Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 351/2020-T
Data da decisão: 2021-06-09  IRC  
Valor do pedido: € 6.729,71
Tema: IRC – dedução de perda na rescisão de contrato promessa de compra e venda
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SUMÁRIO:

I.             A consideração da perda resultante da rescisão de um contrato promessa de compra e venda por factos alheios ao promitente comprador não configura um perdão de crédito.

II.            Da mesma forma não se aplica regime nem do artigo 39º (provisões fiscalmente dedutíveis) nem do artigo 41º (créditos incobráveis) do CIRC.

III.          O gasto fiscal deve cumprir os requisitos do art.º 23.º do CIRC.

IV.          A análise dos gastos suportados para obter ou garantir resultados deve ser feita numa perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa.

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

 

No dia 08-07-2020, A… –, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA, pessoa coletiva n.º …, com sede na …, …, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2020 ..., do ano de 2015, no valor de 6.729,71 €.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD no dia 09-07-2020 e notificado à Requerida na mesma data.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º n.º 2 alínea a) do RJAT, foi designada como árbitro, pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 28-08-2020, a Dra. Suzana Fernandes da Costa, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 28-09-2020.

Em 01-10-2020, foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerida para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional e remeter ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta. No mesmo despacho, foi ainda notificada a Requerida para informar se estava ou não de acordo com a dispensa de reunião e com a dispensa de alegações.

Em 04-11-2020, a Requerida apresentou a sua resposta e juntou aos autos o processo administrativo.

Em 11-11-2020, foi proferido despacho a agendar para o dia 05-01-2021, pelas 14:30 horas, a realização da reunião arbitral e a inquirição das testemunhas designadas pela Requerente. Mais se determinou que a diligência se realizaria através da plataforma digital Webex Meetings, e que as testemunhas deveriam comparecer nas instalações do CAAD, salvo se estiverem numa das condições previstas no n.º 4 do artigo 6º-A da Lei n.º 1-A/2020 de 19-03.

No dia 05-01-2021 realizou-se a reunião prevista no artigo 18º do RJAT. Foi ouvida a testemunha designada pela Requerente, B.... O mandatário da Requerente requereu que a testemunha arrolada, C…, fosse ouvido na qualidade de declarante de parte. Foram notificadas os Requerentes e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas sucessivas no prazo de 15 dias. O Tribunal designou ainda o dia 28-03-2020 para a prolação da decisão arbitral, e foi advertida a Requerente que até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente e comunicar o pagamento ao CAAD.

A Requerente juntou aos autos o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente em 08-01-2021.

Em 18-01-2021, a Requerente apresentou as suas alegações, e a Requerida juntou as alegações em 21-04-2021.

Em virtude da entrada em vigor, com efeitos a 22 de janeiro de 2021, do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, introduzido pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que determinou a suspensão dos prazos para a prática de atos processuais e cuja cessação se verificou com a entrada em vigor em 6 de abril de 2021 da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril), o prazo para a prolação da presente decisão termina em 09-06-2021.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O pedido arbitral é tempestivo, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro e do artigo 102º n.º 1 alínea a) do Código do Procedimento e do Processo Tributário.

O processo não enferma de nulidades e não se verificam exceções.

 

2. Posição das partes

 

A Requerente começar por referir que exerce a atividade de gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividade económica.

E refere que foi sujeita a uma ação de inspeção tributária em sede de IRC e IVA do ano de 2015, que culminou com correções aritméticas ao resultado tributável de IRC de 2015, no valor de 1.091.345,69 €, relativas a:

a)            Outros gastos e perdas no valor de 1.060.500,00 €;

b)           Juros obtidos no valor de 7.671,14 €;

c)            Dividendos tributáveis no valor de 23.174,55 €.

A Requerente refere que não concorda com as correções efetuadas ao nível dos outros gastos e perdas no valor de 1.060.500,00 €, alegando que as referidas correções são ilegais por errónea qualificação da matéria tributável.

A Requerente alega que, em 22-08-2011, por contrato promessa de cessão de quotas e créditos, a sociedade brasileira, D..., SA, pagou a B... a quantia de 1.315.284,00 €, que corresponde ao preço ajustado para a aquisição de 25,1% do capital social da futura sociedade brasileira E..., Lda.

A Requerente refere que a sociedade brasileira E..., Lda foi constituída em 23-08-2011, sendo sócios da mesma B..., com uma quota de 90%, e F..., com uma quota de 10%.

Afirma ainda a Requerente que em 08-09-2011, por contrato promessa de cessão de quotas e de créditos, a D... prometeu ceder a G..., 5,2% dos futuros 25,1% do capital da nova sociedade, nas mesmas condições que tinha prometido comprar. Tendo a D... recebido de G... a quantia de 272.489€, pelos referidos 5,2% de capital social.

A Requerente alega que, em 24-02-2013, foi celebrado aditamento ao contrato promessa de cessão de quotas e créditos da sociedade E..., Lda, e a D... pagou a B..., a quantia de 106.196,00 €, para fazer face aos custos inerentes à alteração da estratégia de desenvolvimento do projeto de investimento.

A Requerente refere que:

a)            em 04-06-2013, a D... foi fundida na Requerente, ficando esta detentora de todos os direitos e obrigações da D...;

b)           em 31-10-2013, G... efetuou uma transferência no valor de 19.174,00 € a favor da Requerente;

c)            após esta transferência, a conta 2788007 – G... apresentada um saldo credor de 291.663,00 €;

d)           em 31-10-2013, a Requerente transferiu para B..., o montante de 189.085,00 € a título de adiantamento/suprimentos;

e)           após essa transferência, a conta 2713001 – B... passou a apresentar um saldo credor de 1.610.565,00 €.

A Requerente alega também que o sócio brasileiro da E..., Lda, F..., havia levado a Requerente a efetuar um negócio ruinoso. A Requerente afirma que teve de reconsiderar o investimento perante a existência de diversas ações cíveis e criminais entre a sociedade E... e o sócio brasileiro, bem como a suspensão do licenciamento para a plantação de eucaliptos, com elevado risco de nunca vir a ser aprovado e ainda o facto do Brasil se encontrar em crise profunda. Assim, alega a Requerente que optou em não continuar a investir no projeto e a recuperar parte do valor que havia investido. Tendo em conta este propósito, a Requerente refere que celebrou, em 29-12-2015, os seguintes contratos para pôr fim ao investimento:

a)            contrato de rescisão entre a Requerente e G..., tendo este recebido o valor de 59.220,00 €, e declarado nada mais ter a receber da Requerente, assumindo assim um prejuízo de 232.442,00 €;

b)           contrato de rescisão entre a Requerente e B..., tendo este devolvido à Requerente 317.622,00 €, declarando a Requerente nada mais ter a receber de B....

A Requerente refere que transferiu o saldo credor da conta 27880007 – G... no valor de 232.443,00 €, para a conta 2713001 – B..., assumindo o prejuízo de 1.060.500,00 €, que foi transferido para a conta de gastos 6863 – gastos e perdas nos restantes investimentos financeiros – outros.

Alega a Requerente que, através dos contratos de rescisão, conseguiu recuperar cerca de 20% do investimento efetuado.

A Requerente alega que a inspeção tributária considerou que não pode ser aceite como gasto fiscal o valor da perda de 1.060.500,00 €, com fundamento na não apresentação de diligências para reaver o valor em causa, tendo a AT considerado este valor como um perdão de dívida não aceite fiscalmente.

A Requerente faz alusão à decisão do CAAD do processo n.º 277/2016-T para referir que não se tratou de qualquer perdão de dívida.

 

Já a Requerida, na sua resposta, apresentou defesa por impugnação, pugnando pela manutenção na ordem jurídica da liquidação de IRC do ano de 2015.

A Requerida sustenta a sua posição no facto da Requerente não ter efetuado ou apresentado quaisquer diligências no sentido de reaver o valor de 1.060.500,00 €.

Para a Requerida, o valor registado como perda pela Requerente, não é mais que um perdão de dívida que não cumpre os requisitos do artigo 23º do Código do IRC, nem dos artigos 39º (provisões fiscalmente dedutíveis) e 41º (créditos incobráveis) do Código do IRC, para ser considerado como gasto fiscal.

A Requerida alega que a participação social, objeto de contrato promessa de compra e venda, nunca chegou a ingressar na esfera patrimonial da Requerente de modo a constituir-se como investimento financeiro.

A AT refere que a Requerente abdicou do direito de receber do promitente vendedor não só o montante pago, como ainda a sua devolução em dobro, conforme previsto no artigo 442º n.º 2 do Código Civil.

A final, a AT refere que, quanto à prova testemunhal requerida, a mesma deve ser dispensada por não se vislumbrar a necessidade de produção da referida prova, afirmando que se tratar de uma to processualmente inútil e legalmente inadmissível, nos termos do artigo 130º do Código do Processo Civil.

 

3. Matéria de facto

3. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida e a posição das partes constante das peças processuais, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.            A Requerente exerce a atividade de gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividade económica.

2.            Em 22-08-2011, por contrato promessa de cessão de quotas e créditos, a sociedade brasileira D..., SA, pagou a B... a quantia de 1.315.284,00 €, que corresponde ao preço ajustado para a aquisição dos futuros 25,1% do capital social da futura sociedade brasileira E..., Lda.

3.            Consta da cláusula primeira do referido contrato junto com o processo administrativo que “os PRIMEIROS prometem vender à SEGUNDA e esta promete comprar-lhes, 25.100 quotas de 1$R cada, correspondentes a 25,1% do capital social da futura E... LTDA-ME em constituição, pelo seu valor nominal de 25.100 $R (vinte e cinco mil e cem reais)”.

4.            A cláusula segunda do aludido contrato refere que “os PRIMEIROS prometem ceder à SEGUNDA e esta promete aceitar 25,1% dos futuros créditos de sócios à E... LTDA-ME em constituição, referidos nos considerandos n.º 8 e 9, que serão concretizados mediante prestações suplementares ou suprimentos, no valor nominal de 2.986.900 $R (dois milhões novecentos e oitenta e seis mil e novecentos reais)”.

5.            Em 23-08-2011, foi constituída a sociedade brasileira E..., Lda, tendo como sócios B..., com uma quota de 90%, e F..., com uma quota de 10%, conforme documento 3 junto ao pedido arbitral e que consta também do relatório de inspeção junto.

6.            Em 08-09-2011, por contrato promessa de cessão de quotas e de créditos, a D... prometeu ceder a G..., 5,2% dos futuros 25,1% do capital da nova sociedade E..., Lda, nas mesmas condições que tinha prometido comprar, tendo a D... recebido de G... a quantia de 272.489€, pelos referidos 5,2% de capital social, conforme consta do relatório de inspeção e do contrato promessa junto com o processo administrativo.

7.            Consta da cláusula segunda do referido contrato promessa que “a PRIMEIRA promete ceder ao SEGUNDO e este promete comprar-lhe, 5.200 quotas de 1$R cada, correspondentes a 5,2% do capital da futura E... LTDA-ME, em constituição, pelo seu valor nominal de 5.200 $R (cinco mil e duzentos reais)”.

8.            A cláusula segunda do contrato refere que “A PRIMEIRA promete ceder ao SEGUNDO e este promete aceitar 5,2% dos futuros créditos de sócios à E... LTDA-ME em constituição, referidos nos considerandos n.ºs 8 e 9 do Anexo I, que serão concretizados mediante prestações suplementares ou suprimentos, no valor nominal de 618.800$R (seiscentos e dezoito mil oitocentos reais)”.

9.            Em 24-02-2013, foi celebrado aditamento ao contrato promessa de cessão de quotas e créditos da sociedade E..., Lda, através do qual a D... pagou a B..., a quantia de 106.196,00 €, para fazer face aos custos inerentes à alteração da estratégia de desenvolvimento do projeto de investimento.

10.          Em 04-06-2013, a D... é fundida na Requerente, ficando esta detentora de todos os direitos e obrigações da D... – facto provado por acordo das partes.

11.          Em 31-10-2013, G... efetuou uma transferência no valor de 19.174,00 € a favor da Requerente – facto provado por acordo das partes.

12.          Após a referida transferência, a conta 2788007 – G... apresentada um saldo credor de 291.663,00 € - facto provado por acordo das partes.

13.          Em 31-10-2013, a Requerente transferiu para B..., o montante de 189.085,00 € a título de adiantamento/suprimentos – facto provado por acordo das partes.

14.          Após a aludida transferência, a conta 2713001 – B... passou a apresentar um saldo credor de 1.610.565,00 € - facto provado por acordo das partes.

15.          Existiram diversas ações cíveis e criminais em tribunal no Brasil, com vista à recuperação do valor investido, à responsabilização criminal do sócio brasileiro F... e à anulação da multa ambiental aplicada à sociedade pela inexistência de licença ambiental para a propriedade – facto prova pelo depoimento da testemunha e das declarações de parte.

16.          A Requerente celebrou, em 29-12-2015, contrato de rescisão com G..., tendo este recebido o valor de 59.220,00 € e declarado nada mais ter a receber da Requerente, assumindo assim um prejuízo de 232.442,00 €, conforme documento 5 junto ao pedido arbitral.

17.          A cláusula quarta do referido contrato de rescisão refere o seguinte:

“Considerando que:

4. Se verifica que o desenvolvimento do negócio tem sido extremamente desfavorável, nomeadamente, entre outros acontecimentos, devido:

a. Há existência de diversas ações cíveis e criminais entre a E... e o sócio F..., de onde podem resultar avultados prejuízos para a E...;

b. Ao licenciamento para implantação da atividade de silvicultura, iniciado pelo anterior proprietário em 2008, se encontrar actualmente suspenso, conforme notificação da Siperintendência Regional de Regularização Ambiental que se anexa e passa a constituir o ANEXO II ao presente contrato. Situação agravada pelo facto de se o licenciamento não for concluído num curto prazo de tempo, este poderá ficar definitivamente prejudicado em virtude da área em causa deixar de estar em Estágio Inicial de Regeneração.

c. Ao Brasil se encontrar numa preocupante crise, económica, financeira e política, o que dificulta ainda mais o desenvolvimento dos negócios em gerais e da plantação dos eucaliptos em particular”.

18.          E a cláusula quinta refere que “face ao exposto nos considerandos anteriores, o valor dos investimentos feitos pelo SEGUNDO CONTRATANTE encontram-se em grande medida perdidos, estimando-se o justo valor dos investimentos realizados em 59.220,00 Euros, correspondendo aproximadamente a 254.644,00 Reais de acordo com a estimativa constante no quadro “VALOR ACTUAL DA SOCIEDADE” que se junta e passa a constituir o ANEXO III ao presente contrato”.

19.          A Requerente celebrou ainda, na mesma data, contrato de rescisão com B..., tendo este devolvido à Requerente 317.622,00 €, declarando a Requerente nada mais ter a receber de B..., conforme documento 6 junto ao pedido arbitral.

20.          Consta da cláusula quarta do referido contrato o seguinte:

“Considerando que:

4. Se verifica que o desenvolvimento do negócio tem sido extremamente desfavorável, nomeadamente, entre outros acontecimentos, devido:

a. Há existência de diversas ações cíveis e criminais entre a E... e o sócio F..., de onde podem resultar avultados prejuízos para a E...;

b. Ao licenciamento para implantação da atividade de silvicultura, iniciado pelo anterior proprietário em 2008, se encontrar actualmente suspenso, conforme notificação da Siperintendência Regional de Regularização Ambiental que se anexa e passa a constituir o ANEXO II ao presente contrato. Situação agravada pelo facto de se o licenciamento não for concluído num curto prazo de tempo, este poderá ficar definitivamente prejudicado em virtude da área em causa deixar de estar em Estágio Inicial de Regeneração.

c. Ao Brasil se encontrar numa preocupante crise, económica, financeira e política, o que dificulta ainda mais o desenvolvimento dos negócios em gerais e da plantação dos eucaliptos em particular”.

21.          E a cláusula quinta refere que “face ao exposto nos considerandos anteriores, o valor dos investimentos feitos pelo SEGUNDO CONTRATANTE encontram-se em grande medida perdidos, estimando-se o justo valor dos investimentos realizados em 317.622 Euros, correspondendo aproximadamente a 1.365.773 Reais de acordo com a estimativa constante no quadro “VALOR ACTUAL DA SOCIEDADE” que se junta e passa a constituir o ANEXO III ao presente contrato”.

22.          O valor de 1.060.500,00 € foi transferido contabilisticamente da conta 2713001 – B..., para a conta 6863 – gastos e perdas nos restantes investimentos financeiros – outros – facto admitido por acordo das partes.

23.          A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária em sede de IVA e IRC do ano de 2015, junta ao pedido arbitral junto como documento 1.

24.          A inspeção tributária efetuou correções aritméticas ao resultado tributável de IRC de 2015, entre as quais a não aceitação de gastos no valor de 1.060.500,00€, registados na conta 6863 – gastos e perdas nos restantes investimentos financeiros – outros, conforme consta do relatório de inspeção junto ao pedido arbitral como documento 2.

25.          Consta do relatório de inspeção o seguinte:

“No prosseguimento da ação inspetiva. Constatou-se que o sujeito passivo registou no campo A5016, da Demonstração de Resultados por natureza, o valor de 1.064.682,97 €, que se encontra refletido na conta 6863 - "Gastos e Perdas nos Restantes Investimentos Financeiros’, na sequência do pagamento efetuado ao Eng. B... no montante de 1.315.284,00 € relativo à promessa de aquisição dos futuros 25,1% do capital social da futura sociedade brasileira, “E.... Lda.”.

Da Matéria de Facto

1.Eng. B..., (pessoa de relação do Eng. C…, sócio gerente da sociedade, D... - Sociedade Gestora de Participações Sociais SA, NIF- …), constituiu em 23 de agosto de 2011, com F..., cidadão brasileiro, uma sociedade comercial designada “E..., Lda." com sede na Rodovia Municipal. Zona Rural S/N. na cidade de …, Brasil.

A participação dos sócios no capital social ficou assim distribuída:

- Eng. B... com 90% do capital social

F… com 10% do capital social

2.Em 22-08-2011, (dia anterior à constituição daquela sociedade) por contrato de promessa de Cessão de Quotas e de Cessão de Créditos de uma Sociedade SPE Brasileira, a D... - Sociedade Gestora de Participações Sociais SA, NIF - …, pagou a B..., NIF - …,1 315.284 euros, preço ajustado para a aquisição dos futuros 25,1% do capital social da futura sociedade brasileira E... Lda.

3.Em 08-09-2011, por contrato de promessa de Cessão de Quotas e de Cessão de Créditos de uma Sociedade SPE Brasileira, a D... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA. NIF - …. cedeu ao Eng G..., NIF - …, 5.2% da participação social dos 25,1% detida pela D...-Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA na sociedade “E..., Lda.’ no valor de 272.489,00 €.

4.Em 24-02-2013. por Aditamento ao Contrato de Promessa de Cessão de Quotas e de Cessão de Créditos da Sociedade E..., Ltda., a D... - Sociedade Gestora de Participações Sociais SA, pagou a B..., NIF -…,106.196,00 €. para fazer face aos custos inerentes à alteração na estratégia de desenvolvimento do projeto de investimento.

5Em 04-06-2013, a ‘D...-Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA", NIF - …, é fundida na ‘A..., Sociedade Unipessoal, Lda“, NIF - ..., ficando esta, detentora de todos os direitos e obrigações da “D..., SGPS, SA".

6Em 31-10-2013, o Eng. G..., efetuou uma transferência a favor de A..., Sociedade Unipessoal, Lda.

Após esta transferência, a conta 2788007-“G..." apresentava um saldo credor de 291.663,00.

7Em 31-10-2013, a A..., Sociedade Unipessoal, Lda. transfere para Eng. B..., o montante de 189.085,00 €, a título de adiantamento/suprimentos.

Após esta transferência, a conta 2713001-“B...’ passou a apresentar um saldo devedor de 1 610 565,00 €.

8Em 29-12-2015, foi celebrado contrato de rescisão entre a sociedade A..., Sociedade Unipessoal, Lda, e G..., tendo este recebido 59.220,00 € e declarado nada mais ter a haver da sociedade H…. SGPS, Lda., assumindo assim, um prejuízo de 232.443,00 €.

9Em 29-12-2015, foi celebrado contrato de rescisão entre a H… SGPS, Sociedade Unipessoal, Lda e B..., tendo este devolvido à A..., Sociedade Unipessoal, Lda., o montante de 317.622,00 €.

A A..., Sociedade Unipessoal, Lda. declarou, que nada mais tem a haver de B..., e transferiu o saldo credor da conta 2788007-G... no valor de 232.443,00 € para a conta 2713001- B..., assumindo a “A.... Sociedade Unipessoal, Lda." um prejuízo no montante de 1.060.500,00 €, que foi transferido para a conta 6863 - Gastos e Perdas nos Restantes Investimentos Financeiros-Outros.

Com base nos factos ora descritos, verifica-se que foram celebrados contratos promessa compra e venda relativos à aquisição de 25,1% do capital social da sociedade “E..., Lda’.

No que diz respeito a contrato-promessa, está definido no Código Civil como sendo «a convenção peia qual alguém se obriga a celebrar certo contrato» (n° 1 do art.410.® do Cód.Civil), e é de realçar que num contrato-promessa de compra e venda, as partes cbrigam-se a realizar no futuro (sem prazo) o prometido contrato de compra e venda, respetivamente, como comprador e como vendedor.

É de referir ainda, que art0 441° CC estabelece a presunção de que assume a natureza de sinal toda a «quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou principio de pagamento do preço»

Acresce, que no caso de incumprimento do contrato, nos termos do n°2 do art0 442° do CC, se for o promitente vendedor a não cumprir o contrato promessa de compra e venda este terá que devolver ao promitente comprador o valor de sinal (dinheiro entregue na data da assinatura do contrato promessa) em dobro.

Por outro lado, se o incumprimento do contrato for do promitente comprador, o promitente vendedor pode ficar com o valor do sinal.

-é de salientar, que no lapso de tempo compreendido entre 22-08-2011, data de celebração de contrato promessa de Cessão de Quotas e de Cessão de Créditos de uma Sociedade SPE Brasileira, e 29-12-2015, data de celebração do contrato de rescisão, o contrato de compra e venda não chegou a efetivar-se.

- Por outro lado, não há nenhum registo ou documento, que efetivamente comprove a titularidade da quota em nome de “D...-Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, NIF- …, que em 04-06- 2013. é fundida na “A..., Sociedade Unipessoal, Lda”. NIF - …, tendo em conta, que em 22-08-2011, foi efetuado o pagamento a B..., no montante de 1.315.284 €, preço ajustado para a promessa de aquisição dos futuros 25,1% do capital social da futura sociedade “E… Lda.*

Acresce, que esse pagamento foi registado a débito da conta 2713001- B... por contrapartida da conta 12 - Depósitos à Ordem, e assim se manteve até a celebração do contrato de rescisão, sem qualquer registo na conta 41- Investimentos Financeiros.

- Embora no Relatório e Contas de 2015, refira "(…) Esfa rescisão só permitiu recuperar cerca de 20% do investimento efetuado, tendo sido apurado uma menos valia 1.060.500,00 € °, a verdade é que. o valor apurado no montante de 1.060.500,00 € não se trata de menos valias, mas sim um prejuízo obtido, pois a aquisição dos 25,1% do capital social da sociedade “E..., Lda.” nunca passaram para a titularidade da "A..., Sociedade Unipessoal, Lda,", nem tão pouco foi celebrado qualquer contrato de compra e venda.

No decorrer da ação inspetiva, constatou-se, que o sujeito passivo não efetuou ou pelo menos não nos apresentou as diligências efetuadas para reaver o valor em causa, ou seja, 1.060.500,00 €. e pelo facto de ter registado a débito da conta 6863 “ Gastos e Perdas nos Restantes Investimentos Financeiros" por contrapartida da conta 2713001 “B...", o sujeito passivo considerou o valor em causa uma perda fiscal, e por conseguinte não acresceu no quadro 07 da Declaração de Rendimentos, quando na realidade, trata-se efetivamente de um perdão de dívida, que não é dedutivel.

O perdão de um crédito no âmbito de um acordo particular não permite, em regra, à sociedade que o concedeu, relevar o montante que deixou do receber como custo para efeitos fiscais em sede de IRC. salvo se estiverem cumpridas as regras fiscais que prevêem essa possibilidade, seja pela constituição de provisões fiscalmente dedutíveis (art° 39° do CIRC), seja pelo regime de créditos incobráveis (art° 41° do CIRC) Assim, para que um crédito seja considerado incobrável, permitindo dessa forma o seu reconhecimento direto como custo fiscal do exercício, é necessário que essa incobrabilidade resulte de um processo especial de revitalização, após homologação do plano de recuperação pelo juiz, ou de processo de execução, falência ou insolvência ou nos termos previstos no SIREVE (sistema de recuperação de empresas por via extrajudicial, tendo a sua operacionalização terminada em 31-12-2018).

Ainda assim, na circunstância em concreto, de acordo com o disposto no art° 41° do CIRC, havia que ter sido constituídas perdas por imparidade previamente à consideração do crédito como incobrável.

Logo, o perdão de divida no montante de 1.060.500.00 €, conjugando aqueles artigos com o disposto no art° 23° do CIRC, não pode relevar-se como custo para efeitos fiscais, pois não se verificam os requisitos que permitiriam o reconhecimento direto da incobrabilidade do crédito, designadamente porque tal incobrabilidade não foi verificada em processo especial de revitalização, ou em processo de execução, falência ou snsolvência, pelo que o sujeito passivo deverá acrescer no Q07 da declaração de rendimentos - Mod 22 Por outro lado, mesmo que estivéssemos perante uma menos valia relacionada com participações sociais, atendendo à verificação dos requisitos referidos nos art°s 51° e 51°-C do CIRC, a menos valia não podia igualmente concorrer para o resultado fiscal.

A este propósito, refira-se que o SP disponibilizou à AT. documento comprovativo da taxa legal aplicável no Brasil, que é de 15%. sobre o lucro apurado, com adicional de 10% sobre a parcela do lucro que exceder R$ 20.000/mês (Anexo 2), ficando também demonstrado este requisito do art° 51° do CIRC.

Face ao exposto, as correções propostas em sede de IRC, são as seguintes:

 

Ref. Item             Descrição            Valor

III

II.3.4.2.2 II.3.4.2.2            Outros Gastos e Perdas

Juros Obtidos

Dividendos (tributáveis)               1.060.500.00 €

7.671,14 €

23.174.56 €

                Total      1.091.345,69 €

 

(fim da transcrição)

 

26.          A Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2020 ..., do ano de 2015, no valor de 6.729,71 €.

27.          A Requerente interpôs o presente pedido de pronúncia arbitral em 08-07-2020, circunscrito à parte da liquidação que não aceitou como dedutíveis os gastos no valor de 1.060.500,00 €.

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

3.2. Factos não provados

Não se verificaram quaisquer factos que não tenham sido provados.

 

3.3. Fundamentação da matéria de facto provada:

A convicção do árbitro fundou-se na posição das partes demonstrada nas peças processuais produzidas, nos documentos juntos aos autos pela Requerente, no processo administrativo, nas declarações de parte e na prova testemunhal produzidas em audiência de julgamento.

Relativamente à posição adotada pelas partes, consideram-se desde logo admitidos por acordo os factos que constam simultaneamente do pedido arbitral e do relatório de inspeção (pontos 10 a 14 e 22 da matéria de facto provada).

No que concerne às declarações de parte (conforme artigo 466º do Código do Processo Civil, aplicável por força do artigo 29º n.º 1 alínea e) do RJAT), foi-lhes atribuída relevância na medida em que as afirmações produzidas encontraram apoio em outros elementos probatórios, seja depoimento testemunhal, como sucedeu em relação aos factos indicados nos n.º 15, seja documentos, como sucedeu com os factos provados n.º 16 a 21.

Efetivamente, conforme a jurisprudência tem alertado (acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-03-2015, processo n.º 1002/10.4TVPRT.P1 e o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-09-2017 do processo n.º 167447/09.1YIPRT.G1), quando se limitam a afirmar factos que são favoráveis à própria versão da parte que depõe, designadamente quando se limitam a confirmar o alegado pela parte na peça processual apresentada, não obstante submetidas à livre apreciação do tribunal (artigo 466º n.º 3 do Código do Processo Civil), tais declarações de parte não são, tendencialmente, suficientes só por si para comprovar os factos assim alegados, sendo apropriado a sua corroboração com outros meios de prova, de modo a sustentar razoavelmente uma convicção, já que só assim se assegura a credibilidade do declarado, dada a natural parcialidade e interesse no resultado do processo por parte do depoente.

Os depoimentos foram atendidos para a convicção probatória quanto aos factos dados como provados sob os n.º 2 a 9 e 15 a 21, porquanto se mostraram neutros, objetivos e congruentes, com conhecimento direto dos factos pela sua presença ou intervenção nos mesmos.

Relativamente aos restantes factos teve-se em conta a prova documental, conjugada com o depoimento das testemunhas.

 

4. Matéria de direito:

4.1. Objeto e âmbito do presente processo

 

A questão essencial de direito que se coloca neste processo é a qualificação a dar ao pagamento feito pela Requerente no valor de 1.060.500,00€ e subsequente anulação.

A Requerente entende que se trata de uma perda relativa a um investimento que se revelou não lucrativo, que deve ser aceite fiscalmente. Enquanto a Requerida entende que se tratou de um perdão de dívida a um particular, que não cumpre os requisitos do artigo 23º do Código do IRC, nem dos artigos 39º (provisões fiscalmente dedutíveis) e 41º (créditos incobráveis) do Código do IRC, para ser considerado como gasto fiscal.

Conforme ponto 11 a 13 da matéria de facto provada, a Requerente viu-se obrigada a rever o investimento e rescindir os contratos anteriormente celebrados.

Em regra, todos os gastos em que incorre uma empresa serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável.

O artigo 17º n.º 1 do Código do IRC dispõe que “o lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.

Por imperativo constitucional, a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real (artigo 104º n.º 2 da CRP). O que significa que devem excluir-se do somatório do lucro tributável todos os gastos incorridos na obtenção do rendimento.

No entanto, o legislador não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os gastos contabilísticos e os gastos fiscais, adotando antes um modelo de dependência parcial, entendendo que só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável todos os gastos e perdas incorridos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Com efeito, o artigo 23º n.º 1 do Código do IRC dispõe que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

No presente caso, está em causa, quanto ao gasto registado em 2015, o cumprimento dos requisitos do artigo 23º do Código do IRC, uma vez que a AT refere que o gasto não cumpre os requisitos do referido artigo. Assim, está em causa saber se o gasto foi incorrido para obter ou garantir os rendimentos e qual a sua qualificação.

O legislador, ao retirar do n.° 1 do artigo 23º do Código do IRC a referência à “indispensabilidade”, a partir de 01-01-2014, para passar apenas a referir “gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, veio claramente reforçar o entendimento de que as pessoas coletivas têm de ter em perspetiva a obtenção do lucro, pelo que tudo o que possa potenciar a realização desse lucro, deve ser considerado como gasto dedutível. Se assim não se entendesse, admitir tal faculdade equivaleria a permitir que a AT fizesse um juízo administrativo a posteriori sobre a gestão financeira e comercial da empresa.

Como refere J. L. Saldanha Sanches, “(...) saber se um certo custo corresponde, ou não, à mais eficaz defesa dos interesses da empresa é uma questão que não pode ser resolvida mediante a atribuição de um poder de intervenção do Estado - nem na veste da Administração, nem mesmo na veste do juiz - de modo a realizar um Juízo de mérito sobre uma certa opção de gestão empresarial”.

Na esteira do defendido por António Moura Portugal (“A Dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa”, Coimbra Editora, página 279), a dedutibilidade “deve ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na atividade societária. Este, por sua vez, não deve ser sindicado pelo Fisco ou pelos tribunais, porque a isso obriga a liberdade de iniciativa económica”.

Refere, ainda, António Martins (“A dedutibilidade dos gastos e a nova redação do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC: uma nota”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, 2015, pp.112), “se um ato de gestão implicar um certo gasto subsumível no interesse ou atividade da empresa, ele é suportado para obter, ou tendo em vista a obtenção, de rendimentos”.

A análise dos gastos suportados para obter ou garantir resultados deve ser feita numa perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à AT atuações que ponham em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.

Um gasto estranho à atividade da empresa é apenas aquele em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos, explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.

J. L. Saldanha Sanches (“A Quantificação da Obrigação Tributária, Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.“ 173, página 312) refere que “(...) estamos perante um conceito de custo que poderemos considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial: a definição fiscal de custo, como um conceito mais amplo do que os custos de produção e custo de aquisição, parte de uma perspetiva ampla de atividade de empresa e necessidade de empresa: estabelecendo uma conexão objetiva entre a atividade desta e as despesas que inevitavelmente dai decorrerão (...)”.

No relatório da comissão de reforma do IRC de 2013 pôde ler-se que “é hoje bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. Tem-se afastado a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos.” (p. 128).

E foi proposta uma “evolução normativa quanto ao princípio geral da aceitação dos gastos”, procurando acolher o entendimento da doutrina e da jurisprudência.

Neste sentido, o artigo 23.º do Código do IRC passou a consagrar a dedutibilidade dos gastos desde que relacionados com a atividade do sujeito passivo, por este incorridos ou suportados, como princípio geral para a determinação do lucro tributável.

O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo do processo n.º 01402/17, de 27-06-2018, defende que a interpretação do artigo 23.º do CIRC é no sentido de que “só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a atividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados”.

Por outro lado, tem sido entendimento unânime quer da doutrina quer da jurisprudência que o requisito da ligação dos gastos a rendimentos sujeitos a imposto não pode ser reconduzido à exigência de um nexo direto causa-efeito entre determinado gasto e o rendimento obtido com o mesmo.

A decisão arbitral do processo n.º 732/2016-T refere que “a dedutibilidade dos gastos para efeitos fiscais deverá ser aferida em função da sua conexão com a atividade empresarial do sujeito passivo e com os seus interesses económicos (que não exclusivamente operacionais e produtivos)”.

A atividade da Requerente é a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividade económica, tal como consta do ponto 1 da matéria de facto provada. E no âmbito dessa atividade, a Requerente celebrou contrato promessa de cessão de quotas e cessão de créditos, sendo que na data da sua celebração havia a real expectativa de obtenção de rendimentos para a sociedade. Mais tarde, a Requerente fez ainda um pagamento adicional por conta desse contrato promessa, que reforça a intenção da administração da sociedade na aquisição dos ativos e a expectativa nos proveitos do negócio.

No entanto, só à posteriori e com os fundamentos que constam dos contratos de rescisão e da prova testemunhal produzida (pontos 15 a 21 da matéria de facto provada) se verificou a decisão de não concretização da compra dos ativos, sendo que os factos que conduziram a tal não são imputáveis à Requerente.

O investimento efetuado não conduziu à obtenção de lucro, exigência essa que também não é requisito para a aceitação fiscal do gasto, como acima se refere na jurisprudência citada.

Por outro lado, o juízo da relação com a atividade faz-se quando o negócio é feito e não à posterior, em função dos respetivos resultados. Um gasto não deixa de o seu pelo facto de, numa avaliação à posteriori, se revelar inútil ou ineficaz.

Com efeito, e tendo a Requerente incorrido no gasto no âmbito da sua atividade, e tendo em conta a jurisprudência referida, não pode deixar de entender-se que o mesmo cumpre os requisitos do artigo 23º do Código do IRC para poder ser aceite como gasto dedutível ao lucro tributável.

A Requerida refere que o gasto em questão, além de não cumprir os requisitos do artigo 23º do Código do IRC, também não cumpre os requisitos dos artigos 39º (provisões fiscalmente dedutíveis) e 41º (créditos incobráveis) do Código do IRC, para ser considerado como gasto fiscal.

Vejamos cada uma das disposições legais em questão.

O artigo 39º do Código do IRC, sob a epígrafe “provisões fiscalmente dedutíveis”, tinha a seguinte redação à data dos factos:

“1 – Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:

a)            As que se destinam a fazer face a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os gastos do período de tributação;

b)           As que de destinem a fazer face a encargos com garantias a clientes previstas em contratos de venda e de prestação de serviços;

c)            As provisões técnicas constituídas obrigatoriamente, por força de normas emanadas pelo Instituto de Seguros de Portugal, de carácter genérico e abstracto, pelas empresas de seguros sujeitas à sua supervisão e pelas sucursais em Portugal de empresas seguradoras com sede em outro Estado membro da União Europeia;

d)           As constituídas com o objetivo de fazer face aos encargos com reparação de danos de caráter ambiental dos locais afetos à exploração, sempre que tal seja obrigatório nos termos da legislação aplicável e após a cessação desta.

2 – A determinação das provisões referidas no número anterior deve ter por base as condições existentes no final do período de tributação.

3 – Quando a provisão for reconhecida pelo valor presente, os gastos resultantes do respetivo desconto dicam igualmente sujeitos a este regime.

4 – As provisões a que se referem as alíneas a) a c) do n.º 1 que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos neste artigo consideram-se rendimentos do respetivo período de tributação.

5 – O montante anual da provisão para garantias a clientes a que se refere a alínea b) do n.º 1 é determinado pela aplicação às vendas e prestações de serviços sujeitas a garantia efetuadas no período de tributação de uma percentagem que não pode ser superior à que resulta da proporção entre a soma dos encargos derivados de garantias a clientes efetivamente suportados nos últimos três períodos de tributação e a soma das vendas e prestações de serviços sujeitas a garantia efectuadas nos mesmos períodos.

6 – O montante anual acumulado das provisões técnicas, referidas na alínea c) do n.º 1, não devem ultrapassar os valores mínimos que resultem da aplicação das normas emanadas da entidade de supervisão”.

 

Com efeito, basta atentar na redação do n.º 1 deste artigo 39º do Código do IRC, para concluir que não estamos perante qualquer provisão. No presente caso, o gasto contabilizado pela Requerente relativo ao prejuízo/perda obtido em 2015 não diz respeito a nenhuma destas provisões:

i)             que se destine a fazer face a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso;

ii)            que de destinem a fazer face a encargos com garantias a clientes previstas em contratos de venda e de prestação de serviços;

iii)           constituídas obrigatoriamente, por força de normas emanadas pelo Instituto de Seguros de Portugal;

iv)           constituídas com o objetivo de fazer face aos encargos com reparação de danos de caráter ambiental dos locais afetos à exploração, sempre que tal seja obrigatório nos termos da legislação aplicável e após a cessação desta.

Temos então que entender que este artigo 39º do Código do IRC não se aplica ao caso concreto, por não estarmos perante qualquer provisão.

Quanto ao cumprimento dos requisitos do artigo 41º do Código do IRC, vejamos a sua redação à data dos factos (2015):

“1 – Os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados gastos ou perdas do período de tributação nas seguintes situações, desde que não tenha sido admitida perda por imparidade ou esta se mostre insuficiente:

a)            Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717.º do Código de Processo Civil;

b)           Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.º do mesmo Código;

c)            Em processo especial de revitalização, após a homologação do plano de recuperação pelo juiz, previsto no artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;

d)           Nos termos previstos no SIREVE, após celebração do acordo previsto no artigo 12º desse regime;

e)           No âmbito de litígios emergentes da prestação e serviços públicos essenciais, após decisão arbitral;

f)            Nos termos do regime jurídico da prestação de serviços públicos essenciais, os créditos se encontrem prescritos e o seu valor não ultrapasse o montante de (euro) 750”.

 

No presente caso, entendemos que não estamos perante créditos incobráveis. Não se trata de um crédito concedido que a Requerente não conseguiu reaver. Desde já se diga que nem se trata de um crédito, de uma dívida de terceiros para com a empresa, mas sim de um direito de poder comprar um bem futuro nas condições constantes do contrato celebrado. Estamos perante uma compra de um ativo.

Conforme consta do ponto 11 dos factos provados, estamos perante um investimento assumido pela Requerente, que por diversas circunstâncias externas à Requerente, não logrou cumprir o seu objetivo de retorno esperado, e que culminou com a celebração de contrato de rescisão, através do qual a Requerente conseguiu acordar com a outra parte o recebimento de uma parte do valor investido.

Alega a AT que se tratou de um perdão de dívida não dedutível.

Caso se considerasse o perdão de dívida em questão como uma liberalidade, dispõe o art.º 863.º do Código Civil que:

“1. O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor.

2. Quando tiver o carácter de liberalidade, a remissão por negócio entre vivos é havida como doação, na conformidade dos artigos 940.º e seguintes.”.

E dispõe o art.º 945.º do mesmo Código:

“1. A proposta de doação caduca, se não for aceita em vida do doador.

2. A tradição para o donatário, em qualquer momento, da coisa móvel doada, ou do seu título representativo, é havida como aceitação.

3. Se a proposta não for aceita no próprio acto ou não se verificar a tradição nos termos do número anterior, a aceitação deve obedecer à forma prescrita no artigo 947.º e ser declarada ao doador, sob pena de não produzir os seus efeitos.”.

No presente caso, entendemos que não se verificou qualquer perdão de divida.

Substancialmente o que ocorreu foi o reconhecimento recíproco das partes da ocorrência de alteração substancial e superveniente das circunstâncias que justificava a aceitação por ambas as partes da consequente alteração/modificação do contrato inicial, à luz do disposto nos artigos 437º e seguintes do Código Civil.

Assim, tal como refere a decisão do CAAD do processo n.º 277/2016-T, em que foi árbitro presidente o Ex.mo Sr Juiz José Poças Falcão, “se a requerente tinha esse direito (alteração do contrato) e este foi reconhecido também pela parte vendedora, não se pode falar em perdão de dívida à luz das considerações supra, porque este (perdão ou remissão) pressuporia a existência e subsistência da dívida inicial, com extinção da obrigação de pagamento através de acordo quanto à inegibilidade ou extinção por perdão puro e simples do devedor, com declaração que não pretenderia mais exigir o seu cumprimento. Mas não foi manifestamente o caso”.

Pelo acima exposto, entende o presente tribunal arbitral, que não se verifica a existência de perdão de dívida a que alude a AT.

A Requerida alega ainda que “o adiantamento a título de sinal” transferido para B... foi registado a débito na conta 2713001 – B..., sem qualquer registo na conta 41 – Investimentos financeiros.

No presente caso, não estamos perante o pagamento de um sinal, mas sim do pagamento do preço, conforme consta dos contratos promessa celebrados e da matéria de facto provada.

Ainda que existisse um erro na conta utilizada no lançamento contabilístico, o que não nos cumpre aqui analisar, sempre se dirá que o mesmo não pode merecer um juízo de falta de credibilidade dos valores declarados. Com efeito, apesar de algum lapso na conta utilizada, o valor inscrito em gastos corresponde a um gasto dedutível.

O acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 06-12-2018, do processo n.º 1554/09.1BELRS, refere quanto a irregularidades contabilísticas, o seguinte: “(…) as irregularidades e outras anomalias constatadas, em ação inspetiva à sociedade incorporante, na execução da contabilidade da sociedade extinta não podem formar (ou formar também) o juízo da AT quanto à falta de credibilidade dos valores declarados e inscritos na contabilidade da sociedade (…)”.

Nesta situação devemos ter em conta o princípio da substância sobre a forma, devendo o gasto ser aceite apesar de estar inscrito na subconta de gastos menos indicada para o efeito.

O acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23-02-2017 do processo n.º 637/09.2BELRS, refere que “segundo o princípio da prevalência da substância sobre a forma, nuclearmente, o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efectiva realidade, relevante para efeitos de tributação, que não a mera forma do negócio jurídico concretamente utilizado”.

Em conclusão, estamos perante um gasto incorrido ou suportado pela Requerente para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, que cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 23º do Código do IRSC para poder ser aceite fiscalmente como gasto.

Assim, a liquidação de IRC de 2015 ora impugnada é ilegal por errónea qualificação do facto tributário, pelo que deve ser anulada, artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

5. Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Julgar procedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral, quanto à liquidação de IRC n.º 2020 ..., do ano de 2015, no valor de 6.729,71 €, relativamente à não consideração como gasto fiscal o valor de 1.060.500,00 €;

b)           Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

6. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em 6.729,71 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

7. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 612,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique.

Lisboa, 9 de junho de 2021.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.

 

A Juiz-Árbitro

(Suzana Fernandes da Costa)