Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 517/2020-T
Data da decisão: 2021-05-26  IRS  
Valor do pedido: € 20.730,84
Tema: IRS - Tributação de Mais-valias imobiliárias em IRS
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SUMÁRIO: Fiscalidade Direta. Tributação de Mais-valias imobiliárias em IRS obtidas por não residente europeu. Compatibilidade da opção prevista no artigo 72.º n.º 9 e 10 do CIRS com o artigo 63.º do TFUE.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Decisão Arbitral

 

                O Árbitro singular Doutor Vasco António Branco Guimarães, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 05-01-2021, decide o seguinte:

               

1. Relatório

 

A…, residente na …, …, …, contribuinte …, (doravante designada por “Requerente”), apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa com vista a anular a Demonstração de liquidação n.º 2018.... correspondente à Demonstração de acerto de contas n.º 2018.... emitidas em nome da Requerente bem como ordenar o reembolso pela Autoridade Tributária e Aduaneira no montante de Euro 20.730,84 (vinte mil setecentos e trinta euros e oitenta e quatro cêntimos) pago indevidamente pela Requerente a título de IRS no ano de 2015, com as devidas consequências legais, bem como ordenar o pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos nos termos dos artigos 43.º da LGT, 61.º do CPPT e 24.º n.º 5 do RJAT.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 09-10-2020.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular do tribunal arbitral o signatário que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 20-12-2020 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 05-01-2021.

Depois de notificada em 07.01.2021 a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em 10.02.2021 em que defendeu que os pedidos devem ser julgados improcedentes.

Por despacho de 25-04-2021, foi decidido dispensar reunião e alegações.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

 

A)           A Requerente, de nacionalidade portuguesa, era não residente à data da alienação por Euro 735.000,00 (setecentos e trinta e cinco mil euros) de um imóvel sito em Lisboa, Portugal, devidamente identificado nos autos;

B)           Após reclamação graciosa e correções oficiosas promovidas pela AT essa alienação do imóvel foi objeto de várias liquidações e correções sendo a última a que está identificada no pedido da Requerente já transcrito nesta decisão arbitral;

C)           O pedido da Requerente identifica a liquidação que pretende ver anulada;        

G)           A reclamação graciosa referida foi indeferida, nos termos que constam do documento junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

H)           A Requerente interpôs pedido de revisão oficiosa da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, nos termos que constam dos documentos junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

I)             O pedido de revisão oficiosa foi indeferido expressamente nos termos que constam de documento junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido.

J) A Autoridade Tributária e Aduaneira fundamenta a sua decisão de indeferimento no facto de ter havido uma alteração legislativa que permitiu que o SP pudesse optar por um de dois métodos de liquidação das mais-valias obtidas entendendo assim que não existe violação da lei europeia nomeadamente dos artigos 63.º e 18.º do TFUE.

 

 2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto.

 

Não existem outros factos relevantes sendo a questão exclusivamente de Direito e exige a aferição do comportamento da Requerida face aos princípios dos Tratados europeus nomeadamente o TFUE.

 

Os factos provados são de natureza substancial e processual e baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

 

3. Matéria de direito

 

A questão de mérito que é objecto deste processo é de saber se a Requerente tem ou não o direito a uma fórmula de cálculo da tributação mais-valia imobiliária obtida em Portugal que não estabeleça uma discriminação entre residente e não residente.

 

3.1. Posições das Partes

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

 

- A fórmula de cálculo em vigor em Portugal para tributar as mais-valias imobiliárias dos não residentes é discriminatória e viola os artigos 63.º e 18.º do TFUE;

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

 

– A alteração legal promovida na tributação das mais-valias imobiliárias dando ao contribuinte a possibilidade de escolher entre um de dois regimes elimina a alegada discriminação pelo que o pedido deverá improceder.

 

3.2. Apreciação da questão

 

3.2.1. O objecto do processo nos casos de impugnação de indeferimento de pedido de revisão oficiosa que tem como objecto imediato o acto de indeferimento expresso e objecto mediato a liquidação identificada.

 

3.3. Análise da questão de direito

 

A tributação direta não é matéria harmonizada na União Europeia. Existem certas matérias que, pela sua importância fundamental no funcionamento e regulação do mercado interno têm Diretivas europeias como a restruturação empresarial (cisões, fusões, entrada de ativos e permuta de partes sociais), juros e royalties, sociedades participadas (Diretiva Mãe-filhas) e outras de natureza procedimental ou adjetiva como troca de informações e assistência à cobrança.

Significa isto que o poder de conformar a legislação sobre tributação direta é uma prerrogativa dos Estados-Membros devendo, em princípio, ser respeitada como expressão da vontade do Estado soberano e só suscetível de escrutínio se violar um princípio fundamental dos Tratados que regulam a União Europeia e mesmo nestes casos só se não houver razão objetivamente justificável como por exemplo, razões prudenciais ou de coerência do sistema tributário à luz do artigo 65.º n.ºs 1 e 3 do TFUE.

A Jurisprudência do TJUE utiliza o artigo 18.º do TFUE só em situações em que não exista outro preceito que expressamente trate da questão em apreciação. No caso em análise estamos perante uma alegada violação do artigo 63.º pelo que não será de aplicar o artigo 18.º do TFUE.

A apreciação da legalidade da legislação portuguesa em vigor foi já objeto de vários Acórdãos do TJUE onde se destaca pela sua importância formadora o Acórdão Hollmann, C-443/06, de 11 de Outubro de 2007, onde se classifica como movimento de capitais uma operação de liquidação de um investimento imobiliário ou seja, a alienação onerosa de um bem imóvel situado no território de um Estado-Membro, como estando sob a jurisdição do artigo 63.º do TFUE.

Ora, a verificação da existência de discriminação na livre circulação de capitais é feita em relação a cada uma das operações sendo que a alteração legislativa promovida e concretizada nos artigos 43.º e 72.º do CIRS, ao instituir a possibilidade de opção pelos contribuintes não residentes não consegue ultrapassar uma simples constatação aritmética. É que, sendo a taxa máxima do IRS de 48% mesmo atendendo à existência de possíveis adicionais de 2,5% e 5% não é possível considerar a taxa de 28% como não discriminatória por ser necessariamente superior à praticada para os residentes que só têm 50% da matéria coletável tributada ou seja, uma taxa base máxima de 24%.

Mesmo num contexto de direito internacional fiscal convencional - eventualmente aplicável a países terceiros - a solução legal em vigor em Portugal seria polémica porquanto violaria o disposto no artigo 24.º da CMOCDE que é aquela que rege as Convenções de Dupla Tributação celebradas por Portugal.

 

3.4. Questões de conhecimento prejudicado

 

Não se analisa a aplicação do artigo 18.º do TFUE ao caso em concreto nem o pedido de reenvio ao TJUE por esta decisão arbitral estar em conformidade e de acordo com o deliberado pelo TJUE no Acórdão dado em 18 de Março de 2021 no processo C-388/19 que analisa questão de direito idêntica.

 

Sendo de julgar procedente o pedido com fundamento na violação do artigo 63.º, do TFUE fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões de legalidade invocadas, pelo que não se toma delas conhecimento, de harmonia com o preceituado nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

3.5. Decisão do pedido de revisão oficiosa

 

A decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que manteve a liquidação de IRS identificada enferma das ilegalidades de que enfermam essa liquidação, pelo que se justifica também a sua anulação.

 

4. Decisão

 De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral, em

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa formulado pelo SP;

b)           Anular a liquidação n.º 2018.... e o acerto de contas 2018.....

c)            Condenar a AT no pagamento do reembolso da quantia de Euro 20.730,84 (vinte mil setecentos e trinta euros e oitenta e quatro cêntimos) acrescidos dos juros indemnizatórios desde a data do pagamento pelo SP até integral pagamento – artigos 43.º da LGT, 61.º do CPPT e 24.º n.º 5 do RJAT.

 

5. Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 20.730,84.

 

6. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 26-05-2021

 

O Árbitro

(Vasco Branco Guimarães)