscalmente relevantes que alteraram os valores declarados, meios de prova e fundamentação legal de suporte das correções efetuadas, nos termos do n.º 3 do art.º 62.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA);

e.            A ação inspetiva foi ordenada «na sequência de ação de controlo de operações bancárias (controlo dos fluxos de pagamento com cartões de débito e crédito comunicados nos termos do nº 3 do art.º 63º A da Lei Geral Tributária – modelo 40), em nome da sociedade “ A…., Lda., NIF ………, no seguimento de inspeção efetuada aos anos de 2012 e 2013 e ainda pelo facto de estar a inscrever nas declarações periódicas do IVA valores isentos quando a atividade desenvolvida pela empresa se encontra sujeita á taxa normal do IVA.»

f.             Foi elaborado o Relatório da Inspeção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, do qual se extrai, com relevância para a decisão como fundamentação das liquidações, além do mais o seguinte:

 

« II – 3. OUTRAS SITUAÇÕES

II – 3.1. – Caraterização do sujeito passivo

A sociedade iniciou a sua atividade em 01/08/2008, com o CAE – 93130 – Atividades de Ginásio (Fitness), tendo em 18/02/2014 procedido a alteração da atividade adicionando o CAE Secundário – 86906 – Outras Atividades de Saúde Humana, N.E..

De acordo com a certidão permanente o objeto da sociedade é: “A exploração de ginásios e centro de manutenção do bem-estar físico e psíquico; comércio de produtos alimentares, bebidas, suplementos alimentares e vitamínicos, vestuário, calçado e artigos de desporto; prestação de serviços na área da medicina e terapias convencionais e alternativas. Outras atividades de saúde humana, não especificadas”.

(…)

II – 3.2. – Enquadramento tributário do sujeito passivo

O sujeito passivo encontra-se enquadrado em sede de IRC e IVA, pelas atividades referentes aos CAE: 93130 – Atividades de Ginásio (Fitness) e CAE Secundário – 86906 – Outras Atividades de Saúde Humana, N.E. e tem a sua sede fiscal na ……………. – Povoa de Santo Adrião, área do Serviço de Finanças de Odivelas (4227), tendo iniciado a sua atividade em 01/08/2008.

Em sede de IVA enquadra-se no regime de tributação normal, periodicidade trimestral, enquanto em sede de IRC optou a partir do exercício de 2014 pelo regime simplificado de tributação.

III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III. 1 – Análise da atividade do sujeito passivo atendendo aos fluxos financeiros e faturação

III. 1.1 – Fluxos Financeiros e Faturação

Nos termos do nº 3 do art.º 63º A da Lei Geral tributária –“ As instituições de crédito e sociedades financeiras têm a obrigação de fornecer à administração tributária, até ao final do mês de Julho de cada ano, através de declaração de modelo oficial, aprovada por portaria do Ministro das Finanças e ouvido o Banco de Portugal, o valor dos fluxos de pagamentos com cartões de crédito e de débito, efetuados por seu intermédio, a sujeitos passivos que aufiram rendimentos da categoria B de IRS e de IRC, sem por qualquer forma identificar os titulares dos referidos cartões.”

Como foi referido em II – 2, com base nos elementos disponíveis, nomeadamente na declaração Modelo 40 entregue pela instituição bancária “Caixa Geral de Depósitos, SA”, verifica-se que o sujeito passivo “A…., Lda” NIF ………, nos anos de 2014 e 2015 possuía Terminais de Pagamento Automático (ATM) nos estabelecimentos que explora, associados a uma conta bancaria da qual é titular.

Verifica-se então, através da consulta ao sistema informático da Autoridade Tributária (AT) – Consulta Obrigações Acessórias – Modelo 40 – Relação dos pagamentos efetuados com cartões de crédito e de débito, que nos anos de 2014 e 2015 foram efetuados pagamentos com cartões, através das contas da Caixa Geral de Depósitos, SA - NIB 0035 0085 ………….em 2014 e também em 2015 na conta nº 0035 0085 ………….., em nome de “A….., Lda.” nos seguintes montantes:

Ano de 2014 – 113.343,22€ Ano de 2015 – 64.755,25€

Anexo 2 – 2 fls.

A empresa possui dois terminais TPA (CGD), um em cada estabelecimento:

- …………. – Póvoa de Santo Adrião – TPA nº 44….

- ………… - Lisboa – TPA nº 66….

Apesar de possuir nos estabelecimentos programa certificado de faturação (nº …/AT) os justificativos entregues para a contabilidade escriturar as receitas (vendas e serviços prestados), consistem em mapas internos elaborados com o nome do cliente e o respetivo valor pago e ainda listagem de faturas emitidas. Anexo 3 - 11 fls.

Com vista ao controlo das receitas, foram analisados os extratos bancários da conta da sociedade afeta aos TPA,s utilizados.

Desta forma foram apurados os seguintes montantes que entraram na conta bancária da empresa que incluem os valores dos TPA e um pouco mais de outras entradas em dinheiro: 2014 – 116.586,15€

2015 – 66.748,67€

De acordo com o sistema E-fatura da AT, o total de faturação emitido pela empresa – valores globais, foi o seguinte:

2014 – 108.054,23€

2015 – 102.394,66€

Estes montantes já estão expurgados do valor das notas de crédito emitidas, incluindo, no entanto, o valor de IVA que o sujeito passivo enquadrou como tributável às taxas de: 6% (segundo trimestre de 2014), á taxa de 23% uma pequena percentagem, tendo considerado a maior parte como estando isenta de IVA nos termos do nº 1 do art.º 9º do CIVA.

III. 1.2 – Atividade

A empresa nos seus estabelecimentos, como foi referido relativamente ao objeto social, para além de explorar várias modalidades desenvolvidas em ginásio (Cardio Fitness, Musculação, Body Combat, AQC Pump, AQC Jump, Indoor Cycling, Zumba, Localizada, Pilates, Stretching Taekwondo, Muay Thai), em várias modalidades de utilização de acordo com a possibilidade de frequência onde os preços variam, seja: fim de semana, Ginásio todos os dias das 10h. às 17h., Ginásio Full time, Aulas de Grupo, Livre trânsito Ginásio-Aulas, possui ainda balcão onde são vendidos diversos produtos de cafetaria, (café, sumos, águas, batidos, etc.) e suplementos energéticos.

Também tem para venda algum vestuário adequado á prática das modalidades exercidas nos ginásios.

Para além disso e de acordo com os preçários distribuídos aos clientes são disponibilizados serviços que se prendem com a frequência nas modalidades escolhidas pelos clientes, como: Avaliação da condição física e composição corporal (grátis);

Consulta de nutrição e aconselhamento nutricional (grátis); Plano de treino e acompanhamento (grátis); Suplementação desportiva (venda com aconselhamento); Bar (bebidas energéticas).

O valor da inscrição também inclui:

Oferta do 1º mês de treino, consulta de nutrição, avaliação física e treinos assistidos. Conforme preçário em anexo.

Anexo 4 – 2 fls.

III. 1.3 – Enquadramento Declarado pelo Sujeito passivo em sede de IVA

Em 18/02/2014 a empresa procedeu á entrega de declaração de alterações relativamente ao exercício da sua atividade acrescentando á que vinha exercendo “Atividades de Ginásio (fitness) ” – CAE 93130, a atividade secundária de “Outras Atividades de Saúde Humana, N.E.” CAE 86906.

Nessa data contratou os serviços em ”regime independente” da Dra. B…., NIF ………, licenciada em “Ciências da Nutrição” pela “Universidade Atlântica” e inscrita na Ordem dos Nutricionistas desde 27/12/2013.

Se até aí a empresa emitia a sua faturação aos clientes liquidando IVA á taxa de 23% sobre todas as vendas e serviços disponibilizados, nomeadamente sobre o valor das mensalidades pagas pela frequência dos clientes nas diversas modalidades (considerando que o valor pago incluía IVA á taxa em vigor), a partir da data em que efetuou a contratação de uma nutricionista passou a proceder da seguinte forma:

- Considera o valor das mensalidades como simbólico, considerando que o valor que os clientes pagam respeita quase exclusivamente a consultas de nutrição, considerando-os isentos de IVA nos termos do disposto no artigo 9º, nº 1 do CIVA.

A título de exemplo temos:

Fatura /Recibo FR140…../… – 11/03/2014

Juntam-se cópias das faturas a título exemplificativo conforme - Anexo 5 – 8 fls.

No decurso do procedimento inspetivo foram ouvidos alguns dos clientes do ginásio que, no essencial, referiram que o aconselhamento nutricional é uma prática acessória para quem eventualmente estivesse interessado e que já existia anteriormente, que a emissão das faturas nos moldes em que está a ser feito começou há cerca de dois anos e sendo o valor a pagar o mesmo não era questionada essa prática por parte dos mesmos.

Um dos clientes referiu que nunca necessitou das referidas consultas ou aconselhamentos nutricionais, que se tratava de um benefício grátis para os clientes do ginásio que ficava ao dispor, mas que no caso de não ser utilizado também não era descontado na mensalidade.

Na visita que efetuamos às instalações da empresa onde nos foram facultados os respetivos preçários, concluímos que o negócio principal da sociedade é o ginásio. Todos os investimentos efetuados destinam-se a este setor da atividade, quer ao nível das instalações, quer ao nível de equipamento, sendo que a consulta disponibilizada (nutrição) é um meio para os clientes beneficiarem das melhores condições do ginásio, ou seja, a consulta é uma prestação de serviços meramente acessória à prestação de serviços principal, a frequência do ginásio e exercício das respetivas modalidades.

Com a revogação da verba 3.1 da Lista II e da verba 2.15 da lista I anexa ao CIVA, pela Lei nº 64-B/2011 de 30/12, as prestações de serviços de alimentação e bebidas, bem como os ginásios e outras práticas desportivas passaram a estar sujeitas á taxa normal do IVA de 23% a partir do dia 01/01/2012, a qual até aí era de 6% (taxa reduzida) para a atividade de ginásios.

Assim, toda a atividade desenvolvida pela empresa a título de prestação de serviços quer de ginásio quer de alimentação e bebidas, ou outras vendas está sujeita nos anos de 2014 e 2015 á taxa normal do IVA (23%).

Analisando os balancetes analíticos no que se refere aos rendimentos provenientes das vendas e prestações de serviços realizadas temos:

Verifica-se que sendo a atividade principal da empresa, a prática de modalidades de ginásio, 75% dos seus proveitos provêm de acordo com a prática seguida para a faturação com consultas de nutricionista. Esta situação encontra-se refletida nas respetivas declarações periódicas de IVA declaradas pelo sujeito passivo, conforme quadros seguintes:

Verifica-se que a empresa vem inscrevendo os serviços faturados como consultas com nutricionista no campo 8 das declarações periódicas – Operações isentas com direito á dedução, quando segundo o critério que usa tratar-se-ia de operações isentas ao abrigo do nº 1 do art.º 9º do CIVA.

De referir que a faturação se isenta sem direito á dedução, a inscrever no campo 9 das declarações periódicas, seria objeto de aplicação do disposto no art.º 23º do CIVA – cálculo do pró-rata, mas não é o que o sujeito passivo faz.

Pelos argumentos apresentados verifica-se que o cliente da modalidade do ginásio beneficia da consulta de nutrição, para além de outros benefícios, no entanto esta consulta não constitui um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar das melhores condições do serviço principal do prestador, ou seja o ginásio.

Assim sendo e face aos dados apresentados, fica demonstrado que a “A…, Lda.” usufruiu de forma indevida de uma isenção de IVA, que originou a falta de liquidação, á taxa de 23% nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 18º do CIVA e consequentemente falta de pagamento de imposto por parte do sujeito passivo, na parte correspondente ás intituladas prestações de serviço de nutrição, pela não aplicabilidade da isenção constante no nº 1 do artigo 9º do CIVA.

III. 2 – Apuramento do IVA em falta

Atendendo a tudo o que foi exposto no ponto anterior, verifica-se que a empresa estava normalmente a emitir faturas pelos serviços prestados não se tendo detetado omissão na faturação.

Assim, os fluxos financeiros constantes dos extratos bancários, incluindo os valores recebidos por terminais de pagamento automático (TPA) refletem o pagamento de parte das suas receitas, admitindo que há sempre pagamentos a dinheiro, que neste caso se revela pouco significativo.

Da análise efetuada, o sujeito passivo emitiu as faturas de uma forma sequencial não se verificando saltos na numeração e comunicou-as todos os meses á Administração tributária através do SAFT-PT.

O que se verifica na faturação e que não está de acordo com a atividade efetivamente praticada é o facto das faturas a partir do fim de janeiro de 2014, data em que foi contratada uma nutricionista passarem a ter uma componente de base tributável isenta que em muitos casos é superior a 90% do total da fatura.

Como foi comprovado não houve alteração aos serviços prestados pela empresa, apenas os clientes passaram a ter acesso se assim o entendessem, a consultas de nutrição, mas de forma gratuita incluída na mensalidade paga pela escolha da modalidade a frequentar.

De acordo com a jurisprudência comunitária, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal prestador.

Este conceito resulta da jurisprudência comunitária nos seguintes acordãos:

- Acórdão de 22 de Outubro de 1998 "T.P.Madgett, R.M. Baldwin e The Howden Court Hotel", Processos apensos C-308/96 e C-94/97, onde o Tribunal considerou que poderia haver prestações que, embora relacionadas com a prestação principal, "não constituem (...) um fim em si, mais um meio de beneficiar das melhores condições do serviço principal.", concluindo nesse contexto que se trata de "prestações (...) puramente acessórias relativamente às prestações [efetuadas a título principal.]";

- Acórdão de 25 de Fevereiro de 1999, "Card Protection Plan Ltd", Processo C-349/96, através do qual o TJCE firmou o entendimento de que "uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador".

Decorre do espírito da redação do artigo 2º, n.º 1, c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, que deve ser entendido no sentido de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço no plano económico não deve ser artificialmente decomposta, para não alterar a funcionalidade do IVA.

O cliente da modalidade do ginásio beneficia da consulta, no entanto esta consulta não constitui um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar das melhores condições do serviço principal do prestador, ou seja, o ginásio.

De referir por outro lado, que existem outros concorrentes que prestam serviços semelhantes, e que ao contrário do sujeito passivo liquidam IVA a 23% sobre o total da mensalidade, trimestralidade, semestralidade ou anualidade paga pelos clientes.

Ora, “prestações de serviços, que estão portanto, em concorrência entre si, não devem ser tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA”.

Os argumentos apresentados no presente relatório, permitem-nos concluir que todos os serviços prestados pela empresa estão sujeitos à taxa normal de IVA, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18º do CIVA relativamente a toda a sua faturação comunicada á AT através do E-fatura.

Anexo 6 – 11 fls. (…)

IX – DIREITO DE AUDIÇÃO

O sujeito passivo foi notificado pelo oficio nº …… de 05/12/2016 da Direção de Finanças de Lisboa, registo nos CTT identificado por RD……….. 3 PT, para querendo exercer o direito de audição.

Veio a empresa “A….., LDA” em 21/12/2016, dentro do prazo legal, exercer o direito de audição nos termos do disposto nos artigos 60º da Lei Geral Tributária e 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA). No direito de audição exercido pela empresa, são focados os seguintes pontos:

1º - Atividade exercida

Vem neste ponto tentar demonstrar que “exerce como atividade principal nutrição e dietética na saúde em geral, sendo a atividade de ginásio meramente secundária e complementar daquela”, conforme petição de direito de audição. Anexo 7 – 11 fls.

Para isso remete para a certidão permanente referindo que o objeto da sociedade integra “centro de manutenção do bem-estar físico e psíquico”, “prestação de serviços na área da medicina e terapias convencionais e alternativas” e “outras atividades de saúde humana”.

Verificámos que:

A empresa iniciou a sua atividade em agosto de 2008, sendo o objeto social conforme consta da certidão permanente “A exploração de ginásio e centro de manutenção do bem-estar físico e psíquico, comércio de produtos alimentares, bebidas, suplementos alimentares e vitamínicos, vestuário, calçado e artigos de desporto; prestação de serviços na área da medicina e terapias convencionais e alternativas”.

Possui dois estabelecimentos, sitos em:

……………. – Póvoa de Santo Adrião – sede da sociedade

- …………. - Lisboa

Estabelecimentos cada qual com várias salas onde tem sido desde o início praticadas várias modalidades desenvolvidas em ginásio (Cardio Fitness, Musculação, Body Combat, AQC Pump, AQC Jump, Indoor Cycling, Zumba, Localizada, Pilates, Stretching Taekwondo, Muay Thai), em várias condições de utilização, de acordo com a possibilidade de frequência onde os preços variam, seja: fim de semana, Ginásio todos os dias das 10h. às 17h., Ginásio Full time, Aulas de Grupo, Livre trânsito Ginásio-Aulas, etc..

Quando do registo da atividade na Autoridade Tributária inscreveu na declaração de início de atividade como CAE principal e único - 93130 “Atividades de Ginásio (Fitness).

Em fevereiro de 2014 efetuou alteração ao contrato de sociedade tendo acrescentado ao objeto social existente, “Outras atividades de saúde humana, não especificadas”.

Procedeu nessa data á entrega de declaração de alterações na Autoridade Tributária onde relativamente á atividade exercida fez constar:

CAE Principal – 93130 – Atividades de Ginásio (Fitness)

CAE Secundário 1 – 086906 – Outras Atividades de Saúde Humana, N.E. (Anexo 1)

Contratou também nessa data, em regime de prestação de serviços, uma nutricionista inscrita na Ordem dos Nutricionistas, possibilitando assim aos clientes caso o desejassem, um serviço nutrição e aconselhamento alimentar.

Ora não é em nosso entender, por esse facto, que a atividade principal da empresa passa a ser de nutrição e dietética na saúde em geral como pretende, sendo a atividade de ginásio meramente secundária e complementar daquela. Pelo contrário, os serviços disponibilizados. de nutrição e aconselhamento alimentar são apenas um complemento da atividade física para os utentes que nisso vejam um benefício, conforme alteração comunicada à AT em fevereiro de 2014 e que se mantém até à presente data.

2º - Investimento efetuado na área da nutrição

Refere a empresa no seu direito de audição, ponto 13º da petição do direito de audição, que “A Nutrição é a atividade de valor superior á prática de atividade de ginásio, os investimentos nessa área são elevados, designadamente na contratação de profissionais, nutricionistas e instrutores, licenciados e com formação profissional na área da nutrição e educação física e desporto”.

Verificamos através da análise da contabilidade nomeadamente das contas de gastos, que os investimentos na área da nutrição se restringem exclusivamente aos gastos com o pagamento dos serviços cobrados pela nutricionista.

Para efeitos de enquadramento em IVA a empresa comunicou á AT-Autoridade Tributária que apenas exercia atividades sujeitas a IVA.

Consultadas as declarações periódicas de IVA de 2014 e 2015, verificamos que estão evidenciadas atividades sujeitas e atividades isentas de IVA, pelo que estes elementos indiciam que a empresa exerceria uma atividade mista.

Analisados os elementos da contabilidade, verificamos que nos exercícios em análise deduz IVA sobre todas as despesas suportadas considerando que as mesmas estão afetas ao setor sujeito a IVA – ginásio.

Assim, a única despesa suportada relativa ao setor isento, corresponde portanto á remuneração paga á nutricionista.

Se atendermos aos investimentos e gastos da empresa verificamos que os mesmos respeitam e têm a ver com a atividade desenvolvida nas modalidades praticadas nas várias salas (ginásios) das instalações da empresa, quer em Lisboa quer na Póvoa de Santo Adrião e não com as consultas de nutrição como a empresa pretende conforme se retira dos balancete analíticos e documentos de gastos arquivados dos anos em causa:

- Ativos fixos tangíveis – valor de aquisição declarado em balanço Ano de 2014 - 122.434,34€

Ano de 2015 – 124.324,34€

(…)

Este valor respeita essencialmente a aquisição de aparelhos e máquinas para a sala de cardio/fitness e obras efetuadas nas salas das instalações sitas na Póvoa de Santo Adrião, salas que são utilizadas para modalidades desportivas (instalações de ginásio).

Rendas e alugueres:

Ano de 2014 – 9.550,00€ Ano de 2015 – 12.000,00€

Valor respeitante ao aluguer das instalações de Lisboa e Póvoa de Santo Adrião instalações onde nas respetivas salas funcionam as várias modalidades desportivas e portanto estão afetas não a consultas de nutrição mas às várias modalidades (instalações de ginásio).

Eletricidade, água e gás: Ano de 2014 – 15.907,03€ Ano de 2015 – 13.431,93€.

Valor respeitante aos consumos efetuados com a utilização das diversas salas afetas às modalidades de ginásio praticadas e aos consumos diretamente efetuados pelos utentes após o período de utilização na modalidade praticada.

Os gastos suportados pela empresa desde o início da sua atividade e que se mantêm nos anos em que passou a ter disponível aos seus utentes consultas de nutrição, respeitam às atividades de ginásio nas suas diversas modalidades e não ao facto de ter acrescentado a possibilidade dos utentes acederem às referidas consultas. Podemos dizer que esses gastos manter-se-iam mesmo que deixasse de haver consultas de nutrição.

Indica-se em comparação com os gastos relativos ao restante pessoal os gastos tidos com a nutricionista:

Se concluirmos que para além da nutricionista, algum ou todo o restante pessoal já exercia funções na empresa antes de serem disponibilizados os serviços de nutrição, ou tendo sido contratado posteriormente não o foi com a função principal de exercer aconselhamento nutricional mas sim de instrução nas várias modalidades disponibilizadas, o chamado investimento elevado na nutrição não se verifica até porque se trata não de uma clinica de nutrição mas de ginásios que são procurados pelos utentes para a prática desportiva e para o exercício físico e sendo esta última atividade a que corresponde ao CAE principal do sujeito passivo.

Comparando ainda as receitas declaradas pela empresa com os gastos tidos com a nutricionista obtemos dados completamente dispares:

Como foi referido no relatório a consulta disponibilizada (nutrição) é um meio para complementar os serviços (modalidades) ao dispor dos clientes isto caso estejam interessados, no sentido de beneficiarem de melhores resultados resultantes da prática do exercício físico, ou seja, a consulta é uma prestação de serviços meramente acessória à prestação de serviços principal, a frequência do ginásio e exercício das respetivas modalidades.

3º - Inquirição de utentes utilizadores dos serviços da empresa e outros

Vem o mandatário do sujeito passivo, no ponto 14º, no direito de audição, referir que na audição de clientes da empresa teria havido uma condução tendenciosa e que as declarações escritas não refletiriam inteiramente as afirmações produzidas pelos inquiridos.

a) Declarações prestadas durante o período dos atos inspetivos

Todas as afirmações que foram escritas foram lidas pelos próprios e posteriormente assinadas depois de terem concordado com o que ficou escrito, conforme termos de declarações arquivados no processo.

Das afirmações de todos os inquiridos deduzimos que a intenção principal em procurar os serviços da empresa é a prática do exercício físico até porque só depois de conhecer os serviços disponibilizados vêm a ter conhecimento da possibilidade de poderem ter aconselhamento nutricional.

Já frequentavam as instalações da empresa na modalidade escolhida antes de existir a possibilidade de recorrerem aos serviços (consultas) de nutrição, e o valor da mensalidade paga nas faturas referia essa mesma modalidade. Só posteriormente a janeiro de 2014 as faturas passaram a considerar o valor pago e referente á mensalidade como consultas de nutrição na sua quase totalidade.

Houve quem tivesse referido nunca ter tido necessidade de recorrer às consultas de nutrição e por esse facto não lhe era efetuado nenhum desconto na mensalidade, apesar de na fatura vir mencionado que o valor pago se refere a consultas de nutrição.

b) Testemunhas arroladas pelo mandatário do sujeito passivo na petição do direito de audição

Veio o mandatário do sujeito passivo em sede de direito de audição indicar oito testemunhas, a notificar na sede da empresa. A notificação foi efetuada pelo ofício nº … de 03/01/2017 para se apresentarem na Direção de Finanças de Lisboa no dia 18/01/2017. As declarações de todas as testemunhas vêm no essencial reforçar a posição da empresa de que a nutrição passou a ser o serviço principal disponibilizado e que “a missão da empresa passou a estar mais focada na saúde e bem-estar dos utentes do que unicamente na forma física”.

Das oito testemunhas indicadas pela empresa vieram prestar declarações as seguintes:

- C…, NIF ………, cartão de identificação n.º………, com domicílio fiscal em Rua ………., 2670-466 Loures, sócio gerente;

- D…, NIF ………., cartão de identificação n.º………, com domicílio fiscal em Rua ………… –Lisboa, - instrutor e rececionista na empresa com contrato de trabalho desde 2016.

- E…, NIF ……….., cartão de identificação n.º………., com domicílio fiscal em ……….. 2660-701 Loures, foi funcionário da empresa até meados de 2014, como instrutor a recibos verdes.

- F…., NIF ………., cartão de identificação n.º …………., com domicílio fiscal em ……………… –- Fanqueiro - Loures, deixou de ser colaborada da empresa em fevereiro de 2014, tendo sido diretora técnica até essa data.

- Dra. B………., NIF …………, cartão de identificação n.º ………, com domicílio fiscal em Rua ……………., em Odivelas, nutricionista em regime de prestação de serviços.

- G…, NIF ………., cartão de identificação n.º……….., com domicílio fiscal na Rua …………… São Domingos de Rana, empregado da empresa com a função de Diretor Técnico.

De salientar que os clientes inquiridos durante o procedimento inspetivo foram escolhidos aleatoriamente, e que as testemunhas apresentadas pela empresa em direito de audição são ou foram funcionários desta, tendo tido ou tendo com esta um vínculo de dependência.

Junta-se em anexo cópias das declarações das testemunhas apresentadas pela empresa. Anexo 8 – 8 fls.

De salientar que independentemente das declarações serem no sentido da importância dada à nutrição, o facto já demonstrado no nº 2º do ponto IX deste relatório, é que todo o investimento e gastos efetuados relevam a importância da atividade principal “ginásio”.

4º - Preçários disponibilizados nas instalações da empresa

Durante o procedimento inspetivo deslocámo-nos às instalações da empresa no sentido de obtermos informação sobre os serviços (modalidades) existentes e respetivos preços (mensalidades).

Foram facultados esses elementos através de folhetos impressos em tipografia, onde estão discriminadas as modalidades existentes e os preços a pagar conforme a escolha do cliente. Anexo 4.

Conforme já consta do relatório, para além das várias modalidades aí referidas são disponibilizados outros serviços, nutrição incluída, em que o cliente querendo recorrer não terá de pagar mais por isso, isto é, inscrevendo-se numa das modalidades desportivas existentes tem direito a usufruir entre outros serviços, de consultas de nutrição gratuitas.

Em direito de audição foram apresentados preçários elaborados em computador, diferentes dos facultados nos anos em causa nos próprios estabelecimentos e onde a nutrição é agora apresentada com características e importância completamente diferentes, sendo que de grátis passou a ter um preço atribuído, Anexo 7 – folhas 91/92.

5º - Conclusão:

Na visita efetuada às instalações da empresa concluímos que o negócio principal da sociedade é o ginásio. Os investimentos foram efetuados neste setor da atividade, quer ao nível das instalações, quer ao nível de equipamento, sendo que a consulta disponibilizada é um meio para os clientes beneficiarem das melhores condições do ginásio, ou seja, a consulta é uma prestação de serviços acessória à prestação de serviços principal, a frequência do ginásio.

De acordo com a jurisprudência comunitária, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal prestador.

Os argumentos apresentados no presente relatório, e que resumiremos sucintamente, permitem-nos concluir que todos os serviços prestados pela empresa estão sujeitos à taxa normal de IVA, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18º do CIVA:

A prestação de serviços principal é a frequência do ginásio, pelo que a “consulta” é uma prestação de serviços acessória, o que não constitui para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador;

Nos inputs as despesas são imputadas, praticamente na sua totalidade, aos setores sujeitos a IVA, pelo que nos outputs a formação de preço deve manter este critério;

Contratos inominados estabelecidos com os clientes, sem discriminação de valores, logos as contraprestações deles emergentes estão sujeitas a taxa normal de IVA.

Em face do exposto, os argumentos apresentados no direito de audição, incluindo as declarações prestadas pelas pessoas indicadas pelo mandatário do sujeito passivo, não refletem a realidade verificada nas instalações do sujeito passivo, assim como os registos na sua contabilidade, pelo que não há elementos novos suscetíveis de alterar o teor do projeto de relatório notificado ao sujeito passivo.

Assim as correções propostas mantêm-se atendendo a que os serviços prestados são tributados à taxa de 23%, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 18º do CIVA, por não ter ficado demonstrado que a sua atividade se enquadra na isenção do nº 1 do artigo 9º do CIVA, ou seja a partir de finais de janeiro de 2014 disponibilizou a possibilidade de os seus clientes usufruírem gratuitamente do serviço prestado por uma nutricionista.

Desta forma serão mantidas as correções constantes do projeto de relatório da Inspeção tributária: (…)»

 

                g) Na sequência da inspeção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IVA, acrescidas de juros, a seguir discriminadas, no valor total de € 37.642,59, todas referentes aos anos de 2014 e 2015:

               

Número Liquidação        Período                Data      Valor a pagar em €

 

2017 ………          201403T              2017-02-11        4.475,58

2017 ………          201403T              2017-02-11        429,52

2017 ………          201406T              2010-02-11        4.535,65

2017 ………          201406T              2010-02-11        443,37

2017 ………          201409T              2010-02-11        4.471,45

2017 ………          201409T              2010-02-11        392,50

2017 ………          201412T              2010-02-11        5.316,10

2017 ………          201412T              2010-02-11        413,63

2017 ………          201503T              2010-02-11        4.358,50

2017 ………          201503T              2010-02-11        297,09

2017 ………          201506T              2010-02-11        4.360,71

2017 ………          201506T              2010-02-11        252,32

2017 ………          201509T              2010-02-11        3.822,51

2017 ………          201509T              2010-02-11        183,06

2017 ………          201512T              2010-02-11        3.748,47

2017 ………          201512T              2010-02-11        142,13

 

               

h)  Em 18/02/2014 a empresa procedeu á entrega de declaração de alterações relativamente ao exercício da sua atividade acrescentando á que vinha exercendo “Atividades de Ginásio (fitness) ” – CAE 93130, a atividade secundária de “Outras Atividades de Saúde Humana, N.E.” CAE 86906;

i) Nessa data contratou os serviços, em regime independente, da Dra. B…., NIF ………, licenciada em “Ciências da Nutrição” pela “Universidade Atlântica” e inscrita na Ordem dos Nutricionistas desde 27/12/2013.

                j) A Requerente dispõe de gabinetes específicos, exclusivamente afetos a consultas de nutrição;

                k) Na mensalidade dos sócios da Requerente está incluída 1 consulta de nutrição trimestral, podendo aqueles obterem outras consultas se desejarem um acompanhamento mais frequente do seu estado;

                l) Os sócios da Requerente são informados de que têm direito a consultas e são incentivados a usarem deste serviço;

                m) A maioria dos sócios da Requerente utiliza as consultas de nutrição, por razões de saúde (obesidade e doenças cárdio vasculares) para melhorar a sua condição física, para emagrecimento e aumento de massa muscular;

                n) Nos anos de 2014 e 2015, a procura dos serviços de nutrição aumentou e a Requerente aumentou para dois os nutricionistas, ao seu serviço, ambos inscritos na Ordem do Nutricionistas;

                o) Podem ter acesso às consultas de nutrição pessoas que não sejam sócios da Requerente;

                q) Em 16-10-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

B)           Factos não provados

 

26.          O tribunal não considerou provado o facto invocado pela Requerente, segundo a qual terá efetuado o pagamento de todas as liquidações de imposto, uma vez que dos autos não resulta prova documental que ateste o alegado pagamento.

 

Não há outros factos relevantes para a decisão, considerados como não provados.

 

C)           Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

27.          A fixação da matéria de facto considerada provada baseia-se nos documentos juntos pelo Requerente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira, bem assim como dos que constam do processo administrativo, com exceção das alíneas. Os factos considerados provados nas alíneas h) a o) baseiam-se nos depoimentos das testemunhas indicadas pela Requerente que se revelaram credíveis e consistentes, revelando conhecer bem o funcionamento e condições de acesso às consultas de nutrição. O facto descrito em n) resulta também provado pelo que vem descrito no RIT quando se refere e identifica a primeira nutricionista contratada e, mais adiante, a constatação de dois nutricionistas em funções desde 2014 e 2015.

 De salientar que, relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, nº 7 do CPPT, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

No caso dos presentes autos os factos assentes foram destacados pela sua relevância para a decisão da matéria de direito em apreciação.

 

 

IV.          MATÉRIA DE DIREITO

 

28.          Passando agora à questão essencial em discussão nos autos, que é a de saber se as consultas de nutrição devem ou não beneficiar da isenção de IVA. Importa ter em conta os preceitos legais aplicáveis, as orientações emanadas da AT, na medida em que servem de base à organização que as empresas tentam seguir e ao aconselhamento dos Técnicos de Contas que as apoiam no exercício da sua atividade. Num segundo momento analisaremos as orientações jurisprudenciais, salientando que a questão não é nova, mas vai surgindo em diferentes casos com nuances distintas o que justificou a suspensão da instância, para aguardar pelas respostas às questões colocadas em sede do reenvio prejudicial efetuado no «caso Frenetikexito».

 

29.          A novidade introduzida neste Acórdão resulta num aperfeiçoamento do entendimento do TJUE sobre este assunto, tendo o Tribunal Europeu de Justiça admitido, na linha do que já anteriormente entendia, que os ginásios possam dar consultas de nutrição e que estas possam beneficiar da isenção de IVA, se tiverem fins terapêuticos. Esta última asserção é, efetivamente, a única novidade resultante deste Acórdão, dado que os considerandos em torna da natureza principal ou acessória da prestação de serviços médicos / nutrição, quando prestados por profissionais de saúde especialmente habilitados, já vinha sendo reconhecida em toda a Jurisprudência do TJUE, anteriormente proferida e mencionada pelas partes, bem assim como no próprio relatório fundamentador (RIT) das liquidações impugnadas.

 

30.          No caso submetido à apreciação do TJUE designado por «caso Frenetikexito», estava em causa um ginásio que, além dos serviços de "fitness", oferece também acompanhamento nutricional, que os seus clientes podem subscrever, sendo que, uma vez que o façam, são obrigados a pagar por ele, independentemente de usufruírem ou não do mesmo. Depois, na fatura global, o ginásio discrimina os valores respeitantes a cada um dos serviços prestados, aplicando a taxa normal de IVA à parte de "fitness" e isenção de imposto à parte do nutricionismo, que trata como sendo uma prestação médica.

 

31.          No caso dos presentes autos, como resulta do probatório assente, está em causa um ginásio cujo modo de operar é em tudo idêntico ao do «caso Frenetikexito». Assim sendo, impõe-se, antes demais, atender às características do serviço e aos fundamentos concretos que determinaram a emissão das liquidações impugnadas, para aferir da sua anulação ato, nos termos peticionados no presente pedido arbitral. Neste sentido, para a boa decisão da causa, é fundamental atender à matéria de facto considerada provada e à fundamentação subjacente às liquidações de imposto impugnadas, pois só dessa forma poderemos decidir se a decisão do reenvio prejudicial, proferida no «caso Frenetikexito» afetará ou não a decisão a proferir.

 

Ora, considerando a matéria de facto dada como provada nos presentes autos, é relevante, ter em conta:

a.            que o objeto social da requerente cobre, também, a prestação de serviços de saúde;

b.            que ficou demonstrado que nos termos contratuais os clientes dos serviços do ginásio com a inscrição recebiam o bónus de uma consulta de nutrição, facultativa;

c.            a continuidade na consulta de nutrição dependia dos próprios clientes e seguia por conta e a expensas destes;

d.            podiam recorrer à consulta de nutrição outras pessoas que não apenas os clientes do ginásio;

e.            nas instalações do ginásio foram destinados gabinetes autónomos para as consultas de nutrição.

f.             as consultas eram efetuadas por profissionais especialmente habilitados (nutricionistas inscritos na Ordem dos Nutricionistas)

 

32.          O TJUE na decisão proferida veio concluir que a isenção pode existir, mas pressupõe que estejam preenchidos dois requisitos:

1)            que exista efetivamente uma finalidade terapêutica;

e

2)            que a prestação ocorra "no âmbito do exercício das profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa".

 

33.          Retornando ao caso dos presentes autos, constata-se que, desde há vários anos, a Requerente começou a prestar aos seus clientes/sócios serviços de nutricionismo, quer isoladamente, quer em conjunto com outros serviços, designadamente de prática de ginásio. Seguindo a informação vinculativa supramencionada, a requerente não liquidou IVA pelos serviços de nutricionismo, por entender estarem isentos, com enquadramento na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA.

 

Prevê este normativo legal que estão isentas de imposto «as prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas».

Importa, também, ter em conta que a Requerente e os ginásios em geral, seguem, também, as orientações da AT. Neste contexto, releva a informação vinculativa emanada por despacho de 19-08-2015, do Subdiretor-Geral do IVA, com o n.º 9215, publicitada no site da AT, nos termos da qual se difunde a seguinte informação: «Isenções - Serviços de aconselhamento de nutrição, prestados em Health clubs, clubes de fitness e ginásios, faturados aos seus clientes, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável».

Pois bem, à data dos factos tributários, conclui-se, que era entendimento da própria AT (Requerida) que «os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)».

Naturalmente, ginásios e Health clubs em geral estavam convictos deste entendimento e, com total boa-fé, organizaram os seus serviços ou atividades em conformidade com tal entendimento. O que não só se compreende como, em si mesmo, nada tem de ilícito ou abusivo. E, sendo assim, não se aceita como justo, adequado e proporcional o entendimento que transparece do RIT, segundo o qual a separação entre a prestação de serviços de nutrição da prestação do serviço de frequência do ginásio comporta em si uma «habilidade» para aproveitar da isenção.

As isenções existem e são consagradas pelo legislador (nacional ou europeu) com finalidades extrafiscais tão meritórias quanto as finalidades puramente fiscais de arrecadação de receita tributária.

E, é consabido, que o combate à obesidade, a sedentariedade e até a saúde mental dependem, em grande parte, do adequado acompanhamento por especialista em nutrição, o que leva a concluir que são razões imperiosas de política de saúde pública que estão na base da consagração da dita isenção.

Posto isto, no caso concreto somos levados a concluir que, de acordo com o que era exigido ao tempo dos factos tributários, a Requerente cumpria os dois pressupostos essenciais para aplicação da isenção nos serviços de nutrição:

1)            Os serviços eram prestados por profissionais especializados em nutrição;

2)            A prestação destes serviços de nutrição, nos moldes em que se encontravam organizados ao tempo, caracterizavam-se por, após a primeira consulta (facultativa) serem prestados a quem deles precisava ou optava, com carácter autónomo, relativamente ao uso (ou não) dos serviços de ginásio.

 

Mas, acresce ainda que, do modo como eram prestados e sendo uma alternativa ao dispor dos clientes, que pagavam as consultas a acrescer à mensalidade do ginásio (se e quando eram clientes deste) só podemos concluir que a razão de ser para a opção pela consulta de nutrição, tinha seguramente fins terapêuticos, pois não vislumbramos que outros fins pudessem estar na motivação de tal opção.

 

34.          A AT não questiona que o aconselhamento nutricional pode beneficiar da isenção prevista na al. 1) do art.º 9.º do CIVA, nos termos da lei e da própria informação vinculativa por si indicada. Porém, vem alegar que a Requerente não reúne as condições para beneficiar da referida isenção, por entender que este serviço não beneficia de autonomia face à prestação principal: frequência do Ginásio. Reconhece que este serviço é prestado por profissionais de saúde, devidamente habilitados, mas desconsidera esta realidade, por entender que a falta de autonomia entre a prestação deste serviço e a prestação principal, é suficiente para negar a possibilidade de isenção. A questão a decidir é precisamente e apenas esta.

Veja-se que, segundo o RIT, a Requerente não pode aplicar a isenção, por entender que o "Serviço de aconselhamento nutricional" é apenas residual e acessório, utilizado pelos clientes. O que se extrai do RIT é que na opinião da AT o sujeito passivo está, de forma artificial, discriminar as suas receitas, para evitar a incidência da IVA sobre a totalidade da mensalidade. Ora, trata-se de mera extrapolação não sustentada na matéria de facto assente.

 

Considera, ainda, que aqueles serviços são, verdadeiramente, uma parte da atividade de ginásio, que exerce a título principal. Dito de outro modo, estes serviços de nutrição nunca constituíram para os seus clientes um fim em si mesmo. É um serviço que lhes é oferecido e que a Requerente apresenta aos seus clientes, como uma forma de reduzir a mensalidade, ao evitar a incidência do IVA sobre a totalidade da mensalidade. Mais uma vez, é uma ilação, algo extravagante até, para não dizer discricionária dos senhores Inspectores, que, naturalmente, não alcançaram os benefícios de saúde pública e individual inerente à consagração da isenção.

 

A AT considera esta prática contrária ao disposto no artigo 9º do CIVA. Em reforço desta sua posição a AT invoca a jurisprudência do TJUE, até então conhecida e anterior à do «caso Frenetikexito», segundo a qual é essencial que o serviço tenha efeitos terapêuticos. Por último vem, já após a notificação do Acórdão Frenetikexito, vem invocar a decisão proferida neste acórdão que entende ser favorável à posição defendida pela AT.

 

Como vimos já, apesar da data dos factos ser anterior à da prolação deste Acórdão, o que este traz de novo é muito pouco, vem apenas e só deixar claro que a acrescer aos pressupostos já definidos pela jurisprudência do TJUE é de isentar estes serviços quando os mesmos tenham efeitos terapêuticos. Já vimos que a explicação para pagar este serviço extra deixa antever que, por regra, será por razões terapêuticas que os clientes fazem esta opção. Mas estará a Requerente obrigada a provar tal facto, com exigências acrescidas face ao que até então se exigia?

 

35.          Pois bem, citando a este propósito, a decisão proferida no Acórdão arbitral proferido no processo 372/2020 T, à qual aderimos integralmente, para a boa decisão da causa, há que ter em conta que:

 

“O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera anulação em que se visa apreciar a legalidade e declarar a eventual ilegalidade dos actos impugnados, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º, n.º 1, do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele]. Por isso, os actos impugnados têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. (sublinhado nosso)  

Consequentemente, a fundamentação sucessiva ou a posteriori não é relevante para aferir da legalidade do acto impugnado, quando não acompanhada de revogação e prática de um novo acto e também o tribunal, constatada a ilegalidade da fundamentação do acto impugnado, não pode substituir-se à Administração Tributária, mantendo na ordem jurídica esse acto com nova fundamentação. Isto é, «o tribunal não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do acto impugnado (já que os seu poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o acto explicitamente partiu), nem pode substituir-se à Administração na determinação de outra matéria tributável (sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária)» (…)

Neste contexto, há que notar que a hipotética falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição não foi fundamento das liquidações impugnadas.“ (sublinhado nosso)

 

36.          Na verdade, a Requerente, no exercício da sua atividade, seguiu de perto a Informação Vinculativa n.º 9215, supracitada. Por sua vez, a AT definiu a sua posição final sobre as correções efetuadas dizendo, em suma, o seguinte:  «o aconselhamento nutricional pode beneficiar da isenção prevista na al. 1) do art.º 9.º do CIVA, nos termos da lei e da própria informação vinculativa por si indicada». Para logo de seguida concluir que a Requerente «não reúne as condições para beneficiar da referida isenção» porque os serviços de nutricionismo são um serviço integrado na prestação principal sem autonomia ou expressão se retirados do contexto contratual da prestação principal. Trata-se de um mero juízo conclusivo, sem apego à realidade evidenciada na matéria de facto dada como provada, nomeadamente, o facto dos clientes do ginásio optarem ou não pelas consultas, sendo que essa opção é paga acrescidamente à prestação correspondente ao pagamento da mensalidade do ginásio.

Não se pode acompanhar, pois, a conclusão da AT nesta matéria.

 

37.          Atenção que na fundamentação a AT insiste no carácter meramente acessório da prestação das consultas de nutrição. O que foi contrariado pela prova testemunhal, unânime em reconhecer que:

- a Requerente dispõe de gabinetes específicos para consultas de nutrição exclusivamente;

- na mensalidade dos sócios da Requerente está incluída 1 consulta de nutrição trimestral, podendo aqueles obterem outras consultas se o desejarem;

- os  sócios da Requerente são informados de que têm direito a consultas de nutrição (inerentes à inscrição no ginásio) e são incentivados a usarem deste serviço;

-  a maioria dos sócios da Requerente utiliza as consultas de nutrição, por razões de saúde (prevenção de doenças cárdio vasculares) para melhorar a sua condição física, para emagrecimento e aumento de massa muscular;

-  nos anos de 2014 e 2015, a Requerente teve ao seu serviço dois nutricionistas, inscritos na Ordem do Nutricionistas, como resulta do RIT;

-  Podem ter consultas de nutrição pessoas que não sejam sócios da Requerente, embora em menor número;

 

38.          Ao que acresce que no RIT não se demonstra outra realidade que não esta. Na verdade, o que resulta demonstrado é que uma das consultas de nutrição seria oferecida aos clientes, se estes assim entendessem. Isso sim seria um bónus.

As restantes seriam suportadas pelos clientes se a estas tivessem necessidade de recorrer para recuperação física de situações de patologias mais graves.

Assim sendo não podemos dizer que estamos perante uma prestação acessória, como concluiu a AT.

A jurisprudência europeia faz essa distinção sim, mas sempre ressalvando os casos de estas consultas poderem beneficiar da isenção se estiverem associadas a tratamentos de saúde, ou dito de outro modo, a fins terapêuticos.

 

39.          Por tudo isto se conclui que a fundamentação dos atos de liquidação não assentou na falta de «fins terapêuticos» dos serviços de nutricionismo, os quais, diga-se, não se vislumbra que possam ter outros fins, estando associados ao combate de patologias como a obesidade e doenças do foro cárdio vascular, as quais, por si só, potenciam outras doenças associadas que muito oneram os custos do nosso sistema nacional de saúde (SNS). Se assim não fosse o legislador nunca teria, sequer, considerado como hipótese consagrar a dita isenção.

 

40.          A verdade é que os fundamentos que a AT seguiu e com base nos quais desconsiderou promover as correções da matéria coletável e tributar em conformidade, emitindo as liquidações impugnadas, não se ajustam aos desígnios do legislador nem ao entendimento que há muito vem senso sufragado pelo TJUE. Vejamos o que consta do RIT a este propósito:

 

“Verifica-se que a empresa vem inscrevendo os serviços faturados como consultas com nutricionista no campo 8 das declarações periódicas – Operações isentas com direito á dedução, quando segundo o critério que usa tratar-se-ia de operações isentas ao abrigo do nº 1 do art.º 9º do CIVA. Assim sendo e face aos dados apresentados, fica demonstrado que a “A…., Lda.” usufruiu de forma indevida de uma isenção de IVA, que originou a falta de liquidação, á taxa de 23% nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 18º do CIVA e consequentemente falta de pagamento de imposto por parte do sujeito passivo, na parte correspondente ás intituladas prestações de serviço de nutrição, pela não aplicabilidade da isenção constante no nº 1 do artigo 9º do CIVA.

III. 2 – Apuramento do IVA em falta

Atendendo a tudo o que foi exposto no ponto anterior, verifica-se que a empresa estava normalmente a emitir faturas pelos serviços prestados não se tendo detetado omissão na faturação.

Assim, os fluxos financeiros constantes dos extratos bancários, incluindo os valores recebidos por terminais de pagamento automático (TPA) refletem o pagamento de parte das suas receitas, admitindo que há sempre pagamentos a dinheiro, que neste caso se revela pouco significativo.

Da análise efetuada, o sujeito passivo emitiu as faturas de uma forma sequencial não se verificando saltos na numeração e comunicou-as todos os meses á Administração tributária através do SAFT-PT.

O que se verifica na faturação e que não está de acordo com a atividade efetivamente praticada é o facto das faturas a partir do fim de janeiro de 2014, data em que foi contratada uma nutricionista passarem a ter uma componente de base tributável isenta que em muitos casos é superior a 90% do total da fatura.

Como foi comprovado não houve alteração aos serviços prestados pela empresa, apenas os clientes passaram a ter acesso se assim o entendessem, a consultas de nutrição, mas de forma gratuita incluída na mensalidade paga pela escolha da modalidade a frequentar. De acordo com a jurisprudência comunitária, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal prestador.”

 

41.          É esta a fundamentação das liquidações impugnadas, à face da qual tem de ser aferida a sua legalidade. Como vimos, em nenhum momento, foi sequer mencionada a falta de fins terapêuticos das consultas de nutricionismo. As prestações de serviços são tributadas em IVA nos mesmos termos, com as mesmas isenções, independentemente da natureza lícita ou ilícita dos serviços prestados, o que está em sintomia com os princípios gerais da tributação enunciados na LGT, da relevância da substância económica das operações e da tributação de atos ilícitos (artigos 10.º e 11.º, nº 3).

42.          Acresce que a Autoridade Tributária e Aduaneira desconsiderou os requisitos mencionados na lei e na própria informação vinculativa. Assim desconsiderou o facto das consultas serem prestadas por profissionais de saúde habilitados, em gabinetes próprios e autónomos. No que concerne a este requisito, que é exigido na referida Informação Vinculativa, o mesmo encontra-se preenchido, como resulta da prova produzida.  Aliás, a própria AT indica e identifica no RIT a primeira nutricionista contratada, mencionando o respetivo número de inscrição Ordem dos Nutricionistas. Por isso, este hipotético fundamento para não aplicação da isenção não tem correspondência com a realidade, pois os serviços foram «assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável», como se refere na Informação Vinculativa. Assim, sendo indicada a falta de prestação dos serviços por profissionais qualificados como uma das «condições obrigatórias» não preenchida, as correções efetuadas enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de facto. Por outro lado, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira deu como assente a existência de dois nutricionistas inscritos na respetiva Ordem. E, por último, como bem se disse no Acórdão já citado, proferido no processo arbitral nº 372/2020 T, «mesmo que se aceitasse que a mera disponibilização do serviço não permite aplicar a isenção, a falta de «efetiva prestação do serviço» poderia ser fundamento para não aplicar a isenção às consultas não prestadas, mas não a todas as consultas faturadas, designadamente às que foram efetuadas, sendo que o RIT é totalmente omisso quanto a esta matéria. Nesta situação, em que há a certeza de que foram realizadas consultas que podem beneficiar da isenção ( 4 ), mas, eventualmente, não terá sido possível apurar com exatidão quantas das consultas faturadas foram realizadas, a solução imposta pelo princípio da proporcionalidade é a avaliação indirecta prevista nos artigos 85.º e 87.º, n. 1, alínea b) da LGT para as situações em que haja «impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto» e não ficcionar que nenhuma das consultas foi realizada, o que contraria a prova produzida (…) Na parte em que se refere que a prestação do serviço referido «não é suscetível de abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva», a doutrina do TJUE não pode ser aplicada no presente processo, em que o Tribunal Arbitral tem poderes de mera anulação com fundamento em ilegalidade, e está em causa impugnação de actos de liquidação que se basearam no entendimento de que «o aconselhamento nutricional pode beneficiar da isenção prevista na al. 1) do art.º 9.º do CIVA, nos termos da lei e da própria informação vinculativa por si indicada». Na verdade, admitir, na pendência do processo jurisdicional uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os actos impugnados, afectaria o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos artigos 20.º, n.º 1, e 268,º, n.º 4, da CRP, pois prejudicaria a possibilidade de utilizar os meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei. É por isso, que a fundamentação a posteriori só pode ser fundamento de um novo acto, eventualmente em execução de decisão, nos termos do artigo 24.º, n.º1, do RJAT e 100.º da LGT. Por outro lado, tendo o TJUE entendido, «sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio», que «um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente», contraria a posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira no RIT, em que entendeu que se tratava de uma actividade utilizada «residualmente e sempre a título acessório. Na verdade, no caso em apreço, a prova produzida é no sentido de haver clientes da Requerente que nem sequem frequentam as consultas de ginásio e há consultas que foram realizadas «por razões clínicas» [alínea Q) da matéria de facto fixada], o que patenteia que a Autoridade Tributária e Aduaneira não podia ter deixado de reconhecer a isenção em relação a todas as consultas facturadas. (…)»

 

43.          Nesta conformidade, e sem necessidade de mais considerandos, conclui-se que as liquidações de IVA enfermam de vícios de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito, pelo que, em consequência, devem ser anuladas, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Idêntica conclusão se aplica ás liquidações de juros compensatórios, as quais têm como pressupostos as respetivas liquidações de IVA, pelo que enfermam dos mesmos vícios e também estas têm de ser anuladas.

 

Quanto à restituição da quantia paga em excesso e juros indemnizatórios

 

44.          A Requerente pede a restituição do imposto pago e ainda juros indemnizatórios, alegando ter feito o pagamento das mesmas. Dos autos não constam os comprovativos de pagamento.

45.          O reembolso e os juros indemnizatórios dependem do pagamento indevido e da data em que ele é efetuado, pelo que, não constando do processo elementos de prova do pagamento efetuado, há fundamento factual para se decidir neste processo se a Requerente tem ou não direito a reembolso e a juros indemnizatórios. Pelo que, tendo ocorrido pagamento a Requerente, como consequência da anulação das liquidações, terá direito a reembolso das quantias pagas e também direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, já que a anulação das liquidações se baseia em erro imputável aos serviços.

 

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

De igual modo, estipula o artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi a alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que a “… administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

 

Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT não cabendo recurso ou impugnação da decisão arbitral, a mesma vincula a AT, devendo esta “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

Acresce que segundo o disposto no artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, nos processos arbitrais “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e do Processo Tributário”.

 

Atendendo ao enquadramento legal vigente, em sede de processo arbitral a procedência do pedido anulatório implica a restituição da quantia paga indevidamente e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos atos de liquidação é imputável à AT, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal, só que nos presentes autos não consta prova de que a Requerente tenha efetuado o pagamento das quantias liquidadas (vd., n.º 29 supra).

Nestes termos, não pode proceder o pedido de pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, sem prejuízo de esse direito poder vir a ser apreciado em execução de julgado, se for caso disso.

 

V - DECISÃO:

Termos em que se decide:

 

a)            Julgar procedente o pedido arbitral e anular o atos tributários de liquidação de IVA, referentes aos exercícios de 2014 e 2015, bem assim como as liquidações de juros compensatórios a seguir discriminadas:

Número Liquidação        Período                Data      Valor a pagar em €

 

2017 ………          201403T              2017-02-11        4.475,58

2017 ……….         201403T              2017-02-11        429,52

2017 ……….         201406T              2010-02-11        4.535,65

2017 ………          201406T              2010-02-11        443,37

2017 ……….         201409T              2010-02-11        4.471,45

2017 ………          201409T              2010-02-11        392,50

2017 ……….         201412T              2010-02-11        5.316,10

2017 ………          201412T              2010-02-11        413,63

2017 ………          201503T              2010-02-11        4.358,50

2017 ………          201503T              2010-02-11        297,09

2017 ……….         201506T              2010-02-11        4.360,71

2017 ………          201506T              2010-02-11        252,32

2017 ………          201509T              2010-02-11        3.822,51

2017 ………          201509T              2010-02-11        183,06

2017 ………          201512T              2010-02-11        3.748,47

2017 ………          201512T              2010-02-11        142,13

 

b)           Julgar improcedentes os pedidos de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios, sem prejuízo dos respetivos direitos poderem ser reconhecidos em execução do presente acórdão.

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

VI - VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, e 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor € 37.642,59.

 

VII - CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00 de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 28 de julho de 2021

 

O Tribunal Singular,

(Maria do Rosário Anjos)