SUMÁRIO:
I - Um fundo de investimento imobiliário que se encontre enquadrado categoria das instituições de investimento colectivo, designadas por “organismos de investimento coletivo”, é uma instituição financeira para efeito da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo;
II - A entidade que suporta o encargo do imposto do selo por repercussão legal, na qualidade de titular do interesse económico, não é sujeito passivo do imposto, e não é sobre ela que impende o ónus processual de juntar as guias de liquidação para efeito de demonstrar a conexão directa entre a liquidação e as operações de financiamento que originaram a incidência do imposto;
III - Na ausência de diligências instrutórias por iniciativa oficiosa da Administração em vista a apurar a realidade subjacente às operações em causa e em face da impossibilidade de o contribuinte obter elementos de informação que se encontravam na posse de uma terceira entidade, a dúvida quanto a certos factos materiais da causa não pode ser resolvida, na apreciação do direito, em desfavor do contribuinte sobre a qual não impendia o correspondente ónus da prova.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A... – …, pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º …, com sede na …, …, …, …, representado pela sociedade gestora, B…, S.A., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade dos actos de liquidação de imposto de selo incidente sobre operações de crédito, nos períodos de Março a Dezembro de 2014, de que resultou o montante total a pagar de € 101.062,54, que foram objecto de um anterior pedido de revisão oficiosa e de recurso hierárquico.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário, encontrando-se registada na Comissão de Mercados de Valores Mobiliários, como intermediário financeiro autorizado, desde 10 de Outubro de 1989, regendo-se pelas disposições do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (“OIC”) e, bem assim, do Regime das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”).
Ao longo do período de Março a Dezembro de 2014, e no âmbito da sua actividade, o A... – FIIF obteve financiamentos bancários concedidos pelo C..., S.A. e suportou os juros cobrados por aquela instituição bancária, na qualidade de entidade mutuante, tendo pago imposto do selo nos termos da verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, no montante total de € 101.062,54.
A liquidação de Imposto do Selo tem na sua génese a utilização de crédito decorrente dos contratos de financiamento n.º 16834/06 e n.º 16835/06, celebrados com D…, S.A. (D...), em 8 de Março de 2007, e do contrato de financiamento n.º FEC 800/11, celebrado com a mesma instituição bancária, em 29 de Março de 2011.
No entanto, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, isenta de imposto do selo a utilização de crédito concedido por instituições de crédito a sociedades ou entidades que preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, desde que domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado.
A Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado que se caracteriza como um organismo de investimento colectivo (OIC) e se encontra sujeito, por intermédio da sua sociedade gestora, à supervisão da CMVM e é suscetível de ser qualificado como “instituição financeira”, na acepção prevista na legislação comunitária.
Nesse sentido se pronunciou a Informação Vinculativa n.º 11733, de 7 de Julho de 2017 e os Pareceres Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros (Parecer n.º 25/2013, de 28 de Maio de 2013) e da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do Selo, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais (Informação n.º I2014002788, de 10 de Novembro de 2014).
Por outro lado, a Directiva (UE) 2015/849, do Parlamento e do Conselho, de 20 de Maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais, ou de financiamento do terrorismo, qualifica como “instituição financeira”, no artigo 3.º, ponto 2), alínea d), entre outras entidades, os OIC, e o Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento, define como instituição financeira, no ponto 26) do número 1, do artigo 4. “(…) uma empresa que não seja uma instituição de crédito, cuja actividade principal é (…) o exercício de uma ou mais das actividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Directiva 2013/36/UE (…)”, aí se incluindo os OIC constituídos sob a forma de um fundo, seja um FIM, seja um FII.
Em moldes semelhantes, a Directiva 2006/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2016, já continha uma definição em tudo idêntica de “instituição financeira”, encontrando-se os OIC constituídos sob a forma de fundos plenamente subsumíveis a vários dos pontos listados no Anexo à Directiva.
Por outro lado, a Directiva para uma cooperação reforçada no domínio do imposto sobre as transações financeiras (2013/0045), esclarece, no respectivo preâmbulo, que “a definição de instituição financeira é vasta e inclui, essencialmente, as empresas de investimento, os mercados organizados, as instituições de crédito, as empresas de seguros e de resseguros, os organismos de investimento coletivo e respetivas sociedades de gestão, os fundos de pensões e respectivos gestores, as sociedades gestoras de participações sociais, as empresas de locação financeira, as entidades de finalidade especial e, sempre que possível, remete para as definições consagradas na legislação pertinente da UE, adotada para fins de regulação”.
Tanto assim é que o Banco de Portugal enquadra nas suas estatísticas, elaboradas ao abrigo do 13.º da sua Lei Orgânica, os FIM e os FII como instituições financeiras não monetárias (“IFNM”) e o regime de comunicação de informações financeiras aprovado pela Lei do Orçamento do Estado para 2015 (Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro) veio categorizar expressamente os FIM e os FII, enquanto “instituições financeiras”, na categoria de entidades de investimento, conforme resulta do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), n.º 2, alínea c), e n.º 3, alíneas b) e c).
Havendo de concluir-se que os OIC constituídos sob a forma de Fundos constituem “instituições financeiras” segundo a definição prevista na legislação comunitária, sendo, como tal, entidades elegíveis para efeitos da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.
No âmbito do pedido de revisão oficiosa, a Requerente apresentou os extratos bancários do C..., S.A. referentes a 2014 e os contratos de financiamento celebrado entre o D... e o A... – FIIF, e, em sede de recurso hierárquico juntou uma tabela com os números das guias de imposto do selo emitidas e cobradas pelo C..., S.A. e pagas pela ora Requerente.
Invocando a Autoridade Tributária e Aduaneira que de toda a documentação apresentada pela Requerente não é possível extrair a relação de causalidade entre os montantes pagos a título de imposto do selo e os contratos de financiamento, a Requerente juntou ainda ao pedido de pronúncia arbitral o balancete analítico do A... – FIIF no período em análise, de onde resulta que o A... contraiu financiamentos bancários junto do C... e foram em relação a esses financiamentos que foram emitidas as guias de imposto do selo emitidas.
E ainda que não fosse possível fazer uma conexão direta e imediata entre cada débito de imposto do selo e o concreto contrato de financiamento, é indubitável que a cada débito de imposto do selo está subjacente um contrato de financiamento celebrado entre uma instituição financeira (C..., ex D...) e uma sociedade financeira (Requerente).
A Autoridade Tributária, na sua resposta, refere, em síntese, que os extractos bancários e avisos de lançamento não fazem menção aos códigos que identificam os contratos de financiamento e o balancete analítico do A... – FIIF, embora mencione os financiamentos contraídos junto do C..., não permite estabelecer uma conexão directa com as concretas operações realizadas que possam ter originado as liquidações do imposto do selo. Vindo a concluir que a comprovação do imposto do selo liquidado deveria ter sido feita através das facturas e avisos de lançamento de que constassem as referências aos contratos de financiamento, pelo que não encontram reunidos requisitos de que depende a isenção do imposto do selo, que constituía um ónus probatório da Requerente.
2. No seguimento do processo, por despacho arbitral de 5 de Fevereiro de 2021, foi notificada a Requerente para juntar aos autos os documentos externos comprovativos da repercussão do imposto de selo relativamente a movimentos constantes de extracto 7/2014 junto ao pedido arbitral como documento n.º 2, e na sequência da junção de um documento, em cumprimento da notificação, por despacho de 12 de Fevereiro seguinte, foi notificada a Autoridade Tributária para se pronunciar quanto a ele. A Requerida não se pronunciou no prazo cominado.
Por despacho arbitral de 23 de Fevereiro de 2021, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações, por se não tornar necessária a realização de outras diligências instrutórias e não haver quaisquer novos elementos sobre que as partes de devam pronunciar.
Por despacho arbitral de 27 de Maio de 2021, foi solicitada a junção aos autos pela Requerente das guias de liquidação de imposto de selo identificadas no documento n.º 3 junto ao pedido, a que foi dada a resposta que consta da alínea N) da matéria de facto.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 15 de Dezembro de 2020.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente é uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário (FII), encontrando-se registada na Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (CMVM), como intermediário financeiro autorizado, desde 10 de outubro de 1989, regendo-se pelas disposições do Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) e, bem assim, do Regime das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF).
B) De acordo com o seu Regulamento de Gestão, a Requerente promove e desenvolve, em Portugal, projectos imobiliários de loteamento e construção em terrenos de sua propriedade e com aptidão para o efeito, nos termos da legislação em vigor, seja para habitação, seja para comércio ou serviços, bem como a adquirir imóveis que poderão ser destinados a arrendamento ou a posterior venda distribuindo estes projectos e imóveis de acordo com os parâmetros previstos na lei.
C) No âmbito da sua actividade, tem vindo a recorrer a financiamento junto de instituições de crédito, tendo celebrado, em 8 de Março de 2007, com o D... (actualmente denominado C...), o contrato de financiamento n.º 16834/06, no valor de € 5.000.000,00, e o contrato de financiamento n.º 16835/06, no valor de € 30.000.000,00, e, em 29 de Março de 2011, o contrato de financiamento n.º FEC 800/11, no valor de € 2.750.000,00, a que se referem os documentos n.ºs 5, 6 e 7 juntos com o pedido arbitral e que aqui se dão como reproduzidos;
D) A instituição de crédito liquidou e entregou ao Estado imposto de selo incidente sobre as operações de crédito, no período de Março a Dezembro de 2014, no montante total de € 101.062,54, de acordo com o quadro abaixo descrito:
E) A instituição de crédito fez repercutir o imposto de selo liquidado na esfera jurídica da Requerente, enquanto entidade mutuária, que suportou integralmente o imposto.
F) A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa contra os actos de liquidação de imposto de selo, que foi indeferido por despacho do chefe de divisão de 9 de Julho de 2019, praticado ao abrigo de subdelegação de competências, com base na informação dos serviços n.º … – APT/2019…, que consta do documento n.º 9 junto com o pedido arbitral e aqui se dá como reproduzido;
G) Na informação refere-se, além do mais, o seguinte:
[…]
82. Pelo que verifica-se que os elementos apresentados, nos presentes autos são insuficientes para a concessão da isenção solicitada, pois a Requerente junta a Certidão Permanente, o Regulamento de Gestão do Fundo, algumas decisões do STA (Acórdão de 02.07.2003 proferido no âmbito do processo n.º 0945/03), bem como decisões do CAAD (Processo n.º 633/2016-T e 667/2016-T e 9/2017-T), bem como documentos contratuais e três cópias de extratos de conta (nºs 4/2014, 8/2014 e 1/2015), que estranhamente, abarcam vários períodos de referência cada um, não juntando qualquer documento que permita conhecer quais as guias de retenção na fonte de imposto a que os referidos montantes de liquidação de imposto do selo foram imputados, bem como outros documentos que permitam enquadrar e qualificar as operações de crédito e respectivo imposto do selo cobradas ao Fundo pela entidade mutuante (por exemplo, faturas, avisos de lançamento).
83. E nos termos do disposto no n.º 1 do art. 74.º da Lei Geral Tributária, o “ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
[…]
86. De facto, quanto ao alcance da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, o mesmo vai no sentido de que só estarão isentos de imposto de selo aqueles juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito que estejam directamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquele normativo.
87. Face a todo o exposto, concluímos pela improcedência do pedido, no montante total de € 101.062,54, devido a não terem sido carreados para os autos, os elementos comprovativos do encargo suportado com o Imposto do Selo, sendo que não se aplica neste caso concreto a isenção prevista na al) e do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, relativamente aos actos tributários de liquidação de imposto do selo da verba 17 da TGIS, em análise nos presentes autos”.
H) Na sequência do exercício do direito de audição, a informação acrescenta o seguinte:
[…]
92. Esses documentos não indicam, no entanto, as guias de pagamento a que se refere a liquidação do imposto do selo, sendo que, a prova apresentada insuficiente para deferir a pretensão do Requerente, pelo que se considera a permanência da validade dos pressupostos quer, de facto e de direito, que alicerçaram o nosso anterior "Projeto de Decisão", somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.
93. Assim, considera-se a permanência da validade dos pressupostos quer, de facto e de direito, que alicerçaram o nosso anterior "Projeto de Decisão", somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.
I) Em 24 de Julho de 2019, a Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, que foi indeferido por despacho do Director do Serviço Central de 5 de Maio de 2020, praticado ao abrigo de subdelegação de competências, com base na informação dos serviços que consta do documento n.º 1 junto com o pedido arbitral e aqui se dá como reproduzida;
J) Na informação, em sede de apreciação, refere-se o seguinte:
[…]
8. Sucede que da prova documental apresentada no presente recurso, acrescida da que já figurava nos autos, nomeadamente as cópias dos já mencionados contratos de financiamento, cópias dos extratos de avisos de lançamentos, faturas e cópia dos extratos de conta, continua a não ser possível concluir de forma segura quais as operações de crédito subjacentes às liquidações de imposto do selo aqui recorridas.
9. Com efeito, da sua análise não resulta qualquer conexão forte e direta entre a utilização de crédito, juros e comissões e os contratos de financiamento mencionados, podendo tais cobranças e respectivo imposto advir de quaisquer outros contratos de concessão de crédito ou serviços bancários prestados pelo D.../NB, independentemente da conta onde os mesmos foram debitados.
10. Para sustentar o que afirmamos tomemos como exemplo a cópia do extrato de aviso de lançamento n.º 4/2014, emitido em 31-04-2014, pelo D... em nome do Recorrente. Neste extrato (à semelhança de outros referentes aos períodos de imposto sub judice), referente à conta à ordem n.º 001 2109 5189 aparece efetivamente debitado imposto do selo liquidado sobre a utilização de crédito ocorrida entre 01-032014 e 31-03-2014, à taxa de 0,040%.
11. Contudo, as nomenclaturas dos contratos indicados no extrato nada têm a ver com os contratos de financiamento mencionados pelo Recorrente no seu pedido e sinteticamente descritos no ponto 3 da presente informação. De facto, o extrato em causa alude a dois lançamentos de imposto do selo sobre a utilização de crédito a efetivar em 05-04-2014, referentes ao Contrato n.º 000121095189 – Produto Conta Empréstimo – Conta Corrente, por débito nas contas n.º 000032752536 e 000255874846, respetivamente.
12. E o mesmo se diga relativamente ao imposto do selo no valor de € 40.442,00, incidente sobre um débito de juros no montante de € 1.011.050,00, com data valor de 06-06-2014.
13. Ou seja, e também de acordo com a documentação junta aos autos, esses juros e correlativo imposto do selo referem-se ao contrato n.º 0770019865, nome do produto “Financiamento”, cuja nomenclatura nada tem a ver com os contratos de financiamento mencionados pelo Recorrente no seu pedido e sinteticamente descritos no ponto 3 da presente informação.
14. A este débito acresce ainda o imposto do selo no valor de € 14.033,05, também incidente sobre juros, no montante de € 350.826,25, debitados em 09-07-2014, nas contas n.º 000032752536 e 000255874846, respetivamente.
15. Tudo isto, leva-nos a concluir que, face às regras da experiência comum, o imposto do selo aqui reivindicado, um debitado na conta de depósito à ordem n.º 000121095189, outro debitado nas contas n.ºs 000032752536 e 000255874846, pode advir de quaisquer financiamentos, diferentes dos referenciados no ponto 3 da presente informação.
16. Assim sendo, quanto a esta alegadas liquidações de imposto de selo, somos a concluir que não se prova de forma cabal e inequívoca que as mesmas tenham tido na sua génese os contratos de financiamento mencionados no ponto 3 da presente informação.
K) Com o pedido de revisão oficiosa, a Requerente apresentou os contratos de financiamento a que se referem a antecedente alínea C) e os extractos bancários do C... referentes a 2014, que constitui o documento n.º 2 junto ao pedido arbitral e que aqui se dá como reproduzido;
L) Com o recurso hierárquico, a Requerente apresentou, além dos documentos mencionados na antecedente alínea K), uma tabela com os números das guias de imposto do selo emitidas e cobradas pelo C..., S.A. e a data de pagamento, que constitui o documento n.º 3 junto ao pedido arbitral, que aqui se dá como reproduzido.
M) Com o pedido arbitral, a Requerente juntou, além de todos os documentos acima mencionados, o balancete analítico referente ao período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2014, que constitui o documento n.º 15, que aqui se dá como reproduzido.
N) Na sequência do despacho arbitral de 27 de Maio de 2021, em que se solicitava a junção aos autos das guias de liquidação de imposto de selo identificadas no documento n.º 3 junto ao pedido, relativamente ao período de março a dezembro de 2014, e, bem assim, a versão integral da guia de lançamento junto em 10 de fevereiro, de modo a permitir a identificação da entidade emitente, a Requerente, em resposta, reencaminhou a informação prestada pelo C..., do seguinte teor:
“Em resposta ao vosso pedido que encaminhamos para análise da respetiva área, informamos que não iremos disponibilizar as cópias das guias de pagamento à AT do Imposto de Selo retido aos Fundos indicados, uma vez que cada guia não paga apenas o imposto de um cliente do C..., mas todos os impostos do mês.
Relativamente às guias disponibilizadas por outras entidades, cabe a cada banco a decisão de disponibilizar esta informação ou não, contudo importa referir que a Autoridade Tributária tem acesso às guias, pelo que a indicação do número do documento é suficiente para o efeito pretendido. Ficamos ao dispor para qualquer esclarecimento que considerem necessário.
O) Ainda na sequência do despacho arbitral mencionado na alínea N), a Requerente juntou a cópia integral do extracto n.º 6/2014.
P) O pedido arbitral deu entrada em 21 de Setembro de 2020.
Factos não provados
Não há factos não provados que tenham relevo para a apreciação da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição inicial e apresentados a solicitação do tribunal, no exercício do seu poder inquisitório, e em factos não questionados pelas partes.
Matéria de direito
Âmbito de incidência subjectiva da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo
5. A questão em debate consiste em saber se a Requerente pode beneficiar da isenção de imposto, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, relativamente à utilização de crédito, juros e comissões no âmbito de contratos de financiamento celebrados com uma instituição de crédito.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, não põe em causa que a Requerente, enquanto fundo de investimento imobiliário, possa encontrar-se abrangida pelo âmbito de incidência subjectiva da isenção, e apenas discute que seja possível estabelecer uma conexão directa entre as operações que originaram a liquidação de imposto e os contratos de financiamento celebrados com o D..., actualmente designado C..., S.A.
E, em qualquer caso, não pode deixar de reconhecer-se que a Requerente, nessa qualidade, beneficia da regra de isenção.
A referida disposição da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, que aqui está especialmente em foco, estatui nos seguintes termos:
Outras isenções
1 - São também isentos do imposto:
(…)
e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.
A isenção prevista nesta disposição, cuja redação foi introduzida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, contempla dois requisitos. Um de natureza objectiva, incidindo sobre juros e comissões cobrados pela concessão do crédito, garantias prestadas na concessão do crédito e utilização de crédito concedido, e um outro, de natureza subjectiva na origem, respeitante às entidades financeiras (instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras) que cobram os juros e comissões, recebem as garantias e concedem crédito, e de natureza subjectiva no destino, respeitante às entidades beneficiárias da concessão do crédito, que incluem as sociedades de capital de risco, bem como as sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária. Em qualquer dos casos, as entidades intervenientes devem ser domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, definidos por Portaria do Ministro das Finanças (Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro e respectivas alterações).
A isenção abrange, por conseguinte, segundo a própria terminologia legal, a concessão de crédito a “instituições financeiras previstas na legislação comunitária”.
Esta remissão para a legislação comunitária, agora dito Direito da União Europeia, haverá de entender-se como uma remissão dinâmica, pretendendo referir-se ao conceito de “instituição financeira” que se encontre previsto no direito europeu à data em que se pretenda exercer o direito de isenção.
Os fundos de investimento imobiliário regem-se pelas disposições do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC) e pelo Regime das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF). Os organismos de investimento colectivo poderão caracterizar-se como instituições que “têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto do público, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de divisão de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes, como são os Fundos de Investimento Imobiliário”, e que fundamentalmente realizam as suas aplicações em bens imóveis como um meio financeiro alternativo “às habituais formas de aplicação das poupanças dos investidores, designadamente em depósitos bancários e no investimento direto no mercado de capitais” (cfr. Patrícia Oliveira Jordão, Os Fundos de Investimento Imobiliário, ISCAL, Lisboa, 2010).
No âmbito do direito europeu, a Directiva (UE) 2015/849, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, no seu artigo 3.º, n.º 2, alínea d), expressamente qualifica como “instituição financeira” os organismos de investimento colectivo que comercializem as suas ações ou unidades de participação.
Do mesmo modo, o Banco de Portugal, para efeitos de recolha de dados estatísticos, inclui entre as instituições financeiras não monetárias (IFNM), na subcategoria dos intermediários financeiros, os fundos de investimento (com excepção dos fundos do mercado monetário), juntamente com sociedades de capital de risco, sociedades de factoring, sociedades financeiras, sociedades financeiras para aquisições a crédito, sociedades gestoras de participações sociais do setor financeiro ou as sociedades de locação financeira.
A Requerente, sendo um fundo de investimento imobiliário que se encontra enquadrado na categoria das instituições de investimento colectivo, designadas por “organismos de investimento coletivo”, deve ser assim considerada como uma instituição financeira à luz do direito europeu.
E nesse sentido se pronunciaram, em especial para efeito da aplicação da referida disposição do CIS, o Centro de Estudos Fiscais, no parecer n.º 25/2013, de 28 de Maio, e as Informações Vinculativas emitidas no Processo n.º 2017000303 – IVE n.º 11733, com despacho concordante de 7 de Julho de 2017, e no Processo n.º 2018001066 – IVE n.º 14192, com despacho concordante de 1 de Novembro de 2018, em que se concluiu que um fundo de investimento imobiliário é qualificado como instituição financeira, nos termos da legislação comunitária, e como tal está isento de imposto de selo ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS relativamente às comissões cobradas quando directamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da actividade exercida por essas instituições.
Relação de causalidade entre os montantes repercutidos a título de imposto do selo e os contratos de financiamento celebrados entre a Requerente e a instituição de crédito
6. A questão que essencialmente se coloca, face aos termos em que se encontram fundamentados os despachos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e de recurso hierárquico, é a de saber se pode ter-se como demonstrada a conexão entre os contratos de financiamento celebrados entre a Requerente e a instituição bancária e os montantes por ela pagos, a título de imposto do selo, por efeito da repercussão do encargo na qualidade de titular do interesse económico que justifica a liquidação do imposto.
Como resulta da matéria de facto dada como assente, o indeferimento do pedido de revisão oficiosa centra-se na insuficiência dos elementos de facto para aferir da directa relação entre as operações financeiras e a repercussão do imposto, visto que a Requerente, embora tenha junto ao procedimento os contratos de financiamento e cópias de extractos de conta, não apresentou qualquer documento que permita verificar se as guias de retenção na fonte respeitam aos montantes de liquidação de imposto que lhe foram imputados. E o mesmo argumento é mobilizado na decisão de indeferimento do recurso hierárquico, em que se sustenta que não é possível associar a liquidação de imposto aos contratos de financiamento.
Importa ter presente, a este propósito, a distinção efectuada pela lei entre o âmbito de incidência subjectiva do imposto e a imputação do respectivo encargo.
O artigo 2.º do CIS define o âmbito de incidência subjectiva do imposto, intitulando como sujeitos passivos, entre outros, as “instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas residentes em território nacional, que tenham intermediado operações de crédito, de prestação de garantias ou juros, comissões e outras contraprestações devidos por residentes no mesmo território a instituições de crédito ou sociedades financeiras não residentes" (n.º 1, alínea c). O artigo 3.º, sob a epígrafe “Encargo do imposto”, consigna, por sua vez, que, nas situações de incidência subjectiva que se encontram descritas no artigo 1.º, o “imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico” (n.º 1), considerando-se, especificamente, como titular do interesse económico, no caso da concessão de crédito, o “utilizador do crédito" (n.º 3, alínea f)).
O que significa que é ao sujeito passivo que compete a liquidação do imposto, como prevê o artigo 23.º, n.º 1, do CIS, e o efectivo pagamento do imposto liquidado, como também consta do artigo 41.º, n.º 1. do CIS, não havendo sequer lugar à responsabilidade solidária daquele a quem a lei confere o encargo do imposto (artigo 42.º).
Como esclarece ainda o artigo o artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, não é sujeito passivo "quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias".
Como é de concluir, o único responsável pela liquidação do imposto é o sujeito passivo, e, neste caso, a instituição bancária que concedeu o financiamento, e sobre a entidade mutuária apenas recai o encargo de pagar o imposto por efeito de um mecanismo de repercussão.
7. Tudo o que acaba de dizer-se releva para efeito da repartição do ónus da prova.
Como resulta das regras do direito probatório que constam do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, o que se traduz num princípio geral de repartição do ónus da prova, pelo qual cabe à Administração a prova da existência dos factos tributários em que assenta a liquidação e ao sujeito passivo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito (artigo 342.º do Código Civil).
A isenção fiscal é, por natureza, um facto impeditivo da tributação regra, pelo que - como é entendimento jurisprudencial pacífico - é ao sujeito passivo que cabe fazer a prova da existência dos pressupostos de que depende o reconhecimento desse tipo de benefício fiscal (acórdão do STA de 14 de Janeiro de 2005, Processo n.º 013143, acórdãos do TCA Sul de 24 de Janeiro de 2012, Processo n.º 05079/11, e 2 de Julho de 2013, Processo n.º 06629/13 e decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 76/2013 e 163/2015).
No entanto, esse princípio geral está necessariamente limitado pela situação tributária em presença quando se constata que o contribuinte, embora possa impugnar o acto tributário de liquidação, não é o sujeito passivo do imposto e apenas figura como último responsável pelo seu pagamento, por virtude de o imposto lhe ser repercutido na sua esfera jurídica na qualidade de titular do interesse económico que está subjacente à liquidação.
No caso vertente, a Requerente juntou aos autos os contratos de financiamento firmados com o D..., que necessariamente teriam de originar a liquidação de imposto do selo (documentos n.ºs 5, 6 e 7), e o balancete analítico referente ao ano de 2014 onde surgem descritos os movimentos de crédito nos montantes de € 30.000.000,00, € 8.000.000,00 e € 2.750.000,00 (documento n.º 15), e ainda os extractos bancários onde estão evidenciadas as importâncias liquidadas a título de imposto do selo (documento n.º 2). A Requerente juntou ainda uma lista com a menção do valor do imposto liquidado, o n.º da guia e a data do pagamento (documento n.º 3).
Por outro lado, a dúvida que pudesse suscitar-se quanto ao extracto 7/2014 e as inscrições manuscritas nele exaradas encontra-se esclarecida pelo aviso de lançamento junto pela Requerente a solicitação do tribunal. De facto, nesse documento encontram-se registados o montante total de € 1.011.050,00, a título de juros, que corresponde à soma das parcelas de € 720.992,44 e € 290.057,56, discriminadas no extrato 7/2014, e o montante total € 40.442,00, a título de imposto do selo sobre juros, que corresponde à soma das parcelas de € 28.839,70 e € 11.602,30, igualmente discriminadas nesse extracto.
Solicitada, por despacho arbitral, a junção aos autos das guias de liquidação de imposto de selo identificadas no documento n.º 3 junto ao pedido, a Requerente, em resposta, apresentou uma informação prestada pela instituição bancária na qual se refere que essa entidade não pretende disponibilizar as cópias das guias de pagamento e que essas guias respeitam à globalidade dos impostos liquidados por cada cliente e não necessariamente à liquidação do imposto do selo que se encontre associado a certos contratos de financiamento em concreto.
8. Como se deixou dito, a decisões de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e de recurso hierárquico baseiam-se essencialmente na insuficiência da prova coligida no âmbito desses procedimentos para demonstrar a conexão entre os contratos de financiamento e a repercussão na esfera jurídica da Requerente da liquidação do imposto. E, em especial, na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a Administração dá relevo à circunstância de o interessado não ter feito juntar as guias de retenção na fonte pelas quais fosse possível determinar os montantes de imposto que estariam em causa.
No entanto, como se deixou esclarecido, a Requerente não é sujeito passivo do imposto nem é o directo responsável pela sua liquidação, mas a entidade que suporta o encargo por intermediação da instituição bancária, não lhe incumbindo a emissão das guias de pagamento. E, ao contrário, era a Autoridade Tributária que poderia ter realizado as diligências instrutórias tendentes a averiguar a correlação entre os contratos de financiamento e o imposto liquidado, mormente mediante a consulta das guias de pagamento em causa no exercício dos seus poderes de indagação oficiosa.
Deve fazer-se notar, a este propósito, que, independentemente do critério de repartição do ónus da prova ao caso aplicável, a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade.
Um afloramento deste princípio surge no artigo 58.º da LGT, onde se refere que “a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.
É assim de considerar que “no âmbito do procedimento tributário está consagrado o princípio da verdade material, que alguns reconduzem à menção ´justiça`, do qual resulta que o objectivo fundamental de toda a actuação no procedimento tributário é o da prossecução do interesse público, de acordo com o princípio da legalidade, apenas alcançável com uma avaliação não meramente formal dos factos” (cfr. Serena Cabrita NETO/ Carla Castelo TRINDADE, Contencioso Tributário, vol. I , Coimbra, 2017, págs. 144-145).
Importa ainda reter que os órgãos da Administração Pública estão sujeitos a um princípio de colaboração, e, como tal, “devem actuar em estreita colaboração com os particulares, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber as suas sugestões e informações (artigo 11.º, n.º 1, do CPA). Princípio esse igualmente consagrado nos artigos 59.º da LGT e 48.º do CPPT.
9. No caso vertente, os serviços da Autoridade Tributária omitiram quaisquer diligências que permitissem verificar a existência das guias de liquidação de imposto do selo e a sua correlação com os contratos de financiamento celebrados com o D..., apesar de no pedido de revisão oficiosa a Requerente ter invocado a isenção da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS e ter feito juntar ao procedimento os contratos de financiamento e os extractos bancários referentes a 2014 com a informação relativa aos movimentos de débito por imposto de selo, e, no recurso hierárquico, ter junto, além desses documentos, uma tabela com indicação dos n.ºs das guias de liquidação do imposto.
Isso, não obstante os serviços poderem obter a colaboração da instituição bancária e aceder por via oficiosa às guias de liquidação de imposto, na sequência da própria informação prestada pelo contribuinte no âmbito dos procedimentos tributários.
Na ausência de diligências instrutórias por iniciativa oficiosa da Administração e em face da impossibilidade de o contribuinte obter elementos de informação que se encontravam na posse de uma terceira entidade, por não ser ele também o sujeito passivo do imposto, não pode afirmar-se, de acordo com os critérios gerais de repartição do ónus da prova, que era sobre a Requerente que impendia o ónus de juntar aos autos as guias de liquidação de imposto de modo a demonstrar a conexão entre os pagamentos efectuados e os contratos de financiamento.
E era a Autoridade Tributária que, no exercício dos seus poderes inquisitórios, estava em condições de realizar as diligências necessárias e adequadas a apurar a realidade subjacente às operações em causa.
Dito de outro modo, a situação fiscal do contribuinte não pode ser agravada pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios.
E, nesse sentido, a dúvida quanto a certos factos materiais da causa, mormente quanto à conexão directa entre as guias de pagamento e a repercussão do imposto, não pode ser resolvida, na apreciação do direito, em desfavor da Requerente sobre a qual não impendia o correspondente ónus da prova.
Cabe referir, por último, que se encontram coligidos no processo suficientes elementos de prova, incluindo prova documental, quanto à repercussão na esfera jurídica da Requerente de encargos com o imposto dos selo relacionados com contratos de financiamento, pelo que a impossibilidade de estabelecer uma correlação directa entre as guias de liquidação do imposto e essas operações financeiras – por incumprimento por parte da Autoridade Tributária dos seus deveres de indagação oficiosa – gera fundada dúvida sobre a existência e quantificação dos actos tributários, o que conduz à sua anulação nos termos previstos no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT.
III - Decisão
Termos em que se decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade e a anulação dos actos tributários de autoliquidação do imposto do selo, no montante de € 101.062,54, relativos ao período de Março a Dezembro de 2014, bem como dos despachos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e de recurso hierárquico.
Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 101.062,54.
Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I, anexa àquele regulamento, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira
Notifique.
Lisboa, 14 de Junho de 2021,
O Presidente do Tribunal Arbitral,
Carlos Fernandes Cadilha
A Árbitro vogal
Carla Almeida Cruz
O Árbitro vogal
SUMÁRIO:
I - Um fundo de investimento imobiliário que se encontre enquadrado categoria das instituições de investimento colectivo, designadas por “organismos de investimento coletivo”, é uma instituição financeira para efeito da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo;
II - A entidade que suporta o encargo do imposto do selo por repercussão legal, na qualidade de titular do interesse económico, não é sujeito passivo do imposto, e não é sobre ela que impende o ónus processual de juntar as guias de liquidação para efeito de demonstrar a conexão directa entre a liquidação e as operações de financiamento que originaram a incidência do imposto;
III - Na ausência de diligências instrutórias por iniciativa oficiosa da Administração em vista a apurar a realidade subjacente às operações em causa e em face da impossibilidade de o contribuinte obter elementos de informação que se encontravam na posse de uma terceira entidade, a dúvida quanto a certos factos materiais da causa não pode ser resolvida, na apreciação do direito, em desfavor do contribuinte sobre a qual não impendia o correspondente ónus da prova.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A... – …, pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º …, com sede na …, …, …, …, representado pela sociedade gestora, B…, S.A., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade dos actos de liquidação de imposto de selo incidente sobre operações de crédito, nos períodos de Março a Dezembro de 2014, de que resultou o montante total a pagar de € 101.062,54, que foram objecto de um anterior pedido de revisão oficiosa e de recurso hierárquico.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário, encontrando-se registada na Comissão de Mercados de Valores Mobiliários, como intermediário financeiro autorizado, desde 10 de Outubro de 1989, regendo-se pelas disposições do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (“OIC”) e, bem assim, do Regime das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”).
Ao longo do período de Março a Dezembro de 2014, e no âmbito da sua actividade, o A... – FIIF obteve financiamentos bancários concedidos pelo C..., S.A. e suportou os juros cobrados por aquela instituição bancária, na qualidade de entidade mutuante, tendo pago imposto do selo nos termos da verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, no montante total de € 101.062,54.
A liquidação de Imposto do Selo tem na sua génese a utilização de crédito decorrente dos contratos de financiamento n.º 16834/06 e n.º 16835/06, celebrados com D…, S.A. (D...), em 8 de Março de 2007, e do contrato de financiamento n.º FEC 800/11, celebrado com a mesma instituição bancária, em 29 de Março de 2011.
No entanto, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, isenta de imposto do selo a utilização de crédito concedido por instituições de crédito a sociedades ou entidades que preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, desde que domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado.
A Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado que se caracteriza como um organismo de investimento colectivo (OIC) e se encontra sujeito, por intermédio da sua sociedade gestora, à supervisão da CMVM e é suscetível de ser qualificado como “instituição financeira”, na acepção prevista na legislação comunitária.
Nesse sentido se pronunciou a Informação Vinculativa n.º 11733, de 7 de Julho de 2017 e os Pareceres Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros (Parecer n.º 25/2013, de 28 de Maio de 2013) e da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do Selo, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais (Informação n.º I2014002788, de 10 de Novembro de 2014).
Por outro lado, a Directiva (UE) 2015/849, do Parlamento e do Conselho, de 20 de Maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais, ou de financiamento do terrorismo, qualifica como “instituição financeira”, no artigo 3.º, ponto 2), alínea d), entre outras entidades, os OIC, e o Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento, define como instituição financeira, no ponto 26) do número 1, do artigo 4. “(…) uma empresa que não seja uma instituição de crédito, cuja actividade principal é (…) o exercício de uma ou mais das actividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Directiva 2013/36/UE (…)”, aí se incluindo os OIC constituídos sob a forma de um fundo, seja um FIM, seja um FII.
Em moldes semelhantes, a Directiva 2006/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2016, já continha uma definição em tudo idêntica de “instituição financeira”, encontrando-se os OIC constituídos sob a forma de fundos plenamente subsumíveis a vários dos pontos listados no Anexo à Directiva.
Por outro lado, a Directiva para uma cooperação reforçada no domínio do imposto sobre as transações financeiras (2013/0045), esclarece, no respectivo preâmbulo, que “a definição de instituição financeira é vasta e inclui, essencialmente, as empresas de investimento, os mercados organizados, as instituições de crédito, as empresas de seguros e de resseguros, os organismos de investimento coletivo e respetivas sociedades de gestão, os fundos de pensões e respectivos gestores, as sociedades gestoras de participações sociais, as empresas de locação financeira, as entidades de finalidade especial e, sempre que possível, remete para as definições consagradas na legislação pertinente da UE, adotada para fins de regulação”.
Tanto assim é que o Banco de Portugal enquadra nas suas estatísticas, elaboradas ao abrigo do 13.º da sua Lei Orgânica, os FIM e os FII como instituições financeiras não monetárias (“IFNM”) e o regime de comunicação de informações financeiras aprovado pela Lei do Orçamento do Estado para 2015 (Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro) veio categorizar expressamente os FIM e os FII, enquanto “instituições financeiras”, na categoria de entidades de investimento, conforme resulta do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), n.º 2, alínea c), e n.º 3, alíneas b) e c).
Havendo de concluir-se que os OIC constituídos sob a forma de Fundos constituem “instituições financeiras” segundo a definição prevista na legislação comunitária, sendo, como tal, entidades elegíveis para efeitos da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.
No âmbito do pedido de revisão oficiosa, a Requerente apresentou os extratos bancários do C..., S.A. referentes a 2014 e os contratos de financiamento celebrado entre o D... e o A... – FIIF, e, em sede de recurso hierárquico juntou uma tabela com os números das guias de imposto do selo emitidas e cobradas pelo C..., S.A. e pagas pela ora Requerente.
Invocando a Autoridade Tributária e Aduaneira que de toda a documentação apresentada pela Requerente não é possível extrair a relação de causalidade entre os montantes pagos a título de imposto do selo e os contratos de financiamento, a Requerente juntou ainda ao pedido de pronúncia arbitral o balancete analítico do A... – FIIF no período em análise, de onde resulta que o A... contraiu financiamentos bancários junto do C... e foram em relação a esses financiamentos que foram emitidas as guias de imposto do selo emitidas.
E ainda que não fosse possível fazer uma conexão direta e imediata entre cada débito de imposto do selo e o concreto contrato de financiamento, é indubitável que a cada débito de imposto do selo está subjacente um contrato de financiamento celebrado entre uma instituição financeira (C..., ex D...) e uma sociedade financeira (Requerente).
A Autoridade Tributária, na sua resposta, refere, em síntese, que os extractos bancários e avisos de lançamento não fazem menção aos códigos que identificam os contratos de financiamento e o balancete analítico do A... – FIIF, embora mencione os financiamentos contraídos junto do C..., não permite estabelecer uma conexão directa com as concretas operações realizadas que possam ter originado as liquidações do imposto do selo. Vindo a concluir que a comprovação do imposto do selo liquidado deveria ter sido feita através das facturas e avisos de lançamento de que constassem as referências aos contratos de financiamento, pelo que não encontram reunidos requisitos de que depende a isenção do imposto do selo, que constituía um ónus probatório da Requerente.
2. No seguimento do processo, por despacho arbitral de 5 de Fevereiro de 2021, foi notificada a Requerente para juntar aos autos os documentos externos comprovativos da repercussão do imposto de selo relativamente a movimentos constantes de extracto 7/2014 junto ao pedido arbitral como documento n.º 2, e na sequência da junção de um documento, em cumprimento da notificação, por despacho de 12 de Fevereiro seguinte, foi notificada a Autoridade Tributária para se pronunciar quanto a ele. A Requerida não se pronunciou no prazo cominado.
Por despacho arbitral de 23 de Fevereiro de 2021, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações, por se não tornar necessária a realização de outras diligências instrutórias e não haver quaisquer novos elementos sobre que as partes de devam pronunciar.
Por despacho arbitral de 27 de Maio de 2021, foi solicitada a junção aos autos pela Requerente das guias de liquidação de imposto de selo identificadas no documento n.º 3 junto ao pedido, a que foi dada a resposta que consta da alínea N) da matéria de facto.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 15 de Dezembro de 2020.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente é uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário (FII), encontrando-se registada na Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (CMVM), como intermediário financeiro autorizado, desde 10 de outubro de 1989, regendo-se pelas disposições do Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) e, bem assim, do Regime das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF).
B) De acordo com o seu Regulamento de Gestão, a Requerente promove e desenvolve, em Portugal, projectos imobiliários de loteamento e construção em terrenos de sua propriedade e com aptidão para o efeito, nos termos da legislação em vigor, seja para habitação, seja para comércio ou serviços, bem como a adquirir imóveis que poderão ser destinados a arrendamento ou a posterior venda distribuindo estes projectos e imóveis de acordo com os parâmetros previstos na lei.
C) No âmbito da sua actividade, tem vindo a recorrer a financiamento junto de instituições de crédito, tendo celebrado, em 8 de Março de 2007, com o D... (actualmente denominado C...), o contrato de financiamento n.º 16834/06, no valor de € 5.000.000,00, e o contrato de financiamento n.º 16835/06, no valor de € 30.000.000,00, e, em 29 de Março de 2011, o contrato de financiamento n.º FEC 800/11, no valor de € 2.750.000,00, a que se referem os documentos n.ºs 5, 6 e 7 juntos com o pedido arbitral e que aqui se dão como reproduzidos;
D) A instituição de crédito liquidou e entregou ao Estado imposto de selo incidente sobre as operações de crédito, no período de Março a Dezembro de 2014, no montante total de € 101.062,54, de acordo com o quadro abaixo descrito:
E) A instituição de crédito fez repercutir o imposto de selo liquidado na esfera jurídica da Requerente, enquanto entidade mutuária, que suportou integralmente o imposto.
F) A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa contra os actos de liquidação de imposto de selo, que foi indeferido por despacho do chefe de divisão de 9 de Julho de 2019, praticado ao abrigo de subdelegação de competências, com base na informação dos serviços n.º … – APT/2019…, que consta do documento n.º 9 junto com o pedido arbitral e aqui se dá como reproduzido;
G) Na informação refere-se, além do mais, o seguinte:
[…]
82. Pelo que verifica-se que os elementos apresentados, nos presentes autos são insuficientes para a concessão da isenção solicitada, pois a Requerente junta a Certidão Permanente, o Regulamento de Gestão do Fundo, algumas decisões do STA (Acórdão de 02.07.2003 proferido no âmbito do processo n.º 0945/03), bem como decisões do CAAD (Processo n.º 633/2016-T e 667/2016-T e 9/2017-T), bem como documentos contratuais e três cópias de extratos de conta (nºs 4/2014, 8/2014 e 1/2015), que estranhamente, abarcam vários períodos de referência cada um, não juntando qualquer documento que permita conhecer quais as guias de retenção na fonte de imposto a que os referidos montantes de liquidação de imposto do selo foram imputados, bem como outros documentos que permitam enquadrar e qualificar as operações de crédito e respectivo imposto do selo cobradas ao Fundo pela entidade mutuante (por exemplo, faturas, avisos de lançamento).
83. E nos termos do disposto no n.º 1 do art. 74.º da Lei Geral Tributária, o “ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
[…]
86. De facto, quanto ao alcance da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, o mesmo vai no sentido de que só estarão isentos de imposto de selo aqueles juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito que estejam directamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquele normativo.
87. Face a todo o exposto, concluímos pela improcedência do pedido, no montante total de € 101.062,54, devido a não terem sido carreados para os autos, os elementos comprovativos do encargo suportado com o Imposto do Selo, sendo que não se aplica neste caso concreto a isenção prevista na al) e do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, relativamente aos actos tributários de liquidação de imposto do selo da verba 17 da TGIS, em análise nos presentes autos”.
H) Na sequência do exercício do direito de audição, a informação acrescenta o seguinte:
[…]
92. Esses documentos não indicam, no entanto, as guias de pagamento a que se refere a liquidação do imposto do selo, sendo que, a prova apresentada insuficiente para deferir a pretensão do Requerente, pelo que se considera a permanência da validade dos pressupostos quer, de facto e de direito, que alicerçaram o nosso anterior "Projeto de Decisão", somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.
93. Assim, considera-se a permanência da validade dos pressupostos quer, de facto e de direito, que alicerçaram o nosso anterior "Projeto de Decisão", somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.
I) Em 24 de Julho de 2019, a Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, que foi indeferido por despacho do Director do Serviço Central de 5 de Maio de 2020, praticado ao abrigo de subdelegação de competências, com base na informação dos serviços que consta do documento n.º 1 junto com o pedido arbitral e aqui se dá como reproduzida;
J) Na informação, em sede de apreciação, refere-se o seguinte:
[…]
8. Sucede que da prova documental apresentada no presente recurso, acrescida da que já figurava nos autos, nomeadamente as cópias dos já mencionados contratos de financiamento, cópias dos extratos de avisos de lançamentos, faturas e cópia dos extratos de conta, continua a não ser possível concluir de forma segura quais as operações de crédito subjacentes às liquidações de imposto do selo aqui recorridas.
9. Com efeito, da sua análise não resulta qualquer conexão forte e direta entre a utilização de crédito, juros e comissões e os contratos de financiamento mencionados, podendo tais cobranças e respectivo imposto advir de quaisquer outros contratos de concessão de crédito ou serviços bancários prestados pelo D.../NB, independentemente da conta onde os mesmos foram debitados.
10. Para sustentar o que afirmamos tomemos como exemplo a cópia do extrato de aviso de lançamento n.º 4/2014, emitido em 31-04-2014, pelo D... em nome do Recorrente. Neste extrato (à semelhança de outros referentes aos períodos de imposto sub judice), referente à conta à ordem n.º 001 2109 5189 aparece efetivamente debitado imposto do selo liquidado sobre a utilização de crédito ocorrida entre 01-032014 e 31-03-2014, à taxa de 0,040%.
11. Contudo, as nomenclaturas dos contratos indicados no extrato nada têm a ver com os contratos de financiamento mencionados pelo Recorrente no seu pedido e sinteticamente descritos no ponto 3 da presente informação. De facto, o extrato em causa alude a dois lançamentos de imposto do selo sobre a utilização de crédito a efetivar em 05-04-2014, referentes ao Contrato n.º 000121095189 – Produto Conta Empréstimo – Conta Corrente, por débito nas contas n.º 000032752536 e 000255874846, respetivamente.
12. E o mesmo se diga relativamente ao imposto do selo no valor de € 40.442,00, incidente sobre um débito de juros no montante de € 1.011.050,00, com data valor de 06-06-2014.
13. Ou seja, e também de acordo com a documentação junta aos autos, esses juros e correlativo imposto do selo referem-se ao contrato n.º 0770019865, nome do produto “Financiamento”, cuja nomenclatura nada tem a ver com os contratos de financiamento mencionados pelo Recorrente no seu pedido e sinteticamente descritos no ponto 3 da presente informação.
14. A este débito acresce ainda o imposto do selo no valor de € 14.033,05, também incidente sobre juros, no montante de € 350.826,25, debitados em 09-07-2014, nas contas n.º 000032752536 e 000255874846, respetivamente.
15. Tudo isto, leva-nos a concluir que, face às regras da experiência comum, o imposto do selo aqui reivindicado, um debitado na conta de depósito à ordem n.º 000121095189, outro debitado nas contas n.ºs 000032752536 e 000255874846, pode advir de quaisquer financiamentos, diferentes dos referenciados no ponto 3 da presente informação.
16. Assim sendo, quanto a esta alegadas liquidações de imposto de selo, somos a concluir que não se prova de forma cabal e inequívoca que as mesmas tenham tido na sua génese os contratos de financiamento mencionados no ponto 3 da presente informação.
K) Com o pedido de revisão oficiosa, a Requerente apresentou os contratos de financiamento a que se referem a antecedente alínea C) e os extractos bancários do C... referentes a 2014, que constitui o documento n.º 2 junto ao pedido arbitral e que aqui se dá como reproduzido;
L) Com o recurso hierárquico, a Requerente apresentou, além dos documentos mencionados na antecedente alínea K), uma tabela com os números das guias de imposto do selo emitidas e cobradas pelo C..., S.A. e a data de pagamento, que constitui o documento n.º 3 junto ao pedido arbitral, que aqui se dá como reproduzido.
M) Com o pedido arbitral, a Requerente juntou, além de todos os documentos acima mencionados, o balancete analítico referente ao período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2014, que constitui o documento n.º 15, que aqui se dá como reproduzido.
N) Na sequência do despacho arbitral de 27 de Maio de 2021, em que se solicitava a junção aos autos das guias de liquidação de imposto de selo identificadas no documento n.º 3 junto ao pedido, relativamente ao período de março a dezembro de 2014, e, bem assim, a versão integral da guia de lançamento junto em 10 de fevereiro, de modo a permitir a identificação da entidade emitente, a Requerente, em resposta, reencaminhou a informação prestada pelo C..., do seguinte teor:
“Em resposta ao vosso pedido que encaminhamos para análise da respetiva área, informamos que não iremos disponibilizar as cópias das guias de pagamento à AT do Imposto de Selo retido aos Fundos indicados, uma vez que cada guia não paga apenas o imposto de um cliente do C..., mas todos os impostos do mês.
Relativamente às guias disponibilizadas por outras entidades, cabe a cada banco a decisão de disponibilizar esta informação ou não, contudo importa referir que a Autoridade Tributária tem acesso às guias, pelo que a indicação do número do documento é suficiente para o efeito pretendido. Ficamos ao dispor para qualquer esclarecimento que considerem necessário.
O) Ainda na sequência do despacho arbitral mencionado na alínea N), a Requerente juntou a cópia integral do extracto n.º 6/2014.
P) O pedido arbitral deu entrada em 21 de Setembro de 2020.
Factos não provados
Não há factos não provados que tenham relevo para a apreciação da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição inicial e apresentados a solicitação do tribunal, no exercício do seu poder inquisitório, e em factos não questionados pelas partes.
Matéria de direito
Âmbito de incidência subjectiva da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo
5. A questão em debate consiste em saber se a Requerente pode beneficiar da isenção de imposto, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, relativamente à utilização de crédito, juros e comissões no âmbito de contratos de financiamento celebrados com uma instituição de crédito.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, não põe em causa que a Requerente, enquanto fundo de investimento imobiliário, possa encontrar-se abrangida pelo âmbito de incidência subjectiva da isenção, e apenas discute que seja possível estabelecer uma conexão directa entre as operações que originaram a liquidação de imposto e os contratos de financiamento celebrados com o D..., actualmente designado C..., S.A.
E, em qualquer caso, não pode deixar de reconhecer-se que a Requerente, nessa qualidade, beneficia da regra de isenção.
A referida disposição da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, que aqui está especialmente em foco, estatui nos seguintes termos:
Outras isenções
1 - São também isentos do imposto:
(…)
e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.
A isenção prevista nesta disposição, cuja redação foi introduzida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, contempla dois requisitos. Um de natureza objectiva, incidindo sobre juros e comissões cobrados pela concessão do crédito, garantias prestadas na concessão do crédito e utilização de crédito concedido, e um outro, de natureza subjectiva na origem, respeitante às entidades financeiras (instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras) que cobram os juros e comissões, recebem as garantias e concedem crédito, e de natureza subjectiva no destino, respeitante às entidades beneficiárias da concessão do crédito, que incluem as sociedades de capital de risco, bem como as sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária. Em qualquer dos casos, as entidades intervenientes devem ser domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, definidos por Portaria do Ministro das Finanças (Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro e respectivas alterações).
A isenção abrange, por conseguinte, segundo a própria terminologia legal, a concessão de crédito a “instituições financeiras previstas na legislação comunitária”.
Esta remissão para a legislação comunitária, agora dito Direito da União Europeia, haverá de entender-se como uma remissão dinâmica, pretendendo referir-se ao conceito de “instituição financeira” que se encontre previsto no direito europeu à data em que se pretenda exercer o direito de isenção.
Os fundos de investimento imobiliário regem-se pelas disposições do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC) e pelo Regime das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF). Os organismos de investimento colectivo poderão caracterizar-se como instituições que “têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto do público, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de divisão de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes, como são os Fundos de Investimento Imobiliário”, e que fundamentalmente realizam as suas aplicações em bens imóveis como um meio financeiro alternativo “às habituais formas de aplicação das poupanças dos investidores, designadamente em depósitos bancários e no investimento direto no mercado de capitais” (cfr. PATRÍCIA OLIVEIRA JORDÃO, Os Fundos de Investimento Imobiliário, ISCAL, Lisboa, 2010).
No âmbito do direito europeu, a Directiva (UE) 2015/849, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, no seu artigo 3.º, n.º 2, alínea d), expressamente qualifica como “instituição financeira” os organismos de investimento colectivo que comercializem as suas ações ou unidades de participação.
Do mesmo modo, o Banco de Portugal, para efeitos de recolha de dados estatísticos, inclui entre as instituições financeiras não monetárias (IFNM), na subcategoria dos intermediários financeiros, os fundos de investimento (com excepção dos fundos do mercado monetário), juntamente com sociedades de capital de risco, sociedades de factoring, sociedades financeiras, sociedades financeiras para aquisições a crédito, sociedades gestoras de participações sociais do setor financeiro ou as sociedades de locação financeira.
A Requerente, sendo um fundo de investimento imobiliário que se encontra enquadrado na categoria das instituições de investimento colectivo, designadas por “organismos de investimento coletivo”, deve ser assim considerada como uma instituição financeira à luz do direito europeu.
E nesse sentido se pronunciaram, em especial para efeito da aplicação da referida disposição do CIS, o Centro de Estudos Fiscais, no parecer n.º 25/2013, de 28 de Maio, e as Informações Vinculativas emitidas no Processo n.º 2017000303 – IVE n.º 11733, com despacho concordante de 7 de Julho de 2017, e no Processo n.º 2018001066 – IVE n.º 14192, com despacho concordante de 1 de Novembro de 2018, em que se concluiu que um fundo de investimento imobiliário é qualificado como instituição financeira, nos termos da legislação comunitária, e como tal está isento de imposto de selo ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS relativamente às comissões cobradas quando directamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da actividade exercida por essas instituições.
Relação de causalidade entre os montantes repercutidos a título de imposto do selo e os contratos de financiamento celebrados entre a Requerente e a instituição de crédito
6. A questão que essencialmente se coloca, face aos termos em que se encontram fundamentados os despachos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e de recurso hierárquico, é a de saber se pode ter-se como demonstrada a conexão entre os contratos de financiamento celebrados entre a Requerente e a instituição bancária e os montantes por ela pagos, a título de imposto do selo, por efeito da repercussão do encargo na qualidade de titular do interesse económico que justifica a liquidação do imposto.
Como resulta da matéria de facto dada como assente, o indeferimento do pedido de revisão oficiosa centra-se na insuficiência dos elementos de facto para aferir da directa relação entre as operações financeiras e a repercussão do imposto, visto que a Requerente, embora tenha junto ao procedimento os contratos de financiamento e cópias de extractos de conta, não apresentou qualquer documento que permita verificar se as guias de retenção na fonte respeitam aos montantes de liquidação de imposto que lhe foram imputados. E o mesmo argumento é mobilizado na decisão de indeferimento do recurso hierárquico, em que se sustenta que não é possível associar a liquidação de imposto aos contratos de financiamento.
Importa ter presente, a este propósito, a distinção efectuada pela lei entre o âmbito de incidência subjectiva do imposto e a imputação do respectivo encargo.
O artigo 2.º do CIS define o âmbito de incidência subjectiva do imposto, intitulando como sujeitos passivos, entre outros, as “instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas residentes em território nacional, que tenham intermediado operações de crédito, de prestação de garantias ou juros, comissões e outras contraprestações devidos por residentes no mesmo território a instituições de crédito ou sociedades financeiras não residentes" (n.º 1, alínea c). O artigo 3.º, sob a epígrafe “Encargo do imposto”, consigna, por sua vez, que, nas situações de incidência subjectiva que se encontram descritas no artigo 1.º, o “imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico” (n.º 1), considerando-se, especificamente, como titular do interesse económico, no caso da concessão de crédito, o “utilizador do crédito" (n.º 3, alínea f)).
O que significa que é ao sujeito passivo que compete a liquidação do imposto, como prevê o artigo 23.º, n.º 1, do CIS, e o efectivo pagamento do imposto liquidado, como também consta do artigo 41.º, n.º 1. do CIS, não havendo sequer lugar à responsabilidade solidária daquele a quem a lei confere o encargo do imposto (artigo 42.º).
Como esclarece ainda o artigo o artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, não é sujeito passivo "quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias".
Como é de concluir, o único responsável pela liquidação do imposto é o sujeito passivo, e, neste caso, a instituição bancária que concedeu o financiamento, e sobre a entidade mutuária apenas recai o encargo de pagar o imposto por efeito de um mecanismo de repercussão.
7. Tudo o que acaba de dizer-se releva para efeito da repartição do ónus da prova.
Como resulta das regras do direito probatório que constam do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, o que se traduz num princípio geral de repartição do ónus da prova, pelo qual cabe à Administração a prova da existência dos factos tributários em que assenta a liquidação e ao sujeito passivo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito (artigo 342.º do Código Civil).
A isenção fiscal é, por natureza, um facto impeditivo da tributação regra, pelo que - como é entendimento jurisprudencial pacífico - é ao sujeito passivo que cabe fazer a prova da existência dos pressupostos de que depende o reconhecimento desse tipo de benefício fiscal (acórdão do STA de 14 de Janeiro de 2005, Processo n.º 013143, acórdãos do TCA Sul de 24 de Janeiro de 2012, Processo n.º 05079/11, e 2 de Julho de 2013, Processo n.º 06629/13 e decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 76/2013 e 163/2015).
No entanto, esse princípio geral está necessariamente limitado pela situação tributária em presença quando se constata que o contribuinte, embora possa impugnar o acto tributário de liquidação, não é o sujeito passivo do imposto e apenas figura como último responsável pelo seu pagamento, por virtude de o imposto lhe ser repercutido na sua esfera jurídica na qualidade de titular do interesse económico que está subjacente à liquidação.
No caso vertente, a Requerente juntou aos autos os contratos de financiamento firmados com o D..., que necessariamente teriam de originar a liquidação de imposto do selo (documentos n.ºs 5, 6 e 7), e o balancete analítico referente ao ano de 2014 onde surgem descritos os movimentos de crédito nos montantes de € 30.000.000,00, € 8.000.000,00 e € 2.750.000,00 (documento n.º 15), e ainda os extractos bancários onde estão evidenciadas as importâncias liquidadas a título de imposto do selo (documento n.º 2). A Requerente juntou ainda uma lista com a menção do valor do imposto liquidado, o n.º da guia e a data do pagamento (documento n.º 3).
Por outro lado, a dúvida que pudesse suscitar-se quanto ao extracto 7/2014 e as inscrições manuscritas nele exaradas encontra-se esclarecida pelo aviso de lançamento junto pela Requerente a solicitação do tribunal. De facto, nesse documento encontram-se registados o montante total de € 1.011.050,00, a título de juros, que corresponde à soma das parcelas de € 720.992,44 e € 290.057,56, discriminadas no extrato 7/2014, e o montante total € 40.442,00, a título de imposto do selo sobre juros, que corresponde à soma das parcelas de € 28.839,70 e € 11.602,30, igualmente discriminadas nesse extracto.
Solicitada, por despacho arbitral, a junção aos autos das guias de liquidação de imposto de selo identificadas no documento n.º 3 junto ao pedido, a Requerente, em resposta, apresentou uma informação prestada pela instituição bancária na qual se refere que essa entidade não pretende disponibilizar as cópias das guias de pagamento e que essas guias respeitam à globalidade dos impostos liquidados por cada cliente e não necessariamente à liquidação do imposto do selo que se encontre associado a certos contratos de financiamento em concreto.
8. Como se deixou dito, a decisões de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e de recurso hierárquico baseiam-se essencialmente na insuficiência da prova coligida no âmbito desses procedimentos para demonstrar a conexão entre os contratos de financiamento e a repercussão na esfera jurídica da Requerente da liquidação do imposto. E, em especial, na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a Administração dá relevo à circunstância de o interessado não ter feito juntar as guias de retenção na fonte pelas quais fosse possível determinar os montantes de imposto que estariam em causa.
No entanto, como se deixou esclarecido, a Requerente não é sujeito passivo do imposto nem é o directo responsável pela sua liquidação, mas a entidade que suporta o encargo por intermediação da instituição bancária, não lhe incumbindo a emissão das guias de pagamento. E, ao contrário, era a Autoridade Tributária que poderia ter realizado as diligências instrutórias tendentes a averiguar a correlação entre os contratos de financiamento e o imposto liquidado, mormente mediante a consulta das guias de pagamento em causa no exercício dos seus poderes de indagação oficiosa.
Deve fazer-se notar, a este propósito, que, independentemente do critério de repartição do ónus da prova ao caso aplicável, a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade.
Um afloramento deste princípio surge no artigo 58.º da LGT, onde se refere que “a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.
É assim de considerar que “no âmbito do procedimento tributário está consagrado o princípio da verdade material, que alguns reconduzem à menção ´justiça`, do qual resulta que o objectivo fundamental de toda a actuação no procedimento tributário é o da prossecução do interesse público, de acordo com o princípio da legalidade, apenas alcançável com uma avaliação não meramente formal dos factos” (cfr. SERENA CABRITA NETO/ CARLA CASTELO TRINDADE, Contencioso Tributário, vol. I , Coimbra, 2017, págs. 144-145).
Importa ainda reter que os órgãos da Administração Pública estão sujeitos a um princípio de colaboração, e, como tal, “devem actuar em estreita colaboração com os particulares, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber as suas sugestões e informações (artigo 11.º, n.º 1, do CPA). Princípio esse igualmente consagrado nos artigos 59.º da LGT e 48.º do CPPT.
9. No caso vertente, os serviços da Autoridade Tributária omitiram quaisquer diligências que permitissem verificar a existência das guias de liquidação de imposto do selo e a sua correlação com os contratos de financiamento celebrados com o D..., apesar de no pedido de revisão oficiosa a Requerente ter invocado a isenção da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS e ter feito juntar ao procedimento os contratos de financiamento e os extractos bancários referentes a 2014 com a informação relativa aos movimentos de débito por imposto de selo, e, no recurso hierárquico, ter junto, além desses documentos, uma tabela com indicação dos n.ºs das guias de liquidação do imposto.
Isso, não obstante os serviços poderem obter a colaboração da instituição bancária e aceder por via oficiosa às guias de liquidação de imposto, na sequência da própria informação prestada pelo contribuinte no âmbito dos procedimentos tributários.
Na ausência de diligências instrutórias por iniciativa oficiosa da Administração e em face da impossibilidade de o contribuinte obter elementos de informação que se encontravam na posse de uma terceira entidade, por não ser ele também o sujeito passivo do imposto, não pode afirmar-se, de acordo com os critérios gerais de repartição do ónus da prova, que era sobre a Requerente que impendia o ónus de juntar aos autos as guias de liquidação de imposto de modo a demonstrar a conexão entre os pagamentos efectuados e os contratos de financiamento.
E era a Autoridade Tributária que, no exercício dos seus poderes inquisitórios, estava em condições de realizar as diligências necessárias e adequadas a apurar a realidade subjacente às operações em causa.
Dito de outro modo, a situação fiscal do contribuinte não pode ser agravada pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios.
E, nesse sentido, a dúvida quanto a certos factos materiais da causa, mormente quanto à conexão directa entre as guias de pagamento e a repercussão do imposto, não pode ser resolvida, na apreciação do direito, em desfavor da Requerente sobre a qual não impendia o correspondente ónus da prova.
Cabe referir, por último, que se encontram coligidos no processo suficientes elementos de prova, incluindo prova documental, quanto à repercussão na esfera jurídica da Requerente de encargos com o imposto dos selo relacionados com contratos de financiamento, pelo que a impossibilidade de estabelecer uma correlação directa entre as guias de liquidação do imposto e essas operações financeiras – por incumprimento por parte da Autoridade Tributária dos seus deveres de indagação oficiosa – gera fundada dúvida sobre a existência e quantificação dos actos tributários, o que conduz à sua anulação nos termos previstos no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT.
III - Decisão
Termos em que se decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade e a anulação dos actos tributários de autoliquidação do imposto do selo, no montante de € 101.062,54, relativos ao período de Março a Dezembro de 2014, bem como dos despachos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e de recurso hierárquico.
Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 101.062,54.
Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I, anexa àquele regulamento, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira
Notifique.
Lisboa, 14 de Junho de 2021,
O Presidente do Tribunal Arbitral,
Carlos Fernandes Cadilha
A Árbitro vogal
Carla Almeida Cruz
O Árbitro vogal
Manuel Simões de Carvalho