Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 287/2020-T
Data da decisão: 2021-06-11  IRS  
Valor do pedido: € 45.099,95
Tema: IRS - Substituição fideicomissária. Mais-valias na alienação de imóvel.
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SUMÁRIO: Na substituição fideicomissária verifica-se uma vocação sucessiva. Não existe qualquer transmissão de bens ou de direitos do fiduciário para o fideicomissário, a transmissão que se verifica é do autor da sucessão (fideicomitente) para o fideicomissário. Quer o fiduciário, quer o fideicomissário são herdeiros ou legatários do autor da sucessão e a constituição dos respetivos direitos ocorre no momento da abertura da sucessão. Em relação ao fideicomissário verifica-se um direito a suceder que só se concretiza após a morte do fiduciário.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO

 

1.            A..., com o número de identificação fiscal …, residente em …, …, (doravante designada por Requerente), apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas da alínea a) do n.º 1 do artigos 2.º e da alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária (doravante designado por RJAT), sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), (adiante designada por Requerida).

2.            No pedido de pronúncia arbitral (ppa), apresentado em 03.06.2020, a Requerente formula os pedidos seguintes:

a)            Que o despacho que integra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2019..., deduzida contra ato de liquidação de IRS, no valor de € 45.099,95, referente a mais-valias, apuradas com referência ao ano de 2018, seja declarado ilegal e que, consequentemente, seja anulado;

b)           Que o ato Liquidação de IRS, do ano de 2018, no valor de € 29.188,27, emitido pelo Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira ..., identificado como Liquidação n.º 2019 …, bem como a subsequente liquidação corretiva no valor de € 45.099,95, emitida pelo mesmo Serviço de Finanças e identificada como Liquidação n.º 2019 …, a qual deu origem ao acerto de liquidação n.º 2019 …, no montante de € 16.014,56, sejam anulados;

c)            Que lhe seja restituído o valor de € 45.099,95 indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios liquidados nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

3.            O fundamento do pedido de pronúncia arbitral assenta na circunstância da Requerente considerar que os serviços da Requerida afastam, erradamente, a aplicação do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, e, ainda, em aqueles serviços, desconsiderarem o valor que a Requerente declarou ter intenção de reinvestir na aquisição de outra habitação própria e permanente, pelo que as liquidações de IRS sindicadas resultam de uma errada interpretação do disposto no artigo 10.º, n.º 3 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

4.            A Requerente invoca que o prédio sito em ..., n.º 40 a 42 foi por ela adquirido por disposição testamentária da sua avó, falecida em 14 de julho de 1967, em cujo testamento foi exarada uma cláusula fideicomissária, que determinou que aquando da abertura da sucessão tivessem adquirido o referido prédio, na qualidade de fiduciário, o herdeiro B..., filho da testadora e pai da Requerente, e a Requerente, na qualidade de fideicomissária.

5.            E que o prédio sito em ..., n.º 40 a 42, até à data da alienação, lhe serviu, a si e ao seu agregado familiar, de habitação própria e permanente, em concreto, o primeiro e o segundo andar do prédio.

6.            Em 04.06.2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e, em 18.06.2020, foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, em 31.07.2020 foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o ora signatário como Árbitro para integrar o Tribunal arbitral singular, o qual, no prazo legal, comunicou a aceitação do encargo.

7.            Tendo sido notificadas desta designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

8.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, em 01.09.2020 verificou-se a constituição do Tribunal arbitral.

9.            Em 07.09.2020, a Autoridade Tributária e Aduaneira foi notificada do despacho arbitral, no sentido de apresentar resposta ao pedido formulado pela Requerente, nos termos e para os efeitos previstos nas normas do artigo 17.º do RJAT.

10.          Em 12.10.2020, a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida, tendo juntado ainda o processo administrativo (PA).

11.          A Requerida, na sua defesa por impugnação, alega que atenta a natureza jurídica do instituto do fideicomisso, o imóvel que motivou as liquidações de IRS do ano de 2018 só foi adquirido pela Requerente após o falecimento do seu pai (fiduciário) em 2005, pelo que os ganhos com a alienação ocorrida em 2018 não se encontram excluídos de tributação em sede de IRS e, em consequência, não se aplica o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

12.          E, em relação à redução do valor do reinvestimento considerado e inerente tributação em mais-valias, nos termos do artigo 10.º do Código do IRS, a Requerida refere, em síntese, que o imóvel se encontrava constituído em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sendo composto por armazém, loja, 1.º e 2.º andares, tendo sido alienado no seu todo.

13.          Que, em face dos elementos constantes dos autos, bem como dos constantes das bases de dados da Requerida, se verificou que o domicílio fiscal da Requerente era no 1.º andar e que existem indícios de que o 2.º andar daquele prédio urbano não foi mantido ocupado (pelo menos na data da alienação) como habitação própria e permanente da Requerente, razão pela qual se justifica a alteração do valor a reinvestir de € 224.325,28 para o valor de € 187.347,21.

14.          A Requerida alega que não se pode considerar que o imóvel foi adquirido, quer total, quer parcialmente, pela Requerente em data anterior à entrada em vigor do Código do IRS, estando, consequentemente, a mais-valias obtida pela Requente através da alienação em 2018 do prédio sujeita a tributação, razão pela qual o ato de liquidação impugnado não padece de qualquer ilegalidade, não devendo, consequentemente, o pedido de pronúncia arbitral obter provimento.

15.          Em face do conhecimento que decorre das peças processuais apresentadas pelas Partes – pedido de pronúncia arbitral e resposta da Requerida –, que se julga suficiente para a decisão, por despacho de 20.11.2020, o Tribunal arbitral decidiu: i) dispensar a produção de prova testemunhal, ii) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, iii) determinar que o processo prossiga com alegações, o que veio a acontecer, por parte da Requerente em 02.12.2020, e por parte da Requerida em 27.11.2012.

16.          Nas alegações produzidas, quer a Requerente, quer a Requerida, reafirmaram as posições e os argumentos explanados nas peças processuais anteriores, respetivamente, o pedido de pronúncia arbitral e a resposta.

17.          Em face de ocorrências, entretanto, verificadas, designadamente, as medidas de carácter excecional relativas à crise pandémica que determinaram a suspensão dos prazos processuais, o tribunal entendeu desenvolver aturado estudo da matéria objeto do presente processo arbitral, pelo que, nos termos do artigo 21.º do RJAT, em 13.04.2021 foi proferido despacho arbitral a determinar a prorrogação do prazo de prolação da decisão arbitral, bem como o despacho arbitral de 08.06.2021, os quais estão inscritos no histórico do processo arbitral constante do sistema aplicacional do CAAD.

 

II.            SANEAMENTO

18.          O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

19.          As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

20.          O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

21.          Assim, passa-se à análise do mérito da causa.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III. 1. 1. Factos provados

 

22. Com base nos articulados e nos diversos elementos documentais que integram o processo arbitral, o Tribunal destaca os elementos factuais infra descritos que, não tendo sido contestados pelas Partes, se consideram provados:

22.1 O prédio que constitui o objeto da matéria controvertida é o prédio sito em ..., n.º 40 a 42, prédio classificado como urbano, em propriedade total, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, sob o n.º …, do concelho de Lisboa, que a Requerente alienou em 2018;

22.2 O prédio é destinado a habitação e comércio, e é composto por armazém, loja, 1.º e 2.º andar destinados a habitação – Documento 7 junto ao ppa;

22.3 O domicílio fiscal da Requerente, em 2018, antes e à data da alienação do prédio era em ..., n.º 42, 1.º andar, em Lisboa,

22.3       O prédio foi adquirido por sucessão testamentária, de sua avó C..., falecida em 14 de julho de 1967, que, por testamento, legou o referido prédio à sua neta, a ora Requerente, através de fideicomisso;

22.4 No testamento, a senhora C... instituiu o seu filho – B... - único e universal herdeiro, contudo, gravou-o com o encargo de fideicomisso a favor da neta A...;

22.5 A senhora C..., outorgou dois testamentos, em 22 de abril de 1959 e 3 de agosto de 1959, e neles a testadora dispôs que “Na sua herança há um prédio sito na ... número quarenta e dois primeiro digo dois, onde reside, e parte de um jazigo (...). Institui seu filho seu único e universal herdeiro, mas conservando e transmitindo o referido prédio por morte dele a sua neta D… (...). Portanto o seu filho gozará da totalidade do prédio durante toda a vida, mas deseja que o dito prédio não seja vendido, nem hipotecado porque sendo bem governado poderá manter-se e à família com o seu rendimento (...)” – Documento 5 junto ao ppa;

22.6 No testamento, a Requerente foi instituída fideicomissária do prédio supra identificado;

22.7 O senhor B..., pai da Requerente, faleceu em 4 de janeiro de 2005;

22.8 Em 2018, a Requerente procedeu à alienação do prédio urbano sito em ..., n.º 40 a 42, 1.º andar, em Lisboa;

22.9 Em 18 de junho de 2019, a Requerente entregou a Declaração de Rendimentos modelo 3 – IRS, na qual declarou a intenção de reinvestir o valor de € 224.325,28, na aquisição de outro prédio urbano destinado à sua habitação própria e permanente ou do seu agregado familiar;

22.10 Despois de instada (procedimento de divergências) pela AT, em 28 de agosto de 2019, a Requerente apresentou uma Declaração de substituição, referente aos rendimentos sujeitos a IRS no ano de 2018, na qual corrigiu o valor relativo ao reinvestimento na aquisição de prédio destinado a habitação própria e permanente para o valor de € 187.347,21;

22.11 O ato tributário impugnado é a liquidação n.º ...2019..., relativa a IRS do ano de 2018, e respeitante a mais-valias, no valor de € 45.099,95;

22.12 Em 08 de novembro de 2019, a Requerente apresentou uma Reclamação Graciosa no Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira ..., contra a liquidação de IRS do ano de 2018, na parte respeitante às mais-valias apuradas na Categoria G do IRS, no valor de € 45.099,95;

22.13 Em 28.01.2020, através do ofício n.º 627, do Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira ..., a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2019... – cfr. documento 4 junto ao ppa – cujo despacho foi proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira ....

 

III.1.2. Factos não provados

 

23. Os factos provados baseiam-se nos documentos apresentados pelas Partes e juntos ao processo arbitral, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados, sendo, todavia, de referir que não foi junto aos autos qualquer documento comprovativo do pagamento do imposto (IRS) relativo aos rendimentos que integram a matéria controvertida.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

24. Em face do pedido de pronúncia arbitral a questão de direito que importa decidir é a de determinar em que momento é que se verificou a aquisição pela Requerente do prédio urbano sito em ... n.º 40 a 42, em Lisboa, o qual lhe serviu de habitação própria e permanente até à data em que procedeu à sua alienação. Correlativamente, importa determinar se a Requerente, efetivamente, obteve rendimentos sujeitos a IRS – categoria G-mais-valias – por efeito da alienação em 2018 do prédio urbano que adquiriu em resultado de sucessão testamentária por abertura da herança da sua avó C....

25. Em cada período de tributação, que coincide com o ano civil, estão sujeitos a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares os rendimentos das categorias indicadas no artigo 1.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), de entre as quais se inclui a categoria G – incrementos patrimoniais.

26. As normas de incidência desta categoria de rendimentos constam do artigo 10.º do CIRS, cuja alínea a) do n.º 1, na redação vigente à data dos factos, estabelecia que “[c]onstituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário”.

27. Sem prejuízo do previsto nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 10.º do CIRS, os ganhos sujeitos a IRS consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, in casu, a alienação do prédio de que a Requerente era titular (al. a) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRS), sendo que o ganho sujeito a tributação é constituído pela diferença entre o valor de realização e o  valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.

28. Todavia, nos termos dos normativos do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, são excluídos da tributação de IRS os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as condições previstas nas normas das alíneas a), b) e c) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, as quais, à data dos factos, estabeleciam as condições seguintes:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;

29. Sem cuidar agora de determinar se, em face dos factos provados nos autos, a Requerente utilizava para si e para o seu agregado familiar como habitação própria e permanente os 1.º e 2.º andares do prédio ou apenas o 1.º andar, ficou provado que a Requerente efetuou o reinvestimento na aquisição da propriedade de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, isto é, a utilização como habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

30. Importa atentar que antes de 01 e janeiro de 1989, data da entrada em vigor do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, os ganhos obtidos com a alienação onerosa de direitos reais sobre prédios urbanos não se encontravam sujeitos a mais-valias, sendo quanto a este aspeto elucidativo o ponto 12 do preâmbulo do CIRS, do qual se enuncia o segmento seguinte: “Houve que optar entre um enunciado taxativo das mais-valias tributáveis e uma definição genérica de ganhos de capital. A primeira solução, permitindo evitar dificuldades de aplicação e ruturas com o sistema atual, em que o imposto de mais-valias incide em situações tipificadas, foi considerada preferível, sem embargo de se inovar quanto ao âmbito de incidência. Tratando-se de rendimentos excecionais, foi ponderado o regime tributário adequado em face da excessiva gravosidade que a tributação englobada poderia gerar, prevendo-se, para esta categoria, um específico regime de tributação, envolvendo uma substancial dedução à matéria coletável. Alarga-se a tributação a ganhos não sujeitos ao atual imposto de mais-valias, tais como os gerados pela transmissão onerosa de qualquer forma de propriedade imóvel. (…).

31. No que se refere à tributação dos rendimentos enquadráveis na categoria G do IRS, no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, o legislador estabeleceu um regime transitório. Nos respetivos normativos, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 141/92, de 17 de julho, foi prescrito que “[o]s ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afetos ao exercício de uma atividade agrícola ou da afetação destes a uma atividade comercial ou industrial, exercida pelo respetivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor deste Código. Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efetuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos”.

32. É, portanto, fundamental determinar em que data se verificou a transmissão que determinou a integração na esfera jurídica da Requerente do direito à titularidade o prédio urbano que serviu de habitação própria e permanente para si e para o seu agregado familiar até 2018, data em que a Requerente procedeu à sua alienação.

33.O prédio urbano em causa integrava a herança da avó da Requerente, a qual através de disposição testamentária constituiu um fideicomisso em que o fiduciário foi o pai da Requerente, sendo ela a fideicomissária. A abertura da herança ocorreu em 14 de julho de 1967, data do falecimento da de cujus. Com efeito, nos termos do artigo 2031.º do Código Civil, “[a] sucessão abre-se no momento da morte do seu autor (…)”.

34. A Requerente adquiriu o prédio em causa por vontade inequívoca de sua avó, visto que foi por disposição testamentária que a de cujus dispôs da sua herança. O testamento é o ato unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles (cfr. art.º 2180.º do Código Civil). O testamento é, ainda, um ato pessoal, insuscetível de ser feito por meio de representante ou de ficar dependente do arbítrio de outrem, quer pelo que toca à instituição de herdeiros ou nomeação de legatários, quer pelo que respeita ao objeto da herança ou do legado, quer pelo que pertence ao cumprimento ou não cumprimento das suas disposições. No caso sub judice a testadora procedeu à constituição de uma substituição fideicomissária, figura prevista nos artigos 2286.º e seguintes do Código Civil. A substituição fideicomissária ou fideicomisso consubstancia uma disposição em que o testador impõe ao herdeiro instituído o encargo de conservar a herança para que ela reverta, por sua morte, a favor de outrem. Ao herdeiro gravado com o encargo chama-se fiduciário e à pessoa beneficiária da substituição chama-se fideicomissário.

35. Em ordem à boa e justa decisão da causa, impõe-se a análise e escalpelização da natureza e efeitos do instituto da substituição fideicomissária, tendo em consideração a regulamentação feita no Código Civil, bem como as considerações doutrinárias e jurisprudenciais explanadas sobre esta temática jurídica. Em termos doutrinários não existe uma posição firme e consistente, porquanto, são díspares as vertentes de análise sobre a natureza jurídica da substituição fideicomissária, conforme se pode constatar através das cincos posições doutrinárias infra referenciadas e que são: a Doutrina da propriedade fiduciária, a Doutrina da deixa separada do usufruto e de propriedade de raiz ou nua propriedade, a Doutrina da dupla disposição a termo inicial e final, a Doutrina da disposição sujeita a condição irretroativa e, por fim, a Doutrina da devolução indireta a favor do fideicomissário.

36. Vejamos, então, per si, cada uma destas posições doutrinárias.

Para a doutrina da Propriedade Fiduciária a substituição fideicomissária traduz-se numa relação fiduciária, isto é, numa relação obrigacional entre o fiduciário e o fideicomissário. Nesta medida, o fiduciário teria o dever de entregar o objeto fideicomitido e o fideicomissário teria o direito de exigir a entrega do mesmo. Todavia, Carlos Olavo  refere que não acolhe este entendimento de origem romanística, porque na substituição fideicomissária a reversão da herança ocorre automaticamente por força da lei e da morte do fiduciário, não havendo, por conseguinte nenhum dever de entrega ou direito a exigir a mesma. Este autor acrescenta ainda que, em sentido contrário ao postulado por esta doutrina, o fiduciário não se encontra limitado em termos obrigacionais, mas sim em termos reais, na medida em que o encargo de conservar a herança implica a impossibilidade de alienar o objeto fideicomitido.

A doutrina da deixa separada de usufruto e da propriedade de raiz ou nua propriedade sublinha que a substituição fideicomissária se traduz numa deixa separada de usufruto e da propriedade da raiz, em que o testador teria como objetivo atribuir de forma imediata a propriedade dos bens a uma pessoa, embora o gozo dos mesmos fosse atribuído a outrem. São diversos os autores que referem a identidade e proximidade entre estas figuras, porém há que salientar que tal não significa que sejam coincidentes, sobretudo devido ao facto de o fiduciário ser, ao contrário do usufrutuário, considerado um verdadeiro proprietário do objeto fideicomitido. Assim, é difícil aceitar que a natureza jurídica da substituição fideicomissária possa ser equiparada ao usufruto e que, consequentemente, se possa estabelecer uma equiparação de posições jurídicas entre o usufrutuário e o radiciário, e o fiduciário e o fideicomissário.

No tocante à doutrina da dupla disposição (a termo inicial e a termo final), os seus defensores entendem que a substituição fideicomissária “tem a natureza de dupla disposição a termo final quanto ao fiduciário, e a termo inicial quanto ao fideicomissário, coincidentes com o momento da morte do primeiro”. Com efeito, Carlos Olavo sublinha que o facto de o fideicomitente sujeitar a designação a um evento futuro e incerto faz com que se esteja face a um termo, mesmo que este termo em particular (a morte do fiduciário) seja incerto quanto aos seus efeitos jurídicos. Contudo, este autor não deixa de argumentar que o artigo 2243.º do Código Civil estabelece que o testador pode sujeitar a nomeação do legatário a termo inicial; mas este apenas suspende a execução da disposição, não impedindo que o nomeado adquira direito ao legado. E que a declaração de termo inicial na instituição de herdeiro, e bem assim a declaração de termo final tanto na instituição de herdeiro como na nomeação de legatário, têm-se por não escritas, exceto, quanto a esta nomeação, se a disposição versar sobre direito temporário. Porém, para alguns autores esta caracterização não será correta, porquanto, a substituição fideicomissária não se traduz num direito temporário, a propriedade que é afetada ao fiduciário é que é temporária.

Para a doutrina da disposição sujeita a condição irretroativa a substituição fideicomissária tem a natureza de dupla disposição sujeita a condição irretroativa, respetivamente resolutiva e suspensiva, coincidentes, isto é, a consideração do fiduciário enquanto tal dependerá da própria morte que determina a reversão do objeto fideicomitido para o fideicomissário, e a consideração deste, enquanto tal, estará, por sua vez, dependente da sua sobrevivência face ao fiduciário. Carlos Olavo rejeita esta posição doutrinária, porquanto, a sobrevivência do fideicomissário face ao fiduciário não é suficiente, na medida em que, apesar de o fideicomissário suceder ao fideicomitente, tal como o fiduciário, a verdade é que o fideicomissário apenas é chamado à sucessão (ou seja, a vocação face a este sujeito só ocorre) depois da morte do fiduciário, pelo que nesse momento o fideicomissário tem ainda de existir e de possuir capacidade sucessória. Este autor chama ainda a atenção para o disposto artigo 2059.º do Código Civil, o qual distingue de forma clara a instituição sob condição suspensiva e a disposição a favor do fideicomissário, o que dá, desde logo, a entender que o legislador não considerou que a disposição a favor do fideicomissário estivesse sujeita a condição suspensiva.

A doutrina da devolução indireta a favor do fideicomissário considera que a substituição fideicomissária assenta na devolução direta a favor do fideicomissário, isto é, o fideicomissário sucede ao fiduciário, na medida em que ocupa o lugar por ele deixado à data da sua morte. É pressuposto essencial da vocação indireta o facto de o sucessível não poder ou não querer aceitar, caso em que é substituído por outro, ao qual sucede. Nesta medida, verifica-se que, sucessivamente, o fiduciário sucede ao fideicomitente, e o fideicomissário ao fiduciário, mediante o óbito dos primeiros. Facilmente se compreende que isto não corresponde à estrutura da substituição fideicomissária, uma vez que um dos elementos caracterizadores essenciais da substituição fideicomissária é a ordem ou vocação sucessiva como anómala face aos demais tipos de vocação. Na verdade, o fideicomissário não sucede ao fiduciário, mas sim ao fideicomitente. Nas palavras de Oliveira Assunção , se o fiduciário não poder ou não quiser aceitar a herança, a substituição converte-se em direta, devolvendo-se a herança ao sujeito que seria fideicomissário no momento da morte do de cujus (fideicomitente).

37. Em face destas diferentes posições doutrinárias é fácil compreender que a substituição fideicomissária é uma figura anómala que não se enquadra na normalidade do fenómeno sucessório. Todavia, parece evidente que a substituição fideicomissária se traduz em vocação sucessiva, isto é, a ordem sucessiva pela qual são chamados à sucessão os dois sujeitos que sucederam simultaneamente ao de cujus. Nas palavras de Luís Menezes Leitão , a substituição fideicomissária corresponde a uma hipótese típica de vocação sucessiva, em que se verificam duas vocações, primeiro a favor do fiduciário e depois a favor do fideicomissário, após a morte daquele. Ao contrário do que se verifica na vocação indireta, que toma por referência outro chamado cuja vocação não se concretizou, aqui verificam-se e concretizam-se duas vocações, as quais resultam do mesmo negócio jurídico (testamento ou pacto sucessório) celebrado pelo de cujus, o que vai permitir a aquisição sucessiva dos bens por parte dos dois chamados. As vocações originadas pela substituição fideicomissária são especiais, porque a vocação do fiduciário, sendo originária, extinguir-se-á pela sua morte, estando assim sujeita a termo incerto, enquanto que a vocação do fideicomissário, sendo subsequente, se encontra suspensa até à morte do fiduciário, não retroagindo ao momento da abertura da sucessão. Assim, a substituição fideicomissária distingue-se da substituição direta pelo que nesta o substituído não chega a exercer o direito de suceder, enquanto no fideicomisso esse direito é efetivamente exercido. Na substituição direta há apenas um chamamento eficaz, enquanto a substituição fideicomissária pressupõe a eficácia dos dois chamamentos, sendo o substituto chamado depois do substituído. Por isso se pode dizer que a substituição direta consiste numa dupla disposição alternativa, que se resolverá necessariamente numa única disposição de bens, enquanto a substituição fideicomissária consiste numa dupla disposição sucessiva, que se traduz normalmente numa aquisição sucessiva dos bens.

O primeiro elemento da substituição fideicomissária é a existência de uma dupla liberalidade, pretendendo assim o autor da mesma beneficiar sucessivamente duas pessoas, o fiduciário e fideicomissário. E esta dupla liberalidade tem o mesmo objeto, tendo assim o fideicomissário que receber os mesmos bens deixados ao fiduciário, sem o que se estaria perante um encargo a termo inicial e não uma substituição fideicomissária. A substituição fideicomissária envolve assim necessariamente uma disposição de bens, não podendo consistir na simples constituição de obrigações e esses bens terão que pertencer ao autor da liberalidade, sem o que também não existirá substituição fideicomissária.

O segundo elemento da substituição fideicomissária é a inclusão de um encargo imposto ao primeiro beneficiário da liberalidade de conservar durante toda a sua vida o objeto da mesma para que este reverta por sua morte a favor do segundo beneficiário. Nesta medida, o fiduciário não tem que praticar qualquer ato de transmissão para o fideicomissário, ocorrendo esta de forma automática com a morte daquele. O encargo limita-se assim à conservação dos bens, sendo a sua transmissão por morte para o fideicomissário uma consequência legal, que embora corresponda ao fim da obrigação de conservação, não corresponde a qualquer nova obrigação autónoma. Isto é, se o fiduciário não alienar e mantiver os bens durante a sua vida, cumpriu os termos do encargo existente na substituição fideicomissária.

O último elemento da substituição fideicomissária consiste no facto de as duas disposições gratuitas dos mesmos bens deverem produzir efeitos numa ordem sucessiva. Efetivamente, a segunda disposição gratuita deve ser realizada em ordem a só ter eficácia após a extinção da eficácia da primeira, com a morte do fiduciário. O fiduciário poderá assim aproveitar dos bens durante toda a sua vida, passando depois os mesmos a beneficiar o fideicomissário, salvo se este não sobreviver ao fiduciário. Daqui resulta esta ordem sucessiva na propriedade dos mesmos bens, que passam a ser propriedade de uma pessoa, depois de terem pertencido a outrem durante toda a vida desta última. A ordem sucessiva é estabelecida através da sujeição a termo final da atribuição ao fiduciário e a um coincidente termo inicial da atribuição ao fideicomissário. Em consequência, os dois são chamados sucessivamente à herança ou ao legado de acordo com a ordem fixada pelo testador, a qual opera com eficácia real. Assim sendo, a ordem sucessiva não corresponde a uma sucessão do fideicomissário em relação ao fiduciário, sendo ambos sucessores do testador, a cuja sucessão são chamados. Para Carlos Olavo o interesse que a substituição fideicomissária prossegue consiste em permitir que o testador, atribuindo os bens a certa pessoa, assegure a eventual sucessão de outrem.

38. O fenómeno sucessório tem subjacente a morte do titular dos direitos emergentes da relação jurídica. A partir do momento em que as relações se desligam do titular dos direitos e se ligam a um novo sujeito ocorre um conjunto complexo de factos a que se pode chamar “fenómeno sucessório ou fenómeno da sucessão por morte”, o qual se encontra regulado no artigo 2024.º do Código Civil que prescreve que “[d]iz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam”. O fenómeno sucessório é composto por três momentos essenciais, que consistem na abertura da sucessão, na vocação sucessória e na aquisição sucessória. O instituto da substituição fideicomissária possui contornos específicos, com especial destaque para o momento da vocação sucessória.

39. A noção jurídica de substituição fideicomissária está consagrada no artigo 2286.º do Código Civil que prescreve que “[d]iz-se substituição fideicomissária, ou fideicomisso, a disposição pela qual o testador impõe ao herdeiro instituído o encargo de conservar a herança, para que ela reverta, por sua morte, a favor de outrem; o herdeiro gravado com o encargo chama-se fiduciário, e fideicomissário o beneficiário da substituição”. A partir desta noção pode extrair-se os três elementos que compõem esta figura, a saber: a dupla disposição testamentária, o encargo do instituído ou nomeado, e a ordem sucessiva do chamamento. É essencial na substituição fideicomissária a existência ou ocorrência de uma dupla disposição do mesmo objeto, seja este uma herança ou um legado. Verifica-se uma dupla disposição do mesmo objeto, na medida em que o fideicomitente dispõe do mesmo duas vezes, uma a favor do fiduciário e outra a favor do fideicomissário. Porém, o fideicomissário só recebe por intermédio do fiduciário e após a sua morte, momento em que a herança ou legado revertem para o fideicomissário. O autor desta dupla disposição é o fideicomitente. É este o sujeito que transmite a herança ou legado ao fiduciário e ao fideicomissário, e que encarrega o primeiro de conservar o objeto da substituição até à sua morte, pelo que não existe qualquer tipo de transmissão entre o fiduciário e o fideicomissário. Deste modo, para o fideicomissário ocorre uma reversão automática dos bens desencadeada pela morte do fiduciário.

40. A posição jurídica do fiduciário encontra-se regulada nos artigos 2290.º a 2294.º do Código Civil. Destes normativos resulta que o fiduciário é titular de um direito sobre os bens que constituem o objeto da substituição fideicomissária, embora este direito se encontre limitado quanto às faculdades de oneração e alienação, conforme determinação do artigo 2291.º do Código Civil.

O direito de propriedade do fiduciário sobre esse mesmo objeto, é considerado pela doutrina um direito de propriedade temporário, que só é admitido pelo legislador em casos excecionais (cfr. n.º 2 do artigo 1307.º do Código Civil), na medida em que o fiduciário é considerado verdadeiro proprietário embora limitado no tempo. Com efeito, o fiduciário encontra-se encarregado de conservar o objeto da substituição fideicomissária de modo a salvaguardar “a expetativa do fideicomissário”, beneficiando, todavia, dos poderes de gozo e de administração dos bens sujeitos a este instituto jurídico.

De acordo com a doutrina maioritária, o fiduciário é o verdadeiro e próprio proprietário dos bens que constituem o objeto da substituição fideicomissária. Todavia, há que destacar que o n.º 2 do artigo 2290.º do Código Civil estabelece que “[s]ão extensivas ao fiduciário, no que não for incompatível com a natureza do fideicomisso, as disposições legais relativas ao usufruto”. Importará, então, cuidar, ainda que sucintamente, que disposições do usufruto são aplicáveis ao fiduciário.

Em face do disposto no artigo 1439.º do Código Civil, o usufruto traduz-se no direito real menor de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância. Há, então, que sublinhar que o usufruto é caracterizado por quatro aspetos essenciais, a saber: em primeiro lugar, é um direito temporário, isto é, dura enquanto durar a vida do seu titular ou durante 30 anos se este for uma pessoa coletiva (nos termos do art.º 1443.º do Código Civil), contrariando, assim, a característica da perpetuidade que se atribui ao direito de propriedade; segundo, confere ao titular o gozo pleno da coisa, podendo o usufrutuário trespassar ou onerar o seu direito de acordo com o disposto no artigo 1444.º do Código Civil; terceiro, configura um direito não exclusivo porque incide sobre uma coisa ou direito alheio, existindo ao lado de outro direito; em quarto lugar,  não confere ao seu titular o poder de alterar a forma ou substância.

Dissecados os respetivos normativos conclui-se que existe, efetivamente, alguma sintonia ou aproximação entre o usufruto e a substituição fideicomissária, porém, há que realçar que também se registam algumas diferenças, desde logo há que salientar que o usufrutuário, não sendo proprietário da coisa, possui um direito sobre coisa alheia, distinguindo-se, assim, do fiduciário que se traduz num verdadeiro proprietário da coisa (bem).

No caso do fiduciário ser herdeiro, responde pelos encargos da herança, nos termos do artigo 2068.º do Código Civil. No entanto, em consequência da futura reversão dos bens para o fideicomissário, os credores pessoais do fiduciário não têm o direito de executar os bens sujeitos ao fideicomisso, apenas podendo

executar os seus frutos (art.º 2292.º do Código Civil). Com a morte do fiduciário ocorre a devolução da herança ou do legado ao fideicomissário (n.º 1 do art.º 2293.º do Código Civil) mas, se este não puder ou não quiser aceitá-la, fica sem efeito a substituição fideicomissária e a herança ou o legado considera-se definitivamente adquirida pelo fiduciário desde a morte do testador (n.º 2 do art.º 2293.º do Código Civil). Neste caso, não funciona o direito de representação a favor do fideicomissário, ainda que este tenha descendentes (al. b) do n.º 2 do art.º 2041.º do Código Civil).

A aquisição definitiva da herança pelo fiduciário em caso de o fideicomissário não poder ou não querer aceitar a herança não corresponde a uma nova aquisição por parte daquele, sendo apenas uma consequência da extensibilidade da situação jurídica de que é titular.

41. Em face do disposto no artigo 2294.º do Código Civil, o fideicomissário não pode aceitar ou repudiar a herança, nem dispor dos bens respetivos, mesmo por título oneroso, antes de ela lhe ser devolvida. A herança devolve-se ao fideicomissário no momento da morte do fiduciário. Se o fideicomissário não puder ou não quiser aceitar a herança, fica sem efeito a substituição, e a titularidade dos bens hereditários considera-se adquirida definitivamente pelo fiduciário desde a morte do testador. Não podendo ou não querendo o fiduciário aceitar a herança, a substituição, no silêncio do testamento, converte-se de fideicomissária em direta, dando-se a devolução da herança a favor do fideicomissário, com efeito desde o óbito do testador.

Daqui resulta que durante a vida do fiduciário, o fideicomissário não é titular de qualquer direito sobre os bens da herança ou do legado, mas apenas de uma expectativa jurídica de lhe suceder, que por isso se pode qualificar como expectativa sucessória. É em função da tutela dessa expectativa jurídica que a lei limita a prática de atos de disposição dos bens por parte do fiduciário (art.º 2291.º do Código Civil) e impede que possam ser opostas ao fideicomissário decisões judiciais em que ele não tenha intervindo relativas aos bens sujeitos ao fideicomisso (n.º 3 do art.º 2290.º do Código Civil). Em consequência, dessa expectativa deve reconhecer-se ao fideicomissário legitimidade para requerer o registo da cláusula fideicomissária, porquanto, no fideicomisso existem duas vocações sucessivas, uma a favor do fiduciário e outra a favor do fideicomissário, sendo este sucessor do testador e não do fiduciário. A diferença está em que, enquanto no caso de o testador ter indicado o substituto apenas há que esperar pela morte do fiduciário, para que possa acontecer o chamamento do fideicomissário (art.º 2293.º, n.º 1 do Código Civil.), e no caso de fideicomisso irregular, só após a morte do fiduciário é possível individualizar o(s) fideicomissário(s) – art.º 2295.º do Código Civil. Decorre do que ficou dito que, no segundo caso, a disposição testamentária (vocação voluntária sucessiva do fideicomissário) só poderá produzir efeitos após verificação da vocação legal, do fideicomissário em relação ao fiduciário, ou seja, após se saber quem foi chamado pela lei a suceder ao fiduciário, sendo certo que em relação aos bens do testador os fideicomissários não sucedem ao fiduciário.

Há que sublinhar que, à semelhança do que ocorre com o fiduciário, o fideicomissário tem de possuir capacidade testamentária passiva. Esta capacidade afere-se face ao fideicomitente, no momento da morte do fiduciário, pois é neste momento em que ocorre a devolução da herança ou do legado fideicomitido a favor do fideicomissário. Com efeito, a devolução dos bens é diferida no tempo, o que decorre do facto de ocorrer uma vocação sucessiva, que corporiza a especial natureza jurídica da substituição fideicomissária. Durante o hiato de tempo em que vive o fiduciário, o fideicomissário é detentor de uma expetativa jurídica. Esta expetativa jurídica configura um direito subjetivo a suceder, adquirido pelo herdeiro legitimário (e, in casu, pelo fideicomissário) no momento da vocação ou do chamamento.

Em ordem a proteger a efetiva titularidade do objeto fideicomitido pelo fideicomissário, sob a égide do respeito pela vontade do testador fideicomitente, a ordem jurídica confere ao primeiro uma verdadeira tutela jurídica que assenta nos seguintes meios: na possibilidade de inscrever no registo predial a substituição fideicomissária (al. b) do art.º 94.º do Código de Registo Predial); no poder de requerer a notificação judicial do fiduciário (art.º 2049.º do Código Civil); no poder de autorizar o fiduciário a dispor dos bens fideicomitidos nos fideicomissos irregulares (art.º 2295.º do Código Civil); na proteção conferida pela impossibilidade de o fiduciário onerar ou alienar os bens/direitos, que decorre do dever de conservação que sobre ele impende (art.º 2291.º do Código Civil); e, por fim, na proteção que deriva do próprio encargo que impende sobre o fiduciário de conservar a coisa fideicomitida, de modo a que a reversão a favor do fideicomissário possa ocorrer à data da morte do fiduciário, ao qual se somam os deveres que resultam da aplicação de certos preceitos do regime jurídico do usufruto à substituição fideicomissária. Também encorpa a proteção da expetativa jurídica do fideicomissário a possibilidade de este intervir em juízo em várias situações (cfr. n.º 3 do art.º 2290.º e n.º 3 do art.º 2295.º do Código Civil), e o facto de possuir legitimidade processual para tal.

Importa concluir que o fideicomissário sucede ao fideicomitente no momento da abertura da sucessão, mas só é chamado (ou seja, a vocação só ocorre) posteriormente, à data da morte do fiduciário. Até este momento, o fideicomissário não tem um direito de propriedade, mas o facto de ter sido designado como tal pelo de cujus e de vir a adquirir o direito levam a que a ordem jurídica sobreponha os interesses deste aos do fiduciário, limitando a sua liberdade enquanto verdadeiro proprietário da coisa, reconhecendo ao fideicomissário uma verdadeira expetativa jurídica, protegida pela possibilidade de fazer uso das várias armas (direitos) que a lei lhe confere.

No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, tirado no processo n.º 564/07.8TBVLN.G1, de 12.01.2010, foi firmada jurisprudência no sentido de: “i) O fideicomissário que haja sobrevivido ao fiduciário tem legitimidade para a ação em que peticione que se declare a validade do testamento em que foi instituído o fideicomisso; ii) O fiduciário tem a propriedade temporária (vitalícia) dos bens objeto do fideicomisso, sem possibilidade de dispor deles, revertendo os mesmos para o fideicomissário, imediatamente após a morte daquele, desde que este último lhe sobreviva; iii) Os bens que integrem o fideicomisso não fazem parte da herança do fiduciário; iv) Falecendo o fideicomissário antes do fiduciário, caduca a substituição fideicomissária, devendo considerar-se adquirida pelo fiduciário, desde a morte do testador, a titularidade dos bens que integravam o legado que estava destinado àquele”.

Por sua vez, no Tribunal da Relação do Porto, em acórdão tirado no processo n.º 9921033, de 26.10.1999, foi decidido que “i) Tanto o fiduciário como o fideicomissário são sucessores do de cujus. O seu chamamento é sucessivo, revertendo os bens para o fideicomissário, automaticamente, logo após a morte do fiduciário. ii) Os bens, enquanto na titularidade do fiduciário, podem ser alienados ou onerados mediante autorização do tribunal em caso de manifesta necessidade ou utilidade para o fiduciário, desde que os interesses do fideicomissário não sejam afetados. (…)”.

42. A vocação sucessória está regulada no artigo 2032.º e seguintes do Código Civil, e consiste na fase do fenómeno sucessório em que são chamados os herdeiros do de cujus. É frequente a confusão entre os termos devolução, vocação e chamamento. Todavia, a doutrina distingue os conceitos referindo que a sua  distinção deve ser feita à luz do seguinte critério: o termo vocação assume um carácter subjetivo, na medida em que se traduz no chamamento à sucessão, feita pela lei ou pelo de cujus no momento da morte, momento em que o sucessível adquire um direito a suceder, ao passo que o termo devolução assume um carácter objetivo na medida em que se traduz no momento em que é devolvido ao sucessível (ou sucessíveis) as posições ou relações jurídicas que sobreviveram à morte do de cujus, isto é, no momento em que os bens são colocados à disposição do chamado (herdeiro ou legatário).

Nesta medida, a vocação consiste no momento em que o sucessível (ou os sucessíveis) é chamado a suceder às relações jurídicas que sobreviveram ao de cujus, sendo que, só mais tarde, no momento da devolução, é que os bens que compõem a herança ou o legado são colocados à sua disposição. Todavia, não devemos estabelecer uma distinção muito rígida entre estes conceitos, porquanto, alguma doutrina refere que o termo devolução deve ser apreciado “caso a caso” devido ao carácter pouco claro que por vezes assume em normas como a norma ínsita no n.º 2 do artigo 2032.º do Código Civil que determina a retroatividade da devolução sucessória a favor dos sucessíveis subsequentes ao momento da abertura da sucessão. Verifica-se, portanto, que o termo devolução é usado de forma lata uma vez que abrange também a vocação sucessória. Para que ocorra o momento da vocação é necessária a verificação de três pressupostos essenciais, cumulativos e de verificação simultânea que são enunciados pelo normativo do n.º 1 do artigo 2032.º do Código Civil, a saber: a designação sucessória prevalecente detida pelo sucessível; a existência do mesmo e a sua capacidade, sendo que estes dois últimos pressupostos se devem verificar no momento da abertura da sucessão.

A vocação sucessiva é o terceiro elemento nuclear da substituição fideicomissária. Os contornos específicos do instituto da substituição fideicomissária justificam que se suscitem as questões seguintes: o fideicomissário sucede ao fiduciário ou ao testador? Operam, neste instituto jurídico, uma ou duas transmissões?

O fideicomissário sucede ao testador. Não existem duas transmissões sucessivas, porque o fiduciário não transmite ao fideicomissário. Com efeito, nas palavras de Inocêncio Galvão Telles, o testador deixa os seus bens, em primeira instituição, ao fiduciário que se torna proprietário vitalício, pelo que depois de este finar entra em funcionamento a segunda instituição e o fideicomissário recebe esses bens por força ainda do testador. Nesta medida, poder-se-á dizer que na substituição fideicomissária verifica-se uma vocação sucessiva em que o testador deixa os seus bens ao fiduciário e ao fideicomissário, sendo este último o principal beneficiário da liberalidade, contudo, e apesar disso, os bens só integram a esfera patrimonial do fideicomissário depois da morte do fiduciário, momento em que os mesmos revertem para a sua esfera jurídica. Todavia, ambos os sujeitos são designados pelo testador como herdeiros testamentários, mas só o fiduciário é chamado à sucessão no momento da abertura desta, ficando o chamamento ou vocação sucessória do fideicomissário adiado para um momento posterior à morte do fiduciário. Nesta medida, a capacidade testamentária passiva do fideicomissário deve ser apreciada face ao testador e tendo em apreço o momento da abertura da sucessão.

Ainda a este propósito importa referir alguns segmentos do sumário  do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, tirado no processo n.º 0121516, de 15.04.1991, em que se estabelece que “i) Da definição de substituição fideicomissária ou fideicomisso resulta que o primeiro nomeado, o fiduciário, tem o encargo de conservar os bens, para que, por sua morte, se transmitam ao segundo nomeado, o fideicomissário, verificando-se, pois, uma ordem sucessiva e não simultânea (Art.º 2286.º do Código Civil). ii) O primeiro nomeado torna-se proprietário dos bens herdados logo após a morte do testador, mas esse direito é limitado, já que não pode dispor dos bens, a não ser nos casos excecionais previstos no artigo 2291.º do Código Civil, uma vez que tem a obrigação de os transmitir ao fideicomissário. iii) Só pode haver reversão dos bens a favor do fiduciário quando todos os fideicomissários tenham falecido antes dele ou quando, nos termos do artigo 2293.º, n.º 2, os fideicomissários não puderem ou não quiserem aceitar a herança. iv) O fiduciário não é mais do que um usufrutuário, pois, a não ser no caso do artigo 2291.º, não tem poderes de disposição, somente tendo o gozo e a administração dos bens sujeitos ao fideicomisso (n.º 1 do art.º 2290). v) Enquanto não ocorrer o falecimento do fiduciário, o fideicomissário é herdeiro com a expectativa de sucessão, só se tornando titular dos bens à data da morte do fiduciário (Art.ºs. 2293.º, n.º 1, e 2294.º). vi) Só são herdeiros os fideicomissários que sobrevivem ao fiduciário. (…)”.

43.º Aqui chegados, importa concluir que o instituto da substituição fideicomissária é uma figura jurídica com contornos específicos e complexos que suscita na doutrina a sua análise segunda diversas teorias, as quais o perspetivam a partir de ângulos jurídicos diferentes, mas sendo todas coincidentes em considerar que a fonte dos direitos de que o fideicomissário é titular é a herança, in casu, a sucessão testamentária proveniente da avó da Requerente. Verifica-se que, quer na doutrina, quer na jurisprudência, aliás, mesmo na própria lei (n.º 2 do art.º 2032.º do Código Civil), por vezes, a terminologia utilizada nem sempre é clara, inequívoca e suscetível de não motivar perceções dúbias, porquanto, pode induzir a ideia de que os bens são transmitidos ao fideicomissário pelo fiduciário. Na substituição fideicomissária verifica-se uma vocação sucessiva, a favor do fiduciário e do fideicomissário, sendo a fonte de ambas a herança do fideicomiternte, isto é, o termo de que depende a substituição do fideicomissária é, indubitavelmente, a morte do testador, e apenas esta. Não se verifica qualquer transmissão de bens ou de direitos do fiduciário para o fideicomissário. Os direitos do fideicomissário derivam da abertura da sucessão do de cujus, in casu, a avó da Requerente. Ainda que se considere que até à morte do fiduciário, o fideicomissário apenas é titular de uma expetativa sucessória, é fundamental considerar que tal expectativa jurídica integra direitos concretos, porquanto, tais direitos limitam os direitos ou a situação jurídica do fiduciário. O que permite ao fideicomissário adquirir os bens é a vocação derivada do autor da sucessão, razão pela qual o fideicomissário é considerado como herdeiro ou legatário do de cujus e não do fiduciário. Assim, a vocação sucessiva de que o fideicomissário é titular deriva da abertura da herança do de cujus, direito que se encontra suspenso até à morte do fiduciário. Todavia, verificado o acontecimento futuro ou incerto que é a morte do fiduciário ocorre automaticamente e de imediato a reversão dos bens para o fideicomissário. Nesta medida, os direitos do fideicomissário constituem-se no momento da abertura da sucessão e não posteriormente, embora, por efeito da natureza da substituição fideicomissária os bens só integrem a esfera patrimonial do fideicomissário, beneficiário último da sucessão, no momento da morte do fiduciário. Todavia, a transmissão dos bens não ocorre do fiduciário para o fideicomissário, mas sim do testador – autor da sucessão – para o fideicomissário.

44. Assim, importa concluir que no caso sub judice a transmissão dos bens – prédio urbano – se verificou à data do óbito do testador, isto é, 14 de julho de 1967, sendo consequentemente, irrelevante a data do óbito do fiduciário, ocorrida em 04 de janeiro de 2005. A Requerente, relativamente ao prédio urbano sito em ... n.º 40 a 42, em Lisboa, é herdeira de sua avó (fideicomitente) e não do seu pai (fiduciário) e, atenta, a natureza do instituto da substituição fideicomissária, não se pode considerar que a transmissão do prédio a favor da Requerente se verificou em 04 de janeiro de 2005 pela simples circunstância da vocação sucessória ter ocorrido nesta data. Há que ter em consideração que com a morte do fiduciário ocorre de imediato e automaticamente a reversão da herança em benefício do fideicomissário.

45. Deste modo, é imperioso concluir que a fideicomissária adquiriu o direito a suceder na titularidade do prédio em data anterior (14.07.12967) à entrada em vigor (01.01.1989) do Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares, pelo que, tendo em atenção os normativos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, os ganhos que a Requerente obteve em 2018 com a alienação do referido prédio não estão sujeitos a tributação na cédula constituída pela categoria G do IRS – incrementos patrimoniais (mais-valias).

46. Em face do exposto fica prejudicado o conhecimento da questão relativa à utilização ou não da totalidade do prédio, isto é, do 1.º e 2.º andares, e do subsequente reinvestimento dos ganhos obtidos com a sua alienação em 2018 na aquisição de outro prédio destinado exclusivamente à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

47. Por todas as razões expostas, importa concluir que se verificou erro na aplicação do direito por parte dos serviços da Requerida, ao considerar que os ganhos obtidos com a alienação do referido prédio se encontram sujeito a tributação em sede de IRS, razão que determina que os atos de liquidação supra identificados sejam ilegais, pelo que o Tribunal determina a sua anulação.

 

IV.          JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

48. Conjuntamente com o pedido de anulação dos atos de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, e o consequente reembolso do valor pago indevidamente, a Requerente requer, ainda, que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.

49. Dispondo o normativo da alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, sendo que tal dispositivo está em sintonia com o disposto no artigo 100.º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, no qual se estabelece que: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

50. E que, por sua vez, a norma do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, estabelece que serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."

51. Há, ainda, que referir que, em face da norma do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral, pelo que, assim, importa conhecer do pedido.

52. O direito a juros indemnizatórios pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido, ou pago imposto indevidamente, e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

53. No caso dos autos, verifica-se que ocorreu erro de direito, o qual é subsumível no normativo do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, havendo, consequentemente, lugar a pagamento de juros indemnizatórios.

54. Por todas as razões supra enunciadas, e a confirmar-se que a Requerente procedeu, efetivamente, ao pagamento do imposto, logo, deve o mesmo ser considerado um pagamento indevido, o que deve ser confirmado pelos serviços da Requerida, reconhece-se à Requerente o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante do imposto indevidamente pago, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do processamento da nota de crédito, conforme decorre do n.º 1 do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

 

V.           DECISÃO

Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:

a)            Julgar procedente o pedido da Requerente;

b)           Anular o despacho da Chefe do Serviços de Finanças de Vila Franca de Xira ... que indeferiu a Reclamação Graciosa n.º ...2019...;

c)            Anular os atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, supra identificados, no valor de € 45.099,95, com os consequentes efeitos legais;

d)           Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido até à data de emissão da nota de crédito;

e)           Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 45.099.95 (quarenta e cinco mil, noventa e nove euros e noventa e cinco cêntimos), de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e no artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).

 

CUSTAS

O valor das custas é fixado em € 2.142.00 (dois mil cento e quarenta e dois euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 11 de junho de 2021

 

O Árbitro

Jesuíno Alcântara Martins