Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 65/2014-T
Data da decisão: 2014-09-01  IRC  
Valor do pedido: € 167.264,13
Tema: Seguros Unit Link - Dupla Tributação económica.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A (doravante designada por A ou Requerente, pessoa colectiva nº ..., com sede em …, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral para obtenção de pronúncia arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do Decreto –Lei nº 10/2011,de 20 de Janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante designado por  RJAT) em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida), com vista à anulação da liquidação de IRC referente ao ano de 2008 identificada sob o nº 2011 ....

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.

 

  1. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foram designados árbitros os signatários, que comunicaram, ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

  1. O Tribunal foi constituído em 28 de Março de 2014, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT.

 

  1. Notificadas as partes do despacho arbitral proferido em 20 de Maio de 2014, vieram as mesmas prescindir da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem assim como da apresentação das respectivas alegações.

 

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  1. Para fundamentar o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, e com relevo:

 

                                                              i.      É uma sociedade anónima que se dedica à actividade seguradora e resseguradora no Ramo Vida (cfr. artigo 7º do pedido de pronúncia arbitral);

                                                            ii.      Em cumprimento das ordens de serviço números …, de 30 de Setembro de 2010, foi sujeita a uma inspeção externa de âmbito geral, com referência ao exercício de 2008 (cfr. artigo 8º do pedido de pronúncia arbitral);

                                                          iii.      Na sequência da qual a AT, veio a proceder às seguinte correcções adicionais:

- “€ 65.083,17 Correcção efectuada proveniente de rendimentos de investimentos relativos a seguros em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro (Unit Linked), que não afectaram os resultados líquidos do exercício, não reunindo deste modo os requisitos exigido no artigo 46º do CIRC (cfr. artigo 9 do pedido de pronúncia arbitral e ponto III,1,2 do Relatório da Inspeção);

- “ € 190.546,83 Correcção, a favor do Contribuinte, correspondente às retenções na fonte efectuadas, sobre rendimentos de títulos afectos a carteiras dos Fundos “...” e “...” que estão afectos a seguros de vida em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro (Unit Linked), contabilizados na c/79114 – Retenção de IRC sobre rendimentos de UP´S em Fundos de Investimento” (cfr. artigo 9 do pedido de pronúncia arbitral e ponto III.1.3 do Relatório da Inspeção);

- “€ 190.546,83, Valor referente à retenção na fonte, sobre rendimentos de títulos afectos a carteira dos Fundos “...” e “...”, de seguros de vida em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguros (Unit Linked), que o sujeito passivo deduziu ao IRC liquidado, inscrevendo no Q10 C359 da Declaração de Rendimentos Mod. 22, não podendo usufruir da dedução prevista na alínea f) do nº do artigo 83º do CIRC” (cfr. artigo 9 do pedido de pronúncia arbitral e ponto III.2 do Relatório da Inspeção).

                                                          iv.      Das correcções, que lhe foram desfavoráveis, reagiu através de reclamação graciosa que mereceu indeferimento, na sequência do qual apresentou reclamação hierárquica (cfr. artigos 10,11 e12 do pedido de pronúncia arbitral e documentos números, 2,4 e 5 com este juntos).

                                                            v.      A reclamação hierárquica apresentada foi indeferida através de despacho proferido em 18-07-2013, pela Director de Serviços do IRC, e notificado à Requerente em 29-10-2013 (cfr. artigo 13 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 2 com este junto).

                                                          vi.      Tece ainda a Requerente várias considerações acerca da génese dos seguros “Unit Linked” e da sua articulação e enquadramento com a disciplina das provisões e dupla tributação económica e seus reflexos no âmbito da determinação da matéria colectável.

                                                        vii.       Concluindo que as correcções levadas a cabo pela AT são ilegais por violarem o disposto na alínea f) do nº 2 do artigo 83º do CIRC (redacção à data),

                                                      viii.      Culminando ainda com a formulação de pedido de juros indemnizatórios, a coberto do disposto nos artigos 43º nº 1 da LGT e 61º do CPPT.

 

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  1. A AT, na sua resposta e desde logo, suscita a excepção da intempestividade do pedido formulado pela Requerente relativo ao “acto de liquidação de IRC, referente ao ano de 2008, identificado pelo nº 2011 ...

 

  1. Relativamente a tal excepção, alega, em breve síntese que:
  2. “O artigo 10º do RJAT estabelece, quanto a actos de liquidação/autoliquidação, que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 (noventa dias), remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para aquilo que se mostra preceituado no artigo 102º, nºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”. (cfr. artigo 4º da resposta);
  3.  (…) a data limite de pagamento do imposto em causa nos autos ocorreu em 14.02.2011, logo (…) “é intempestivo e o tribunal não pode dele conhecer. (cfr. artigos 6º,7º e 8º da resposta);
  4. Acrescentando ainda que tendo a Requerente impugnado administrativamente o acto de liquidação, que veio a merecer indeferimento, “não veio esta formular junto do Tribunal Arbitral qualquer pedido tendente à anulação de tal indeferimento”;
  5.  “Não o tendo feito, (…) inexiste o apoio que poderia firmar a tempestividade do pedido e, consequentemente, a possibilidade de o Tribunal apreciar o pedido formulado relativamente ao acto de liquidação “ pelo que, fica este “impedido de apreciar e declarar (o que quer que seja) relativamente ao pedido concretizado – “ declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação”. (cfr. artigos 13º,14º, 15º e 16º da resposta);
  6. Pugna ainda a Requerida, em consequência, pela sua absolvição da instância.

 

  1. No âmbito da sua RESPOSTA, e por impugnação, sustentou a AT posição contrária à apresentada pela Requerente, no que concerne às correcções efectuadas, reconduzindo o seu ponto de vista, em brevíssima síntese, à não verificação dos pressupostos legais previstos sob o então aplicável artigo 46º nº 1 e 2 e alínea f) do nº 2 do artigo 83º do CIRC, para que a requerente pudesse beneficiar do regime de eliminação da dupla tributação económica, isto no tocante à correcção de 65.083,17 € e, no que respeita à correcção de 190.564,83 €, pugna pela sua manutenção, considerando indevida a sua dedução à colecta, de conformidade à estatuição da alínea f) do nº 2 do artigo 83º do CIRC (redacção ao tempo).

 

  1. Procedendo para o efeito a uma análise do regime fiscal da eliminação da dupla tributação económica e da determinação do lucro tributável das pessoas colectivas, tendo como pano de fundo produtos do Ramo Vida, comercializados pela Requerente, vulgarmente designados por “seguros Unit Linked” e o seu enquadramento económico e jurídico,

 

  1. Veio ainda a Requerente proceder à resposta à excepção suscitada pela AT, a coberto do artigo 16º a) do RJAT, tendo aí pugnado pela tempestividade da apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

  1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

  1. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

  1. Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

 

1-       A ora Requerente é uma sociedade anónima que se dedica à actividade seguradora e resseguradora no Ramo Vida, tendo começado a sua actividade comercial em ….

2-       A Requerente, no ano de 2008, teve sede em território português e não estava abrangida pelo regime de transparência fiscal.

3-       Em cumprimento das ordens de serviço números … de 30 de Setembro de 2010 a ora Requerente foi sujeita a uma inspeção tributária externa de âmbito geral, a qual se reportou aos exercidos de 2008.

4-       A Requerente tinha, então, contabilidade organizada de acordo com o Plano de Contas para as Empresas de Seguros (de ora em diante PCES07), constante da Norma Regulamentar n.º 4/2007-R, de 27 de Abril, alterado pela Norma Regulamentar n.º 20/2007-R, de 31 de Dezembro, ambas do Instituto de Seguros de Portugal.

5-       No decurso da acção inspectiva, a requerente regularizou voluntariamente vários montantes relativos a situações postas em causa pela Inspeção.

6-       A Inspeção, na sequência do direito de audição, desconsiderou a correcção que havia proposto no projecto de relatório respeitante à depreciação da carteira de seguros da …, no valor de 50.000,00€.

7-       A Inspeção não acolheu o que a ora requerente, na mesma sede, arguiu no que concerne às demais correcções, a saber:

a.       correcção de €65.083,17, “proveniente de rendimentos de investimentos relativos a seguros em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro” (Unit Linked), por entender não se verificarem os requisitos então estabelecidos no artigo 46.º do CIRC;

b.       correcção de €190.546,83, respeitante a retenções na fonte sobre rendimentos de títulos afectos a carteiras de Fundos “...” e “...” afectos a seguros de vida em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro (Unit Linked), bem como consequente correcção à matéria colectável, a favor do sujeito passivo, retirando o mesmo montante ao valor dos rendimentos distribuídos por aqueles fundos.

8-       Os rendimentos a que se refere o ponto a. do número que antecede, foram distribuídos por sociedade que tinha sede no território português, sujeita e não isenta de IRC.

9-       Do relatório de inspeção tributária consta, para além do mais, que:

a.       I.4.1.2 – Rendimentos nos termos do artigo 46.º do CIRC

€65.083,17 Correcção efectuada proveniente de rendimentos de investimentos relativos a seguros em que o risco do investimento é suportado pelo tomador do seguro (Unit Linked), que não afectaram os resultados líquidos do exercício, não reunindo deste modo os requisitos exigidos no artigo 46.º do CIRC.

b.       I.4.1.3 - Rendimentos de Unidades de participação de Fundos de Investimentos "Unit Linked"

(€ 190.546,83) Correcção, a favor do Contribuinte, correspondente às retenções na fonte efectuadas, sobre rendimentos de títulos afectos a carteiras dos Fundos ''...'' e ''...'' que estão afectos a seguros de vida em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro (Unit Linked), contabilizados na c/79114 - Retenção de IRC sobre rendimentos de UP's em Fundos de Investimento.

c.        I.4.2.1 - Retenção na fonte, alínea f) do n.º 2 - do artigo 83.º do CIRC

€ 190.546,83 Valor referente à retenção na fonte, sobre rendimentos de títulos afectos a carteiras dos Fundos "..." e ''...'' de seguros de vida em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro (Unit Linked), que o sujeito passivo deduziu ao IRC liquidado, inscrevendo no Q10 C359 da Declaração de Rendimentos Mod. 22, não podendo usufruir da dedução prevista na alínea f) do n.º 2 do artigo 83º do CIRC.

10-   Em conformidade com essas correcções, foi efectuada a liquidação adicional de IRC n.º 2011..., de 03-01-2011, referente ao período de tributação de 2008, que é objecto dos presentes autos, da qual decorreu imposto a pagar no valor de €167.264,13 (conforme demonstração de acerto de contas n.º …e demonstração de liquidação/compensação n.º …).

11-   O imposto a que se refere o ponto anterior foi pago no dia 14-02-2011.

12-   A Requerente, oportunamente, apresentou reclamação dessa liquidação, que foi indeferida por despacho do Director da Unidade de Grandes Contribuintes de 27-11-2012.

13-   A Requerente, também oportunamente, recorreu hierarquicamente da decisão de indeferimento da reclamação que apresentou.

14-   Esse recurso foi indeferido por despacho de 18-7-2013, proferido pela Diretora de Serviços do IRC no uso de poderes subdelegados, e notificado à ora requerente em 29-10-2013.

15-   Em 27-01-2014, a contribuinte apresentou o seu requerimento de pronúncia arbitral.

16-   No âmbito sua actividade, a Requerente comercializa um produto apresentado como seguros ligados a "fundos de investimento", também designados como “seguros Unit Linked”.

17-   Os “seguros Unit Linked” são contratos no âmbito dos quais a seguradora se obriga a pagar uma prestação na data do evento (termo do prazo, momento do resgate ou data da morte do tomador de seguro), a qual está indexada ao valor de um determinado conjunto de activos (o "fundo de investimento'').

18-   Quando alguém subscreve este tipo de produto paga um prémio, sendo que a este prémio a seguradora faz corresponder um certo número de unidades de conta.

19-   Após receber os montantes pagos pela contraparte no contrato, a seguradora adquire os activos financeiros a que o valor das unidades de conta está indexado.

20-   No âmbito dos contratos em causa é a seguradora a proprietária dos activos que compõem a carteira de Investimentos ligada ao contrato, sendo que todos os activos são adquiridos pela seguradora em seu nome próprio e por sua conta, sendo levados ao ativo da seguradora e sujeitos a registo em seu nome e sem reserva quando se tratam de activos sujeitos a registo.

21-   O valor das unidades de conta obtém-se pela divisão do valor do conjunto de activos num determinado momento pelo número de unidades de conta contratualmente atribuídas, descontando-se os encargos previstos a favor da seguradora.

22-   O valor da responsabilidade da seguradora para com a contraparte varia ao longo do contrato, consoante a variação do valor dos activos indexados às unidades de conta.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.

 

 

B. DO DIREITO

 

            Como questão prévia ao conhecimento do mérito do pedido formulado pela Requerente, questiona a AT a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral relativamente ao ato de liquidação adicional de IRC respeitante ao exercício de 2008.

Vejamos.

 

*

            Entende a AT que a Requerente identifica como ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral o “acto de liquidação de IRC, referente ao ano de 2008, identificada pelo n.º de documento 2011 ...”, e que, uma vez que “a data limite de pagamento do imposto em causa nos autos ocorreu em 14.02.2011”, se verificará a extemporaneidade da instância impugnatória.

            Subjacente à posição da AT, está o entendimento de que a Requerente deveria ter identificado como objeto da pronúncia arbitral o ato de indeferimento do recurso hierárquico por si apresentado.

            Ressalvado o devido respeito, entende-se não assistir, nesta matéria, razão à AT. De facto, e desde logo, necessariamente que o pedido de declaração de ilegalidade do ato de (auto)liquidação, tem subjacente, pelo menos tacitamente, o pedido de declaração de ilegalidade de todos os atos subsequentes e cuja validade seja afetada por aquela declaração, onde se inclui, obviamente, o ato de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico.

            Aliás, na parte relativa ao indeferimento, e na medida em que não sejam suscitados vícios do próprio ato de decisão da reclamação graciosa/recurso hierárquico, ou do respetivo procedimento, aquele ato será meramente confirmativo, e, como tal, irrecorrível em si mesmo.

            Por outro lado, e como tem sido reconhecido pela jurisprudência nacional, se, em casos como o dos autos, o objeto imediato do processo é o ato de decisão da reclamação graciosa/recurso hierárquico, o seu objeto mediato será o próprio ato primário de (auto)liquidação[1].

            Esta situação, de resto, é perfeitamente clara no contencioso administrativo, matriz do contencioso tributário, como resulta do artigo 50.º/1 do CPTA, devidamente conjugado com o artigo 59.º/4 do mesmo código.

            Também o regime do contencioso arbitral tributário corrobora este entendimento, já que o artigo 2.º do RJAT, toma como referente da competência dos tribunais arbitrais, os atos primários[2], sendo os atos secundários unicamente relevantes como referentes da tempestividade da pretensão impugnatória, como resulta do artigo 10.º/1/a) daquele Regime, onde se impõe que os pedidos de constituição de tribunal arbitral sejam apresentados no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.º 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

            Ou seja, em suma e em bom rigor, a pretensão da Requerente foi irrepreensivelmente formulada, já que se reporta à al. a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT (ato de liquidação), e foi apresentada dentro do prazo fixado pela al. a) do n.º 1 do artigo 10.º do mesmo diploma (90 dias contados a partir da decisão da reclamação graciosa, ato a que alude o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT).

            Deve, deste modo, improceder a excepção da extemporaneidade do pedido, invocada pela AT.

 

*

            Entrando na questão material em causa nos presentes autos, verifica-se que a mesma é de simples formulação, e radica essencialmente em compreender e tirar as devidas consequências do modus operandi dos produtos enquadrados no âmbito dos seguros Ramo Vida, denominados unit link.

            Como bem explicam ambas as partes, os referidos produtos operam nos termos melhor descritos nos pontos 14 a 19 da matéria de facto dada como provada.

            Em especial, o nó górdio do problema, tal como configurado pela AT, reside na circunstância de os rendimentos derivados da titularidade de participações sociais e em fundos de investimento, no quadro daquele tipo de contratos, terem, por força das normas prudenciais que vinculam a actividade seguradora, uma correspondência no estabelecimento obrigatório de provisões de igual montante, relativas às responsabilidades assumidas com a contraparte naqueles contratos, o que, na prática, se traduziria na circunstância de, em si próprios, aqueles referidos rendimentos não aumentarem a matéria colectável da entidade seguradora.

            Deste enquadramento, reconhecido pacificamente por ambas as partes nos presentes autos, decorre, na opinião da AT, a inaplicabilidade da norma do artigo 46.º/1 e 2 do CIRC vigente à data do facto tributário (atual artigo 51.º/1 e 2), bem como da norma da alínea f) do n.º 2 do artigo 83.º do Código do IRC (atual alínea d) do n.º 2 do artigo 90° do CIRC).

            Já a requerente, por seu turno, entende não existir qualquer óbice, legal ou de facto, à aplicabilidade das normas indicadas.

            Vejamos.

 

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            A matéria em questão nos presentes autos, foi objecto de detalhado e pertinente estudo da autoria de Saldanha Sanches e João Taborda da Gama, publicado na revista Fiscalidade, no ano de 2008[3], que se acompanhará aqui de muito perto.

            Após analisarem o enquadramento económico e jurídico do tipo de contratos em questão (“seguros unit link”) em termos grosso modo coincidentes com aqueles sumariamente já apontados, concluem aqueles autores, apontando uma característica e tais contratos, essencial para a compreensão da matéria em causa, que é a circunstância de que a seguradora “não entrega as unidades de conta, que não têm existência nem valor fora desta relação. Entrega aquilo a que está obrigada e aquilo a que segurado tem direito - o valor das unidades de conta, que constitui o objecto desta relação jurídica, ou seja, a quantia em que consiste o seu dever de prestar.[4].

            Ou seja: a obrigação primária/principal da seguradora no quadro dos contratos “unit link”, é uma obrigação única, pecuniária, de entrega de um montante liquidado em função do valor que, no momento do evento que extingue o contrato, tenha a unidade de conta.

            Deste modo, apenas nesse momento, no fim do contrato, é que há um rendimento do beneficiário, pago pela seguradora. Até aí, sublinhe-se, o património da contraparte da seguradora mantém-se inalterado, intocado. As variações no valor da unidade de conta, que foram tendo correspondência no provisionamento obrigatório levado a cabo pela seguradora, não têm qualquer influência no património da contraparte desta. Não dão causa, em suma, a nenhum rendimento do titular do produto “unit link”.

            Nas palavras dos mesmos autores, “As seguradoras não são intermediárias financeiras, nem actuam por conta dos segurados (não são agentes, corretores, mandatários ou comissionistas). Elas actuam por sua própria conta nos mercados. As unidades de conta não são unidades de participação em fundos, títulos de qualquer outra espécie que pertençam aos clientes. São meras unidades de cálculo nacionais[5].

            Para se perceber que isto é assim, de resto, basta atentar, desde logo, que em caso de insolvência da seguradora, sem que os respetivos contratos se hajam vencido, as contrapartes nos contratos unit link não terão qualquer direito próprio quer sobre os ativos adquiridos pela seguradora em função do “seu” contrato, quer sobre os rendimentos que por aqueles haja sido gerado e distribuído à seguradora. Em tal caso (insolvência da seguradora), as contrapartes nos contratos unit link terão de se apresentar como credores da seguradora, sendo pagos de acordo com as regras de concurso aplicáveis, pela totalidade do património daquela, na medida que lhes caiba, e não em função do contrato que celebraram ou da sua suposta “participação” dos ativos contabilisticamente afetos àquele.

            Prosseguindo a sua análise, os autores citados apontam mais algumas características próprias do regime contratual em causa, dignas de especial nota na perspectiva que nos ocupa.

            Assim, refere-se no trabalho que se segue, que “do ponto de vista prático, não é de excluir, também, que, se tal não for proibido pelos contratos, as seguradoras não cheguem sequer a deter os activos indexantes ou que não os vendam no momento em que o contrato com os clientes cessa”, acrescentando-se que “O dever da seguradora no evento é sempre o da entrega de determinados valores, mesmo que não adquira quaisquer activos, adquira menos ou diferentes, ou os não venda.”, evidenciando-se deste modo “que os unit-linked implicam dois tipos de relação jurídica, diferentes em quase todos os seus elementos.[6].

            Fica assim claro, pensa-se, que quer em termos jurídicos quer em termos económicos, não existe, no quadro dos chamados “seguros unit link” qualquer relação entre os sujeitos geradores dos rendimentos devidos pelas aplicações financeiras realizadas pela seguradora, e o cliente desta titular daquele produto.

            Neste quadro, não têm dúvidas os autores que os segurados “Não compram, não vendem, não participam em perdas, não recebem dividendos. O sujeito, aqui, é a seguradora. São dela as obrigações comerciais e os direitos. Serão dela consequentemente, as obrigações tributárias activas e passivas[7], pelo que “os rendimentos que venha a obter por ser detentora de acções e UP são ganhos sujeitos a imposto. Em concreto. a IRC”, mais referindo aqueles que “Quando afirmamos que são ganhos sujeitos a imposto, queremos, claro, afirmar que são ganhos incluídos na base tributável, ou seja, sujeitos ao regime fiscal globalmente considerado e não apenas a parte do regime. Assim, todo o regime do artigo 22.º do EBF e todo o regime do IRC - incluindo os mecanismos de eliminação da dupla tributação económica do artigo 46.º do respectivo Código - lhe são aplicáveis.[8].

            Como recordam os autores, “Para o Código do IRC, no momento de definir a base de tributação, não há dúvidas de que um lucro distribuído ao sujeito passivo está incluído na sua base tributável, tal como o rendimento decorrente da venda de mercadorias, prestação de um serviço ou renda de um imóvel.[9]

            Deste modo, não só terá cabal aplicação nestas situações o artigo 46.º do CIRC vigente à data do facto tributário em causa nos autos, (atual artigo 51.º)[10], já que “O artigo 46.º não é um benefício fiscal - é um mecanismo de elementar justiça tributária que repõe a neutralidade da tributação, evitando que a mesma realidade seja tributada duas vezes. Não faz sentido negar a sua aplicação às companhias de seguros no âmbito dos produtos unit-linked que comercializem afirmando, por exemplo, que os rendimentos que resultam dos activos de que dispõem não lhes pertencem ou que o resultado contabilístico é nulo, por via das provisões[11], até porque “Não se pode afirmar”, nem a AT o faz, “que o mecanismo do artigo 46.º exige que os rendimentos sejam duplamente tributados[12], bem como a norma da alínea f) do n.º 2 do artigo 83.º do Código do IRC (atual alínea d) do n.º 2 do artigo 90° do CIRC), dado que “Se a companhia de seguros não pudesse exonerar-se dos encargos tributários que o fundo ou as sociedades comerciais suportaram, teria de repercutir esse encargo na indemnização a pagar ao segurado. que deste modo sofreria uma dupla tributação: primeiro, no fundo de investimento ou na pessoa colectiva e, depois, no momento em que fosse tributado em IRS pela indemnização que iria receber”,  que “anularia o benefício fiscal que o legislador procurou conceder à poupança[13].

 

*

            Em parte alguma do extenso rol de considerações sobre esta matéria, elaborado pela AT, quer nos presentes autos quer no PA que o precedeu, se descortinam argumentos que ponham em causa as conclusões formuladas no trabalho que se vem a seguir na presente decisão e que se acabam de citar.

            É que, ao contrário do sustentado pela AT, a interpretação por essa Autoridade propugnada não “a única interpretação compaginável com o objectivo prosseguido pelo legislador com o regime em apreço, que se traduz, como acima mencionámos, em procurar evitar que “determinado rendimento” (uma mesma riqueza, no caso concreto, os lucros) pudesse ser duplamente tributado.[14]. Pelo contrário: a interpretação da AT, conduz a uma efectiva dupla tributação do rendimento em questão, na esfera da seguradora, em sede de IRC, e, depois, na esfera da contraparte desta, em sede de IRS, já que “quando contrata um seguro unit-linked, o particular vai sempre pagar IRS sobre a valorização, ainda que com um benefício fiscal.[15].

            Como refere o trabalho aqui seguido “a lei estrutura um sistema que tem a sua trave-mestra na neutralidade fiscal da companhia de seguros que cria e gere os unit-linked, prevendo que esta, como qualquer pessoa colectiva, se vá desonerando de uma série de encargos fiscais cobrados antecipadamente (retenções na fonte e tributação de lucros distribuídos), pela razão de que a jusante todos esses rendimentos serão tributados na esfera do segurado pessoa singular.[16].

            Não se tem, igualmente, por correcta, outra ideia angular do argumentário da AT, segundo a qual “os rendimentos gerados pelos investimentos que constituem os fundos autonómos afectos a este tipo de produtos – que são os rendimentos que estão em causa na situação sub judice, e que, erradamente, a ora requerente deduziu “com base” no artigo 46º do Código do IRC – são imputados aos tomadores do seguro[17], pelo menos no sentido implícito e, para o caso, relevante, de que aqueles rendimentos seriam imediatamente rendimento dos tomadores, o que é, desde logo, e para além do mais, manifesto, na medida em que, aquando da sua distribuição pelo fundo ou sociedade participada, não contribuem (nem devem, nem a AT sustenta que devam contribuir) para a base tributável dos tomadores de seguro.

            As “provisões que a seguradora faz (rectius, tem o dever legal de fazer) com vista à cobertura” das suas responsabilidades, e das quais decorre a “imputação” apontada pela AT, como apontam os autores que ora nos têm guiado, “é uma matéria independente cujo funcionamento não pode ser utilizado para impedir os efeitos acima referidos[18].

            Efetivamente, “As provisões, ao cativarem lucros que de outra forma seriam distribuídos, vão traduzir-se na libertação de fundos que vão ser investidos em determinados activos, com maior ou menor risco. com maior ou menor rentabilidade. A questão do maior ou menor risco do seguro é uma questão distinta da forma mais ou menos segura como pode ser feito o investimento que vai permitir pagar futuramente as prestações desse seguro, as quais são sempre devidas independentemente da política concreta de investimentos da seguradora[19], já que “Se a companhia de seguros faz uma provisão de l00, pode ao mesmo tempo investir esses 100 num depósito a prazo, em obrigações, em acções ou noutros activos quaisquer.[20].

            E se, como refere a AT na resposta apresentada nos autos, “A contabilização dos dividendos (em proveitos) e da correspondente provisão (em custos) não podem, pois, tendo em conta a substância económica do produto e da operação, ser vistas de forma totalmente independente, e desligada, do funcionamento do produto unit linked, da sua essência, e dos seus efeitos na contabilidade da seguradora.[21], menos certo não será que “A contabilização dos dividendos (em proveitos) e da correspondente provisão (em custos)” não poderá, igualmente, ser vista de forma totalmente dependente e ligada, nem, muito menos – como faz a AT – de forma totalmente monolítica, não sendo exato, por isso, afirmar que “os lucros distribuídos pelas participações, nos investimentos que estão afectos a produtos unit linked (...) são “passados” para o tomador do seguro.[22].

            É que, como se viu já, apenas no momento do vencimento da “apólice” (resgate, termo, morte) é que se forma o direito de crédito da contraparte da seguradora, e se gera, consequentemente, o rendimento desta, pelo que, antes deste momento, nada é jurídica ou economicamente passadopara o tomador do seguro.”.

            Sendo um facto que, conforme a AT aponta, “os lucros distribuídos, as valorizações, e as desvalorizações que respeitam aos investimentos a que estão indexados os produtos em que o risco de investimento é suportado pelo tomador de seguro, embora possam contabilisticamente ser registados em contas de Rendimentos e Ganhos ou Gastos e Perdas (no caso, nas contas “74 Rendimentos de investimentos”; “75 Ganhos em investimentos” e “65 Perdas em investimentos”), são integralmente compensadas por um lançamento registado em contas de Gastos e Perdas ou Rendimentos e Ganhos (no caso, nas contas “67 Perdas e gastos em passivos financeiros” e “77 Rendimentos e ganhos em passivos financeiros”)[23], daí não decorre, como pretende aquela Autoridade, no que será a pedra de toque da tese em que assenta a posição por si sustentada, que “o impacto dos dividendos na contabilidade da seguradora é totalmente nulo, seja ao nível dos resultados, seja ao nível do fluxo financeiro[24], pelo menos no sentido de que a não tenha, de facto e efectivamente, ocorrido distribuição desses dividendos à seguradora, e não ao “segurado”, e que, consequentemente, seja a base tributária daquela, e não deste, a afectada por esse acontecimento real – distribuição do dividendo.

            Diga-se, de resto, que é, precisamente, por a distribuição do dividendo concorrer, efectivamente, para a base tributável da seguradora, que é necessário o estabelecimento da provisão! É, com efeito, por aquela base tributável se ter incrementado por via da distribuição do dividendo, que surge a necessidade/obrigação da contabilização da provisão. Se, como no fundo sustenta a AT, não ocorresse, económica, jurídica e realmente, uma alteração da base tributável da seguradora por via da distribuição do dividendo[25], não haveria qualquer necessidade ou justificação para a criação de qualquer provisão! Daí que, ao contrário do que aquela autoridade entende, o funcionamento do mecanismo do provisionamento das responsabilidades das seguradoras no quadro dos produtos unit link por si comercializados, não só não demonstra a irrelevância, para a base tributária daquelas, dos dividendos resultantes das participações adquiridas em função de tais relações contratuais, como corrobora, antes, a relevância de tais dividendos para aquela base, que é, justamente, o que justifica e explica a existência do referido mecanismo.

            Assim, como referem Saldanha Sanches e João Taborda da Gama, “Para o Código do IRC, no momento de definir a base de tributação, não há dúvidas de que um lucro distribuído ao sujeito passivo está incluído na sua base tributável, tal como o rendimento decorrente da venda de mercadorias, prestação de um serviço ou renda de um imóvel. (...) O legislador não se preocupa, em nenhum dos casos em que manda adicionar ou retirar realidades da base tributável, com a tributação que eventualmente venha a recair sobre essas realidades[26].

            Deste modo, embora se subscreva que, tendencialmente, “o “lucro” da Seguradora com a existência dos unit linked era (no PCES94) e – mais relevante para o caso sub judice – continua a ser (com o PCES07), unicamente, constituído pela comissão pelo serviço prestado com a gestão do referido produto (unit linked).[27], não se considera fundada a conclusão de que “os rendimentos gerados pelos investimentos que constituem os fundos autónomos afectos a este tipo de produtos eram (no PCES94) e continuam a ser (com o PCES07) imputados aos tomadores do seguro, entidade que efectua o investimento e que suporta o risco do investimento e os seus ganhos e perdas[28].

            Aliás – e complementarmente ao que já se expôs no que diz respeito à circunstância de os, eventuais, ganhos ou peradas dos “tomadores do seguro” apenas ocorrerem no momento do vencimento do produto – diga-se, com os autores que temos acompanhado, que “só não haveria risco (nem lucro futuro) se a companhia de seguros fosse uma espécie de fiel depositário dos investimentos do cliente. limitando-se a cobrar uma comissão de guarda de títulos[29], o que não é manifestamente o caso.

 

*

            A terminar, cumpre ainda abordar a relevância da entrada em vigor do chamado PCES07[30], no ano de 2008, a que se reporta o acto tributário em questão nos autos.

            Alega a AT na respetiva resposta, que no PCES07, na “CLASSE 3 – PROVISÕES TÉCNICAS”, estão reunidas “todas as provisões técnicas constituídas, de acordo com a regulamentação em vigor, para fazer face aos compromissos decorrentes de contratos de seguro”.”, enquanto que na ““CLASSE 4 - OUTROS ACTIVOS E PASSIVOS”, numa conta de terceiros, conta “45 - outros passivos financeiros”, encontra-se a subconta “45.0 Passivos financeiros da componente de depósito de contratos de seguros e de contratos de seguro e operações considerados para efeitos contabilísticos como contratos de investimento”.”, sendo que “Nas “operações em que o risco de investimento é suportado pelo tomador de seguro” (unit linked), tratando-se de um contrato de investimento/depósito, as importâncias recebidas dos tomadores são registadas no passivo, nesta conta «45.0».”.

            Ressalvado o respeito devido, o alegado pela AT nada altera no entendimento resultado de tudo quanto atrás se expôs.

            De facto, e desde logo, o n.º 2 do artigo 46.º do CIRC, na redacção vigente à data dos facto tributário, não se refere a “provisões técnicas”, mas a “reservas técnicas”, não equiparando por qualquer forma – como faz a AT na sua resposta – ambas as expressões.

            Deste modo, dever-se-á entender a expressão legal como de âmbito mais vasto que o conceito estrito em que a AT se sustenta, abrangendo, para além deste, todas aquelas situações em que, prudencialmente, é imposto à seguradora que, de alguma forma, reserve ganhos.

            Este entendimento, de resto é, in casu, corroborado pela devida leitura da norma em questão, que nas suas alíneas, inclui, designadamente, as sociedades de investimento (al. d)). Ora, se o produto em causa, como recorrentemente e muito bem aponta a AT, é, não um seguro stricto sensu, mas um contrato de investimento, mesmo que se entendesse que o caso sub-iudice não se reconduzia ao corpo do n.º 2 do artigo 46.º do CIRC, na redacção aplicável, sempre se haveria de entender que o mesmo se enquadraria naquela referida alínea da mesma norma, equiparando-se, para estes efeitos, a Requerente a uma sociedade de investimento, desde logo porquanto comercializa, de forma legal, autorizada e supervisionada, contratos de investimento.

            Esta previsão da alínea d) do n.º 2 do artigo 46.º do CIRC, na redacção aplicável, demonstra, de resto, a falta de razão substancial da posição sustentada pela AT nos autos. Com efeito, a forma de funcionamento daquele tipo de sociedades (sociedades de investimento) será, precisamente, aquela que a AT sustenta como sendo insusceptível de fundar a aplicação da norma em causa. Com efeito, tais sociedades, realizarão investimentos por conta dos seus clientes, recebendo os correspondentes retornos, que, nos termos do contrato de investimento, serão reconduzidos àqueles, sendo o rendimento económico das sociedades em questão, correspondente às comissões que cobrem. Tal como ocorre com as seguradoras, nos contratos unit link!

            Por fim, diga-se também que o artigo 50.º do CIRC[31], na redacção que resultou do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13/07, veio de alguma forma esclarecer que, na perspectiva do legislador, os rendimentos resultantes dos ativos “afectos a contratos em que o risco de seguro é suportado pelo tomador de seguro” concorrem para o lucro tributável da seguradora.

 

*

            Deste modo, por tudo o que vem de se expor, entendendo-se que carece de suporte legal e de facto a liquidação adicional de IRC contra a qual a Requerente se insurge, deverá a mesma ser anulada.

 

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Cumula a Requerente com o pedido anulatório do acto tributário objeto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade do acto de liquidação cuja quantia a Requerente pagou é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

Os juros indemnizatórios são devidos desde 14-02-2011 até integral pagamento à Requerente das quantias liquidadas, calculados com base no valor de €167.264,13, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)      Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular o ato tributário objeto dos presentes autos e condenar a AT a restituir à Requerente o imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios;

b)      Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de €3.672.00, tendo-se em conta o já pago.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €167.264,13, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.672.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

 

 

Lisboa

1 de Setembro de 2014

 

 

 

 

Os Árbitros

 

 

 

(José Pedro Carvalho – Presidente/Relator)

 

 

 

(João Sérgio Ribeiro)

 

 

 

(José Coutinho Pires)

 



[1] Neste sentido, cfr., por exemplo, o Ac. do STA de 16-11-2011, proferido no processo 0723/11, e disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler: “A impugnação judicial de indeferimento de reclamação graciosa tem por objeto imediato a decisão da reclamação e por objeto mediato os vícios imputados ao ato de liquidação.”.

[2] (Cfr. artigo 2.º/1/a) ) “actos de liquidação de tributos, de autoliquidação,...”.

[3] N.º 33, pp. 25 e ss.. Obra a que, doravante, se reportam as indicações de números de página, sem qualquer referência adicional.

[4] P. 32.

[5] P.34.

[6] P. 33.

[7] P. 34.

[8] P. 36.

[9] P. 59.

[10] Reconhecendo a AT, no relatório de inspeção tributária, que "O Sujeito Passivo ao deduzir estes rendimentos aplicou o nº 2 do artigo 46° do CIRC, o qual dispõe que os rendimentos de acções afectas a provisões técnicas se encontram dispensados dos requisitos da percentagem de participação e do prazo de permanência da titulandade, desde que a sociedade que distribui os lucros tenha sede no território português e esteja sujeita e não isenta de IRC e que a entidade beneficiária náo esteja abrangida pelo regime de transparência fiscal. Os rendimentos foram distribuídos por empresas portuguesas que cumprem as condições referidas.".

[11] P. 56.

[12] P. 60.

[13] P. 69.

[14] Artigo 49.º da Resposta.

[15] P. 69

[16] Idem.

[17] Artigo 74.

[18] P. 36.

[19] P. 50.

[20] P.52.

[21] Artigo 90.

[22] Artigo  106.

[23] Artigo 151.

[24] Artigo 164.

[25] O que seria o caso, por exemplo, se a seguradora actuasse no nome do segurado, sendo um representante ou mandatária deste.

[26] P. 59.

[27] Artigo 169.

[28] Artigo 170.

[29] P. 45.

[30] Norma Regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal (ISP), n.º 4/2007-R, de 27 de Abril (Regulamento n.º 110/2007, publicado no Diário da Republica, 2.ª série, de 8 de Junho de 2007), alterada pela Norma Regulamentar n.º 20/2007-R, de 31 de Dezembro (Regulamento n.o 35/2008, publicado no Diário da Republica, 2.ª série, de 18 de Janeiro de 2008).

[31]Concorrem para a formação do lucro tributável os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor aos activos que estejam a representar provisões técnicas do seguro de vida com participação nos resultados, ou afectos a contratos em que o risco de seguro é suportado pelo tomador de seguro.