Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 523/2020-T
Data da decisão: 2021-06-08  ISV  
Valor do pedido: € 1.314,22
Tema: Artigo 11º do CISV – Conformidade com o artigo 110º do TFUE – Veículos usados provenientes de outros Estados-Membros – Componente ambiental
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Sumário:

I - Subscrevendo a posição que o TJUE tem expressamente assumido, não há dúvidas quanto à incompatibilidade do artigo 11º do CISV, na redação em vigor à data da emissão da liquidação em crise (2019), com o direito da União Europeia, ao fazer impender uma carga tributária agravada sobre os veículos usados provenientes de outros Estados Membros, comparativamente com os nacionais, ao não ter em conta a necessária redução do montante do imposto na componente ambiental.

II – O n.º 4 do artigo 8º da CRP, estabelece o primado do direito comunitário, quando determina que as disposições dos tratados que regem a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito nacionais, nos termos definidos pelos órgãos do direito da União, desde que respeitados os princípios fundamentais do Estado de direito comunitário.

III - Quando as normas de direito ordinário interno não são compatíveis com o direito comunitário, o Tribunal não as pode aplicar suspendendo a sua força vinculativa no caso concreto.

 

O Árbitro Guilherme W. d´Oliveira Martins, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            O Requerente A… solicita na presente impugnação, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa dos atos tributários consubstanciados na liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) n.º 2019/..., no montante de € 6.792,38, concretizada na Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2019/..., datada de 23.04.2019, e da liquidação de ISV n.º 2019/..., no montante de € 1.651,21, concretizada na Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2019/..., igualmente datada de 23.04.2019, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), vem requerer declaração de ilegalidade dos identificados atos tributários, nos seguintes termos:

a.            Em 12.03.2020, o Requerente requereu, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), a revisão oficiosa dos atos tributários.

b.            O presente pedido de constituição de tribunal arbitral é deduzido com cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade dos atos tributários melhor identificados no introito. 8.º Nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, a cumulação de pedidos é admissível quando “(…) a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.”.

c.            É manifesta, no caso sub judice, a verificação dos pressupostos exigidos no supra citado preceito legal para a cumulação de pedidos no âmbito do presente pedido de constituição de tribunal arbitral.

d.            Com efeito, controverte-se nos presentes autos a legalidade das liquidações de ISV respeitantes a dois veículos importados pelo Requerente e por si introduzidos no território nacional, que a administração tributária efetuou na sequência da apresentação das respetivas Declarações Aduaneiras de Veículos (DAV), emitidas ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea b), 7.º e 11.º do Código do ISV.

e.            Considerando, assim, que os atos tributários em apreço se suportam numa mesma base factual e de direito, estão assim verificados os pressupostos da cumulação de pedidos estabelecidos no aludido artigo 3.º, n.º 1, do RJAT.

f.             Em 14.04.2019, o Requerente introduziu em Portugal, com país de procedência “DE – Alemanha”, o veículo automóvel de passageiros, ligeiro, usado, da marca “Mercedes-Benz”, modelo “204 X”, movido a combustível gasóleo, com cilindrada de 2143 cc e emissão de gás CO2 de 129 g/km, conforme Declaração Aduaneira de Veículo (DAV), conforme cópia da declaração aduaneira que se junta como documento n.º 2.

g.            No país de procedência, o preço de aquisição pago foi de € 36.700,00 (cf. doc. n.º 2). 15.º Também na mesma data, o Requerente introduziu em Portugal, com país de procedência “DE – Alemanha”, o veículo automóvel de passageiros, ligeiro, usado, da marca “BMW”, modelo “1K4”, movido a combustível gasóleo, com cilindrada de 1496 cc e emissão de gás CO2 de 96 g/km, conforme Declaração Aduaneira de Veículo (DAV).

h.            No país de procedência, o preço de aquisição pago foi de € 13.000,00 (cf. doc. n.º 3). 17.º No cumprimento das suas obrigações tributárias, o Requerente procedeu à apresentação das respetivas declarações aduaneiras de veículos, tendo a administração tributária liquidado o ISV pelo valor de € 6.792,38 e de € 1.651,21, respetivamente (cf. docs. n.os 2 e 3).

i.             O Requerente procedeu ao pagamento integral do ISV apurado nas DAV, conforme comprovativos de pagamento que se juntam.

j.             Quanto ao veículo da marca “Mercedes-Benz”, do valor total do imposto € 3.408,33 são relativos à componente cilindrada e € 3.384,05 são relativos à componente ambiental, como infra se detalha:

 

k.            No que diz respeito à componente ambiental, não foi deduzida qualquer quantia correspondente ao tempo de uso.

l.             Relativamente ao veículo da marca “BMW”, do valor total do imposto € 1.280,34 são relativos à componente cilindrada e € 370,87 são relativos à componente ambiental, como infra se detalha:

 

m.          Também no que diz respeito à componente ambiental, não foi deduzida qualquer quantia correspondente ao tempo de uso.

n.            Todavia, por não se conformar com os mencionados atos tributários por não ter sido relevado o tempo de uso na componente ambiental, o Requerente apresentou em 12.03.2019 pedido de revisão oficiosa com referência aos mesmos e, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito daquele pedido, deduz o presente pedido de constituição do tribunal arbitral.

o.            Como resulta da factualidade supra, os atos tributários sub judice, emitidos ao abrigo do disposto no artigo 11.º, n.º 1, do Código do ISV, não relevaram no apuramento do ISV devido pela introdução no consumo dos veículos ligeiros de passageiros acima identificados qualquer percentagem de dedução sobre a componente ambiental.

p.            Sucede que, como se demonstrará de seguida, o regime consagrado no artigo 11.º. n.º 1, do Código do ISV, ao prever que as percentagens de redução se aplicam à componente cilindrada, mas não à componente ambiental, colide com o Direito Comunitário, concretamente com o disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). 26.º Por esta razão, não podem os atos de liquidação em apreço, deixar de ser anulados, na parte referente à componente ambiental.

q.            O artigo 5.º do Código do ISV dispõe que “Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”.

r.             No que ora releva, o artigo 2.º do mesmo diploma preceitua que “Estão sujeitos ao imposto os seguintes veículos: a) Automóveis ligeiros de passageiros, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, que se destinem ao transporte de pessoas (…)”.

s.            Em matéria de incidência subjetiva, prevê o artigo 3.º, n.º 1 do Código do ISV que “São sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares, tal como definidos pelo presente código, que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos”.

t.             Por sua vez, estabelece o artigo 16.º do aludido diploma que “Particular é todo o sujeito passivo que proceda à admissão ou importação de veículos tributáveis, em estado novo ou usado, com a finalidade principal de satisfazer as suas necessidades próprias de transporte”.

u.            Resulta das normas supra indicadas que, no caso vertente, o Requerente é sujeito passivo de ISV, particular, que os veículos que importou e em relação aos quais apresentou DAV se encontram sujeitos a semelhante tributação e, por fim, que a importação a que procedeu constitui facto gerador do imposto (cf. artigos 2.º, 3.º, n.º 1, 5.º e 16.º, todos do Código do ISV).

v.            No que diz respeito à introdução no consumo, estabelece o artigo 17.º, n.º 1, do referido Código que “A introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)”.

w.           No n.º 3 da mesma norma, é determinado que “Para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros (…) ficam excluídos ao processamento da DAV”.

x.            Relativamente à introdução no consumo por particulares, como se nos afigura ser o caso vertente, dispõe o artigo 20.º, n.º 1 do Código do ISV que “Os particulares e os sujeitos passivos que não se encontrem constituídos como operadores registados ou operadores reconhecidos estão obrigados à apresentação da DAV nos prazos seguintes: a) No prazo máximo de 20 dias úteis, após a entrada do veículo tributável em território nacional ou após a ocorrência dos factos geradores previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º”.

y.            Assim, tendo os veículos tributáveis entrado em território nacional em 14.04.2019, e tendo o Requerente apresentado as correspondentes DAV em 16.04.2019, resulta demonstrado o cumprimento do prazo preceituado no artigo 20.º, n.º 1 do Código do ISV para a apresentação das mesmas (cf. docs. n.os 1 e 2).

z.            Mais se discrimina, no n.º 2 da aludida norma, os documentos que deverão acompanhar a DAV: “(…) certificado de matrícula estrangeiro ou de documento equivalente, de fatura comercial ou de declaração de venda no caso de aquisição a particular do documento de transporte e respetivo recibo de pagamento sempre que o veículo não ingresse no território nacional pelos seus próprios meios, bem como do documento comprovativo da medição efetiva do nível de emissão de dióxido de carbono por centro técnico legalmente autorizado sempre que tal elemento não conste do respetivo certificado de conformidade”.

aa.          E o mesmo se diga relativamente aos documentos exigidos nesse âmbito, conforme resulta do certificado de matrícula estrangeiro, da fatura comercial e do documento comprovativo da medição efetiva do nível de emissão de dióxido de carbono por centro técnico legalmente autorizado apresentados pela Requerente.

bb.         No que à base tributável do ISV respeitante a automóveis de passageiros diz respeito, cumpre notar que esta assenta em duas componentes – a cilindrada e a componente ambiental.

cc.          Em relação à componente cilindrada, é prevista uma taxa a aplicar consoante a cilindrada e o tipo de veículo (cf. artigos 7.º a 10.º do Código do ISV).

dd.         No que concerne à componente ambiental, é estabelecida uma discriminação positiva entre os veículos a gasolina e os veículos a gasóleo (idem).

ee.         E, relativamente à forma de cálculo do imposto, estabelece o artigo 11.º, n.º 1, do Código do ISV que “O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional (…)”.

ff.           Em face da análise desta norma, facilmente se verifica que inexiste qualquer redução em função dos anos de uso para a componente ambiental, ao invés do que sucede com a componente cilindrada.

gg.          Com efeito, à base da legislação aplicável, um veículo importado está sujeito a uma carga fiscal de ISV semelhante à de um veículo nacional novo (cf. artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do Código do ISV).

hh.         Todavia, não pode o Requerente manifestamente conformar-se com a circunstância de o artigo 11.º, n.º 1, do Código do ISV restringir a redução em função dos anos de uso do veículo apenas à componente cilindrada, pois tal tratamento mostra-se desconforme com o Direito da União Europeia, designadamente, com o artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). Senão vejamos. iv) Desconformidade do artigo 11.º do Código do ISV com o artigo 110.º do TFUE 59.º Tendo presente o primado do Direito da União Europeia sobre o direito nacional, preceituado pelo artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, sempre teria o Estado Português de adotar um sistema de tributação de veículos usados provenientes de outro Estado-Membro e introduzidos no nosso país compatível com o disposto no artigo 110.º do TFUE – designadamente, que não os onere mais em comparação com os veículos usados nacionais.

ii.            Ora, foram já diversas as ocasiões em que o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) se pronunciou sobre a tributação dos veículos usados importados de outros Estados-Membros e introduzidos no território nacional.

jj.            Seguindo de perto o entendimento vertido na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 572/2018-T, de 30.04.2019, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), “(…) dentro da liberdade conformadora que o legislador nacional dispõe para modelar o imposto de forma a proceder à sua cobrança de forma exequível e eficaz, é necessário ter em conta, para além da opinião da Comissão Europeia (…) a jurisprudência comunitária que se vai produzindo”.

kk.          Neste âmbito, foi o acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) de 22.02.2001, denominado “Gomes Valente”, que veio inaugurar uma nova forma de tributação dos veículos usados importados de outros Estados-Membros.

ll.            Esta jurisprudência veio defender o entendimento segundo o qual é importante, na tributação dos veículos usados provenientes de outros Estados-membros, incluir outros fatores de depreciação que não apenas a antiguidade.

mm.      O objetivo da inclusão de outros fatores de depreciação consistiria no facto de a tributação dos veículos usados provenientes de outros Estados-membros não ultrapassar a que resultaria da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional.

nn.         Na mesma linha, foi defendido no acórdão do TJCE n.º 101/00, de 19.09.2002, que contrariava o então artigo 95.º do Tratado de Roma uma tributação nacional dos veículos usados importados em que a respetiva base tributável varie em função da fase de comercialização, quando daí pudesse resultar o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado em território nacional.

oo.         Por fim, o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferido no âmbito do processo n.º C-290/05, de 05.10.2006 (“Caso Ákos”) veio declarar que “(…) o artigo 90.º, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel (…) seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membro, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação.(…)”.

pp.         Resulta ainda deste acórdão o entendimento de acordo com o qual critérios como o tipo de motor, a cilindrada e a classificação assente em fatores ambientais, embora possam ser utilizados no sistema de tributação, não podem fundamentar um imposto que resulte superior ao que resultaria dos produtos nacionais similares.

qq.         Ainda com referência à interpretação do artigo 110.º do TFUE, o TJUE, no seu acórdão de 19.03.2009, proferido no âmbito do processo n.º C-10/08, veio considerar que este artigo visa assegurar a neutralidade das imposições internas no que diz respeito à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados. Em 22.11.2012, a Comissão Europeia dirigiu à República Portuguesa um parecer fundamentado no qual defendia que “(…) o método de cálculo do imposto sobre os veículos usados provenientes de outros Estados-Membros, conforme previsto na regulamentação nacional em causa, constitui uma violação do artigo 110.º TFUE, na medida em que a desvalorização real dos referidos 16 veículos não é considerada para efeitos do cálculo do montante desse imposto”.

rr.           Na sequência do referido parecer, foi intentada a ação que deu origem ao acórdão do TJUE proferido no âmbito do processo n.º C-200/15, de 16.06.2016, por força do qual se entendeu que a República Portuguesa incumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 110.º do TFUE ao aplicar, para efeitos de determinação do valor tributável de veículos usados provenientes de outro Estado-Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema que não tem em conta a desvalorização dos veículos antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos.

ss.          Ora, tendo presente o primado do Direito da União Europeia sobre o direito nacional que o artigo 8.º, n.º 4, da CRP impõe, sempre teria o Estado Português de adotar um sistema de tributação de veículos usados provenientes de outro Estado-Membro e introduzidos no nosso país compatível com o disposto no artigo 110.º do TFUE – designadamente, que não os onere mais em comparação com os veículos usados nacionais.

tt.           Prevê essa norma que “Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares”.

uu.         Embora o TJUE tenha vindo a reconhecer ser este um domínio exclusivo da legislação nacional tem, no entanto, condicionado esta exclusividade ao respeito pelos princípios e liberdades norteadores do Direito da União Europeia, nomeadamente, quanto à proibição de tratamento fiscal discriminatório.

vv.          Pelo que, em face de todo o supra exposto, conclui-se que o regime previsto no artigo 11.º, n.º 1, do Código do ISV, por não prever a depreciação dos veículos no apuramento da componente ambiental que integra o ISV, colide com o disposto no artigo 110.º do TFUE, porquanto conduz a que os veículos usados importados de outros Estados-Membros sejam sujeitos a uma carga tributária superior, quando comparados com os veículos usados adquiridos no mercado nacional.

ww.       Procedendo o presente pedido de pronúncia arbitral, como não poderá deixar de ser decidido, deve o Requerente ser reembolsado do montante de imposto indevidamente suportado, no montante de € 1.184,42, com referência ao veículo “Mercedes-Benz”, e, bem assim, do montante de € 129,80, com referência ao veículo “BMW”.

xx.          Acresce que, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, caso venha a decorrer um ano desde a apresentação do pedido, sem que a mencionada anulação e reembolso tenham ocorrido, assistirá ainda ao Requerente o direito a juros indemnizatórios previstos naquele preceito.

 

 

2.            A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese o seguinte:

a.            Por exceção - Do caso julgado

i.             O Requerente interpôs a presente ação arbitral com os exatos contornos do processo n.º 570/2019-T, que correu termos no CAAD, estando em causa a impugnação das mesmas liquidações e a discussão das mesmas questões materiais.

ii.            Tendo sido proferida, em 07.02.2020, no âmbito do mesmo processo arbitral, decisão arbitral que não chegou a conhecer do mérito da causa, porquanto deu provimento à exceção de caducidade do direito de ação suscitada pela AT.

iii.           O Requerente não apresentou recurso nem impugnou a decisão proferida naquele processo, ao abrigo dos artigos 25.º e 27.º do RJAT, não usando dos meios que a lei prevê para reagir da decisão que lhe foi desfavorável

iv.           Ora, o Requerente poderia discutir superiormente a questão, através da impugnação arbitral, com base na alínea da omissão de pronúncia, dado que a procedência da exceção obstou a que se conhecesse do mérito da causa, tendo-se, no entanto, eximido de recorrer da decisão.

v.            Pelo que a mesma decisão veio a transitar em julgado, ocorrendo caso julgado formal.

vi.           Sendo que, na sequência da prolação da identificada decisão arbitral, o Requerente apresentou revisão oficiosa das liquidações, sem fazer qualquer alusão, agora, ou no momento da apresentação do pedido de revisão, ao facto de se tratar das mesmas liquidações.

vii.          A presente ação não passa de, salvo o devido respeito, uma manobra processual que, todavia, não tem cabimento nesta sede.

viii.         O Centro de Arbitragem Administrativa apresenta-se como uma entidade alternativa de litígios no campo tributário face aos Tribunais Administrativos e Fiscais e somente quanto às matérias elencadas no artigo 2.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

ix.           Recorde-se que a redação inicial do preâmbulo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária referia e refere que: «A introdução no ordenamento jurídico português da arbitragem em matéria tributária, como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, visa três objetivos principais: por um lado, reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, por outro lado, imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo e, finalmente, reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais.»

x.            Não podendo olvidar-se que, logo no preâmbulo do RJAT, o legislador afirme que: “Finalmente, note-se que a instituição da arbitragem não significa uma desjuridificação do processo tributário, na medida em que é vedado o recurso à equidade, devendo os árbitros julgar de acordo com o direito constituído.”

xi.           Esta “desjuridificação” implica, tal como afirma o legislador, que os Tribunais que se constituem sob a égide do Centro de Arbitragem, apliquem o direito constituído e se guiem pelas linhas orientadoras processuais tributárias.

xii.          E, atenta a natureza alternativa da instância judicial arbitral, o artigo 24.º do RJAT veio estabelecer os “Efeitos da decisão arbitral de que não caiba recurso ou impugnação”.

xiii.         Sendo que o n.º 3 do artigo 24.º do RJAT, dispõe que “Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos actos objecto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral.”

xiv.         E que, de acordo com o n.º 4 do mesmo artigo 24.º: “A decisão arbitral preclude o direito de a administração tributária praticar novo acto tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário e período de tributação, salvo nos casos em que este se fundamente em factos novos diferentes dos que motivaram a decisão arbitral.”.

xv.          Devendo o artigo 24.º, n.º 3, do RJAT ser interpretado em conformidade com o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, tendo sempre em atenção o fim e o espírito que emana da lei e que estipula que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

xvi.         Daí que o legislador tenha optado por a contagem dos prazos, para impugnar graciosa ou arbitralmente as liquidações, se reiniciarem a partir da notificação da decisão arbitral que não conheceu do mérito da causa.

xvii.        Admitindo-se, assim, nos termos do n.º 3 do artigo 24.º, que o sujeito passivo, quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão, suscite nova pronúncia arbitral desde que tal ocorra por facto que não lhe seja imputável.

xviii.       Ora, sucede que, tendo o tribunal arbitral decidido, no Proc. n.º 570/2019-T, absolver a AT da instância, em virtude da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente, tal facto, atinente à falta de tempestividade do pedido, só pode ser imputada ao sujeito passivo.

xix.         De facto, o Requerente sabia, ou deveria saber, uma vez que a questão estava e continua a estar entregue a um escritório de advogados, da existência da caducidade do direito de ação, não podendo, por isso, afirmar-se que se tratou de uma decisão surpresa.

xx.          E verificando-se um nexo de causalidade adequada entre a conduta - propositura da ação - e o resultado, o facto é, sem dúvida, imputável ao ora requerente.

xxi.         Não podendo concluir-se que, nos termos e para os efeitos do artigo 24.º, n.º 3, do RJAT, de forma diversa porquanto uma interpretação que defenda que o facto não é imputável ao sujeito passivo, põe fim ao instituto do caso julgado, permitindo a utilização abusiva do CAAD, afetando o próprio prestígio do tribunal.

xxii.        Pois, sempre que um processo termine com a absolvição da instância no CAAD, tal não obsta a que os contribuintes apresentem consecutivas ações arbitrais, nos termos consignados no artigo 24.º, n.º 3, do RJAT, quando a sentença se estabilizou na ordem jurídica, por com ela se ter conformado o Requerente.

xxiii.       Acrescendo que a caducidade do direito de ação é um vício insanável, que não é passível de convite ao aperfeiçoamento e/ou ao suprimento pelo juiz da causa.

xxiv.      Para além de se colocar em causa os princípios da certeza e da segurança jurídica, da estabilização das sentenças transitadas em julgado, corolários do princípio da legalidade, com violação expressa dos artigos 620.º e 621.º do CPC. Por outro lado, o sujeito passivo só pode recorrer a meio alternativo, gracioso ou judicial, no caso de os fundamentos, de facto e de direito, serem diferentes dos invocados no primeiro pedido arbitral.

xxv.       Tal como, nos termos do n.º 4 do artigo 24.º, a decisão arbitral preclude o direito de a administração tributária praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo e período de tributação, excetuando os casos em que a fundamentação assente em factos novos, encontra-se igualmente vedado, ao sujeito passivo, sob pena de violação do princípio constitucional da igualdade, no seu corolário do direito do acesso à justiça, suscitar nova pronúncia arbitral com referência aos mesmos factos e fundamentação.

xxvi.      Assim, além de o não conhecimento de mérito ser imputável ao Requerente, constata-se que os fundamentos invocados no presente pedido arbitral são os mesmos que foram apresentados no pedido arbitral que o antecedeu, pelo que se entende que o pedido de declaração de anulação parcial dos atos de liquidação se deve considerar intempestivo.

xxvii.     Não obstante, veio o Requerente, após a decisão arbitral, apresentar pedido de revisão oficiosa, reagindo agora da decisão de indeferimento tácito, pretendendo abrir, assim, nova via contenciosa arbitral.

xxviii.    Mas, como se sabe, o propósito da exceção do caso julgado é o de obstar a que a mesma causa seja julgada mais do que uma vez, o que brigaria com a força do caso julgado.

xxix.      Por isto ser assim, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no seu CPC Anotado, Almedina, 2014, 3.ª Edição, Volume I, página 551, afirmam que: «Segundo uma orientação doutrinária de peso, a repetição de uma causa com a falta do mesmo pressuposto que originou a absolvição da instância não deve ser admitida (Rosenberg-SchwabGottWald, Zivilprozessrecht, Munchen, Beck, 2010, § 152, II, p. 873), pelo menos quando esteja em causa um pressuposto que coenvolva interesses materiais (…)».

xxx.       Aqui chegados, visto que estão reunidos os pressupostos da exceção dilatória de caso julgado, dado a causa de pedir ser a mesma, os pedidos afigurarem-se idênticos e as partes processuais as que estiveram presentes no processo n.º 570/2019-TCAAD, requer-se que seja decretada a exceção dilatória de caso julgado, a qual obsta ao conhecimento do mérito da causa e implica a absolvição da Requerida da presente instância, nos termos do disposto no artigo 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a) do CPC.

 

b.            Da caducidade do direito de ação

i.             Não obstante o invocado quanto à verificação da exceção de caso julgado, mais se invoca a exceção de intempestividade do presente pedido arbitral, uma vez que o mesmo vem interposto na sequência de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa das liquidações, sendo que, quando este último foi apresentado perante a AT, em 12.03.2020, era intempestivo.

ii.            Com efeito, o Requerente pretende justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento tácito do pedido de revisão, pois, deste modo, estaria aberto o caminho para discutir a legalidade dos atos tributários relativamente aos quais findou já o respetivo prazo de reação.

iii.           Pelo que não pode o tribunal deixar de apreciar a questão da tempestividade do pedido de revisão para efeitos de apreciação e decisão relativamente à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

iv.           Pois se, de acordo com o disposto no artigo 576.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (aplicável subsidiariamente pelo artigo 29.º do RJAT), “as exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor”, importa, assim, começar por analisar esta exceção porquanto a procedência da mesma terá consequências no conhecimento do mérito do pedido arbitral.

v.            O Requerente apresentou em 09.10.2020 o presente pedido de pronúncia arbitral, na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão dos atos de liquidação de ISV referentes às DAV supra identificadas, apresentadas em 16.04.2019 (data de aceitação) junto da Alfândega do Jardim do Tabaco.

vi.           Pedido que apresentou na sequência da decisão proferida no processo arbitral n.º 570/2019-T, que julgou procedente a exceção invocada absolvendo a AT da instância, em virtude da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente Efetivamente, tal pedido foi apresentado intempestivamente pelo que quer fosse apreciado antes ou depois do pedido arbitral, teria inexoravelmente que ser indeferido com fundamento na sua intempestividade.

vii.          Assim, atento o n.º 1 do artigo 78.º (Revisão dos actos tributários) da Lei Geral Tributária, designadamente com referência à primeira parte, que dispõe o seguinte: “A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de 4 anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. (…)”

viii.         Constata-se que, no presente caso, o pedido de revisão das liquidações em crise foi efetuado muito depois de ter decorrido o prazo da reclamação administrativa pelo que, tal pedido só poderia ser apreciado à luz da 2ª parte, do n.º 1, do artigo 78.º da LGT, ou seja, por erro imputável aos serviços.

ix.           Atendendo a que a administração tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sob o espectro do princípio da legalidade, e não tendo a prerrogativa de poder desaplicar normas com base num julgamento de pretensa desconformidade com o direito comunitário (atribuição reservada aos tribunais) será forçoso concluir pela inexistência de imputabilidade aos serviços de erro que fundamente um procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

x.            Com efeito, não pode ser imputado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cf. artigo 266.º, n.º 2 da CRP e artigo 55.º da LGT).

xi.           Em abono da tese defendida pela AT invoca-se jurisprudência arbitral, nomeadamente a que resulta das Decisões Arbitrais proferidas nos Processos n.º 345/2017-T e nº 114/2019 -T, as quais, não obstante respeitarem a outros tributos, e salvaguardadas as devidas diferenças, versam sobre pedidos de revisão da liquidação de imposto, indeferidos por extemporaneidade, cujo indeferimento foi o meio utilizado para justificar a interposição de pedido arbitral.

xii.          Tendo sido, mais recentemente, proferida Decisão Arbitral no Processo nº 362/2020-T, a qual, no âmbito da mesma matéria dos presentes autos, julgou intempestivo o pedido arbitral face à intempestividade do pedido de revisão da liquidação de ISV, na medida em que não se verifica qualquer erro imputável aos serviços.

c.            Por impugnação dos factos

i.             Dos elementos constantes do Processo Administrativo (PA), constituído pelos procedimentos atinentes à introdução no consumo efetuada através das Declarações Aduaneiras de Veículo n.º 2019/... e n.º 2019/..., de 23.04.2019, da Alfândega do Jardim do Tabaco, referentes a dois veículos admitidos em Portugal em 2019, e pelo procedimento de revisão oficiosa, resulta o seguinte:

ii.            Em 16.04.2019 (data de aceitação das DAV) o Requerente procedeu à regularização fiscal de dois veículos ligeiros de passageiros, usados, provenientes de outro Estado-membro, tendo para o efeito processado, para introdução no consumo, através de transmissão eletrónica de dados, as supra identificadas declarações na referida estância aduaneira.

iii.           Conforme resulta do teor das DAV em questão, foram declarados pelo Requerente os veículos das marcas Mercedes-Benz, modelo 204X e BMW, modelo 1K4, aos quais foram atribuídas as matrículas nacionais naquelas identificadas, cujas características constam das inscrições dos Quadros E, F e G, referentes às características do veículo, apresentação do veículo e matrículas anteriores, para os quais se remete.

iv.           Quanto aos veículos em questão constata-se que, para efeitos de aplicação da tabela D prevista no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, se inserem no escalão “Mais de 3 a 4 anos” da tabela em função dos anos de uso, tendo sido aplicada a percentagem de redução correspondente, de 35%, indicada nas respetivas DAV.

v.            E que, no Quadro E da DAV, atinente às características do veículo, consta, na casa 50, relativa à Emissão de Gases CO2, o valor de 194g/Km e 96g/Km, respetivamente.

vi.           De acordo com o Quadro R da DAV, o cálculo do imposto sobre veículos foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos do artigo 7.º do CISV.

vii.          As liquidações do imposto foram efetuadas conforme indicado nos Quadros R e T da declaração, incluindo esta, igualmente, a identificação dos atos de liquidação (n.º 2019/... e n.º 2019/..., de 16.04.2019), o montante liquidado e o termo final do prazo de pagamento, bem como a identificação do autor do ato.

viii.         Na sequência da decisão arbitral de 07.02.2020, que recaiu sobre a impugnação arbitral (Proc. n.º 570/2019-T) dos mesmos atos de liquidação, o Requerente apresentou, em 12.03.2020, ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, um pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de ISV.

ix.           Em 09.10.2020, o Requerente apresentou junto da instância arbitral com fundamento no indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, o presente pedido de constituição de tribunal arbitral peticionando o reembolso de 1.314,22 €, acrescido dos juros indemnizatórios.

x.            Defende o Requerente que as liquidações de ISV são ilegais por violação do artigo 110.º do TFUE, por não ter sido aplicada redução de anos de uso à componente ambiental, devendo ser parcialmente anulada na parte em que não se fez aplicação da redução naquela componente.

xi.           A regularização fiscal de um veículo depende da sua introdução no consumo encontrando-se esta, para aquele efeito, sujeita ao processamento de uma Declaração Aduaneira de Veículo, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do CISV, o que se verificou relativamente aos veículos em causa nos presentes autos.

xii.          E, no caso concreto, o imposto foi calculado de acordo com o previsto no artigo 7.º. do CISV, tendo sido aplicada uma redução para a componente ambiental nos termos deste artigo, não tendo sido aplicada outra/nova redução à componente ambiental porque tal redução não se encontrava prevista no artigo 11.º do CISV, ao contrário do estabelecido para a componente cilindrada, que consagrava reduções em função dos “anos de uso” de acordo com a tabela D.

xiii.         Efetivamente, de acordo com o previsto nos supracitados artigos 5.º, n.º 1 e n.º 3, alínea a), 3.º, n.º 1, 6.º, n.º 1, alínea b), e n.º 3, 7.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, 11.º n.º 1 e n.º 3, todos do CISV, os veículos foram introduzidos no consumo e tributados em sede de imposto sobre veículos, nos termos da lei.

xiv.         E porque se trata de veículos ligeiros de passageiros, usados, com emissão de gases CO2, conforme indicado nas respetivas DAV, os serviços aduaneiros efetuaram o cálculo do imposto devido, por aplicação da tabela A prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea a), recorrendo igualmente à aplicação da redução por anos de uso prevista na tabela D no n.º 1 do artigo 11º do CISV para a componente cilindrada.

xv.          Resultando, assim, comprovados, face à lei aplicável, os pressupostos da tributação e, em concreto, das liquidações de ISV, tendo, consequentemente, os veículos sido tributados de acordo com o regime plasmado no CISV em vigor à data das liquidações.

xvi.         E, não obstante a alteração ao artigo 11.º do CISV tenha surgido após o acórdão proferido no Processo n.º C- 200/15 do TJUE, este não se pronuncia, em concreto, sobre a matéria em causa nos presentes autos, designadamente quanto à questão da percentagem de redução de ISV aplicável a veículo usado incidir apenas sobre o elemento específico de tributação (Cilindrada), e não sobre a componente ambiental do ISV, limitando-se aquele a analisar a questão da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado-Membro, introduzidos no território nacional, no sentido de afirmar que um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes destes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º do TFUE.

xvii.        O modelo de tributação do ISV, resultante da aprovação do CISV pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, foi norteado por preocupações ambientais com respeito pelas diretrizes emanadas pelas instâncias comunitárias e pelos compromissos assumidos no âmbito do Protocolo de Quioto e, mais tarde, pelo Acordo de Paris.

xviii.       Acrescendo que o estabelecido no artigo 191.º do TFUE, tendo surgido depois do artigo 90.º do TCE (anterior 110.º do TFUE), exige que se proceda a uma interpretação atualista, no que concerne ao enquadramento da questão sub judice, que deve atender aos elementos sistemático e teleológico, porquanto, naquele dispositivo, afirma-se, expressamente, no n.º 1, que a política da União, no domínio do ambiente, contribuirá para a prossecução, entre outros, da preservação, da proteção e a melhoria da qualidade do ambiente, não podendo o artigo 110.º do TFUE ser interpretado nos termos defendidos pelo Requerente.

xix.         Devendo, pois, a interpretação do artigo 110.º do TFUE ser efetuada à luz do disposto no artigo 191.º do mesmo tratado, sob pena de conflitualidade e desarmonia entre as duas normas, a não ser que o TJUE, em sede de interpretação, venha defender a existência de tal violação e que a norma do artigo 110.º do TFUE tem valor superior ao previsto no artigo 191.º quanto à proteção e a melhoria da qualidade ambiental. A alteração ao artigo 11.º do CISV operada pela Lei n.º 22-A/2007 encontrava-se, assim, também, em consonância com o disposto no artigo 1.º do mesmo código, que consagra o “Princípio da Equivalência”, nos termos do qual o imposto sobre veículos obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

xx.          Face ao previsto no n.º 1, do artigo 11.º do CISV, constata-se que o legislador teve em consideração que a componente ambiental representa o custo do impacto ambiental, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 11.º do CISV, também suportada pelos veículos novos, devendo a mesma ser entendida como um montante que os sujeitos passivos pagam ao Estado, destinado a compensar os efeitos nefastos que o veículo automóvel causa ao ambiente, sendo que esse montante é progressivo em função das emissões de dióxido de carbono.

xxi.         Pelo que, em nome da unidade e da coerência do modelo de tributação automóvel vigente em Portugal, a não aplicação da totalidade da componente ambiental aos veículos usados violaria os princípios suprarreferidos, tornando-se fonte de graves injustiças, já que beneficiaria claramente os veículos usados em detrimento dos novos, sem que, para tal, se encontrem razões válidas. Assim, a interpretação do disposto no artigo 110.º do TFUE não poderá deixar de ter em consideração os objetivos ambientais acima referidos, sob pena de se gerarem incoerências insustentáveis entre a política fiscal e a política ambiental.

xxii.        Mais acrescendo que o n.º 2 do artigo 191.º, enfatiza o princípio do poluidor pagador ao postular que “A política da União no domínio do ambiente terá por objetivo atingir um nível de proteção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da União. Basear-se-á nos princípios da precaução e da ação preventiva, da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador”.

xxiii.       Em última análise, procurou-se, como se viu, aplicar o princípio da equivalência consagrado no artigo 1.º do CISV, bem como o princípio do poluidor pagador, já que, se o regime nacional atribuísse um desconto comercial à componente ambiental do ISV para veículos usados adquiridos noutro Estado-Membro da União Europeia, estaria a subverter aquele princípio e a atribuir um alívio fiscal à admissão e importação de veículos usados mais poluentes.

xxiv.      A aplicação do disposto no artigo 11.º do CISV não pretendia restringir a entrada de veículos em território nacional para proteger a produção nacional, nem obstava à admissão de veículos usados em território nacional, nem, tampouco, visava impedir a realização de negócios jurídicos de compra e venda de veículos automóveis, visto que eram, e continuaram a ser processadas inúmeras declarações aduaneiras de veículos, de regularização fiscal de veículos em território nacional, provenientes de outros Estados-membros, conforme resulta dos dados atinentes ao número de matrículas atribuídas nos últimos anos.

xxv.       Por outro lado, a aplicação da mesma percentagem de redução às duas componentes, por não se encontrar prevista na lei, dá origem a um desagravamento que, por via da alteração à taxa do imposto, incentivava os consumidores a utilizarem veículos mais poluentes, interpretação que não pode deixar de se considerar inconstitucional face ao disposto no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa.

xxvi.      E, estando em causa matéria de elevada relevância social, e bem assim, a existência de disposições legais e objetivos de defesa ambiental definidos ao nível da União Europeia, internacional e nacional, entende-se que, no caso concreto, não deve ser aplicada à componente ambiental a mesma redução que é aplicada à componente cilindrada no âmbito da tributação automóvel, concretamente no que se refere ao cálculo do imposto, que deve ser efetuado nos termos dos artigos 7.º e 11.º do CISV, na redação que lhe foi aplicada.

xxvii.     Acrescendo que, em rigor, os artigos 7.º e 11.º do CISV não violam a norma prevista no artigo 110.º do TFUE, por gerarem uma descriminação negativa dos veículos usados admitidos no território nacional, uma vez que estes artigos não são de aplicação exclusiva aos veículos usados admitidos no território nacional A interpretação do artigo 11.º do CISV defendida pelo Requerente resulta, desde logo, uma violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 266.º (Princípios fundamentais) da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual, além de estabelecer, no n.º 1, que a administração pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos, impõe aos órgãos e agentes administrativos a subordinação à Constituição e à lei, devendo atuar no exercício das suas funções com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (n.º 2).

xxviii.    Concomitantemente, no que concerne ao princípio da legalidade tributária, nos termos do artigo 8.º da Lei Geral Tributária, estão sujeitos a este princípio a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, bem como a liquidação e cobrança dos tributos.

xxix.      Ora, no caso concreto a administração tributária agiu nos termos da lei, de acordo com as normas de incidência, taxas e liquidação do imposto em causa, não podendo ter atuado de modo diferente, face ao direito constituído sob pena de violar os referidos princípios da legalidade e da justiça tributária, da igualdade e da segurança jurídica.

xxx.       Assim, relativamente às liquidações que vêm impugnadas, foram efetuadas de acordo com as normas aplicáveis em vigor, designadamente as constantes do artigo 7.º e do artigo 11.º do CISV, não sendo possível retirar da letra da lei, no caso, do artigo 11.º do CISV, ou de outra norma do mesmo código, a aplicação da redução prevista na admissão de veículos usados, para a componente cilindrada, à componente ambiental, além da aplicada por força do artigo 7.º.

xxxi.      Sendo que o intérprete tem de se socorrer dos elementos lógicos para determinar, designadamente, o espírito da lei, a sua racionalidade (razão de ser/ratio legis).

xxxii.     Nesta medida, a interpretação do Requerente ofende claramente o princípio da equivalência previsto no artigo 1.º do CISV, sobre o qual assenta o atual modelo de tributação automóvel, o artigo 9.º, alínea e) e o artigo 66.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, ocorrendo uma violação do princípio constitucional do Estado de direito ambiental.

xxxiii.    Além dos demais pedidos formulados, peticiona ainda o Requerente o pagamento de juros indemnizatórios que, no seu entender, seriam devidos por conta da ilegalidade dos atos de liquidação.

xxxiv.    No que concerne ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, diga-se que, ainda que venha a considerar-se que o pedido arbitral deva proceder, o que só por dever de raciocínio se concebe, não poderá, todavia, aquele proceder.

xxxv.     De facto, o direito a juros indemnizatórios, consagrado no artigo 43.º da Lei Geral Tributária, pressupõe que se apure a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

xxxvi.    E, no caso concreto, não se verifica a existência de qualquer erro que possa ser imputável à administração tributária.

xxxvii.   É que, efetivamente, a liquidação em causa nos presentes autos decorreu exclusivamente da aplicação da lei em vigor, tendo sido efetuada nos termos das normas aplicáveis, previstas no CISV, que determinam a exigibilidade e consequente liquidação do imposto, o que nem sequer é posto em causa pelo Requerente.

xxxviii.  E, estando a AT e os seus órgãos, vinculados, na sua atuação, ao princípio da legalidade, a Requerida agiu, sempre, em obediência àquele e em conformidade com o direito em vigor, não podendo ter agido de modo diverso, não devendo, consequentemente, ser-lhe atribuído qualquer erro que lhe seja imputável, nos termos do artigo 43.º da LGT, posição que já foi sufragada em sede arbitral, conforme resulta das decisões proferidas nos Processos n.º 348/2019-T, n.º 34/2020-T, n.º 52/2020-T e 204/2020-T.

xxxix.    Pelo que, face ao invocado, tendo a AT agido no cumprimento estrito da lei, não se verifica qualquer erro de que possa resultar o pagamento indevido do imposto, sob pena de se verificar com tal interpretação, uma violação, também aqui, do invocado princípio constitucional da legalidade e legalidade fiscal, não devendo assistir, por conseguinte, ao Requerente, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

3.            Tendo sido notificada para tal, a Requerente pronunciou-se sobe a exceção suscitada pela requerida, com os seguintes argumentos principais:

a.            Quanto ao caso julgado

i.             De facto, em 28.08.2019 o Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral, o qual teve por objeto os atos de liquidação sub judice.

ii.            Sucede que, por decisão arbitral 02.07.2020, proferida no âmbito do processo n.º 570/2019-T o Tribunal Arbitral absolveu a administração tributária da instância.

iii.           Com efeito, na referida decisão arbitral e ao arrepio do disposto no artigo 279.º, alínea e) do Código Civil (CC), aplicável ex vi artigo 29.º, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e artigo 20.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o Tribunal Arbitral julgou procedente a exceção de intempestividade invocada pela administração tributária referindo-se no segmento decisório da decisão: “Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral absolver da instância a AT, em virtude da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente e condenar o Requerente nos encargos do presente processo.” (cf. decisão arbitral disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=570%2F2019- T&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=4664)

iv.           Por força da procedência daquela exceção, o Tribunal Arbitral não apreciou do mérito do pedido.

v.            Deste modo, não tendo o Tribunal Arbitral apreciado do mérito do pedido, mas limitando-se a absolver a administração tributária da instância, nada obsta a que o Requerente proponha uma nova ação, neste caso e por estarem verificados os pressupostos previstos no artigo 78.º, n.º 1, da LGT um pedido de revisão oficiosa, seguido de pedido de pronúncia arbitral.

vi.           Neste ponto é curial a distinção entre a absolvição da instância e a absolvição do pedido.

vii.          A absolvição do pedido verifica-se quando o juiz se pronuncia sobre o mérito da questão e julga improcedente a pretensão do autor.

viii.         Transitada em julgado a decisão de absolvição do pedido, o autor fica impedido de propor uma nova ação respeitante ao mesmo objeto, sob pena de, fazendo-o, se verificar a exceção dilatória de caso julgado [cf. artigos 577.º, alínea i), e 578.º do Código de Processo Civil (CPC)].

ix.           A absolvição da instância verifica-se quando o juiz se abstém de conhecer do pedido, por verificar algum impedimento de natureza processual, nomeadamente, por incompetência absoluta do Tribunal, caducidade do direito de ação, ilegitimidade, entre outras.

x.            Pelo que, transitada em julgado a decisão de absolvição da instância, o autor pode propor uma nova ação respeitante ao mesmo objeto.

xi.           De facto, “(…) a absolvição da instância unicamente se extingue a relação jurídica processual mas a relação jurídica substancial mantém-se intacta podendo ser objeto de nova ação. A sentença de absolvição da instância não dá lugar à formação de caso julgado material mas apenas ao caso julgado formal (artº 672 do C.P.C.) que incide tão só sobre questões de carácter processual e apenas obsta a que na mesma ação se possa alterar a decisão, mas nada impede que noutra ação a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes.” (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14.10.2004, proferido no processo n.º 267/04-2).

xii.          Aliás, tal possibilidade encontra-se expressamente prevista no artigo 279.º, n.º 1, do CPC o qual prevê que “A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto.”

xiii.         Enquanto a decisão de absolvição do pedido faz caso julgado material, impedido que o mesmo ou outro tribunal possam decidir o mesmo pedido ou pretensão; a decisão de absolvição da instância faz caso julgado formal, não obstando, pois, a que o mesmo pedido ou pretensão seja apreciado numa outra ação.

xiv.         “O caso julgado forma incide apenas e tão-só sobre questões de carácter processual. Daí que a sua força obrigatória se limite ao próprio processo, já que apenas obsta a que o julgador possa, na mesma ação, alterar a decisão proferida. Nada impede, porém, que noutra ação a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes, pelo mesmo ou outro tribunal.

xv.          Em face do exposto, conclui-se não assistir razão à Requerida, devendo a invocada exceção dilatória ser julgada improcedente.

xvi.         Não assiste qualquer razão à Requerida quando refere que na douta resposta que “(…) não passa de uma manobra processual que (…) não tem cabimento nesta sede.” (cf. artigo 10.º da Resposta).

xvii.        De facto, não está em causa uma qualquer manobra processual, mas uma possibilidade que encontra consagração no ordenamento jurídico em concretização do princípio constitucional do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

xviii.       Pelo que, a admitir-se a interpretação ora sufragada pela Requerida, a qual impede a apreciação do mérito do pedido formulado pelo Requerente, estar-se-á a violar aquele princípio constitucional, o que desde já se invoca para os devidos efeitos.

xix.         De reiterar, ainda, que o presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, não lhe sendo, portanto, aplicável a disciplina legal vertida no artigo 24.º, n.º 3, do RJAT. Acresce que, a disciplina legal vertida naquele preceito legal não obsta a que, na sequência da absolvição da instância, o Requerente lance mão de outros meios processuais, como seja in casu o pedido de revisão oficiosa.

xx.          Por fim, também o disposto no artigo 24.º, n.º 4, do RJAT não obsta à apresentação do pedido de revisão oficiosa e subsequente pedido de pronúncia arbitral.

xxi.         Assim, em face de todo o exposto, deve a invocada exceção dilatória de caso julgado ser julgada improcedente.

b.            Quanto à caducidade do direito de ação

i.             Refere ainda a Requerida que o presente pedido de pronúncia arbitral “(…) vem interposto na sequência de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa das liquidações, sendo que, quando este último foi apresentado perante a AT, em 12.03.2020, era intempestivo.” (cf. artigo 35.º da Resposta).

ii.            De acordo com a Requerida, o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente “(…) foi efetuado muito depois de ter decorrido o prazo da reclamação administrativa pelo que, tal pedido só poderia ser apreciado à luz da 2ª parte, do n.º 1, do artigo 78º da LGT, ou seja, por erro imputável aos serviços.” (cf. artigo 43.º da Resposta).

iii.           Para a Requerida, “(…) o prazo de 120 dias para apresentação do pedido de revisão oficiosa das liquidações, por iniciativa do sujeito passivo (…)” encontra-se ultrapassado, sendo que “(…) à data dos factos tributários, a AT aplicou aos mesmos a lei aplicável em vigor, em estrita observância do princípio da legalidade, não existindo, pois, erro imputável aos serviços que fundamente a 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.” (cf. artigo 53.º da Resposta).

iv.           Conclui, assim, a Requerida, que “(…) tendo o pedido de revisão sido apresentado depois do prazo previsto na lei, encontra-se igualmente ultrapassado o prazo de 90 dias, contados após o termo do prazo de pagamento do imposto, para apresentação do pedido arbitral, que só veio a ser efetuado em 09.10.2020.”, pelo que se verifica a exceção de caducidade do direito de ação, com a consequente absolvição da Requerida do pedido.

v.            Todavia, salvo o devido respeito, também não pode este entendimento proceder.

vi.           Como referido supra, o presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT in fine, ou seja, no prazo de quatro anos com fundamento em erro imputável aos serviços.

vii.          No caso em apreço, e contrariamente ao defendido pela Requerida, os serviços da administração tributária não se encontravam impedidos de desaplicar o artigo 11.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre Veículos (ISV), na parte em que restringe a redução em função dos anos de uso do veículo apenas à componente cilindrada, por tal tratamento ser desconforme com o Direito da União Europeia, designadamente, com o artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e, nessa medida, o erro é-lhes imputável. A esta conclusão não obsta a obediência ao princípio da legalidade consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP, e no artigo 55.º da LGT.

viii.         Dispõe o artigo 266.º, n.º 2, da CRP que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.”.

ix.           Ora, é desde logo desta norma que resulta a subordinação da Administração Pública (de que os serviços da administração tributária são parte integrante) à Lei Fundamental e, só em seguida, a sua subordinação à lei e às demais normas infraconstitucionais.

x.            Ou seja, os serviços da administração tributária encontram-se obrigados a cumprir todas as fontes normativas, de onde resulta, prima facie, um dever de obediência à CRP, enquanto Lei Fundamental e, nessa medida, não lhes está autorizada a emissão de atos tributários que, porque assentes em normas contrárias ao Direito da União Europeia, contrariam a Lei Fundamental; antes recai sobre eles a obrigação de os desaplicar. De facto, decorre do artigo 8.º, n.º 4, da CRP que “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo Direito da União, com respeito pelos princípios do Estado de direito democrático.”, estabelecendo-se, assim, o primado do Direito da União Europeia sobre a ordem jurídica nacional.

xi.           Pelo que, com este fundamento, não poderá subsistir o argumento da Requerida de que o princípio da legalidade impedia os serviços da administração tributária de desaplicar o artigo 11.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre Veículos (ISV), na parte em que restringe a redução em função dos anos de uso do veículo apenas à componente cilindrada, por tal tratamento ser desconforme com o artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

xii.          Por outro lado, o respeito pela hierarquia das fontes de Direito impede os serviços da administração tributária de aplicar normas de grau inferior que ofendam normas hierarquicamente superiores, em obediência ao disposto no artigo 3.º, n.º 3, da CRP. 48.º Nesse sentido, defendeu-se na decisão arbitral de 23.01.2021, proferida no processo n.º 202/2020- T, que “(…) a legalidade da atuação da Administração Tributária tem forçosamente que se traduzir numa conformidade dessa atuação com todo o ordenamento jurídico, a começar pelas normas de nível hierárquico superior, que é o caso, precisamente, dos tratados da União. E havendo uma incompatibilidade entre uma destas normas de nível superior e uma norma de nível inferior, a legalidade da atuação da Administração Tributária exige o respeito pela primeira e o desrespeito pela segunda.”.

xiii.         Por fim, a subordinação do Estado à CRP, prevista no artigo 3.º, n.º 2, da Lei Fundamental, também apoia a conclusão de que recai sobre os serviços da administração tributária a obrigação de desaplicar normas contrárias ao Direito da União Europeia.

xiv.         Desta forma, o argumento de que a Requerida se socorreu, no sentido de que não assistia aos serviços da administração tributária a obrigação de desaplicar a lei em vigor com fundamento em desconformidade com o Direito da União Europeia, por respeito ao princípio da legalidade, não colhe, porquanto estes se encontram vinculados, em primeiro lugar, à CRP – que impõe, como vimos, um primado do Direito da União Europeia sobre a ordem jurídica nacional – e só de seguida à lei e às demais normas infraconstitucionais.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 09-10-2020, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 12-10-2020. Em 02-12-2020, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou com árbitro do Tribunal Arbitral Singular o aqui signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 02-12-2020, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral Singular ficou, assim, constituído em 05-01-2021, tendo sido proferido despacho arbitral em 05-01-2021 em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

Por força da legislação introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que procedeu à nona alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pelas Leis n.os 4-A/2020, de 6 de abril, 4-B/2020, de 6 de abril, 14/2020, de 9 de maio, 16/2020, de 29 de maio, 28/2020, de 28 de julho, 58-A/2020, de 30 de setembro, 75-A/2020, de 30 de dezembro, e 1-A/2021, de 13 de janeiro, que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19. (legislação COVID 19), ocorreu uma suspensão de todos os prazos judiciais em curso nos tribunais judiciais e arbitrais entre 2 de fevereiro de 2021 e 5 de abril de 2021.

 

A Lei nº 13-B/2021, de 5 de abril veio revogar o regime de suspensão generalizada dos prazos processuais e procedimentais, bem como reforçar o regime processual excecional e transitório aplicável às diligências processuais e determinar quais os prazos, atos e processos que continuam suspensos. Como resultado do regime previsto no artigo 6.º-B da supra referida Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, os prazos estiveram suspensos, o que justifica o decurso de tempo entre a notificação nos termos do artigo 17.º do RJAT e a resposta da AT teve de aguardar o prazo para a elaboração da referida resposta.

 

A AT apresentou a sua Resposta, em tempo, em 20-04-2020.

Em 22-04-2021 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

“Notifique-se o Requerente para se pronunciar sobre a matéria de exceção suscitada pela Requerida.

Notifiquem-se, ainda, ambas as partes da intenção de o Tribunal Arbitral dispensar a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, por desnecessidade, para se pronunciarem, querendo.

Prazo: 5 (cinco) dias.”

 

A Requerente pronunciou-se, conforme já exposto supra.

 

Em 21-5-2021 foi proferido o seguinte Despacho arbitral:

 

“Dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por se afigurar desnecessária, notifiquem-se as partes para apresentarem alegações, facultativas e sucessivas, fixando-se o prazo de 10 dias.

A prolação da decisão arbitral ocorrerá até à data limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, advertindo-se a Requerente que deve previamente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

 

As partes apresentaram as respetivas alegações.

 

POSTO ISTO:

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

Admite-se a cumulação de pedidos, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, por estarem em causa a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

O processo não enferma de nulidades.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

II. DECISÃO

A.           MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

a.            Em 14.04.2019, o Requerente introduziu em Portugal, com país de procedência “DE – Alemanha”, o veículo automóvel de passageiros, ligeiro, usado, da marca “Mercedes-Benz”, modelo “204 X”, movido a combustível gasóleo, com cilindrada de 2143 cc e emissão de gás CO2 de 129 g/km, conforme Declaração Aduaneira de Veículo (DAV), conforme cópia da declaração aduaneira junta.

b.            No país de procedência, o preço de aquisição pago foi de € 36.700,00 (cf. doc. n.º 2). 15.º Também na mesma data, o Requerente introduziu em Portugal, com país de procedência “DE – Alemanha”, o veículo automóvel de passageiros, ligeiro, usado, da marca “BMW”, modelo “1K4”, movido a combustível gasóleo, com cilindrada de 1496 cc e emissão de gás CO2 de 96 g/km, conforme Declaração Aduaneira de Veículo (DAV).

c.            No país de procedência, o preço de aquisição pago foi de € 13.000,00 (cf. doc. n.º 3). 17.º No cumprimento das suas obrigações tributárias, o Requerente procedeu à apresentação das respetivas declarações aduaneiras de veículos, tendo a administração tributária liquidado o ISV pelo valor de € 6.792,38 e de € 1.651,21, respetivamente (cf. docs. n.os 2 e 3).

d.            O Requerente procedeu ao pagamento integral do ISV apurado nas DAV.

e.            Quanto ao veículo da marca “Mercedes-Benz”, do valor total do imposto € 3.408,33 são relativos à componente cilindrada e € 3.384,05 são relativos à componente ambiental.

f.             Relativamente ao veículo da marca “BMW”, do valor total do imposto € 1.280,34 são relativos à componente cilindrada e € 370,87 são relativos à componente ambiental.

g.            Em 16.04.2019 (data de aceitação das DAV) o Requerente procedeu à regularização fiscal de dois veículos ligeiros de passageiros, usados, provenientes de outro Estado-membro, tendo para o efeito processado, para introdução no consumo, através de transmissão eletrónica de dados, as supra identificadas declarações na referida estância aduaneira.

h.            Conforme resulta do teor das DAV em questão, foram declarados pelo Requerente os veículos das marcas Mercedes-Benz, modelo 204X e BMW, modelo 1K4, aos quais foram atribuídas as matrículas nacionais naquelas identificadas, cujas características constam das inscrições dos Quadros E, F e G, referentes às características do veículo, apresentação do veículo e matrículas anteriores, para os quais se remete.

i.             Quanto aos veículos em questão constata-se que, para efeitos de aplicação da tabela D prevista no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, se inserem no escalão “Mais de 3 a 4 anos” da tabela em função dos anos de uso, tendo sido aplicada a percentagem de redução correspondente, de 35%, indicada nas respetivas DAV.

j.             E que, no Quadro E da DAV, atinente às características do veículo, consta, na casa 50, relativa à Emissão de Gases CO2, o valor de 194g/Km e 96g/Km, respetivamente.

k.            De acordo com o Quadro R da DAV, o cálculo do imposto sobre veículos foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos do artigo 7.º do CISV.

l.             As liquidações do imposto foram efetuadas conforme indicado nos Quadros R e T da declaração, incluindo esta, igualmente, a identificação dos atos de liquidação (n.º 2019/... e n.º 2019/..., de 16.04.2019), o montante liquidado e o termo final do prazo de pagamento, bem como a identificação do autor do ato.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

B. DO DIREITO

 

B.1. QUANTO À EXCEÇÃO

 

Preliminarmente, tendo sido suscitada pela Requerida a exceção dilatória de caso julgado, a qual obsta ao conhecimento do mérito da causa e implica a absolvição da Requerida da presente instância, nos termos do disposto no artigo 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a) do CPC, torna-se necessário começar por analisar esta exceção, porquanto a procedência da mesma terá consequências no conhecimento do mérito do pedido arbitral.

 

Não entendemos, contudo, que esteja verificada esta exceção porquanto o instituto da revisão do ato tributário é bem diverso do instituto da reclamação graciosa. Na verdade, o que sucedeu no processo é que o Requerente:

a)            tendo interposto impugnação no processo n.º 570/2019-T, que correu termos no CAAD, foi proferida, em 07.02.2020, no âmbito do mesmo processo arbitral, decisão que não chegou a conhecer do mérito da causa, porquanto deu provimento à exceção de caducidade do direito de ação suscitada pela AT;

b)           apresentou, após a referida decisão arbitral, nova impugnação no CAAD, na sequência de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa das liquidações.

 

Na verdade, a questão que a Requerida coloca é outra bem diversa – a exceção da incompetência material do tribunal arbitral, que está intimamente relacionada com a natureza e utilidade da revisão do ato tributário – pelo que se torna necessário começar por analisar esta exceção, porquanto a procedência da mesma terá consequências no conhecimento do mérito do pedido arbitral.

 

Este Tribunal tem uma perspetiva menos restritiva da competência dos tribunais arbitrais tributários , considerando que nela se inclui a apreciação da ilegalidade oriunda de ato de indeferimento do pedido de revisão do ato tributário, alinhado com uma vasta jurisprudência nesse sentido.

 

Entende-se, desde logo, que a própria definição do processo de revisão do ato tributário vai nesse sentido “ A revisão do ato tributário no âmbito da LGT, constitui um meio administrativo de correção de erros de atos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses atos, a deduzir nos prazos normais respetivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração”.

 

Por outro lado, o recurso à via administrativa tem subjacente a submissão à Administração Tributária de todos os atos relativamente aos quais esta entidade não se pronunciou ou não foi chamada a intervir, pelo que não é exigível que tenha de ser apresentada (ou até mesmo admitida) uma reclamação graciosa nos termos contemplados no citado artigo 131.º do CPPT, servindo o propósito desse prévio filtro administrativo o pedido de revisão do ato tributário.

 

Assim, entendemos que excluir da jurisdição arbitral apenas e só porque o meio utilizado não se compadeceu com a reclamação graciosa intempestiva acarretaria uma violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, tal como se encontra consagrada no artigo 20.º da CRP.

 

No mesmo sentido que o ora propugnado se alinha a Jurisprudência designadamente o processo nº 08599/15, de 27 de abril de 2017 e o processo nº 44/18, datado de 25 de junho de 2019, designadamente, no seguinte:

 

«A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação.

Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

“O alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de atos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de atos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o ato, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de atos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do ato tributário em vez da reclamação graciosa.»

 

É assim de concluir que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa, pelo que este tribunal arbitral se considera competente em razão da matéria, improcedendo a exceção de caso julgado por falta de fundamento.

 

 

B.2. QUANTO À TEMPESTIVIDADE DO PEDIDO DE IMPUGNAÇÃO

 

No caso em apreço, os motivos invocados pela Requerida para o indeferimento da revisão oficiosa foram, em suma, os seguintes:

             O Requerente apresentou em 09.10.2020 o presente pedido de pronúncia arbitral, na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão dos atos de liquidação de ISV referentes às DAV supra identificadas, apresentadas em 16.04.2019 (data de aceitação) junto da Alfândega do Jardim do Tabaco.

             Pedido que apresentou na sequência da decisão proferida no processo arbitral n.º 570/2019-T, que julgou procedente a exceção invocada absolvendo a AT da instância, em virtude da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente

             Efetivamente, tal pedido foi apresentado intempestivamente pelo que quer fosse apreciado antes ou depois do pedido arbitral, teria inexoravelmente que ser indeferido com fundamento na sua intempestividade.

             Assim, atento o n.º 1 do artigo 78.º (Revisão dos actos tributários) da Lei Geral Tributária, designadamente com referência à primeira parte, que dispõe o seguinte:

“A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de 4 anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. (…)”

             O pedido de revisão das liquidações em crise foi efetuado muito depois de ter decorrido o prazo da reclamação administrativa pelo que, tal pedido só poderia ser apreciado à luz da 2ª parte, do n.º 1, do artigo 78.º da LGT, ou seja, por erro imputável aos serviços, sendo que se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sob o espectro do princípio da legalidade, e não tendo a prerrogativa de poder desaplicar normas com base num julgamento de pretensa desconformidade com o direito comunitário (atribuição reservada aos tribunais).

 

A Requerida defende assim a inadmissibilidade da revisão oficiosa, por não estarem reunidos os requisitos de que o art. 78.º da LGT a faz depender. Ou seja, inexistindo erro imputável aos serviços, o pedido de revisão oficiosa foi extemporâneo.

 

O pedido de revisão oficiosa está sujeito aos prazos estabelecidos no artigo 78º da Lei Geral Tributária (LGT), como a seguir se transcreve (na redação em vigor à data que que o pedido de revisão oficiosa identificado nos autos foi interposto):

 

«Artigo 78.º

Revisão dos atos tributários

1 – A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 – Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação (número já revogado pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março).

3 – A revisão dos atos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respetivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4 – O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com

fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5 – Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6 – A revisão do ato tributário por motivo de duplicação de coleta pode efetuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7 – Interrompe o prazo da revisão oficiosa do ato tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.»

 

No nº 1 artigo 78º da LGT estão previstas duas situações sujeitas a prazos diferentes:

             Por um lado, a revisão do ato tributário por iniciativa do sujeito passivo, a efetuar dentro do prazo de 120 dias previsto para a reclamação graciosa, com fundamento em qualquer ilegalidade (1ª parte do nº 1);

             Por outro lado, a revisão do ato tributário por iniciativa da Autoridade Tributária, dentro do prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não estiver pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (2ª parte do nº 1).

 

No caso em apreço:

             Num primeiro momento apresentaram uma reclamação graciosa, contudo, na data da sua apresentação tinha já passado o prazo de 120 dias que acima se refere, pelo que a mesma foi indeferida com fundamento em extemporaneidade.

             Posteriormente, e conforme alegam os Requerentes, avançou-se, ao abrigo do artigo 78º da LGT, com um pedido de revisão oficiosa.

 

Ora, de acordo com a referida norma, na 1ª parte do seu nº 1, o pedido pode ser efetuado por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade. Conforme vimos, tal prazo (120 dias) encontrava-se já ultrapassado.

 

Adicionalmente, no que diz respeito à interpretação do artigo 78º, nº 1 2ª parte, constitui jurisprudência assente que a revisão dos atos tributários pela Administração Tributária pode ser também requerida, pelos sujeitos passivos, no prazo de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

Neste sentido, veja-se o decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 04-05-2016 (proferido no processo nº 407/15), nos termos do qual se refere que “é hoje jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (…), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento”.

É também jurisprudência assente do STA que, se nos termos do disposto no artigo 78.º n.º 1 da LGT, a AT pode corrigir oficiosamente o ato tributário dentro dos prazos previstos na norma legal (4 anos, ou a todo o tempo se o imposto ainda não tiver sido pago), então também o contribuinte poderá, por sua iniciativa, suscitar perante a AT a revisão do ato tributário dentro dos mesmos prazos. Entendimento este que é claro, e que ademais, é o único entendimento que traduz uma aplicação plena do princípio da legalidade.

 

Vide neste sentido, o Acórdão do STA de 29 de maio de 2013, no processo n.º 140/13:

“I - O artº. 78° da LGT prevê a revisão do ato tributário «por iniciativa do sujeito passivo» ou «da administração tributária», aquela «no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade», e esta «no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços».

II - De acordo com o disposto no artº 78º, nº 2 da LGT considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação, pelo que, não obstante o disposto no artº 131º do CPPT, o contribuinte pode suscitar a apreciação oficiosa de ilegalidade cometida em auto liquidação.

III - Tal resulta, desde logo, dos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade – artº. 266°, n.° 2 da CRP.

IV - Face a tais princípios, não pode a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições, sendo que o dever de pronúncia constitui, de resto, um princípio abertamente assumido pelo artº. 9° do CPA, no domínio do procedimento administrativo mas aqui também aplicável por mor do disposto no artº. 2° do mesmo código.

V - Sendo assim, e sendo tempestivo o pedido de revisão oficiosa efetuado no prazo de quatro anos após a autoliquidação, deverá ser apreciado o respetivo pedido de revisão”.

 

Vide no mesmo sentido, o Acórdão do STA de 14 de Março de 2012, no processo n.º 01007/11:

“I – A revisão do acto tributário por iniciativa da administração tributária pode ser efectuada a pedido do contribuinte, como resulta do artigo 78.º, n.º 7, da LGT e do artigo 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT, no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou, no caso o tributo não ter sido pago, a todo o tempo), ficando com isso investido de um direito a uma decisão sobre o pedido formulado.

II – E o “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afectada pelo erro”.

 

Vide no mesmo sentido, o Acórdão do STA de 21 de Janeiro de 2009, no processo n.º 771/08:

   

“I - O art. 78º da LGT abrange, na sua previsão legal, quer os impostos, quer as taxas.

II - A revisão do acto tributário, por iniciativa da administração tributária, pode efectuar-se a pedido do contribuinte, como resulta dos artºs. 78º, nº 6, da LGT e do art. 86º, nº 4, al. a) do CPPT, bem como dos princípios da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade – art. 266º, nº 2, da CRP.

III - O erro imputável aos serviços, previsto na parte final do nº 1 do art. 78º da LGT, compreende o erro de direito cometido pelos mesmos”.

 

Resulta assim do exposto a posição da Requerida viola a jurisprudência do STA, que (desde há muito tempo) admite a apresentação de Pedido de Revisão Oficiosa por parte do contribuinte dentro do prazo que é concedido à AT para rever o ato tributário nos termos do disposto no artigo 78.º da LGT, sendo a jurisprudência igualmente clara no sentido de admitir que o designado “erro imputável aos serviços” “compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro”.

 

À luz da citada jurisprudência, não tem qualquer cabimento legal a afirmação da Requerida na decisão do procedimento de Revisão Oficiosa quando afirma que “a administração tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sob o espectro do princípio da legalidade, e não tendo a prerrogativa de poder desaplicar normas com base num julgamento de pretensa desconformidade com o direito comunitário (atribuição reservada aos tribunais)”

 

Ora, nos termos do disposto no artigo 78.º da LGT, nos termos da jurisprudência citada, e ainda, entre outros, nos termos do Acórdão do STA de 8 de fevereiro de 2017 no processo n.º 678/16, o erro de direito reporta-se a qualquer ilegalidade (inclusive por violação de normas de Direito Internacional Convencional ou por violação de normas de Direito Comunitário), não sendo a ausência de jurisprudência uniformizadora fundamento para que a Requerida não reveja o ato tributário nos prazos previstos no artigo 78.º da LGT.

 

Ainda no mesmo sentido, vide a jurisprudência maioritária do CAAD, designadamente, entre muitas outras, a Decisão Arbitral proferida em 23 de Novembro de 2020, no processo nº  293/2020-T, que julga improcedente a exceção de intempestividade invocada pela Requerida com base na posição assumida pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Ac. STA 14/3/2012 (Dulce Neto), processo n.º 01007/11, e a Decisão Arbitral proferida em 4 de Dezembro de 2020, no processo n.º 329/2020-T.

 

 

Ou seja, pode o sujeito passivo aproveitar o prazo de quatro anos previsto na segunda parte do nº 1 do artigo 78º da LGT, desde que o pedido de revisão oficiosa seja formulado com fundamento em erro imputável aos serviços. Vejamos:

 

“1 – A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

Os atos de liquidação aqui em questão foram efetuados em:

             23.04.2019, quanto à liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) n.º 2019/..., no montante de € 6.792,38, concretizada na Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2019/...;

             23.04.2019, quanto à liquidação de ISV n.º 2019/..., no montante de € 1.651,21, concretizada na Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2019/..., igualmente datada de 23.04.2019;

 

pelo que os quatro anos de prazo estabelecidos pelo artigo 78º da LGT (note-se que o tributo foi pago, aliás conforme referido pelos Requerentes na sua petição inicial) ainda não se encontrava na data em que é feito o pedido de revisão oficiosa (12.03.2020).

 

Nestes termos, face ao acima exposto, entende este Tribunal Arbitral improcedem assim na sua totalidade, os argumentos expostos pela Requerida na sua Resposta, concluindo este Tribunal que (i) o Pedido de Revisão Oficiosa foi apresentado tempestivamente  (dentro do prazo de quatro anos previsto no disposto no artigo 78.º da LGT); e, por conseguinte, (ii) o presente PPA foi apresentado tempestivamente (dentro do prazo de 90 dias contados da presunção de indeferimento tácito, que se conta a partir de 12.07.2020, tendo sido apresentado o presente pedido arbitral em 09.10.2020), sendo assim julgada improcedente a alegada exceção de caducidade do direito de ação.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

B.2. QUANTO AO MÉRITO

 

São as seguintes as questões a examinar no presente processo.

- Da ilegalidade da liquidação de ISV por violação do art. 110º do TFUE, com consequente anulação dos atos tributários na parte referente à componente ambiental.

- Do direito a juros indemnizatórios.

 

Examinar-se-ão assim essas questões:

 

B.2.A DA ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO DE ISV POR VIOLAÇÃO DO ART. 110º DO TFUE, NA COMPONENTE AMBIENTAL

 

Conforme resulta do pedido arbitral, o Requerente manifestou a sua inconformidade com o ato de liquidação impugnado, por entender que, ao não levar em consideração o número de anos do veículo na sua componente ambiental, o artigo 11º do CISV, na redação em vigor então, violava diretamente o disposto no artigo 110º do TFUE, o que inquina a liquidação de ilegalidade.

De acordo com o disposto no Código do ISV, estão sujeitos ao imposto, designadamente, «os veículos automóveis ligeiros de passageiros», sendo «sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando -se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos» [artigo 2º, n.º 1, alínea a) e 3º, n.º 1]

E, como estabelece o artigo 5º do mesmo código, «constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal», sendo que, para este efeito, de acordo com o n.º 3 alínea a) do mesmo artigo, entende-se por «admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional».

Por sua vez, «a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)», sendo, «para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros (…) são sujeitos ao processamento da DAV» (art. 17º, n.º 1 e 3 do CISV).

Para efeitos de cálculo do ISV, as taxas aplicáveis têm por base tributável uma componente cilindrada e uma componente ambiental, sendo que a primeira estipula uma taxa consoante a cilindrada e o tipo de veículo e a segunda uma discriminação entre os veículos a gasolina e os veículos a gasóleo, (de forma positiva relativamente aos primeiros) prevendo uma tributação progressiva em função do nível de CO2 g/km.

De modo particular, e no que aos veículos usados provenientes de outros Estados membros da União Europeia respeita – como no caso em apreço -, estabelecia o artigo 11º do CISV, na redação então em vigor:

 

«1 – O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:

TABELA-D

 

2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respetivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.

(…)»

 

Ora, as questões suscitadas no âmbito da União Europeia relativamente à carga fiscal incidente sobre os veículos usados provenientes de veículos matriculados em Estados Membros e, designadamente, em matéria de legalidade e conformidade com as normas comunitárias do ISV, há muito se vêm arrastando.

 

Por exaustivo, se transcreve o historial que a esse propósito se fez constar da decisão arbitral de 30.04.2019, proferida no processo n.º 572/2018-T :

- «(…) Essa legalidade foi muito cedo questionada pela Comissão Europeia, ainda no âmbito do Imposto Automóvel, porquanto esta entendia que as normas portuguesas então vigentes não observavam o disposto no artigo 95º do Tratado de Roma e, sendo necessário que Portugal perdesse o seu carácter protecionista, era imprescindível que o montante de imposto fosse idêntico ao remanescente do imposto incorporado no preço dos veículos usados similares, comercializados no mercado português, remanescente esse a calcular a partir da percentagem da depreciação do valor desses veículos.  

Não obstante, em 2001, o Acórdão do TJCE (de 22.02.01) denominado «Gomes Valente», proferido a título prejudicial, veio criar as condições para se romper, a nível nacional, com o quadro clássico de tributação dos veículos usados, assente exclusivamente em reduções fixas em função do n.º de anos de uso.

Neste âmbito, embora tenha sido referido que a aplicação de uma tabela de taxas para os veículos usados fundada num critério de depreciação único não seria contrário ao referido artigo 95º do Tratado de Roma, foi sublinhado que era importante que fossem tomados em conta outros fatores de depreciação que não apenas a antiguidade, de forma a garantir que a referida tabela refletisse de modo mais preciso a depreciação real dos veículos e permitisse alcançar de uma forma mais fácil o objetivo da tributação dos veículos usados, de modo a que, em nenhum caso, esta pudesse ser superior ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional.

Esta jurisprudência veio a ser reforçada com o Acórdão do TJCE n.º 101/00, proferido em 19 de Setembro de 2002 num processo que então envolveu o Governo Finlandês e Antti Sillin, no qual foi considerado que o artigo referido artigo 95º, primeiro parágrafo do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 90º, primeiro parágrafo) permitia a um EM aplicar aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o valor tributável é determinado por referência ao valor aduaneiro definido, mas obsta a que o valor tributável varie em função da fase de comercialização quando daí possa resultar, pelo menos, em determinados casos, que o montante do imposto que incide sobre um veículo usado importado exceda o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.

Refira-se ainda que, na sequência do designado Acórdão «Gomes Valente», a jurisprudência tem entendido que para que um sistema de tributação dos veículos usados seja compatível com o disposto no Tratado é necessário que se adopte ou um modelo de tributação baseado na avaliação de cada veículo ou um modelo de tributação baseado em tabelas fixas que exclua todo e qualquer efeito discriminatório.

Por outro lado, o actual artigo 110º do TFUE opõe-se a que um EM aplique aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.

Mais se considerou que, quando um EM aplica aos veículos usados importados de outros Estados membros um sistema de tributação em que a depreciação real dos veículos é definida de modo geral e abstrata com base em critérios determinados pelo direito nacional, o disposto no Tratado exige que esse sistema de tributação seja organizado de forma a excluir todo e qualquer efeito discriminatório.

Pode assim afirmar-se que o Acórdão do TJCE proferido no caso «Gomes Valente» abriu a porta para uma nova forma de tributação dos veículos usados admitidos de outros Estados membros.

Mas, ao que ao presente caso interessa, refira-se que em 2006, no âmbito do sistema de tributação húngaro, no Acórdão do TJUE de 5 de Outubro de 2006 (C-290/05), no caso Nádasdi, foi analisada pela primeira vez a questão ambiental face aos impostos automóveis aplicáveis dentro do espaço da União Europeia.

Com efeito, o sistema fiscal húngaro ignorava a desvalorização do veículo e tratava de forma igualitária todos os veículos que tivessem a mesma motorização e comportamento ambiental.

Contudo, o referido Acórdão veio declarar que «o artigo 90.º, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado-Membro e em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação. Não é relevante proceder a uma comparação com os veículos usados postos em circulação no Estado-Membro em questão antes da introdução desse imposto».

Adicionalmente, considerou-se que os Estados-Membros (EM) têm liberdade para selecionar os critérios a utilizar no cálculo do imposto e estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos, em função de critérios objetivos aplicados, sendo que tais diferenciações só serão consideradas compatíveis com o direito da UE se, por um lado, prosseguirem objetivos compatíveis, também eles, com as exigências do Tratado e do direito derivado e, se por outro, as formas que vierem a revestir sejam de molde a evitar qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, das «importações» provenientes dos outros EM, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes.

Assim, ainda que, em termos gerais, no âmbito de um regime fiscal relativo à tributação automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em fatores ambientais constituem critérios objetivos e possam ser utilizados no sistema de tributação, da sua utilização não poderá resultar discriminação e o imposto que vier a ser apurado não poderá onerar mais os produtos provenientes de outros EM do que os produtos nacionais similares, implicando que a cobrança por um EM de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro EM é contrária ao artigo 110º do TFUE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.

Em 2009, interpretando o mesmo artigo 110º do TFUE, o TJUE, no Acórdão de 19 de Março de 2009 (que opôs a Comissão Europeia à Finlândia), considerou que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de um modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.

Ora, relevando que, nos termos do disposto no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é diretamente aplicável em território nacional, sem desenvolver qualquer fundamentação, fez eco uma comunicação da Comissão Europeia em que se informava que esta tinha encetado, no TJUE, um processo contra Portugal, no sentido de defender que era censurável o artigo 11º do Código do ISV não contabilizasse no cálculo do ISV incidente sobre veículos usados nenhuma desvalorização até o veículo ter mais de um ano de tempo de uso, nem é considerada nenhuma diminuição do valor real para os veículos com mais de cinco anos de utilização, processo que culminou com a prolação do Acórdão to TJUE (C-200/15), de 16.06.2016, acima já referido.

Por se entender que as alterações legislativas ao artigo 11º do CISV não traduzem consonância com a legislação comunitária, continua a mesma decisão arbitral:

Contudo, como não foi comtemplada, com a referida alteração legislativa, a questão da desvalorização dos veículos usados, oriundos de outro EM, com menos de um anos e mais de cinco, surge então o já citado Acórdão do TJUE n.º C–200/15, de 16 de Junho de 2016 (referido e citado pelo Requerente), visando diretamente a legislação nacional, consubstanciada no artigo 11º do Código do ISV (na redação em vigor até 2016), nos termos do qual se veio considerar que «a República Portuguesa ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro EM, introduzidos no território nacional, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110º do TFUE.

E assim, o legislador nacional foi forçado a alterar o referido artigo 11º do Código do ISV, no sentido de nele incluir a desvalorização referida no ponto anterior, através da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, mas excluindo de novo da redação do artigo a questão da desvalorização incidente sobre a componente ambiental do ISV.

Assim, os atuais contornos da legislação nacional ignoram, no artigo 11º, n.º 1 Tabela D, o previsto no artigo 110º do TFUE e a posição que o TJUE tem assumido (e que já assumia face ao disposto no artigo 90 do Tratado de Roma) de que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.

A situação descrita levou (de novo) a Comissão Europeia, na sua busca de justiça comunitária, a dar início a um procedimento contra Portugal por este não ter em conta a componente ambiental no cálculo do ISV aplicável aos veículos usados «importados» de outros EM, gerando efeitos discriminatórios nestas viaturas face às viaturas usadas adquiridas em território nacional».

Pois bem, resulta do exposto evidente a orientação constante do TJUE sobre a incompatibilidade de normas nacionais que tributem mais gravosamente os veículos “importados” de outros Estados Membros, como se extrai tanto das decisões referidas como de tributações de similares contornos vigentes noutros países da União Europeia.

Aliás, como se refere no Acórdão de 20.09.2007, proferido no processo C-74/06, Comissão das Comunidades Europeias vs República Helénica: «O artigo 95°, primeiro parágrafo, do Tratado, só permite a um Estado-Membro aplicar aos veículos usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação em que a depreciação do valor efetivo dos referidos veículos é calculada de modo geral e abstrato, com base em critérios ou tabelas fixas determinados por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa, se esses critérios ou tabelas forem suscetíveis de garantir que o montante do imposto devido não excede, ainda que apenas em certos casos, o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos similares já matriculados no território nacional».

Ou, como estabelece o Acórdão de 05.10.2006, processos C-290/05 e C-33/05 Ap., Ákos Nádasdi: «No âmbito de um regime relativo ao imposto automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em considerações ambientais constituem critérios objetivos. Daí poderem ser utilizados num regime desses. Em compensação, não é exigível que o montante do imposto esteja relacionado com o preço do veículo.

Contudo, um imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros Estados-Membros do que os produtos nacionais similares.

Ora, um veículo novo relativamente ao qual o imposto automóvel foi pago na Hungria perde, com o decorrer do tempo, uma parte do seu valor de mercado. Assim, diminui, na mesma medida, o montante do imposto automóvel compreendido no valor residual do veículo. Sendo um veículo usado, só pode ser vendido por uma percentagem do valor inicial, percentagem que engloba o montante residual do imposto automóvel.

Resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça pelos órgãos jurisdicionais de reenvio que um veículo do mesmo modelo e de antiguidade, quilometragem e outras características idênticas, comprado em segunda mão noutro Estado-Membro e registado na Hungria será, contudo, sujeito a 100% do imposto automóvel aplicável a um veículo dessa categoria. Por conseguinte, o referido imposto onera mais os veículos usados importados do que os veículos usados similares já registados na Hungria e sujeitos ao mesmo imposto. 56. Assim, não obstante o carácter ambiental do objetivo e do fundamento do imposto automóvel e mesmo não tendo estes qualquer relação com o valor de mercado do veículo, o artigo 90°, primeiro parágrafo, CE exige que seja tida em conta a depreciação dos veículos usados que são objeto de tributação, visto que esse imposto se caracteriza por ser apenas cobrado uma vez quando do primeiro registo do veículo para efeitos da sua utilização no Estado-Membro em causa e por ser desta forma incorporado no referido valor.» Com base nestes considerandos, o Tribunal viria a declarar que «2 - O artigo 90°, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida:

– em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado-Membro e

– em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação».

 

E, de forma indiscutível e de forma direta relativamente ao CISV, mais propriamente no que respeita a alteração ao artigo 11º do CISV, veio o TJUE, por Acórdão de 16.06.2016, proferido no processo C-200/15, Comissão Europeia vs República Portuguesa, a considerar:

«Para efeitos da aplicação do artigo 110° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar-se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados, mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve reflectir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de Setembro de 2007, Comissão/Grécia, C-74/06, EU:C:2007:534, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).

No caso em apreço, o artigo 11°, n.º 1, do Código do Imposto sobre Veículos prevê, para efeitos do cálculo do imposto aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros, a tomada em consideração de uma desvalorização em função de uma tabela de percentagens fixas que estabelece, designadamente, em 20% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado durante um período de um a dois anos e em 52% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado há mais de cinco anos.

Daqui resulta que a República Portuguesa aplica aos veículos automóveis usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação no qual, por um lado, o imposto devido por um veículo utilizado há menos de um ano é igual ao imposto que incide sobre um veículo novo similar posto em circulação em Portugal e, por outro, a desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos é limitada a 52%, para efeitos do cálculo do montante deste imposto, independentemente do estado geral real desses veículos.

Ora, é facto assente que o valor de mercado de um veículo automóvel começa a diminuir a partir da data da sua compra ou da sua entrada em circulação e que esta diminuição continua para além do quinto ano da sua utilização (v., neste sentido, acórdão de 19 de Setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C-101/00, EU:C:2002:505, n.º 78).

Deste modo, a regulamentação nacional em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo a pagar pelos veículos automóveis usados importados de outros Estados-Membros para Portugal e utilizados há menos de um ano ou há mais de cinco anos é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos.

Por conseguinte, a regulamentação nacional em causa não garante que, nos casos referidos no número anterior do presente acórdão, os veículos usados importados de outro Estado-Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110° TFUE».

Em conclusão, viria o Tribunal a declarar que «1) A República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado-Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110° TFUE.»

Para, pretensamente, ir ao encontro desta última decisão judicial foi dada nova redação ao artigo 11º do CISV, através da Lei n.º 42/2016, de 28/12, incluindo-se a desvalorização dos veículos quanto à componente cilindrada, mas excluindo-se, de modo declarado, a desvalorização relativa à componente ambiental.

Do que resulta que a legislação nacional em vigor à data– no aludido artigo 11º do CISV – continuava a não ser compatível com o disposto no artigo 110º do TFUE, permanecendo uma tributação mais onerosa para os veículos provenientes de outros Estados Membros, quando comparados com os adquiridos no território nacional.

Não se conseguindo vislumbrar em que medida a aplicação do artigo 191º do TJUE fosse incompatível ou pudesse prevalecer à aplicação do artigo 110º, como defende a Requerida. Quer dizer, continuava o artigo 11º do CISV a ser contrário ao artigo 110º do TFUE e à interpretação conjugada, uniforme e reiterada que dos mesmos tem o TJUE dado a conhecer.

É, aliás, com base neste entendimento que a Comissão Europeia deu início, em 23.04.2020, no TJUE, a uma acção por incumprimento contra o Estado português, processo a que foi atribuído o n.º C-169/20, com vista a que se declare que, «ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados introduzidos no território da República Portuguesa e adquiridos noutros Estados-Membros no âmbito do cálculo do imposto de registo, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia». Para esse efeito, a Comissão alegou que: «A legislação portuguesa em causa consagra uma discriminação entre a tributação que incide sobre o veículo importado e aquela que incide sobre o veículo nacional similar. As modalidades e a forma de cálculo em vigor levam a que a tributação do veículo importado seja quase sempre mais elevada. Esta situação é tanto mais preocupante quanto ela é contrária à jurisprudência assente do Tribunal de Justiça: a legislação portuguesa relativa ao cálculo do imposto aplicável aos veículos usados adquiridos noutros Estados-Membros já foi objeto de procedimentos de infração anteriores e de vários acórdãos do Tribunal de Justiça. A legislação portuguesa não garante que os veículos usados importados de outros Estados-Membros sejam tributados num montante que não exceda o imposto refletido nos veículos usados domésticos similares. Tal pode ser explicado pelo facto de, em consequência da alteração da legislação em 2016, a componente ambiental utilizada para calcular o valor de um veículo usado não ser desvalorizada. Daqui resulta que a tabela de desvalorização adotada pela legislação nacional não conduz a uma aproximação razoável do valor real do veículo usado importado. Consequentemente, o montante pago para registar um veículo usado importado excede o montante relativo a um veículo usado similar já registado em Portugal, o que configura uma violação do artigo 110º do TFUE e da jurisprudência do Tribunal de Justiça.»

 

Nessa sequência, o legislador português veio atualizar, naquele mesmo sentido, através da Lei n.º 75-B/2020, de 31/12, a redação do n.º 1 do referido artigo 11º do CISV, e mantida na versão da Lei n.º 21/2021, de 20/04, que, doravante, passa a ser a seguinte:

«Artigo 11º (Taxas - veículos usados)

1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a útil média remanescente dos veículos, respetivamente componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida (…).»

 

Em conclusão, subscrevendo a posição que o TJUE tem expressamente assumido, não se nos afiguram dúvidas quanto à incompatibilidade do artigo 11º do CISV, na redação em vigor à data da emissão da liquidação em crise, com o direito da União Europeia, ao fazer impender uma carga tributária agravada sobre os veículos usados provenientes de outros Estados Membros, comparativamente com os nacionais, ao não ter em conta a necessária redução do montante do imposto na componente ambiental.

 

Acresce que o n.º 4 do artigo 8º da CRP, estabelece o primado do direito comunitário, quando determina que as disposições dos tratados que regem a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito nacionais, nos termos definidos pelos órgãos do direito da União, desde que respeitados os princípios fundamentais do Estado de direito comunitário.

 

Logo, quando as normas de direito ordinário interno não são compatíveis com o direito comunitário, o Tribunal não as pode aplicar suspendendo a sua força vinculativa no caso concreto. «O juiz nacional, encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito comunitário, tem a obrigação de assegurar o pleno efeito dessas normas, deixando se necessário inaplicadas, por sua própria autoridade, qualquer disposição contrária da legislação nacional, ainda que posterior, sem que tenha de pedir ou aguardar a eliminação prévia desta por via legislativa ou por qualquer outro processo constitucional» (Acórdão de 09.03.1978 do TJUE, proferido no processo C-106/77 - Acórdão Simmenthal).

 

Daqui se retira que o primado do direito da União Europeia é absoluto e impõe-se à própria Constituição. Assim, a legalidade da liquidação em crise deve aferir-se, em última instância, pela sua conformidade com o direito da União Europeia que compete aos Estados membros, designadamente através dos tribunais, aplicar e fazer respeitar. Facto que o legislador português também já reconheceu ao alterar, através da Lei n.º 75-B/2020, de 31/12, a redacção do artigo 11º do CISV por forma a que a mesma ficasse em conformidade com o direito da União Europeia.

 

Consequentemente, o acto de liquidação em causa, desconsiderando a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV, encontra-se ferido de ilegalidade devendo ser anulado apenas quanto àquela. Ou seja, restringindo-se a ilegalidade apenas àquele excesso de tributação, o acto de liquidação objecto de impugnação deve ser, apenas parcialmente anulado, o que, aliás, coincide com o pedido formulado pelos Requerentes pelo que deve-lhes ser devolvido o imposto indevidamente pago no montante de:

             1.184,42 euros, quanto à liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) n.º 2019/... concretizada na Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2019/..., datada de 23.04.2019,

E

             129,80 euros, quanto à liquidação de ISV n.º 2019/..., concretizada na Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2019/..., igualmente datada de 23.04.2019.

 

B.2.B. DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

 

Tendo a Demandante pago a totalidade do imposto liquidado nos atos aqui impugnados, pede ao Tribunal que condene a Demandada, em caso de procedência do seu pedido, à devolução do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT, que dispõe que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea” ”( CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).

 

O n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral” (CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).

Na sequência da anulação parcial do ato impugnado, a Demandante terá direito a ser reembolsada do imposto indevidamente pago, o que é efeito da própria anulação parcial, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

Quanto ao direito a juros indemnizatórios, dispõe o art. 43º nº 3 LGT que “são também devidos juros indemnizatórios (...) d) em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.

É o caso dos presentes autos, em que se julga o art. 11º do ISV, no qual se basearam os atos de liquidação impugnados, incompatível com o art. 110º do Tratado da União Europeia.

Pelo que há que concluir que, transitada a presente decisão arbitral em julgado, a Demandada terá direito a ser ressarcida nos termos do art. 43º, nº 3, al. d), através do pagamento de juros indemnizatórios.

 

C. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:

a)            Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial das liquidações de Imposto sobre Veículos (ISV) n.º 2019/... concretizada na Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2019/..., datada de 23.04.2019 e n.º 2019/..., concretizada na Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2019/..., igualmente datada de 23.04.2019, na componente ambiental, a saber:

o             1.184,42 euros, quanto à liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) n.º 2019/... concretizada na Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2019/..., datada de 23.04.2019,

E

o             129,80 euros, quanto à liquidação de ISV n.º 2019/..., concretizada na Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2019/..., igualmente datada de 23.04.2019.

E em consequência:

b)           Ordenar a devolução à requerente dos referidos montantes, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados da data do seu pagamento até integral reembolso.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €1.314,22, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €306,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 8 de junho de 2021

 

O Árbitro,

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)