SUMÁRIO:
I - A prova documental ainda que produzida só em sede de processo arbitral com a junção de uma fatura ao pedido arbitral pode ser considerada idónea para documentar determinado custo como elegível em sede de IRC e sustentar a decisão de anulação da liquidação impugnada, apesar de até aí a respetiva despesa ter sido considerada indocumentada.
II - Não pode ser incluída na tributação autónoma agravada constante do nº 2 artº 81º do CIRC, na redação vigente no exercício de 2001, uma entidade parcialmente isenta de IRC nos termos do artº 33º do EBF.
III - O Tribunal Arbitral em funcionamento junto do CAAD é materialmente incompetente para apreciar a legalidade da liquidação de juros de mora efetuada no processo de execução fiscal.
DECISÃO ARBITRAL
I - Relatório
A…, S.A., com sede na …, …, …, com o NIPC …, vem, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 6.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º112-A/2011, de 22 de março, apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado após indeferimento parcial de reclamação graciosa contra a liquidação de IRC nº 2003..., relativa ao ano de 2001 e correspondentes juros compensatórios, que apurou o montante de € 277.582,82.
O requerente apresentou junto do Tribunal Tributário de Lisboa impugnação judicial que se encontrava a correr termos no Proc.º …/10…, o qual se encontrava pendente na data da publicação do Decreto-Lei nº 81/2018, de 15/10, razão pela qual, de conformidade com este diploma legal, usou da faculdade de solicitar a constituição de tribunal arbitral junto do CAAD para apreciação da mesma questão, encontrando-se no presente processo toda a documentação prevista na lei, para que pudesse ter sido dada satisfação ao pedido.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2019/12/31 e notificado à Requerida nos termos legais em 2020/01/03.
O Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro.
Nos termos e para os efeitos do disposto do n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente previstos, foi o signatário designado Árbitro do Tribunal Arbitral singular que comunicou a sua aceitação do encargo tempestivamente.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 18 de março de 2020, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.
A Requerida apresentou a sua Resposta em 01/07/2020, defendendo-se por exceção e por impugnação, solicitando, a final, a absolvição parcial da instância e a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
O Requerente, face à notificação da Resposta da AT, pronunciou-se de imediato sobre a exceção suscitada pela Requerida pugnando pela sua improcedência.
Por despacho de 08/09/2020, foi dispensada a reunião a que se refere o artº 18º do RJAT, sendo as partes convidadas a apresentar, querendo, alegações escritas em 15 dias.
Apenas o Requerente apresentou alegações, onde reiterou as teses do pedido arbitral, requerendo a anulação da decisão do recurso hierárquico e a consequente anulação da liquidação impugnada e o reembolso das importâncias pagas acrescidas de juros indemnizatórios calculados sobre os montantes pagos.
***
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo por se tratar de processo tributário pendente que deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa em data anterior a 31 de dezembro de 2016, e o mesmo ter sido apresentado até ao dia 31 de dezembro de 2019, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei 81/2018.
O processo não enferma de nulidades.
II - Matéria de facto
a) Factos Provados
São dados como provados os seguintes factos:
O Requerente é uma instituição de crédito e que, na sequência da emissão da Ordem de Serviço n.º 117/1/2003, foi objeto de uma ação inspetiva de âmbito geral relativa ao resultado fiscal do exercício de 2001.
A Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), na sequência do procedimento de inspeção, operou diversas correções técnicas em sede de IRC, que originaram liquidação de IRC e retenções na fonte e tributação autónoma, que deram origem à liquidação nº 2003 ...;
O requerente apresentou reclamação graciosa contra essa liquidação que viria a ser parcialmente deferida, tendo a decisão respetiva sido assinada, por delegação, pelo Diretor de Finanças Adjunto-Jesuíno de Alcântara Martins, em 2008/03/07 (doc. 5);
Foi apresentando seguidamente recurso hierárquico quanto à parte que não mereceu provimento, que veio também a ser indeferido por despacho da Diretora do IRC, por subdelegação, em 09/11/09 (doc.2);
Por não ter pago o valor da liquidação dentro do prazo para pagamento voluntário, foi instaurada a respetiva execução fiscal pelo Serviço de Finanças competente, na qual foi prestada garantia bancária tendo em vista obter o efeito suspensivo previsto no art 169º do CPPT.
Entretanto a dívida em execução fiscal foi paga em 2019.
No âmbito da decisão da reclamação graciosa constata-se que a Autoridade Tributária permaneceu na posição de não aceitar como custo a quantia de 4 589,96€, de entre o valor total contabilizado na conta 73-Despesas com pessoal no valor de 25 368,58€, para a qual não foi, tanto à data do procedimento de inspeção como à data da apresentação dos procedimentos de reclamação graciosa e recurso hierárquico, apresentado documento justificativo do custo (vide pag. 6 Relatório Inspeção-Doc. 4):
Por seu turno, no âmbito do recurso hierárquico, a matéria respeitante ao custo de 4 589,96€ mereceu a mesma apreciação, a saber:
Por esse motivo a AT efetuou a correção técnica no mesmo montante, considerando tratar-se de uma despesa não documentada, não só por entender que a despesa não constitui custo fiscal como também sujeitou a tributação autónoma o montante referido, nos termos do nº 2 do art.º 81º do CIRC à taxa de 70%;
O Requerente juntou em sede de impugnação judicial cópia de uma fatura emitida pela X..., com o nº 602, em 26/12/01, que constitui o documento nº 10, com a qual pretende documentar a despesa de 4 589,96€ acima referida, alegando tratar-se de custos com pessoal que indevidamente foram classificados de outro modo, tanto na reclamação graciosa como no recurso hierárquico.
Quanto à correção técnica relativa a custos não imputados à sucursal financeira exterior [SFE] da Zona Franca da Madeira, no valor de 4 897,39€, o recurso hierárquico foi indeferido com a seguinte fundamentação:
O Requerente prestou garantia bancária no Proc.º de execução fiscal nº …2004… instaurado em resultado do não pagamento da liquidação do IRC no prazo de pagamento voluntário (doc.7);
Posteriormente, conforme Doc.8, o Requerente efetuou o pagamento integral da mesma execução fiscal em 8/11/2019.
Não foi junto aos presentes autos o PA.
b) Facto não provados
Não vem provado que tenha sido o Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças e Lisboa a decidir a reclamação graciosa, mas antes o Diretor de Finanças Adjunto por delegação (doc.5);
Não vem igualmente provado que tenha também sido o mesmo Chefe de Divisão a decidir o recurso hierárquico. Este foi decidido pela Diretora de Serviços do IRC por subdelegação (doc2).
Não são dados como provados ou não provados outros factos com interesse relevante para a decisão.
c) Motivação da decisão da matéria de facto
a) No presente julgamento, foram escolhidos os factos considerados pertinentes pela sua relevância jurídica, atentas as soluções plausíveis das questões de direito, em função do que decorre da interpretação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
b) Os factos considerados como provados encontram-se apoiados em documentos juntos ao processo pela Requerente, nomeadamente com base no Relatório da Inspeção Tributária.
c) O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos considerados provados na análise crítica da prova documental junta aos autos que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.
d) Há ainda que ter em conta que a convicção do tribunal assenta unicamente nos documentos juntos com a petição inicial pelo Requerente dado a Requerida não ter junto com a resposta o respetivo processo administrativo, aplicando-se a cominação resultante da conjugação da norma do nº 5 do CPPT e nº 6 do artº 84º do CPTA.
III - Matéria de Direito
a) A posição das partes
A Administração Tributária levou a cabo uma inspeção tributária ao Requerente, relativa ao exercício de 2001, em matéria de IRC, tendo efetuado várias correções à matéria tributável e aplicado uma tributação autónoma.
Das diversas correções emergentes do Relatório Final, resultou a liquidação nº 2003..., com um valor a pagar de 277 582,42, mas após reclamação graciosa e recurso hierárquico subsequente a mesma foi parcialmente anulada.
Constitui objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, primeiramente, a anulação da decisão tomada em sede de recurso hierárquico por a mesma se encontrar viciada por preterição de formalidade essencial constituída pela falta de audição antes da tomada de decisão;
“O Requerente entende que a Decisão de Deferimento parcial é ilegal, desde logo, por violação do disposto no artigo 60.º da Lei geral Tributária (“LGT”) e do artigo 267.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), por não ter sido precedida da necessária notificação para o exercício do direito de audição, ao abrigo do princípio da participação.”.
A preterição do direito de audição prévia dos interessados, quando obrigatória, consubstancia um vício procedimental que se repercute na decisão final do procedimento, podendo determinar a anulabilidade da mesma (cf. artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo – “CPA”, na redação e numeração em vigor na data a que se reportam os factos – aplicável ex vi artigo 2.º, al. d), do CPPT).
Donde, crê o Requerente que, ao admitir que em sede de recurso hierárquico, no procedimento tributário sujeito às mesmas e exatas regras, em exercício de competências delegadas pela mesma pessoa, possam ser aplicadas orientações opostas em matéria de garantias dos contribuintes, a AT incorre numa grave violação do princípio da igualdade no artigo 13.º da CRP e do princípio da não discriminação no exercício dos direitos consagrados na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”), por aplicação articulada dos artigos 14.º (Proibição de discriminação) e 6.º (Direito a um processo equitativo), a que este tribunal não poderá dar acolhimento.
Por outro lado, não é correto o pressuposto de que parte o autor do Despacho de Deferimento Parcial para basear a dispensa de audição prévia, já que, de facto, foram invocados novos elementos no ato cuja anulação ora se requer.
É que, em concreto, o autor do Despacho de Deferimento Parcial carreou para o procedimento administrativo (pelo menos) um novo elemento como fundamento do ato cuja anulação se requer, qual seja, “o Parecer n.º …/2003 do Centro de Estudos [F]iscais, sancionado com o Despacho do SEAF n.º …/2004-YV de 2005/02/04.”.
É claro, pois, que a não notificação do Requerente para o exercício do direito de audição em momento prévio à Decisão de Deferimento Parcial que se contesta vicia o ato em apreço, ao violar as normas constitucionais e outras que regem a atividade da AT e que conferem ao Requerente direitos enquanto administrado.
Depois, independentemente do entendimento do tribunal sobre a verificação ou não do imputado vício de preterição de formalidades essenciais na decisão tomada no procedimento de recurso hierárquico, sempre a mesma deve ser revogada porquanto viola os princípios constitucionais da boa-fé e da imparcialidade nas relações entre os particulares e a Administração Pública.
Isto porque a decisão da reclamação graciosa, que precedeu o recurso hierárquico sobre o qual recaiu o Despacho de Deferimento Parcial, que foi formalmente tomada pelo Ex.mo Senhor Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, Dr. B..., assenta, única e exclusivamente, em informações da entidade cujo entendimento foi primeiramente contestado, i. e., a Direção de Serviços de Prevenção e de Inspeção Tributária.
Em concreto, a tomada de posição da Direção de Serviços de Prevenção e de Inspeção Tributária traduziu-se na Informação n.º 137-AJT/07 (doravante, a “Informação n.º 137”, cita a p. 2 do Doc. n.º 2 já junto).
Ao agir desta forma, a AT violou evidente e indubitavelmente o princípio da imparcialidade, ao admitir que a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa fosse decidida, na prática, pela Direção de Serviços de Prevenção e de Inspeção Tributária, e ao colocar à consideração e disposição da mesma pessoa a “ratificação” das conclusões dos despachos de deferimento parcial da reclamação graciosa e do recurso hierárquico. A violação dos princípios da boa-fé e da imparcialidade fica ainda mais patente quando se admite que a decisão da reclamação graciosa e a posterior decisão do recurso hierárquico sejam decididas pela mesma e exata pessoa: o Ex.mo Senhor Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, Dr. B...
Prossegue o pedido de pronúncia arbitral com a pretensão de que o Tribunal considere parcialmente ilegal a liquidação impugnada à qual aponta diversas ilegalidades.
Primeiramente o Requerente impugnou a ilegalidade da desconsideração do custo com despesas com pessoal não aceites por terem sido consideradas indocumentadas, no valor de €4 589,96;
Na verdade, não foi possível apresentar prova idónea anteriormente porque só “já aquando da preparação da Impugnação, o Impugnante, ora Requerente, pôde localizar o documento relevante, consubstanciado numa fatura emitida por uma entidade terceira, de que se junta cópia sob a designação de Doc. n.º 10;
Assim, e contrariamente ao que, por lapso, foi avançado na reclamação graciosa que precedeu os presentes autos, trata-se de encargos suportados com a aquisição de serviços relacionados com os extratos de recebimentos e regalias sociais que o Requerente estava obrigado a disponibilizar aos seus trabalhadores.
Pelo que, e em suma, se considera que, não obstante o lapso referido, fica cabalmente demonstrado tratar-se de uma despesa devidamente documentada, pelo que não subsistem razões para que seja mantida a correção em análise, que deverá ser anulada.
Impugna ainda a correção da matéria coletável relativa a custos que no entendimento da AT deveriam ter sido imputados à sucursal financeira exterior da Zona Franca da Madeira no valor de 4 897,39€;
Alega que o entendimento da AT assenta em critérios arbitrários e não justificados nem demonstrados;
Com efeito, os serviços de inspeção tributária limitaram-se a afastar o critério de imputação de custos comuns à sucursal financeira exterior (o da percentagem dos lucros), porque, no exercício de 2001, a sucursal apurou prejuízos, optando, simplisticamente, por outro critério que lhe pareceu “mais adequado à realidade;
Em seguida, os serviços de inspeção tributária selecionaram as contas nas quais se encontram registados os “custos indispensáveis para a obtenção dos resultados sujeitos ao regime de isenção temporária e manutenção da fonte produtora, tudo isto, no seguimento do princípio consagrado no Art.º 23.º, do CIRC”, e apuraram o montante de € 4.897,39, correspondente a 0,024% do total dos valores contabilizados pelo Requerente nas contas referidas.
Contudo, e apesar de o Requerente ter demonstrado, em sede de recurso hierárquico, a razão que lhe assiste, tomou a AT a posição de manter a correção contestada, afirmando para o efeito que “a fiscalização adotou um critério devidamente fundamentado, que supre de forma válida a falta de imputação de custos indiretos na determinação do resultado da SFE.” (cf. p. 17 do Despacho de Deferimento Parcial).
Nem em sede de procedimento inspetivo, nem em qualquer das fases administrativas que se lhe seguiram, a AT cumpriu o ónus da prova que se lhe impunha, nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT.
O Requerente contesta ainda aquela decisão porque o entendimento sufragado pela AT é contrário à Lei e à aplicação que dela tem feito a jurisprudência superior.
As correções deste tipo só podiam ser efetuadas no contexto de aplicação das regras de preços de transferência, constantes do (então) artigo 58.º do Código do IRC.
Dada a natureza antielisiva do regime de preços de transferência, a fundamentação em causa sujeitava-se a um crivo especialmente agravado, pois “claramente o legislador previu um dever de fundamentação particularmente exigente no caso de correções fundamentadas na existência de relações especiais, estabelecendo para essas situações, a par do dever geral de fundamentação, um dever especial, que passa pela evidenciação dos requisitos aludidos”.
O Requerente considera que não foi demonstrada, pelos serviços de inspeção tributária, a subsunção da situação concreta à única norma que, à data relevante, lhe permitia proceder a correções do tipo pretendido: o artigo 58.º do Código do IRC.
Vem ainda impugnada a correção relativa a tributação autónoma por inaplicabilidade de tributação autónoma a despesas incorretamente qualificadas como não documentadas;
A AT manteve, mesmo após o Despacho de Deferimento Parcial, a qualificação como “não documentados” dos custos com pessoal incorridos pelo Requerente, no montante de € 4.589,96.
Entende o Requerente que, em face da fatura ora junta como Doc. n.º 10, não poderá subsistir qualquer dúvida quanto ao facto de estarmos perante uma despesa devidamente documentada, pelo que haverá que anular a tributação autónoma que sobre ela incidia.
Ainda que assim não fosse, não seria admissível a sujeição dos custos em apreço a tributação autónoma, por não estarmos perante o tipo de despesas confidenciais e não documentadas a que alude o artigo 81.º do Código do IRC (na redação e numeração em vigor na data a que se reportam os factos).
Desde logo, é pacífico que não estão em causa despesas confidenciais, porque é conhecida a respetiva natureza: trata-se de custos com o pessoal, suportando pelo Requerente.
E, nos termos do disposto no artigo 81.º (atual artigo 88.º) do Código do IRC, na data a que se reportam os factos, “as despesas confidenciais ou não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%” (sublinhado do Requerente).
No entender do Requerente, que a questão se coloca, afinal, na distinção – decorrente da letra da Lei – entre despesas não documentadas ou confidenciais, por um lado, e as despesas não devidamente documentadas, e a respetiva subsunção no preceituado no artigo 81.º do Código do IRC.
Deste modo, assumindo – como haverá que assumir – que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (cf. artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil – “CC”) conclui o Requerente que o legislador não pretendeu incluir, na redação do artigo 81.º do IRC, as despesas não devidamente documentadas, referindo-se somente às despesas confidenciais ou (totalmente) não documentadas, na aceção acima referida.
Mesmo que se concluísse que tal documento não é “suficiente” para demonstrar a natureza e origem da despesa, sempre haverá que concluir que do que se trata é, no limite, de uma despesa (apenas) indevidamente documentada, e, como tal, não sujeita a tributação autónoma
pelo que, e em suma, se impõe a anulação da Liquidação, também nesta parte, pelo valor de € 3.213,97, relativo a tributação autónoma sobre custos com pessoal.
Por outro lado, entende o Requerente ser incorreta aplicação da taxa de tributação autónoma de 70% ao seu caso concreto.
O Relatório de Inspeção Tributária é, a este respeito, telegráfico, limitando-se a afirmar que “procedemos à tributação autónoma à taxa de 70%, no montante total de 98.236,21 € (…).” (cf. p. 11 do Relatório de Inspeção Tributária).
Primeiramente considera o impugnante que a AT fundamentou a sua decisão tardiamente e “Foi só no âmbito do despacho de deferimento parcial que a AT veio justificar que, em seu entendimento, [de que a] taxa de tributação autónoma a aplicar no caso em apreço, deverá ser a prevista no n.º 2 do art.º 81.º do Código do IRC, por a reclamante ser sujeito passivo parcialmente isento, pois da redação da alínea c) do n.º 1 do art.º 33.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), «beneficiam de isenção de IRC até 31/12/20111 (…) as instituições de crédito relativamente aos rendimentos da respetiva atividade aí exercida».”
Assim sendo, a primeira nota que se impõe sobre esta pretensa fundamentação é a de que ela vicia o ato cuja anulação se requer, por consubstanciar fundamentação a posteriori, que é manifestamente ilegal por violação do disposto no artigo 77.º da LGT.
Por outro lado, contrariamente ao avançado – a posteriori – no despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa – uma isenção de IRC relativamente aos rendimentos decorrentes da atividade exercida pelo Requerente através da sucursal financeira exterior sita na Zona Franca da Madeira não lhe atribui a condição de sujeito passivo parcialmente isento de IRC.
Isto porque a isenção em análise, prevista, na data a que se reportam os factos, no artigo 33.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), tem natureza objetiva, sendo limitada no tempo e respeitando à natureza dos rendimentos, pelo que não altera o estatuto do Requerente, nomeadamente, tornando-o numa entidade subjetivamente isenta de IRC, ainda que parcialmente.
A AT confunde as isenções objetivas (de rendimentos) com as isenções subjetivas, colocando-as todas num mesmo enquadramento, para efeitos de tributação autónoma, o que não é legalmente admissível.
O Requerente não se encontra subjetivamente isento de IRC, por força do disposto no artigo 9.º e 10.º do Código do IRC.
Para além disso, exerce, a título principal, uma atividade comercial, e não recebe na presente data, nem recebia em 2001, rendimentos enquadráveis no artigo 7.º do Código do IRC;
Pelo que, manifestamente, não é lhe é aplicável a referida taxa de tributação autónoma agravada, de 70%. E assim sendo, como não pode deixar de ser, era aplicável ao Requerente (apenas) a taxa de tributação autónoma de 50%, o implica a redução da tributação autónoma em € 3.588,12.
Pretende ainda o Requerente que o Tribunal Arbitral sindique “A ilegalidade da liquidação de juros moratórios no âmbito do Processo Executivo: a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 44.º, n.º 2, da LGT, na redação que lhe foi dada pela LOE 2012.”
“O Requerente discordou das correções impostas pela AT no âmbito do procedimento inspetivo e não procedeu ao pagamento voluntário da Liquidação, no decurso do respetivo prazo” tendo por tal facto sido instaurado processo executivo.
Posteriormente, “Já em 2019, i. e., mais de 15 (quinze) anos após a instauração do Processo Executivo, e por razões que se prendem com a fusão por incorporação do Requerente no C…, S.A., foi efetuado o pagamento da quantia exequenda”.
O pagamento referido incluiu dívida exequenda, juros moratórios e taxa de justiça e acrescidos legais.
Situação que configura, nos presentes autos, um facto superveniente, que só agora pôde ser invocado.
Na data em que o Processo Executivo foi instaurado, estabelecia o artigo 44.º, n.º 2, da LGT que “O prazo máximo de contagem dos juros de mora é de três anos, salvo no caso em que a dívida tributária seja paga em prestações, casos em que os juros de mora são contados até ao termo do prazo do respetivo pagamento, sem exceder cinco anos.”
A citada norma, em vigor quer na data em que ocorreu o facto tributário que levou à instauração do Processo Executivo (o período de tributação de 2001) quer na data da instauração do Processo Executivo e opção pela suspensão do mesmo mediante prestação de garantia (em 2004), era inequívoca: o prazo máximo de contagem de juros moratórios era de três anos.
E foi nesse pressuposto que o Requerente agiu, i. e., assumindo que a lei em vigor se lhe aplicaria e que se não veria forçado a pagar juros moratórios por período superior a três anos.
O disposto no nº 3 do art.º 3º do Regime Juros de Mora das Dívidas ao Estado e Outras Entidade Públicas constante do Decreto-Lei 73/99, de 6 de Março, previa à data que “…A taxa de juros de mora aplicável nos casos em que a dívida exequenda fosse garantida por meio de garantia bancária era de 0,5% por cada mês de calendário ou fração.”
O que levaria, no caso concreto, ao apuramento de um montante máximo, a título de juros moratórios, de € 19.242,21.
Todavia, como resulta do documento de pagamento da execução fiscal junto aos autos, o impugnante pagou um total de 39 135,92€.
Na verdade, “… artigo 149.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2012 (a “LOE 2012”) veio alterar o artigo 44.º da LGT… pelo que, a partir de 1 de janeiro de 2012, o artigo 44.º, n.º 2, da LGT, passou a prever que “Os juros de mora aplicáveis às dívidas tributárias são devidos até à data do pagamento da dívida.”
Ademais, “… acresce que o artigo 151.º, n.º 4, da LOE 2012, que continha o regime transitório aplicável às alterações à LGT, estabeleceu que “Os juros devidos, ao abrigo da nova redação do n.º 5 do artigo 43.º e dos n.os 2 e 3 do artigo 44.º da LGT, nos processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e nas decisões judiciais transitadas em julgado, cuja execução se encontre pendente, só se aplicam ao período decorrido a partir da entrada em vigor da presente lei.”
No entanto, sobre a norma de direito transitório, a AT publicou o Ofício-Circulado nº 60 086, de 5 de março de 2012 que considerou que “nos processos de execução fiscal pendentes em que, até à data de 31/12/2011, já tenha decorrido o prazo máximo de 3 anos ou outro prazo máximo legalmente previsto, ao montante de juros apurado até àquela data (com a consideração do limite máximo, então em vigor) acrescerão juros de mora, contados desde 01/01/2012 (data de entrada em vigor das alterações da LOE) até à data de pagamento”.
Crê, no entanto, o Requerente que a posição sufragada pela AT, e aplicada no caso, não encontra um mínimo de correspondência verbal com o disposto no artigo 151.º, n.º 4, da LOE 2012, pelo que tal entendimento é ilegal, desde logo, por violação do princípio da legalidade fiscal, na medida em que a AT acaba por, através do Ofício-Circulado, vir defender uma “interpretação” sem qualquer adesão à letra e espírito da lei, que vai muito para além do disposto na norma em análise;
“… ainda que assim não fosse, e se pudesse concluir que o artigo 151.º, n.º 4, da LOE 2012 comportava tal “interpretação”, sempre haveria de concluir pela inconstitucionalidade material inultrapassável dessa norma, e, bem assim, do artigo 44.º, n.º 2, da LGT, na interpretação normativa assim conferida à redação que lhe foi dada pelo LOE 2012”, pelo mencionado Ofício-Circulado.
Primeiramente por violação do princípio da legalidade fiscal porque “Esses atos, em que avultam as "circulares", emanam do poder de auto-organização e do poder hierárquico da Administração. Contêm ordens genéricas de serviço e é por isso e só no respetivo âmbito subjetivo (da relação hierárquica) que têm observância assegurada. Incorporam diretrizes de ação futura, transmitidas por escrito a todos os subalternos da autoridade administrativa que as emitiu. São modos de decisão padronizada, assumidos para racionalizar e simplificar o funcionamento dos serviços. Embora indiretamente possam proteger a segurança jurídica dos contribuintes e assegurar igualdade de tratamento mediante aplicação uniforme da lei, não regulam a matéria sobre que versam em confronto com estes, nem constituem regra de decisão para os tribunais”.
Mais afirma o Requerente que o entendimento quer doutrinal quer jurisprudencial exposto sobre o valor normativo das circulares foi acolhido na jurisprudência do próprio Tribunal Constitucional quando disse que “Embora indiretamente possam proteger a segurança jurídica dos contribuintes e assegurar igualdade de tratamento mediante aplicação uniforme da lei, não regulam a matéria sobre que versam em confronto com estes, nem constituem regra de decisão para os tribunais”.
Assim sendo, é manifesto que, quer se considere o respetivo conteúdo, quer se contemplem os efeitos que a AT dela pretende extrair, não pode senão considerar-se ilegal a pretensão do Ofício-Circulado, por manifesta violação do princípio da legalidade fiscal, ínsito nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, al. i), da CRP,
Impondo-se, portanto, a anulação parcial da liquidação de juros moratórios pagos no âmbito do Processo Executivo
Alega ainda o Requerente que a nova redação do art.º 44º, nº 2 da LGT enferma de inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça.
Primeiramente, conforme já se aludiu, na redação do artigo 44.º, n.º 2, da LGT, introduzida pelo artigo 149.º da LOE 2012, não são aplicáveis quaisquer limites temporais ao cômputo de juros moratórios, que serão devidos “até à data do pagamento da dívida”.
Contudo, não é esse o regime contido no artigo 4.º do RJMDEOEP
Confrontado o disposto no artigo 44.º, n.º 2, da LGT, com o preceituado no artigo 4.º do RJMDEOEP, verificamos que neste último é estabelecido um limite máximo de cinco anos para a liquidação de juros de mora relativos a uma dívida ao Estado ou outras pessoas coletivas públicas, enquanto, no caso das dívidas tributárias, cujos juros de mora são calculados nos termos do artigo 44.º, n.º 2, da LGT, não é estabelecido qualquer limite temporal para o período de contagem e liquidação dos mesmos.
O que coloca o contribuinte em condições desfavoráveis injustificáveis por comparação com os demais devedores do Estado.
Donde, resulta claro que não existe qualquer razão que fundamente a diferença de tratamento que é dado ao sujeito passivo de um imposto, taxa ou contribuição financeira, face ao devedor de receitas públicas de outra natureza, sendo o tratamento diferenciado e mais desfavorável proporcionado ao primeiro uma situação evidente em que se é conferido tratamento distinto a sujeitos que se encontram em situações materialmente iguais.
E assim sendo, como não pode deixar de ser, identifica o Requerente uma violação clara do princípio da igualdade, constante do artigo 13.º da CRP, que inquina a liquidação de juros moratórios efetuada ao Requerente, devendo a mesma ser anulada, para todos os devidos efeitos legais.
Por outro lado, há uma manifesta violação do princípio da proporcionalidade porque o objetivo de arrecadação de receita com o aumento do valor a liquidar em juros de mora aportado pela aplicação da alteração do art.º 44º da LGT, porque “…através do “não prazo” de cômputo de juros moratórios, inserido no artigo 44.º, n.º 2, da LGT, pela LOE 2012, os sujeitos passivos como o aqui Requerente acabem por ser penalizados pela morosidade da justiça tributária, única e exclusivamente por lançarem legitimamente mão da possibilidade de suspenderem o processo executivo de cobrança coerciva mediante a prestação de garantias”;
Por outro lado, ainda, “… Haverá que convir que, mesmo no quadro do atual excesso de pendências nos tribunais tributários, não é razoável, nem era expectável em 2010 (aquando da apresentação da Impugnação), que o processo permanecesse, na mesma fase, por mais de oito anos”.
“Conclui o Requerente que o artigo 44.º, n.º 2, da LGT, na redação introduzida pelo artigo 149.º da LOE 2012, é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 18.º e 266.º da CRP, na medida em que impõe ao Requerente a obrigação de pagamento de juros de mora por um período desmesuradamente longo, colocando sobre o sujeito passivo o ónus da (falta de) celeridade da resolução do litígio o que, em grande parte e em particular no presente caso, em nada depende da sua atuação”.
Adicionalmente, entende o Requerente quanto ao art.º 44º, nº2, da LGT verificar-se “a inconstitucionalidade por violação dos princípios do Estado de Direito Democrático, da segurança jurídica e da proteção da confiança e da proibição da retroatividade da lei fiscal”.
“…no caso vertente, o que sucede é que a alteração legislativa introduzida através da LOE 2012, com entrada em vigor em 1 de janeiro de 2012, vem projetar os seus efeitos sobre situações jurídicas transatas, i.e., sobre realidades findas, completas”.
A AT, através do Ofício-Circulado, vem defender o entendimento de que, mesmo nos Processos Executivos em que já houvesse decorrido o período de 3 (três) anos previsto na anterior versão do artigo 44.º, n.º 2, da LGT, haveria de “reiniciar” o cômputo de juros moratórios, desde 1 de janeiro de 2012 e até à data do pagamento efetivo da dívida tributária”;
“…, é evidente que, ao fazê-lo, a AT veio “reabrir” uma situação jurídica que já tinha produzido todos os seus efeitos na vigência da lei anterior: veio reiniciar a contagem de juros moratórios, quando tal já se encontrava legalmente vedado, ao abrigo do disposto na anterior versão do preceito.
O que, no entender do Requerente, consubstancia uma clara violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, o que, de igual modo, redundará na violação das suas expetativas juridicamente tutelada.
”Quando, em 1 de janeiro de 2012, entrou em vigor a LOE 2012, alterando o artigo 44.º, n.º 2, da LGT, já se havia consolidado na esfera jurídica do ora Requerente o direito a não pagar mais juros moratórios do que aqueles que haviam corrido até 1 de janeiro de 2007, tendo não apenas o próprio decurso do prazo de 3 (três) anos integralmente iniciado e findo num período, ainda mais longo, durante o qual o regime determinava ser esse o prazo máximo de contagem dos juros, como o facto de após a conclusão do mesmo mais 5 (cinco) anos terem transcorrido sem qualquer alteração a tal normativo, gerado naturalmente a mais que legítima expectativa de que a sua obrigação tributária, no que aos juros moratórios respeita, se encontrava delimitada ao referido período de 3 (três) anos por decurso do tempo.
Para que pudesse vingar tal entendimento, haveria que admitir que já desde 2007 se pudesse antecipar que tal alteração viria a ser introduzida em 2012, ... ou que, uma vez divulgada a proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2012, os sujeitos passivos atingidos ainda pudessem alterar o seu comportamento…”
Na realidade, a lei estabelecia muito claramente uma renúncia voluntária, por parte do Estado, à continuação da contagem dos juros para lá do prazo máximo de 3 (três) anos, não sendo lícito que, depois de cristalizada tal renúncia e desonerado o devedor que na mesma confiou, baseando-se nos respetivos efeitos jurídicos para tomar a sua decisão entre duas alternativas legítimas – pagamento ou prestação de garantia –, o Estado “mude de ideias” retroativamente, interferindo não apenas com situações que se encontravam ainda em curso, e por esse facto ainda não estabilizadas, mas também com aquelas que já se haviam completado e encerrado integralmente.
É, pois, no cotejo da alteração legislativa em apreço com os factos subjacentes ao caso concreto que se torna evidente, senão gritante, a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 44.º, n.º 2, da LGT, e 151.º, n.º 4, da LOE 2012, na interpretação e aplicação que deles fez a AT.
Por outras palavras: tendo sido consolidada a situação jurídica do sujeito passivo, não pode vir posteriormente uma lei “reabrir” os seus efeitos, pois tal seria uma violação clara das garantias de segurança jurídica e da proteção da confiança dos contribuintes, tal como se encontra prevista, ainda, nos artigos 55.º da LGT e 268.º da CRP.
Pelo exposto, solicita “… a anulação parcial da liquidação de juros moratórios, por manifesta inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 44.º, n.º 2, da LGT e artigo 151.º, n.º 4, da LOE 2012, na interpretação avançada pela AT, também por manifesta violação dos princípios do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da CRP), da proteção da confiança e da segurança jurídica (artigos 2.º e 266.º, n.º 1 e 2, da CRP) e da não retroatividade da lei fiscal (artigo 103.º, n.º 3, da CRP)”.
Complementarmente alega ainda o Requerente “a inconstitucionalidade por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva” da norma resultante da alteração do artº 42º, nº 2 da LGT uma vez que a vingar o entendimento sufragado pela AT – o que apenas por cautela e benefício de raciocínio se concebe, sem conceder –, existe indubitavelmente um desincentivo para o contribuinte que decide contestar a dívida tributária opte pela faculdade, que lhe é legalmente concedida, de prestar uma garantia idónea para suspensão de um processo executivo porque tal o coloca na iminência de vir a suportar uma quantia desmesuradamente mais elevada, apenas e só, por ter exercido o seu direito de ação, contestando a dívida tributária num momento em que a Lei lhe garantia que apenas seria responsável pelo pagamento de juros moratórios apurados num período máximo de três anos, com a agravante de uma mora processual, inteiramente alheia à sua responsabilidade e ao seu controlo, se traduzir direta e proporcionalmente no agravamento da lesão patrimonial suportada.
E se assim é, por maioria de razão não pode deixar de chocar que, por via da interpretação referida, a Fazenda Pública passe a beneficiar de um incentivo perverso à dilação e perpetuação dos litígios, fazendo com que a observância do princípio da tutela jurisdicional efetiva se perfilhe como um entrave à arrecadação de receita, circunstância que, em suma, demonstra que tal interpretação normativa consubstancia uma patente violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, nos termos expostos,
determinando a inconstitucionalidade das normas invocadas. Pede ainda o Requerente a condenação da Autoridade Tributária anulação das liquidações e no reembolso das importâncias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios tendo em conta que se verifica erro na liquidação imputável aos Serviços, o que se dá por adquirido uma vez que isso “… fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte”.
***
Foi a Autoridade Tributária notificada para, de conformidade com o artº 17º do RJAT, responder quanto ao pedido de pronúncia arbitral apresentado, o que fez, suscitando na sua Resposta, primeiramente, a exceção de incompetência do Tribunal para apreciar a legalidade de atos praticados no processo de execução fiscal, como sejam os valores juros de mora liquidados, e, por impugnação, pretende o indeferimento do pedido quanto à restante matéria, com a seguinte fundamentação:
“…..A pretensão da Requerente não está abrangida pelo âmbito material de competências dos tribunais arbitrais, conforme resulta do nº 1 do art. 2º do RJAT.
Na verdade, o Tribunal Arbitral constituído sob a égide do CAAD não está investido de competência para apreciar a legalidade dos atos praticados pelo órgão de execução fiscal no âmbito dos processos de execução fiscal;
Assim sendo, verifica-se, quanto a esta matéria a exceção dilatória de incompetência do tribunal arbitral que impede o conhecimento da matéria relativa a atos praticados no processo de execução fiscal, devendo, consequentemente, a AT ser absolvida da instância.
Entende a AT, quanto à restante matéria do pedido de pronúncia arbitral que o pedido deve improceder na totalidade porque:
Quanto à “preterição do direito de audição prévia no recurso hierárquico” - importa salientar que eventuais vícios ocorridos nos procedimentos instaurados contra as liquidações de imposto não são suscetíveis de afetar a legalidade do ato de liquidação pelo simples facto de lhe serem posteriores;
Ou seja, a legalidade do ato de liquidação não é suscetível de ser afetado por qualquer ilegalidade praticada em momento posterior, no caso no âmbito do contencioso administrativo a que haja lugar; e por outro lado, o direito de audição prévia destina-se a acautelar a participação do contribuinte nas decisões que lhe digam respeito, sendo expressamente dispensado quando o contribuinte já participou em momento prévio e não se verifiquem factos novos que justifiquem de novo a sua participação.
Quanto ao vício de “Violação do princípio da imparcialidade e da transparência nos procedimentos de reclamação graciosa e recurso hierárquico”, entende a Requerida remeter para as considerações que teceu sobre a preterição do exercício do direito de audição prévia, isto é, “a legalidade do ato de liquidação não é suscetível de ser afetado por qualquer ilegalidade praticada em momento posterior, no caso no âmbito do contencioso administrativo a que haja lugar”.
Sobre o custo de 4 589,96€, percebe-se que a Requerida admite como válida a prova do custo apresentada em sede de impugnação judicial quando diz: “tê-lo-á feito já na impugnação judicial apresentada a final, através da junção do documento nº 10”.
Alega, ainda assim, que estranha o facto de nos procedimentos que tiveram lugar n esfera da AT antes da impugnação judicial – reclamação graciosa ou recurso hierárquico – não ter conseguido obter o documento que mais tarde juntou ao processo.
Quanto aos “custos não imputados a sucursal financeira exterior- 4 897,00€ discorda da apreciação do Requerente sobre a discricionariedade dos critérios em que assentou a decisão de imputar à sucursal aquele valor, louvando-se nas justificações que o Serviço de Inspeção teceu sobre o assunto, para aí remetendo a sua fundamentação;
Considerações de idêntico teor teceu a Requerida sobre a alegada ilegalidade atinente à taxa aplicável em sede de tributação autónoma aplicada sobre a despesa de 4 589,96€.
Entende ser de manter a taxa de 70% e não 50% com os mesmos fundamentos que foram expressos no Relatório do SI, que, por sua vez, nada refere sobre o assunto, limitando-se a informar que “procedemos à tributação autónoma à taxa de 70%, no montante de …” e que “procede-se também à alteração do montante de tributação autónoma, nos termos do nº 2 do artº 81º do CIRC, que passou para 56 428,26 (70€*80 611,80)” e ainda que “Na sequência do direito de audição o Banco apresentou justificativos…pelo que a tributação autónoma, passou, neste ponto de 270 491,21€, para 52 428,26€”.
Mais considera a Requerida que em caso de procedência do pedido, não são devidos juros indemnizatórios por não estarem preenchidos os respetivos pressupostos legais consignados no artº 43º da LGT.
Por seu lado, sem conceder, entende que a responsabilidade pelas eventuais custas será sempre da Requerente porque foi quem deu causa à ação ao não efetuar a prova que lhe incumbia no âmbito da ação inspetiva e, posteriormente, nos procedimentos de contencioso administrativo.
b) Da apreciação do pedido
1) Exceção dilatória
Incorpora o Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral a pretensão de que o Tribunal sindique a legalidade da liquidação de juros de mora liquidados em sede do processo de execução fiscal instaurado por falta de pagamento da liquidação impugnada dentro do prazo estabelecido para o pagamento voluntário.
Concretizando, a ilegalidade é apontada ao facto de no pagamento integral do referido processo terem sido liquidados juros de mora por todo o período desde o termo do prazo de pagamento voluntário, até à data do integral pagamento quando, em seu entender, e da leitura que faz do artº 44º na redação à data da instauração da execução, o período máximo de contagem de juros era de 3 anos.
Por esse motivo, tendo a AT liquidado aqueles juros com base no entendimento que resulta do Ofício-Circulado nº 60 086, de 5/03, da AT, e que fixa o regime de liquidação dos juros de mora após a alteração daquele citado artº 44º pela Lei-64-B/2011-Orçamento para 2012, ou seja por todo o período que decorreu desde o fim do prazo para pagamento voluntário, e uma vez que só na fase judicial lhe é possível invocar tal ilegalidade, pretende que o tribunal arbitral declare a anulação da liquidação de juros de mora por inconstitucionalidades diversas da norma constante do artº 44º, nº 2 da LGT, na redação que lhe foi dada pela LOE 2012.
Na sua resposta a AT suscitou a exceção de incompetência material dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD, tendo em conta o âmbito material de competências dos tribunais arbitrais que resultam do nº 1 do artº 2º do RJAT.
Notificado da Reposta, veio de imediato o Requerente contra-alegar que “os juros moratórios pagos pelo Requerente – liquidados e cobrados no âmbito do processo de execução fiscal – não são mais do que uma mera decorrência do ato de liquidação adicional de IRC mediatamente impugnado, não deixando, ainda assim, de configurar um verdadeiro ato de liquidação de juros de mora – que, como é consabido, integram a dívida tributária – sindicável em sede arbitral”.
Considerou ainda que a natureza desse ato de liquidação de juros de mora não se altera pelo facto de o mesmo ter sido emitido no âmbito de um processo de execução fiscal ou fora dele tratando-se, ainda assim, de um ato de liquidação praticado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) abrangido pela competência material dos tribunais arbitrais, conforme disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAMT.
Salvo melhor entendimento, há que dar razão à Autoridade Tributária.
A competência dos tribunais constituídos junto do CAAD foi fixada através do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) que no seu artº 2º do RJAT prevê: “1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
2 – Os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade.
Por outro lado, os serviços da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (atualmente Autoridade Tributária e Aduaneira), através do artº 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 20-04, ficaram vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, nos termos do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15-12, cujo âmbito é:
Artº 2º Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.
O âmbito material da arbitragem tributária estabelecido na alínea a) do nº 1 do RJAT corresponde ao que se encontra previsto no nº 1, alínea a) do artº 97º do CPPT que, compreende também “a impugnação da liquidação de tributos, incluindo parafiscais e os atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta”.
Do que resulta claro é que a competência dos tribunais arbitrais é taxativa pelo que os mesmos são competentes para decidir somente as ilegalidades de que enfermam aos atos referidos.
O pedido formulado pelo Requerente respeita à liquidação de juros de mora efetuada no âmbito do processo de execução fiscal, que tem natureza judicial - artº 103º da LGT, com perfeita autonomia do processo de liquidação de IRC, com tramitação própria, inclusive quanto à possibilidade de reclamação ou recurso judicial de atos nele praticados.
Isto é, o ato de liquidação de juros de mora, que pode compreender, naturalmente, ilegalidade por erro na aplicação da taxa, como poderá ser o caso do pedido, ocorre além da liquidação, sem prejuízo de poder vir a beneficiar de anulação dos respetivos montantes pagos por via da anulação da liquidação que deu aso à instauração do processo respetivo.
Os atos de liquidação de juros de mora e custas em processo de execução fiscal não são nenhuma das categorias indicadas nas normas citadas, pelo que este Tribunal Arbitral não é competente para apreciar a sua legalidade, com já decidiram, entre outros, nos Ac. 525/2016-T; 29972017-T; Ac. 240/2020-T, do CAAD.
Salvo melhor entendimento, será a procedência do pedido de anulação do tributo que poderá arretar consigo, na execução da decisão por força do artº 24º do TJAT, a restituição dos juros pagos, em conjunto com todas as outras quantias indevidamente despendidas, fim último visado pelo pedido formulado neste processo arbitral.
Concluindo, entende-se que este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido nesta parte, em conformidade com os artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito do pedido, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aplicável por força do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, dando lugar à absolvição da AT da instância.
Assim sendo, procede a exceção dilatória invocada, ficando, assim, prejudicada a apreciação dos fundamentos por inconstitucionalidade da liquidação levada a cabo no processo de execução fiscal.
2) Do mérito do pedido
a) Vícios de natureza procedimental: preterição de formalidades essenciais e ilegalidade por violação dos princípios constitucionais da boa-fé e imparcialidade nas relações entre particulares e Administração Pública
O Requerente imputa à decisão de indeferimento tomada no recurso hierárquico ilegalidades da decisão por preterição de formalidades essenciais que se prendem com a falta de notificação para o exercício do direito de audição antes da decisão, em violação do que determina o artº 60º da Lei Geral Tributária, e ainda por violação dos princípios constitucionais da boa-fé e da imparcialidade nas relações entre os particulares e a Administração Pública (artº 55º da LGT).
Como vem sendo assente pela jurisprudência, os vícios de forma imputados a atos de segundo grau no procedimento, como é o caso do recurso hierárquico, podem constituir fundamento para a sua própria ilegalidade, mas dela não decorre a ilegalidade das liquidações que constituem o seu objeto (vide Ac. 278/2019-T do CAAD).
Seguindo a mesma decisão, “as irregularidades de natureza formal e procedimental, designadamente as praticadas durante o procedimento de liquidação de tributos, podem repercutir-se nestes atos de liquidação, afetando a sua validade, por estes atos de liquidação serem posteriores à ocorrência do vício e terem como pressuposto os atos procedimentais anteriores.
Mas, a ilegalidade de um ato não pode resultar supervenientemente da eventual ilegalidade formal de atos posteriores, como é o caso da decisão da reclamação graciosa em relação ao ato de liquidação.
As irregularidades de atos posteriores à prática dos atos de liquidação não podem afetar a sua validade, pois aqueles atos mantêm o conteúdo que têm, legal ou ilegal, independentemente de irregularidades posteriores.
Assim, por natureza, as ilegalidades formais e procedimentais repercutem-se nos atos posteriores a elas terem sido cometidas, mas não nos atos anteriores.
Sendo assim, não tem relevância invalidante dos atos de liquidação impugnados a alegada violação de princípios procedimentais durante o procedimento de reclamação graciosa.
Na verdade, a eventual violação de princípios procedimentais no procedimento de reclamação graciosa apenas poderia conduzir, a verificar-se, à anulação da sua decisão, que, podendo ser relevante para outros efeitos, nunca poderia justificar a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação aí impugnados.
Assim, é de concluir que, independentemente da solução que se desse à questão do vício procedimental, o pedido de pronúncia arbitral não poderia ser julgado procedente com fundamento nele”.
O mesmo se diga no que respeita à violação do princípio da boa-fé e da imparcialidade.
No caso concreto dos autos parece, ainda, não haver correspondência entre a matéria dada como provada através da documentação junta pelo próprio Requerente e a alegada cumulação de decisões pelos mesmos intervenientes nas decisões.
A ser assim, como resulta provado pelo doc.2 e doc. 5, não estaria verificada a ilegalidade por violação do princípio da boa-fé e da imparcialidade imputada à decisão do recurso hierárquico já que foram decisores e órgãos distintos da AT os que intervieram na reclamação graciosa e no recurso hierárquico: por um lado, a Direção de Finanças no caso da reclamação graciosa e a Direção de Serviços do IRC no caso do recurso hierárquico, sendo certo que ambos decidiram no uso de poderes delegados ou subdelegados.
De todo o modo, a configurar-se como verificada a ilegalidade invocada, seremos forçados a considerar aqui o que ficou dito sobre a ilegalidade por violação do artº 60º da LGT.
Tratando-se de uma ilegalidade de natureza formal imputada a um ato posterior ao da liquidação, essa ilegalidade não pode repercutir-se no ato anterior de liquidação, não tendo por isso a virtualidade de invalidar o ato de liquidação impugnado.
Pelo exposto, tem de se concluir que improcede o pedido de anulação da liquidação com fundamento nos vícios procedimentais referidos.
b) Correção relativa a custos com pessoal não aceites (despesas não documentadas) no valor de 4 589,96€
No âmbito do procedimento de inspeção não foi aceite como custo o montante de 4 589,96€ tendo em conta que, apesar das notificações efetuadas o Requerente não apresentou à AT qualquer documento comprovativo da natureza do valor contabilizado, nem posteriormente na reclamação graciosa nem no recurso hierárquico.
Atenta a falta de prova, o valor não foi considerado como custo fiscal e foi considerado como despesa não documentada/despesa confidencial pelo que sofreu a liquidação de uma tributação autónoma à taxa agravada de 70%.
Com a interposição da impugnação judicial que antecedeu este procedimento arbitral, o requerente logrou apresentar uma fatura comprovativa da entidade que prestou o serviço, a discriminação e natureza do mesmo, que no caso se refere a aquisição de material no âmbito do fundo de pensões do banco.
Por este motivo, o documento é idóneo para documentar que o custo é enquadrável na previsão do artº 23º do CIRC, cessando a sua condição de despesa contabilizada, mas não documentada.
A Requerida, admitindo que o documento é suscetível de comprovar que se trata de custos com pessoal, e não suscitando qualquer impedimento à sua aceitação, aflora apenas a questão de que a atuação dos Serviços não incluía o dever anteriormente invocado de que competia à AT a obtenção desse documento, para concluir que o atraso na junção do documento retira à AT a responsabilidade pelas custas por a existência da ação ser imputável à atuação do Requerente.
Efetivamente, analisando o Doc 10 resulta provado que documenta de uma transação de bens enquadrável como custo fiscal em sede de IRC pelo que não se pode considerar a despesa que ele expressa como sendo uma despesa indocumentada e muito menos uma despesa confidencial uma vez que estão devidamente identificadas as partes e a fatura preenche todos os requisitos para ser considerada idónea quer no âmbito do Código do IVA quer no âmbito do CIRC.
Deste modo não lhe pode ser aplicável o regime da tributação autónoma previsto no artº 81º, nº 2 do CIRC, à época, para as despesas indocumentadas
Põe-se a questão de considerar ou não atempada a prova produzida com esse documento, tendo em conta que ainda por cima há algumas incorreções nos respetivos lançamentos contabilísticos.
A prova dos direitos que se pretendem provar em sede judicial pode ser apresentada até ao encerramento da fase de instrução (artº 108º do CPPT, subsidiariamente aplicável) devendo a mesma ser dada a conhecer à outra parte em obediência ao princípio do contraditório que vigora no regime processual.
Neste caso, a prova foi junta com a petição inicial na impugnação apresentada no Tribunal Tributário, isto é, antes da fase de encerramento da instrução, mas depois do ato de liquidação, sendo imputável ao Requerente o atraso.
Portanto, mesmo apesar disso, nada obsta a que, ouvida que foi a Requerida quanto ao documento anexado e não tendo impugnado a respetiva validade, o Tribunal considere que o custo que o documento pretende provar é elegível em sede de custo fiscal, ficando afastadas, consequentemente, as razões que levaram ao se não reconhecimento em sede de IRC bem como a sua classificação como custo indocumentado/confidencial gerador da liquidação de tributação autónoma.
Procede, por isso, a pretensão do Requerente nesta sede, considerando verificado o vício na liquidação gerador de anulação.
c) Correção à matéria tributável relativa a custos alegadamente não imputados à sucursal financeira exterior da Zona Franca da Madeira no valor de € 4.897,39
A Autoridade Tributária imputou à sucursal financeira no exterior da Zona Franca da Madeira (ZFM) custos no montante de 4 897,39€ para efeitos de apuramento do lucro tributável sujeito ao regime de isenção de IRC.
Fundamenta-se esta imputação com o facto de se constatar que “A SFE, na sua contabilidade, não releva quaisquer registos nas contas “73-Custos c/Pessoal”, “74-Fornecimento de Serviços de Terceiros, “76-Impostos”, “77-Outros Custos e Prejuízos” e “Amortizações Financeiras”, correspondentes a custos diretos e indiretos”.
…Assim, atendendo ao universo dos custos de estrutura a imputar ao “OFF-SHORE”, este corresponderá à substância das contas “73” “74” e “78”, dado que correspondem a custos indispensáveis para a obtenção dos resultados sujeitos ao regime de isenção temporária (resultado do “OFF-SHORE”) e manutenção da fonte produtora, tudo isto, no seguimento do princípio consignado no artº 23º, do CIRC”
Quanto a esta matéria vem a impugnante alegar que não se pode aceitar o critério de imputação porquanto a correção assenta em critérios arbitrários e não justificados nem demonstrados.
Estabelecia à data o artº 33º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redação dada pelo Decreto-lei nº 198/2001, de 03/07, no se nº 17: que “As entidades a que se refere a alínea c) do n.º 1, que não exerçam em exclusivo a sua atividade nas zonas francas, devem organizar a contabilidade, de modo a permitir o apuramento dos resultados das operações realizadas no âmbito das zonas francas, para o que podem ser definidos procedimentos por portaria do Ministro das Finanças”.
Ou seja, na falta de contabilização de quaisquer custos de estrutura na contabilidade da sucursal financeira, e dado que a mesma funcionou em regime de normalidade, é perfeitamente admissível que possam ser imputados à ZFM os custos inerentes ao seu funcionamento, o que não aconteceu, pelo que “na falta de relevância contabilística dos custos de estrutura, nos termos do artº 17º do CIRC, inerentes à atividade que produziu os “resultados” imputados à SFE (em princípio abrangidos pela isenção do artº 33º do EBF) e não tendo o Banco efetuado qualquer imputação por esta apresentar prejuízo (atendendo ao critério utilizado-percentagem sobre o lucro) e não tendo o banco efetuado qualquer imputação de custos de estrutura com base no critério, que entendemos mais adequado à realidade do Banco, designadamente margem financeira, a qual representa 0,024% da margem financeira da atividade global”.
Resultou provado que a AT fundamentou a imputação com base no artº 23º do CIRC para a repartição de custos, mas o Requerente alega que o regime aplicável deveria antes ser o regime legal aplicável às correções que devam ser efetuadas nos casos de contribuintes sujeitos a vários regimes de tributação, ou seja, o dos artº 57º e 58º do CIRC, na redação à data.
O Requerente é uma instituição financeira que exerce atividade sujeita e atividade isenta de IRC para a qual dispõe de uma sucursal financeira exterior, devendo, portanto, ser considerado como incluído no regime legal do nº 3 do artº 57º do CIRC, isto é, serão aplicáveis às eventuais correções necessárias para a determinação do lucro tributável as regras utilizadas para as correções fundamentadas na existência de situações de relações especiais.
O regime aplicável a este tipo de sujeitos passivos está vertido no artº 77º da LGT que contém um conjunto de regras muito restritivo quanto à fundamentação da necessidade de correção.
Com se observa na documentação junta ao processo a AT não fundamentou a correção da matéria coletável nas normas aplicáveis ao sujeito passivo que exerce atividade tributadas pelo regime geral e atividades isentas, pelo que, como diz o Ac. do STA nº 26362, de 14/11/2001, citado pelo Requerente“ VI- À face dos n.ºs 1 e 3 do art. 57.º do C.I.R.C., a utilização de um critério de repartição de custos entre uma instituição financeira e a sua sucursal financeira exterior baseado na percentagem que os proveitos gerados pela sucursal financeira exterior representaram nos proveitos globais da instituição apenas seria adequado se se demonstrasse que, entre entidades independentes, se efetuaria, normalmente, uma repartição de custos baseada na proporção em que cada uma delas proporcionou os proveitos comuns.”
Mas, como alega o impugnante, a AT não se louvou nos normativos especiais aplicáveis a este tipo de correções pelo que a correção de 4 897,39€ atinente a custos imputados à sucursal financeira exterior, mas antes nas regras gerais constantes do 23º do CIRC, nem conseguiu provar que entre dois contribuintes independentes se efetuaria uma repartição de custos baseada na proporção dos proveitos, pelo que a correção enferma do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.
d) Correção relativa a tributação autónoma
A inaplicabilidade de tributação autónoma a despesas incorretamente qualificadas como não documentadas – custos com pessoal (€ 3.212,97)
A análise deste pedido encontra-se de certa maneira prejudicada na medida em que tendo sido reconhecida a legalidade do custo anteriormente dado como não documentado, automaticamente deixa o respetivo montante de estar incluído na regra de incidência da tributação autónoma prevista no artº 81º do CIRC à data dos factos, seja por que taxa for.
Deste modo, o reconhecimento de que o custo é elegível e enquadrável no artº 23º do CIRC gera uma anulação automática decorrente da anulação da decisão que considerou aquele valor como sendo um custo indocumentado, sendo, naturalmente, inútil a análise das alegações sobre qual das taxas deveria ser considerada no caso concreto porque no caso não pode existir tributação autónoma por não enquadramento no citado artº 81º do CIRC.
Nesta conformidade procede o pedido de anulação na totalidade.
A incorreta aplicação da taxa de tributação autónoma de 70% ao caso concreto do Requerente (€ 3.588,12)
Discorda ainda o impugnante da liquidação corretiva de tributação autónoma, à taxa de 70%, que incidiu sobre determinados custos enquadráveis no artº 81º do CIRC, por a AT ter considerado que se trata de um sujeito passivo parcialmente isento.
Alega complementarmente que a decisão não está suportada em qualquer fundamento credível e que, mesmo o que existe, foi produzido a posteriori, e viola o disposto no nº 2 do artº 81º, nº 2 do CIRC.
Para a correção da taxa aplicável de 50% para 70%, o que se depreende da dita fundamentação a posteriori, é que AT considera o impugnante incluído no nº 2 do artº 81º “2 — A taxa referida no número anterior é elevada para 70 % nos casos em que tais despesas sejam efetuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola e ainda por sujeitos passivos que aufiram rendimentos enquadráveis no artigo 7.º”.
A discordância com a AT tem que ver essencialmente com a interpretação que faz do que está previsto no artº 33º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Para o Requerente, enquanto o artº 81º toma em consideração “a específica natureza da entidade em causa - como sucede nas isenções previstas no artº 9º do CIRC- ou o fim de interesse social que as respetivas entidades prosseguem- como é o caso das isenções do artº 10º do CIRC”, o artº 33º do EBF isenta rendimentos ou atividades, isto é, tem um caráter temporário que nada tem a ver com a natureza do sujeito passivo no sentido referido, mas antes com a atividade objetivamente considerada.
Em seu entender a “… AT confunde as isenções objetivas (de rendimentos) com as isenções subjetivas, colocando-as todas num mesmo enquadramento, para efeitos de tributação autónoma, …”.
O que está em causa, portanto, é a definição da taxa aplicável aos montantes sujeitos a tributação autónoma, se 50% como entende o Requerente ou se 70% como considerou a AT na sua liquidação.
Logo da epígrafe do Capítulo IV-Benefícios às Zonas Francas, do EBF, resulta objetivamente claro que se trata de um regime jurídico de benefícios, neste caso do artº 33º, às atividades desenvolvidas na Zona Franca da Madeira.
Depois, no nº 1, estabeleceu-se, na redação à data, que o benefício era temporário, pois vigorava até 31/12/2011;
Seguidamente a lei clarifica que a isenção será conferida às entidades elencadas quanto aos rendimentos de determinadas atividades, ou seja, não há nenhuma relevância de especial quanto à natureza jurídico-fiscal da entidade, salvo as que respeitam à idoneidade ou capacidade para poder desenvolver essas atividades.
Não é relevante, por isso, a natureza jurídica do sujeito passivo que tenha que ver com as isenções subjetivas previstas no CIRC, sendo relevante, antes, a atribuição de isenção ao rendimento.
Nesta conformidade, como vem sendo entendimento da doutrina, o artº 81º, nº 2 do CIRC não é aplicável às entidades abrangidas pelo artº 33º do EBF porque, por um lado, a aplicabilidade daquele regime tem que ver com isenções ligadas à natureza do sujeito, isto é, das pessoas coletivas ou equiparadas referidas no capítulo das isenções subjetivas do CIRC ou as que não exerçam a título principal atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, e não com a isenção conferida ao rendimento das atividades elencadas no artº 33º do EBF. Releva a qualidade de sujeito passivo e não a qualidade ou natureza do rendimento.
Assim, a melhor interpretação dos preceitos citados é a que permite concluir que às entidades abrangidas pelo artº 33º do EBF será aplicável a taxa de 50% prevista no nº1 do artº 88º do CIRC, pelo que se considera verificado o alegado vício de violação de lei, que tem como consequência anulação parcial da liquidação impugnada nos termos requeridos.
e) Do direito a Juros indemnizatórios e reembolso das quantias pagas
Vem ainda o Requerente solicitar o reembolso das quantias pagas acrescidas de juros indemnizatórios que em seu entender são devidos por se achar verificada a previsão do artº 43º da LGT.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artº 43º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
Nos casos dos atos impugnados e atrás considerados violadores da lei, é manifesto que a ilegalidade é imputável à AT, que, por sua iniciativa, praticou as correções sem suporte legal e aplicou as tributações autónomas anuladas.
Assim não sucede, todavia, no que respeita à liquidação referente ao custo com pessoal de 4 589,96€ que foi adicionado, uma vez que o erro na liquidação resulta da intempestiva apresentação do documento comprovativo desse mesmo custo que havia sido adicionado e que, o tribunal, por força da prova feita no processo, considerou relevante para ser levado em conta para efeitos da liquidação de IRC e de tributação autónoma que daí resultou no valor de 3 219,97€.
Por isso, não pode ser imputada à Requerida a culpa na liquidação por desconsideração daqueles custos, nem sobre a tributação autónoma que sobre ele incidiu, pelo que, nesta parte, tem que improceder o pedido de pagamento de juros indemnizatórios por não se acharem verificados os requisitos da lei.
Assim serão devidos juros pela parte restante dos valores anulados e que foram antecipadamente pagos.
Os juros indemnizatórios são calculados nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e contados desde a data do pagamento (08-11-2019) até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
f) Matéria com conhecimento prejudicado
Com é percetível do nº 18 da PI, o requerente elencou as ilegalidades que imputa à liquidação e que, constituem o objeto do processo, a saber: a) A correção à matéria coletável relativa a custos com pessoal considerados não documentados, no valor de € 4.589,96; b) A correção à matéria coletável relativa a custos com fornecimentos e serviços de terceiros, no valor de € 19.696,28; c) A correção à matéria coletável relativa a custos não imputados a sucursal financeira exterior, no valor de € 4.897,39; d) A correção de imposto no valor de € 6.801,09, relativa a tributação autónoma.
Em matéria separada da PI o Requerente alegou adicionalmente a sindicância da “A ilegalidade da liquidação de juros moratórios no âmbito do Processo Executivo: a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 44.º, n.º 2, da LGT, na redação que lhe foi dada pela LOE 2012”, em relação à qual a Requerida suscitou a verificação de incompetência material do Tribunal em razão da matéria, ao que foi dado provimento.
Sucede que embora tenha sido enunciada no artigo 18 da PI uma eventual ilegalidade da correção da matéria coletável relativa a custos com fornecimento e serviços de terceiros, no valor de 19 696,28€, o Requerente não voltou a referir ao longo da petição esta pretendida ilegalidade, nem fundamentou o pedido nem em termos de facto nem em termos de direito, nem formulou qualquer outra pretensão em relação a esse montante.
Os poderes do tribunal são, em regra, delimitados pelos factos alegados, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso, pelo que o Tribunal se abstém de se pronunciar sobre a ilegalidade referida, ficando, por isso, prejudicado o respetivo conhecimento.
g) Da responsabilidade pelas custas
Suscitou a Requerida a questão de, em caso de procedência do pedido de anulação da liquidação no que respeita ao custo constante do Doc. 10 – 4 589,96€, bem como da quantia de tributação autónoma liquidada no montante de 3 219,97€ em função desse mesmo facto, não lhe serem imputadas custas sobre esse valor tendo em conta que foi o Requerente quem deu causa a ação.
Na verdade, segundo a decisão tomada, procedeu o pedido de anulação parcial da liquidação de IRC nos termos requeridos por se ter considerada provado o custo, mas há que convir que a liquidação poderia ter sido evitada se a conduta do Requerente tivesse sido a de apresentar em tempo aquele mesmo documento comprovativo. Não foi isso que aconteceu e, por esse motivo, houve necessidade recorrer ao contencioso tributário, judicial e arbitral para obter o mesmo efeito.
Assim, tendo em conta que as custas são devidas pela parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (artº 527º do CPC e artº 122º, nº 2 do CPPT), procede nesta parte o pedido da AT porque apesar de ser parte vencida não foi a AT quem deu causa à ação, nessa parte.
IV - Decisão
Atento o anteriormente exposto, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à correção da matéria coletável relativa a custos com pessoal considerados não documentados, no valor de € 4.589,96, às correções da matéria coletável relativa a custos não imputados a sucursal financeira exterior, no valor de € 4.897,39 e à correção de imposto no valor de € 6.801,09, relativa a tributação autónoma;
b) Julgar procedente o pedido de anulação parcial da liquidação de IRC do exercício de 2001, na mesma medida e segundo o decidido;
c) Julgar procedente a exceção de incompetência material do tribunal arbitral para julgar a ilegalidade de liquidação de juros de mora em sede do processo de execução fiscal;
d) Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias anuladas;
e) Julgar parcialmente procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
V - Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 18.691,29.
VI - Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Assim, de acordo com o atrás exposto, os encargos com as custas serão suportados pela Requerente na percentagem de 52,33% e pela Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 47,67%.
Lisboa, 07 de junho de 2021
O Árbitro Singular
José Ramos Alexandre