Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 694/2019-T
Data da decisão: 2021-06-01  IRC  
Valor do pedido: € 64.994,84
Tema: IRC – Fundamentação; Sucursal/Filial; Documentação dos Gastos
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SUMÁRIO:

  1. Se da análise do conteúdo da liquidação em conjunto com o relatório da inspecção tributária, do qual também o contribuinte tem conhecimento, a fundamentação do acto tributário resultar cristalina, sem ambiguidades, obscuridades, ou qualquer contradição, não se verifica o vício de falta de fundamentação;
  2. Se os rendimentos auferidos por uma entidade sedeada em território nacional, proveniente de fonte estrangeira, forem imputáveis a um estabelecimento estável, apenas poderão ser excluídos do cômputo do lucro tributável, verificados os requisitos do artigo 54.º-A do CIRC (versão 2015/2016);
  3. A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem, sendo que a factualidade em que há-de radicar o juízo de culpa, não pode ser outra que não aquela que subjaz ao apuramento de imposto entendido em falta, na exacta medida em que se integram neste, nos termos do n.º 8, do art.º 35.º da LGT.
  4. Não são arbitráveis os vícios próprios dos actos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do acto tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária.
  5. No contencioso arbitral tributário, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, apenas existem alguns poderes condenatórios, estreitamente ligados com o poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios, com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia e com o direito à restituição do impostos indevidamente pago.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 16 de Outubro de 2019, A…, S.A., NIPC …, com sede na …, …, …, …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IRC n.º 2019 ... e n.º 2019 ... e das liquidações de juros compensatórios n.º 2019 ..., n.º 2019 ..., n.º 2019 ..., n.º 2019 ... e n.º 2019 ..., referentes aos anos de 2015 e 2016, no valor global de €64.994,84, assim como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2019… que teve os referidos actos de liquidação como objecto.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
  1. vício de falta de fundamentação, dado que os actos em crise não se encontram fundamentados em termos legalmente adequados, impondo-se, assim, a respectiva anulação, por violação do disposto no n.º 3 do artigo 268.º da CRP e 77.º da LGT;
  2. os estabelecimentos localizados no Gana e em Trinidad e Tobago são filiais pelo que as operações por eles efectuadas não têm de ser refletidas na contabilidade da Requerente e, consequentemente, sujeitas a tributação em Portugal;
  3. as perdas por imparidade relativas aos créditos incobráveis da B..., S.A. foram constituídas de acordo com as regras normativas do ordenamento jurídico de Trinidad e Tobago, motivo pelo qual, atendendo ao princípio da coerência fiscal, devem ser aceites em Portugal;
  4. as despesas relativas ao processo n.º CV 2016-... encontram-se devidamente documentadas, pelo que devem ser aceites como gasto;
  5. a decisão da reclamação graciosa é ilegal por défice instrutório, tendo violado o disposto no n.º 1 do artigo 266.º da CRP e o artigo 58.º e 72.º da LGT;
  6. vício de falta de fundamentação das liquidações de juros compensatórios.

 

  1. No dia 17-10-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 04-12-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 07-01-2010.

 

  1. No dia 10-02-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

  1. No dia 29-09-2020, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pela Requerente, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente é uma sociedade comercial, constituída em 2013, que se dedica à prestação de serviços topográficos a entidades públicas e privadas; projectos de construção civil, projectos de estradas, arruamentos, saneamentos, linhas eléctricas, barragens e infraestruturas; formação profissional na área de topografia; produção e comercialização de software; produção de cartografia; produção de informação geográfica; actividades de produção cadastral; consultoria e estudos em geologia e geotecnia; metrologia; batimetria hidografia e afins.
  2. No âmbito da sua actividade, a Requerente constituiu uma estrutura para operar no Gana e outra em Trinidad e Tobago.
  3. A estrutura que operava no Gana possui capital próprio no valor de US $ 71.205,00.
  4. Na documentação referente à sua operação no Gana, nomeadamente no Certificate of Registration, consta que a mesma – “is registered with the internal revenue servisse under the internal revenue (registration of business)”.
  5. No registo do departamento central do Gana – Registrar-General’s Department Accra-Ghana – é referido que o único e principal local de negócio/funcionamento está localizado no Gana.
  6. A actividade da operação da Requerente no Gana centra-se na prestação de serviços a entidades no Gana, não estando a sua actividade dirigida ao mercado português.
  7. A Requerente teve necessidade de exercer em Trinidad e Tobago, a actividade que desenvolve em Portugal.
  8. Da declaração de rendimentos da operação em Trinidad e Tobago, referente a 2016, - “corporation tax return, form 500CTR” – consta “Branch of non-resident company”.
  9. Na referida declaração foi assinalada a morada da sociedade na cidade de Porto of Spain em ST. CLAIR (…), localizada em Trinidad e Tobago.
  10. No certificado de registo da operação – “VALUE ADDED TAX CERTIFICATE OF REGISTRATION”, atesta-se que a sociedade A…, S.A., com a sua morada em … St Clair Porto of Spain Trinidad foi registada ao abrigo da lei “Value Added Tax Act Chapter 75:06”.
  11. No exercício de 2015, foram contabilizadas perdas por imparidade, na contabilidade da operação localizada em Trinidad e Tobago, no valor de $ 2.481.674, relativas ao cliente B..., S.A.
  12. Os créditos em causa foram considerados, de acordo com as regras contabilísticas de Trinidad e Tobago, como perdas por imparidade.
  13. A relação comercial com o cliente “B..., S.A.” começou a deteriorar-se logo que as facturas começaram a não ser pagas e a dívida começou a acumular.
  14. Após a Requerente ter conhecimento de que a sociedade “B..., S.A.” estaria a parar o investimento em Trinidad e Tobago agendou, de imediato, uma reunião com os administradores da mesma.
  15. Nessa reunião, o cliente “B..., S.A.” manifestou a intenção de abandonar o mercado em Trinidad e Tobago, por não ter capacidade financeira para continuar.
  16. Quando questionado acerca do pagamento das facturas em dívida, o cliente “B..., S.A.” referiu que não tinha qualquer possibilidade de pagamento e que não o iria conseguir efectuar.
  17. O cliente “B..., S.A.” era devedor a outras sociedades.
  18. A Requerente reuniu com os seus consultores fiscais que referiram ser prudente, de bom senso e de condição suficiente – e para que o que fosse declarado reflectisse a situação real e objectiva da sociedade – e à luz dos princípios contabilísticos de Trinidad e Tobago, considerar aqueles créditos como incobráveis, uma vez que seria expectável nunca os receber.
  19. A Requerente considerou os créditos como incobráveis.
  20. A declaração foi validada, não tendo sido alvo de qualquer rectificação por parte das autoridades de Trinidad e Tobago.
  21. Após a reunião, alguns serviços que já tinham sido prestados à sociedade “B..., S.A.” e ainda não tinham sido facturados, porque não tinham ainda sido aprovados os autos de medição, foram facturados para que constassem da contabilidade.
  22. Em 22-06-2016, a Requerente propôs uma acção no Tribunal de San Fernando, em Trinidad e Tobago tendo em vista a cobrança daqueles créditos.
  23. A Requerente conseguiu recuperar parte do valor em dívida.
  24. A Requerente apresentou como documentos comprovativos das despesas gerais do processo n.º CV 2016-... do Tribunal de Justiça de San Fernando, a conta do Tribunal e do mandatário, assinada e carimbada pelo mandatário.
  25. A Requerente foi objecto de um acção inspectiva de âmbito parcial, em sede de IVA e IRC, relativa aos anos de 2015 e 2016, credenciada pela Ordens de Serviço n.º OI2018… e n.º OI2018….
  26. Em 13-02-2019, a Requerente foi notificada do projecto de relatório de inspecção.
  27. Em 19-02-2019, a Requerente exerceu direito de audição.
  28. Em 13-03-2019, a Requerente foi notificada do relatório de inspecção tributária.
  29. Do relatório de inspecção consta, além do mais, o seguinte:

 

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  1. Na sequência das correcções efectuadas em sede de inspecção, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação adicional de IRC n.º 2019 ... e n.º 2019 ... e das liquidações de juros compensatórios n.º 2019 ..., n.º 2019 ..., n.º 2019 ..., n.º 2019 ... e n.º 2019 ..., no valor global de €64.994,84.
  2. Das liquidações de juros compensatórios, consta o seguinte:

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  1. A Requerente não procedeu ao pagamento das referidas liquidações.
  2. Foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …2019… e apensos, para cobrança coerciva das referidas liquidações.
  3. A Requerente apresentou em 06-05-2019, pedido de dispensa de prestação de garantia, nos termos dos artigos 52.º, n.º 4 da LGT e 170.º do CPPT.
  4. O requerimento de dispensa de garantia foi recepcionado pelo Serviço de Finanças de ... 2, a 08-05-2019.
  5. Em 03-06-2019, a Requerente não tinha sido notificada de qualquer decisão relativa ao pedido de dispensa de garantia.
  6. Nesse dia, a Requerente dirigiu-se ao Serviço de Finanças de ... 2 no sentido de perceber o motivo pelo qual não tinha sido notificada da decisão.
  7. Foi referido pelos funcionários da AT que não havia sido recebido qualquer requerimento de dispensa de garantia.
  8. Após ter sido comprovado que o requerimento foi enviado e recebido, foi remetido para o serviço de finanças, via e-mail, cópia do requerimento.
  9. Em 21-06-2019, a AT ainda não se tinha pronunciado acerca do pedido de dispensa de garantia, tendo ordenado a penhora da única conta bancária activa da Requerente.
  10. À data de apresentação do pedido arbitral tinham sido penhorado à Requerente o montante total de €719,72.  
  11. Em 05-08-2019, foi proferida pela AT a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de garantia.
  12. Em 23-08-2019, a Requerente constituiu penhor sobre o equipamento e solicitou dispensa de garantia do restante valor.
  13. Até à data da apresentação do pedido arbitral, a AT ainda não se havia pronunciado relativamente ao requerimento de constituição de penhor e dispensa de garantia.
  14. Em 06-05-2019, a Requerente apresentou reclamação graciosa dos referidos actos de liquidação.
  15. A Requerente solicitou, em sede de reclamação graciosa, a inquirição de duas testemunhas, por considerar a prova testemunhal essencial.
  16. A AT não procedeu à audição das testemunhas indicadas pela Requerente em sede de reclamação graciosa.
  17. Em 05-06-2019, a Requerente foi notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa.
  18. Em 18-07-2019, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa.
  19. Da decisão de indeferimento da reclamação graciosa consta, além do mais, o seguinte:

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A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], o “ relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

Sobre a ordem do conhecimento dos vícios, determina o artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, que o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

Não tendo sido alegado nenhum vício conducente à nulidade, a apreciação dos vícios é feita pela ordem indicada pela Requerente, desde que se estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade.

Assim sendo, começar-se-á por apreciar-se os vícios atinentes à falta de fundamentação

dos actos de liquidação de IRC.

 

a.

Começando pela alegada falta de fundamentação dos actos de liquidação de IRC por não se encontrarem devidamente fundamentados, em violação do artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e do artigo 77. º da Lei Geral Tributária, entende a Requerente que do teor dos actos recebidos, não resulta suficiente a necessária fundamentação de facto e de direito, por forma a justificar a decisão nela inserta. De acordo com o entendimento da Requerente, não são explicitados os fundamentos, de facto e de direito, que determinaram a sua emissão, referenciando-se, apenas, a seguinte alusão genérica: “Fica V.Ex.ª. notificado (a) para (…) efectuar o pagamento do saldo apurado, de acordo com a demonstração de acerto de contas junta”[2], e “(…) Liquidação de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos, conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida”[3].

Contestando esse entendimento, defende a Requerida que a fundamentação é suficiente, nos termos do artigo 77.º da LGT, feita por remissão para o relatório de inspecção, relatório esse que a Requerente assumidamente conhece, tendo, inclusive, participado em sede de exercício de direito de audição.[4]

Por seu turno, alega a Requerente que mesmo que se admitisse que a notificação dos actos de liquidação se possa fundamentar em algum documento externo, sem necessidade de cumprimento dos requisitos mínimos de fundamentação exigidos pelo n.º 2 do artigo 77.º da LGT, sempre se teria de exigir remissão, na própria notificação, para esse mesmo documento[5].

Em face do exposto e tendo em consideração os factos dados como provados, cumpre apreciar esta primeira questão controvertida.

Cumpre, em primeiro lugar, ter em atenção a redacção da norma prevista no artigo 77.º da Lei Geral Tributária e desta retirar o seu conteúdo útil. De acordo com o referido preceito, cuja epígrafe é “Fundamentação e eficácia”: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos anteriores, pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária” e prossegue o segundo número do mesmo artigo, “ A fundamentação dos actos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação.”

De acordo com DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA[6], a Constituição da República Portuguesa garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os actos administrativos que afectem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos. Ora, tendo em consideração o que se encontra previsto no artigo 120.º do Código de Procedimento Administrativo, ter-se-á como compreendido nesse conceito, os actos tributários. Por outro lado, o artigo 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa garante aos interessados a impugnação contenciosa contra quaisquer actos administrativos que sejam lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos. Descortina-se assim, a razão pela qual o dever de fundamentação dos actos tributários e decisórios de procedimentos tributários surge reforçado no artigo 77.º da Lei Geral Tributária: a proteção dos administrados.

Em suma, impende sobre a AT um dever de fundamentação sobre os actos tributários por ela praticados, devendo obrigatoriamente constar as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos actos tributários, assim como, os prazos e meios de defesa à disposição do contribuinte, conforme o disposto no artigo 77.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.

Trata-se de uma disposição legal que visa assegurar a racionalidade das decisões cometidas à AT, proporcionando um controlo interno do percurso lógico-valorativo encetado pela própria entidade antes de emitir a sua decisão e, que se destina, fundamentalmente, a desempenhar um controlo de legalidade das decisões da AT, permitindo ao contribuinte optar, conscientemente, por cumprir a decisão, conformando-se com a mesma ou cumprir a decisão mas sindicá-la, seja pela via administrativa ou pela via judicial.

Na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria, exige-se que a fundamentação possa ser considerada suficientemente clara e compreensível, nas razões de facto e de direito, para um destinatário médio colocado na situação concreta.[7]

Todavia, mesmo tendo o atrás referido em especial consideração, ainda assim e em face da prova documental produzida, julga-se não ter havido falta de fundamentação da notificação do acto de liquidação.

De facto, cumpre não olvidar que as liquidações impugnadas surgem na sequência do procedimento de inspecção tributária, com incidência nos anos de 2015 e 2016, de que a Requerente foi objecto, tendo a liquidação sido efectuada com base nos factos constantes do Relatório de Inspeção Tributária, que a Requerente, desde a reclamação graciosa, demonstrou compreender, tomando, de maneira fundada, a decisão de não aceitar. Por conseguinte, não será difícil concluir que o destinatário do acto sempre podia saber qual foi a situação de facto ponderada, qual o direito escolhido e o modo como ele foi interpretado e aplicado ao caso concreto.

De resto, a própria Requerente acaba por conceder nisso mesmo – pelo menos de forma

implícita – ao sustentar, também desde a reclamação graciosa, que a remissão para o relatório de inspecção deveria ser explícita.

Contudo, este entendimento é, desde logo, contrariado pelo Acórdão do STA de 19-05- 2004, proferido no processo 0228/03, onde se lê que “Não vale como fundamentação a motivação apresentada posteriormente à prática do ato, nem a constante de peças instrutórias anteriores para as quais não tenha sido feita remissão, expressa ou implícita.”, admitindo-se, assim, que a remissão possa ser implícita, ou seja, decorrente do próprio contexto do acto tributário, ou do qual este emerge.

Neste mesmo sentido, se orienta a jurisprudência do STA que considera que “Apesar da não indicação expressa do preceito legal aplicável, a exigível fundamentação de direito do acto tributário será suficiente com a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, desde que, em qualquer caso, se possa concluir que aqueles eram conhecidos ou cognoscíveis por um destinatário normal colocado na posição em concreto do real destinatário.”[8], e que “A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa”[9].

Com efeito, os actos de liquidação em causa foram praticados, como resulta da matéria de facto dada como provada, na sequência de uma inspecção tributária ao exercício de 2015 e 2016, cujo relatório foi notificado à Requerente contendo a seguinte menção expressa: “Das correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indirecta, cujos fundamentos constam do referido Relatório. A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar”.

É certo que daquelas demonstrações de liquidação não constava a referência expressa ao relatório de inspecção tributária, mas, a notificação do relatório que prenunciava a emissão daquele acto e a sua posterior notificação, com um conteúdo em tudo correspondente ao que resulta do relatório, constituem elementos bastantes para que se considere preenchido, in casu, o dever de fundamentação do acto de liquidação[10].

Este, de resto, tem sido o juízo dos nossos tribunais superiores em casos análogos, podendo a esse respeito conferir-se os Acórdãos do STA de 10-09-2014, proferido no processo 01226/13[11], do TCA-Norte de 13-09-2012, proferido no processo 00334/05.8BEBRG[12], e do TCA-Sul de 23-05-2006, proferido no processo 01156/0614[13].

Atento tudo quanto se expôs, no caso, a existir alguma irregularidade (mera irregularidade), limitar-se-ia à falta de referência expressa no acto de liquidação aos elementos identificativos do relatório de inspecção. A este propósito, refere o Acórdão do STA de 14-10-2020, proferido no processo n.º 0213/14.8BECBR que “nem sempre a falta de fundamentação importa a anulação do ato. Não é assim, designadamente, quando o fim visado pela exigência formal preterida tenha sido alcançado por outra via, isto é, quando for de entender que da violação das regras formais não tenha resultado uma lesão efetiva dos valores ou interesses protegidos pela norma que prescreve a formalidade ou exige a sua observância. Nestes casos, em que for de entender que esses valores ou interesses foram acautelados por outra via, o vício de forma torna-se irrelevante, e o incumprimento da norma que prescreve ou exige a formalidade degrada-se no incumprimento de uma formalidade não essencial”.

 No caso, a irregularidade não prejudicou a correcta compreensão pela Requerente da relação entre os actos de liquidação e o relatório de inspecção, já que, inclusive, a Requerente imputou outros vícios às liquidações impugnadas. Por isso, e apesar de não haver uma remissão explícita para as conclusões desse procedimento inspetivo, a Requerente, de alguma forma, logrou compreender que os verdadeiros fundamentos das liquidações impugnadas derivavam desse outro ato e, por isso, os convocou para o processo.

Face a tudo quanto se expôs, improcede o alegado vício de falta de fundamentação.

 

***

b.

Coloca também a Requerente nos presentes, a questão de saber se as operações efectuadas fora de Portugal - nas Repúblicas do Gana e Trinidad e Tubago - têm de ser reflectidas na contabilidade da Requerente e, portanto, sujeitas a imposto em Portugal.

            Sustenta a Requerente que tais operações do Gana e de Trinidad e Tobago não são sucursais, como sustenta a AT, mas antes filiais, com personalidade jurídica, sendo entidades juridicamente distintas da empresa-mãe portuguesa, pelo que a entidade-sede somente integra na sua contabilidade os resultados obtidos pela filial, quando os lucros lhe forem distribuídos.

            Por sua vez, sustenta a AT que a Requerente possui a sede em Portugal e Filiais/Sucursais situadas fora de Portugal, nas Repúblicas do Gana e Trinidad e Tobago, motivo pelo qual as operações efectuadas por esses estabelecimentos estáveis têm de ser reflectidas na contabilidade da empresa sede e, considerados na determinação do lucro tributável desta para efeitos do IRC devido em Portugal, atento o princípio da universalidade.

            Vejamos.

            Determina o artigo 4.º, n.º 1 do Código do IRC:

Relativamente às pessoas colectivas e outras entidades com sede ou direcção efectiva em território português, o IRC incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.”.

            O artigo 4.º n.º 1 do CIRC que estabelece a extensão da obrigação de imposto, determina que quando estão em causa pessoas colectivas ou outras entidades com sede ou direcção efectiva em território português, o IRC incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. Com efeito, aquele normativo não se refere a sucursais ou filiais, mas antes a “pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português”.

            A Requerente tem sede em território português pelo que estará sujeita a imposto em Portugal pelos rendimentos obtidos em Portugal e fora deste território.

            A AT partiu do indício que constava da IES da Requerente no qual se fazia referência a “sucursais/filiais” no Gana e em Trinidad e Tobago, para considerar que os rendimentos daquelas entidades deveriam ser refletidos na contabilidade da Requerente. Porém, não se bastou com tais indícios.

            Senão vejamos:

            No que respeita à sociedade de Trinidad e Tobago, no documento que constitui o anexo I do projecto de relatório de inspeção (“Certificate of Registration of External Company” - Certificado de Registo de Empresa Externa), pode ler-se que “A… S.A. was registered as an external company”, o que significa que se trata de uma empresa externa, surgindo identificado o nome, a sede e os órgãos sociais da Requerente em Portugal, assim como a referência ao Decreto-Lei n.º 262/86 (que aprovou o Código das Sociedades Comerciais português).

            A lei de Trinidad e Tobago (LAWS OF TRINIDAD AND TOBAGO, COMPANIES ACT, 1995[14]) , define “external company” como qualquer entidade constituída sob as leis de um país diferente de Trinidad e Tobago[15]. Com efeito, o anexo I ao projecto de relatório de inspeção, constitui uma autorização da Requerente para operar em Trinidad e Tobago, não constituindo, portanto, a operação de Trinidad e Tobago uma entidade jurídica distinta da Requerente.

            Acresce que, no documento n.º 13 junto pela Requerente, emitido pelo Governo da República de Trinidad e Tobago surge assinalado o campo “branch of non-resident company”, ou seja, sucursal de uma empresa não residente.        

            No que respeita à operação no Gana, do documento que constitui o anexo II ao projecto de relatório de inspeção “Certificate of Registration”, (Certificado de registo), pode ler-se “A… SA is this day registered under the Companies Act. 1963 (Act 179) as na External Company.”. De onde resulta, desde logo, que a A… SA está registada como uma empresa externa. A lei do Gana (COMPANIES ACT 1963 (ACT 179)[16]), define uma empresa externa como uma entidade corporativa formada fora do Gana que tem um local de negócios estabelecido no Gana[17].

            Com efeito, o que se apura é que a operação da Requerente do Gana não foi exercida por meio de uma entidade com personalidade jurídica própria, constituindo antes, uma extensão da Requerente – um estabelecimento estável.

            A Requerente, foca a sua argumentação discordante da correcção ora em apreço, discorrendo sobre os conceitos de sucursal e filial, discussão essa, ressalvado o devido respeito, estéril para a matéria em causa, na medida em que, por um lado, o CIRC não dá qualquer relevância ao referido conceito de filial.

            Por outro lado, assenta também a argumentação da Requerente num pressuposto, fundamental, não só não demonstrado como infirmado, de que as suas operações no estrangeiro foram realizadas por sociedades (pessoas jurídicas) distintas de si.

            Ora, não se demonstrando tal circunstância, tais operações terão de se reconduzir ao conceito de estabelecimento estável, pelo que os rendimentos imputáveis a tais operações apenas poderiam ser excluídos do cômputo do lucro tributável, verificados os requisitos do artigo 54.º-A do CIRC, o que no caso a Requerente não tenta sequer demonstrar.

            Atento tudo quanto se expôs, verifica-se que os documentos juntos aos autos evidenciam a inexistência de uma entidade distinta da Requerente, quer no Gana, quer em Trinidad e Tobago, pelo que os rendimentos auferidos naquelas jurisdições são imputáveis à Requerente e encontram-se sujeitos a tributação em Portugal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do CIRC, motivo pelo qual improcede, nesta parte, o pedido arbitral.  

 

*

            Insurge-se, ainda, a Requerente contra a correcção operada pela AT, relativamente ao exercício de 2015, e à operação de Trinidad e Tobago. Considerou a AT que não se encontravam verificados os requisitos que decorrem dos artigos 28.º-A, n.º 1, alínea a) e 28.º-B, ambos do CIRC, para que fosse reconhecida, no ano de 2015, a imparidade relativa às facturas n.º 21, 22 e 23 de Outubro, Novembro e Dezembro de 2015, emitidas à B..., SA. 

Dispõe o primeiro dos referidos artigos, no que para o caso releva, que:

“1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores: a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;”.

Também no que para o caso releva, dispõe o segundo dos referidos normativos:

“1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.”

Considerou a AT que “por se verificar que os mesmos não se encontravam em mora nem foram considerados créditos de cobrança duvidosa, e ainda porque o SP, continuou a faturar a este cliente no ano de 2016. Os créditos foram reclamados judicialmente – Processo n.º CV 2016-... do Tribunal de Justiça de San Fernando na República de Trinidad e Tobago, apenas em 22-02-2016. Assim, não se encontravam em mora há mais de seis meses, pelo que o SP, não estava na posse de provas objetivas para poder deduzir este montante a título de imparidades”.

Por sua vez, sustenta a Requerente que atendendo à informação que lhe foi transmitida pelo seu cliente, reuniu com os seus consultores fiscais que referiram ser prudente considerar aqueles créditos como incobráveis, uma vez que seria expectável nunca os receber. Mais refere a Requerente que os montantes foram considerados como perdas por imparidade na contabilidade da operação localizada em Trinidad e Tobago, de acordo com as regras contabilísticas daquele local, pelo que se são considerados no país onde está localizada a sociedade, devem também ser considerados no ordenamento jurídico-fiscal português.

Conforme acima se referiu, os resultados das operações do Gana e Trinidad e Tobago têm de ser reflectidas na contabilidade da Requerente, sendo que as normas contabilísticas aplicáveis, para efeitos da sua tributação em Portugal, serão as aqui vigentes, dado ser aplicável o CIRC, que dispõe no seu artigo 17.º, n.º 1, que “O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”, dispondo ainda o n.º 3, alínea a) do mesmo artigo que “De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve: a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;”.

Ou seja, e em suma, o cálculo dos rendimentos tributáveis em Portugal, faz-se de acordo com o CIRC, e este Código prevê a aplicação da normalização contabilística, não excepcionando situações como a da ora Requerente.

Neste seguimento, o artigo 28.º, n.º 1, alínea a) do CIRC faz depender a dedutibilidade das perdas por imparidade da circunstância de estarem em causa créditos resultantes da actividade normal que possam ser considerados de cobrança duvidosa.

O artigo 28.º-B, n.º 1 do CIRC ajuda a densificar este conceito, considerando como crédito de cobrança duvidosa aqueles em que o risco da incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que acontece nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de Agosto;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas objectivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

No caso sub iudice, estão em causa as facturas n.º 21, 22 e 23 de Outubro, Novembro e Dezembro de 2015, emitidas à B..., SA., pelo que, desde logo, não se encontravam em mora há mais de seis meses, como exige a alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do CIRC, para que se pudesse constituir a imparidade no ano de 2015.

Além disso, a Requerente não estava na posse de provas objectivas da imparidade e de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento, tanto que a acção judicial para cobrança daqueles valores só veio a ser instaurada em 22-02-2016.

Assim, não se encontravam reunidos os requisitos exigidos pela legislação portuguesa, designadamente, pelo artigo 28.º-A e 28-º-C do CIRC, para que fossem constituídas as imparidades no exercício de 2015, pelo que nenhuma censura merece a actuação da AT, improcedendo, nesta parte, o pedido arbitral.

 

*

            Por fim, insurge-se a Requerente quanto à correcção efectuada pela AT no sentido de desconsiderar como gasto dedutível o montante de $TT 878.165,00 relativo a despesas do processo n.º CV 2016-... do Tribunal de Justiça de San Fernando, por entender que não se encontrava devidamente documentado.

Assim sendo, no que a esta correcção respeita, não há que aferir da verificação dos pressupostos do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, pois a AT apenas colocou em causa o gasto com fundamento no não cumprimento de formalidades na emissão dos documentos e não a efectividade do mesmo.

No que concerne à documentação dos gastos, determina o n.º 3 do artigo 23.º do CIRC, o seguinte:

“3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.”

Com efeito, os encargos têm de estar devidamente justificados por meio de documento para que sejam fiscalmente dedutíveis, sob pena de serem considerados como gasto não dedutível ao abrigo do disposto no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea c) do CIRC.

A questão que se coloca, portanto, é saber, em sede de IRC, qual o conteúdo que o documento deve ter, ou seja, quais as formalidades que deve respeitar determinado documento, para que o gasto se considere devidamente documentado.

A jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que o documento justificativo do custo não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, bastando um documento, que até poderá ser interno, que contenha os elementos essenciais da operação que titulam, por forma a possibilitar à AT quer o controle da legalidade da dedução para efeitos do gasto, quer da respetiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços.[18]

Refere o Acórdão do TCA-Sul de 28-03-2019, proferido no processo n.º 69/17.9BCLSB, “A prova do custo pode ser efectuada através de documento interno (emitido pelo próprio sujeito passivo), desde que coadjuvado por qualquer outro meio de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao Tribunal aquilatar sobre o preenchimento do respectivo ónus probatório.”

A Requerente apresentou como documentos comprovativos das despesas gerais do processo n.º CV 2016-... do Tribunal de Justiça de San Fernando, a conta do Tribunal e do mandatário, assinada e carimbada, apresentando ainda extractos bancários que demonstram que apenas recebeu o montante líquido mencionado naquela conta.

Neste referido documento surge identificado o Tribunal, o número do processo, a designação dos serviços, o valor, resultando, essa informação corroborada pela prova testemunhal produzida nos presentes autos, dispondo, portanto, a AT de todos os elementos necessários a fiscalizar a efectividade e os elementos fiscalmente relevantes do gasto, não se justificando por isso, como entendeu a AT, a exigência de documentação adicional.

Face ao exposto, julga-se que o gasto em causa está devidamente documentado, pelo que deverá proceder, nesta parte, o pedido arbitral, anulando-se a correcção ora em apreço.

 

***

 

c.

Alega, ainda, a Requerente que constitui pressuposto da liquidação de juros compensatórios que o retardamento da liquidação do imposto se deva a facto imputável ao contribuinte e que não se vislumbra, no caso, qualquer referência à existência de culpa da Requerente, concluindo pela ausência de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º da LGT e no artigo 268.º, n.º 3 da CRP.

Na matéria em questão entendeu já o TCA-Sul[19] que “Os juros compensatórios funcionam como uma cláusula penal pelo retardamento da liquidação do imposto, imputável ao contribuinte, integrando-se na liquidação deste, onde vão buscar parte da sua fundamentação, para além de também exigirem um segmento de fundamentação própria, mas sobre a sua liquidação, não exige a lei que a AT proceda à audição prévia do contribuinte de forma autónoma e distinta da audição relativamente ao imposto donde provém.

No que concretamente diz respeito à fundamentação da liquidação de juros compensatórios, tem entendido de forma unânime o STA que “A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem.”[20]/[21], elementos esses que, conforme resulta da matéria de facto, constam das notificações que foram efectuadas à Requerente.

Com efeito, in casu, na liquidação de juros compensatórios a AT fez constar o motivo da liquidação, designadamente, que foi liquidada nos termos do art. 102.º do CIRC e 35.º da LGT por ter havido retardamento na liquidação. Por outro lado, da liquidação também constam os elementos essenciais que presidiram ao apuramento dos juros compensatórios, designadamente, o montante do imposto em falta (valor base) sobre o qual incidem os juros, o período a que respeita, a taxa de juro aplicável (4%) e o valor dos juros apurado.

No que respeita, concretamente, ao apuramento da culpa no retardamento da liquidação, entendeu o TCA-Sul, (Ac. do TCA-Sul de 11-11-2008, proferido no processo 02020/07), “no caso dos juros compensatórios e na sequência do acima referido, a factualidade em que há-de radicar o juízo de culpa, não pode ser outra que não aquela que subjaz ao apuramento de imposto entendido em falta, na exacta medida em que se integram neste, nos termos do n.° 8, do art.° 35.° da LGT.”

Compreendidas as coisas desta forma, facilmente se conclui que, conjugadas com o relatório de inspecção que fundamenta os actos de liquidação adicional levados a cabo pela AT, as liquidações de juros compensatórios notificadas à Requerente contêm todos os elementos obrigatórios por lei, incluindo a respectiva fundamentação, devendo, por isso, improceder a arguida falta de fundamentação.

 

***

d.

Em sede de reclamação graciosa, a aqui Requerente solicitou a inquirição de duas testemunhas, por considerar a prova testemunhal essencial, tendo a AT recusado a produção de prova testemunhal, nos seguintes termos: “Assim, reconhecendo preferência à prova documental, não consideramos ser esta uma diligência complementar indispensável à descoberta da verdade material. A matéria factual a provar, tal como ficou expresso supra, não se compadece com o meio de prova requerido, pois, apenas a prova documental permite o esclarecimento da verdadeira situação tributária da Reclamante”.

Alega a Requerente que não pode a AT vir indicar qual o momento próprio para a produção de prova testemunhal, ou por outro lado, recusar a prova testemunhal por considerar que não é de interesse ou essencial para o exercício do direito da Requerente, uma vez que  está subordinada ao princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, devendo realizar todas as diligencias necessárias para a satisfação do interesse público e para a descoberta da verdade material, concluindo, por isso, que decisão da reclamação graciosa é ilegal por défice instrutório, tendo violado o disposto no n.º 1 do artigo 266.º da CRP e 58.º e 72.º da LGT.

As alegações da Requerente ora em apreço, deverá notar-se desde logo, não respeitam a vícios dos actos tributários objecto da presente acção arbitral, mas a vícios do procedimento de reclamação graciosa, que teve aqueles como objecto.

Sucede que a decisão da reclamação graciosa apenas integra o objecto da presente acção arbitral na parte que incide sobre a legalidade da liquidação de imposto que lhes serviu de objecto, e não na parte que se reporte a vícios próprios de tal acto de decisão.

Como explica Carla Castelo Trindade[22], “Esta é a primeira questão que deve ficar clara: o objecto do processo arbitral é o acto de liquidação (...)”. Prossegue a mesma Autora, esclarecendo que “os actos de segundo ou terceiro grau poderão sempre ser arbitráveis, na medida em que comportem, e só nessa medida, eles próprios, a (i)legalidade dos actos de liquidação em causa”.

Decorrência do quanto se vem de expor, é que “não são arbitráveis os vícios próprios dos actos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do acto tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária.”[23].

Como exemplifica ainda a mesma Autora[24], integram-se nesses vícios próprios dos actos de segundo e terceiro grau, os vícios formais que os inquinem, incluindo a sua falta de fundamentação.

 Ou seja, e em suma, o artigo 2.º do RJAT toma como objecto da competência dos tribunais arbitrais, os actos primários (“actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”), sendo os actos secundários unicamente relevantes como elementos proporcionadores da tempestividade da pretensão impugnatória, como resulta do artigo 10.º, n.º 1, al. a) daquele Regime, onde se impõe que os pedidos de constituição de tribunal arbitral sejam apresentados no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.º 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Daí que, em primeira linha, se esteja no presente processo a sindicar a legalidade dos actos de liquidação de IRC da Requerente (objecto directo da competência dos tribunais arbitrais), sendo a legalidade do acto secundário de decisão da reclamação graciosa – cuja função principal no processo arbitral tributário é a de garantir a tempestividade da impugnação arbitral do acto primário – meramente reflexa ou derivada da legalidade daquele.

Deste modo, e pelo exposto, sendo o objecto da presente acção arbitral os actos de liquidação de IRC, e o acto de decisão da reclamação graciosa apenas e na medida em que incorpore a (i)legalidade daquele primeiro acto, não se incluindo aí, portanto, os vícios próprios de tais actos, incluindo a violação de normas relativas à produção de prova em sede de reclamação graciosa e ao princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, não poderá este Tribunal pronunciar-se sobre esse vício arguido pela Requerente, no que diz respeito ao acto de decisão da reclamação graciosa, devendo concluir-se que os actos de liquidação de IRC, objecto do presente processo arbitral, não enfermam do vício de ilegalidade por défice instrutório, improcedendo, por isso, o pedido arbitral também nesta parte.

 

***

f.

            Formula, a final, a Requerente, os seguintes pedidos acessórios:

  1. Condenação da AT no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos resultantes do incumprimento do prazo legalmente previsto para a apreciação do pedido de dispensa de garantia e do pedido de constituição de penhor;
  2. Condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios;
  3. Condenação da AT no pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia.

*

Peticiona a Requerente uma indemnização pelos prejuízos resultantes do incumprimento, por parte da AT, do prazo legalmente previsto para a apreciação do pedido de dispensa de garantia e do pedido de constituição de penhor.

            Vejamos.

O processo arbitral tributário, à semelhança do que acontece com a impugnação judicial, é, essencialmente um contencioso de mera anulação. Não obstante, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estritamente ligados ao poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios, com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia ou com o direito à restituição do imposto indevidamente pago.

Ressalvadas estas excepções, estaremos sempre perante um contencioso de mera anulação, o que significa que perante a impugnação de um acto tributário junto de um tribunal arbitral, a este tribunal caberá apenas considerar o acto legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo, cabendo à AT retirar as consequências da eventual decisão anulatória, no respeito pelo disposto no art.º 24.º do RJAT.

No sentido de tudo quanto se vem expondo, decidiu-se no Acórdão do TCA-Norte, de 09-07-2020, proferido no processo n.º 9655/16.3BCLSB, nos termos do qual “Ao contrário do que sucede no domínio das ações administrativas, quando está em causa a legalidade de atuação da administração, no âmbito das quais o julgador pode emitir injunções e pronúncias condenatórias relativamente à Administração, condenando-a à prática de ato com um conteúdo determinado, tal não sucede no âmbito do contencioso tributário de impugnação de ato de liquidação (quer arbitral quer estadual) com esse alcance, não estando legalmente prevista a possibilidade de condenação à prática de ato devido.”.

Também o TCA-Sul, no seu acórdão de 09-07-2020, proferido no processo 9655/16.3BCLSB, é peremptório em afirmar que embora seja “pacífico que, não obstante este contencioso ser essencialmente de mera anulação, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estreitamente ligados com o poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios ou com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia”, no contencioso tributário “estamos perante um contencioso tendencialmente de mera anulação. Significa isso que, perante a impugnação de um ato tributário perante um tribunal arbitral (ou perante um tribunal tributário estadual, dado que, ao nível da impugnação judicial, os poderes de uns e outros são idênticos), a este tribunal cabe apenas considerar o ato legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo (ou declarar a sua nulidade ou inexistência).”.

Tal significa, portanto, que os tribunais arbitrais tributários não podem emitir injunções condenatórias - como aquela que é formulada pela Requerente -, para além dos poderes estritamente ligados ao poder anulatório, que acima se referiram, pelo que, improcede, o pedido indemnizatório ora em apreço.

 

*

Quanto ao pedido acessório de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

São, portanto, pressupostos do direito a juros indemnizatórios: (i) existência de erro imputável aos serviços; (ii) apurado em sede de reclamação graciosa ou impugnação judicial; (iii) pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Constitui, portanto, pressuposto para o direito a juros indemnizatórios, que o imposto tenha sido pago, em montante superior ao legalmente devido.

Não resulta alegado nem, consequentemente, demonstrado nos autos, que o imposto apurado nas liquidações impugnadas tenha sido pago, não sendo equiparável ao pagamento, como parece sugerir a Requerente, a penhora de uma conta bancária em montante bastante inferior ao valor da dívida.

Face ao exposto, não se encontram preenchidos os pressupostos de que depende o direito a juros indemnizatórios, pelo que improcede também este pedido.

 

*

No que respeita ao pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, o artigo 53.º da LGT estabelece o seguinte:

“1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

Compete à Requerente provar os factos constitutivos do seu direito, entendendo-se como tal o facto que demonstre a existência desse direito, designadamente, a demonstração de que a garantia foi prestada e a identificação e quantificação dos prejuízos causados.

No caso, não vem alegado nem demonstrado que a garantia foi aceite, pelo que não se encontram verificados os pressupostos para que seja a AT condenada nos termos do artigo 53.º da LGT, sem prejuízo de que tal venha a ser apreciado em sede de execução de sentença.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular o acto de liquidação adicional de IRC n.º 2019 ... e as correspondentes liquidação de juros compensatórios, referentes ao ano de 2016, na parte correspondente à desconsideração para efeitos fiscais dos gastos o processo n.º CV 2016-... do Tribunal de Justiça de San Fernando, em Trinidad e Tobago, no valor total de € 171.125,40;
  2. Julgar improcedente a restante parte do pedido arbitral;
  3. Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de € 1.088,00, a cargo da Requerente e de € 1.360,00 a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 64.994,84, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

Notifique-se.

 

Lisboa

 

01 de Junho de 2021

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Carla Castelo Trindade)

 

 

 

O Árbitro Vog

 

 

 

 

 

SUMÁRIO:

I.          Se da análise do conteúdo da liquidação em conjunto com o relatório da inspecção tributária, do qual também o contribuinte tem conhecimento, a fundamentação do acto tributário resultar cristalina, sem ambiguidades, obscuridades, ou qualquer contradição, não se verifica o vício de falta de fundamentação;

II.         Se os rendimentos auferidos por uma entidade sedeada em território nacional, proveniente de fonte estrangeira, forem imputáveis a um estabelecimento estável, apenas poderão ser excluídos do cômputo do lucro tributável, verificados os requisitos do artigo 54.º-A do CIRC (versão 2015/2016);

III.        A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem, sendo que a factualidade em que há-de radicar o juízo de culpa, não pode ser outra que não aquela que subjaz ao apuramento de imposto entendido em falta, na exacta medida em que se integram neste, nos termos do n.º 8, do art.º 35.º da LGT.

IV.        Não são arbitráveis os vícios próprios dos actos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do acto tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária.

V.         No contencioso arbitral tributário, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, apenas existem alguns poderes condenatórios, estreitamente ligados com o poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios, com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia e com o direito à restituição do impostos indevidamente pago.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.         No dia 16 de Outubro de 2019, A…, S.A., NIPC …, com sede na …, …, …, …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IRC n.º 2019 ... e n.º 2019 ... e das liquidações de juros compensatórios n.º 2019 ..., n.º 2019 ..., n.º 2019 ..., n.º 2019 ... e n.º 2019 ..., referentes aos anos de 2015 e 2016, no valor global de €64.994,84, assim como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2019… que teve os referidos actos de liquidação como objecto.

 

2.         Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

i.          vício de falta de fundamentação, dado que os actos em crise não se encontram fundamentados em termos legalmente adequados, impondo-se, assim, a respectiva anulação, por violação do disposto no n.º 3 do artigo 268.º da CRP e 77.º da LGT;

ii.         os estabelecimentos localizados no Gana e em Trinidad e Tobago são filiais pelo que as operações por eles efectuadas não têm de ser refletidas na contabilidade da Requerente e, consequentemente, sujeitas a tributação em Portugal;

iii.        as perdas por imparidade relativas aos créditos incobráveis da B..., S.A. foram constituídas de acordo com as regras normativas do ordenamento jurídico de Trinidad e Tobago, motivo pelo qual, atendendo ao princípio da coerência fiscal, devem ser aceites em Portugal;

iv.        as despesas relativas ao processo n.º CV 2016-... encontram-se devidamente documentadas, pelo que devem ser aceites como gasto;

v.         a decisão da reclamação graciosa é ilegal por défice instrutório, tendo violado o disposto no n.º 1 do artigo 266.º da CRP e o artigo 58.º e 72.º da LGT;

vi.        vício de falta de fundamentação das liquidações de juros compensatórios.

 

3.         No dia 17-10-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.         A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.         Em 04-12-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.         Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 07-01-2010.

 

7.         No dia 10-02-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.         No dia 29-09-2020, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.

 

9.         Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pela Requerente, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.       Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

11.       O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-         A Requerente é uma sociedade comercial, constituída em 2013, que se dedica à prestação de serviços topográficos a entidades públicas e privadas; projectos de construção civil, projectos de estradas, arruamentos, saneamentos, linhas eléctricas, barragens e infraestruturas; formação profissional na área de topografia; produção e comercialização de software; produção de cartografia; produção de informação geográfica; actividades de produção cadastral; consultoria e estudos em geologia e geotecnia; metrologia; batimetria hidografia e afins.

2-         No âmbito da sua actividade, a Requerente constituiu uma estrutura para operar no Gana e outra em Trinidad e Tobago.

3-         A estrutura que operava no Gana possui capital próprio no valor de US $ 71.205,00.

4-         Na documentação referente à sua operação no Gana, nomeadamente no Certificate of Registration, consta que a mesma – “is registered with the internal revenue servisse under the internal revenue (registration of business)”.

5-         No registo do departamento central do Gana – Registrar-General’s Department Accra-Ghana – é referido que o único e principal local de negócio/funcionamento está localizado no Gana.

6-         A actividade da operação da Requerente no Gana centra-se na prestação de serviços a entidades no Gana, não estando a sua actividade dirigida ao mercado português.

7-         A Requerente teve necessidade de exercer em Trinidad e Tobago, a actividade que desenvolve em Portugal.

8-         Da declaração de rendimentos da operação em Trinidad e Tobago, referente a 2016, - “corporation tax return, form 500CTR” – consta “Branch of non-resident company”.

9-         Na referida declaração foi assinalada a morada da sociedade na cidade de Porto of Spain em ST. CLAIR (…), localizada em Trinidad e Tobago.

10-       No certificado de registo da operação – “VALUE ADDED TAX CERTIFICATE OF REGISTRATION”, atesta-se que a sociedade A…, S.A., com a sua morada em … St Clair Porto of Spain Trinidad foi registada ao abrigo da lei “Value Added Tax Act Chapter 75:06”.

11-       No exercício de 2015, foram contabilizadas perdas por imparidade, na contabilidade da operação localizada em Trinidad e Tobago, no valor de $ 2.481.674, relativas ao cliente B..., S.A.

12-       Os créditos em causa foram considerados, de acordo com as regras contabilísticas de Trinidad e Tobago, como perdas por imparidade.

13-       A relação comercial com o cliente “B..., S.A.” começou a deteriorar-se logo que as facturas começaram a não ser pagas e a dívida começou a acumular.

14-       Após a Requerente ter conhecimento de que a sociedade “B..., S.A.” estaria a parar o investimento em Trinidad e Tobago agendou, de imediato, uma reunião com os administradores da mesma.

15-       Nessa reunião, o cliente “B..., S.A.” manifestou a intenção de abandonar o mercado em Trinidad e Tobago, por não ter capacidade financeira para continuar.

16-       Quando questionado acerca do pagamento das facturas em dívida, o cliente “B..., S.A.” referiu que não tinha qualquer possibilidade de pagamento e que não o iria conseguir efectuar.

17-       O cliente “B..., S.A.” era devedor a outras sociedades.

18-       A Requerente reuniu com os seus consultores fiscais que referiram ser prudente, de bom senso e de condição suficiente – e para que o que fosse declarado reflectisse a situação real e objectiva da sociedade – e à luz dos princípios contabilísticos de Trinidad e Tobago, considerar aqueles créditos como incobráveis, uma vez que seria expectável nunca os receber.

19-       A Requerente considerou os créditos como incobráveis.

20-       A declaração foi validada, não tendo sido alvo de qualquer rectificação por parte das autoridades de Trinidad e Tobago.

21-       Após a reunião, alguns serviços que já tinham sido prestados à sociedade “B..., S.A.” e ainda não tinham sido facturados, porque não tinham ainda sido aprovados os autos de medição, foram facturados para que constassem da contabilidade.

22-       Em 22-06-2016, a Requerente propôs uma acção no Tribunal de San Fernando, em Trinidad e Tobago tendo em vista a cobrança daqueles créditos.

23-       A Requerente conseguiu recuperar parte do valor em dívida.

24-       A Requerente apresentou como documentos comprovativos das despesas gerais do processo n.º CV 2016-... do Tribunal de Justiça de San Fernando, a conta do Tribunal e do mandatário, assinada e carimbada pelo mandatário.

25-       A Requerente foi objecto de um acção inspectiva de âmbito parcial, em sede de IVA e IRC, relativa aos anos de 2015 e 2016, credenciada pela Ordens de Serviço n.º OI2018… e n.º OI2018….

26-       Em 13-02-2019, a Requerente foi notificada do projecto de relatório de inspecção.

27-       Em 19-02-2019, a Requerente exerceu direito de audição.

28-       Em 13-03-2019, a Requerente foi notificada do relatório de inspecção tributária.

29-       Do relatório de inspecção consta, além do mais, o seguinte:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

30-       Na sequência das correcções efectuadas em sede de inspecção, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação adicional de IRC n.º 2019 ... e n.º 2019 ... e das liquidações de juros compensatórios n.º 2019 ..., n.º 2019 ..., n.º 2019 ..., n.º 2019 ... e n.º 2019 ..., no valor global de €64.994,84.

31-       Das liquidações de juros compensatórios, consta o seguinte:

 

 

32-       A Requerente não procedeu ao pagamento das referidas liquidações.

33-       Foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …2019… e apensos, para cobrança coerciva das referidas liquidações.

34-       A Requerente apresentou em 06-05-2019, pedido de dispensa de prestação de garantia, nos termos dos artigos 52.º, n.º 4 da LGT e 170.º do CPPT.

35-       O requerimento de dispensa de garantia foi recepcionado pelo Serviço de Finanças de ... 2, a 08-05-2019.

36-       Em 03-06-2019, a Requerente não tinha sido notificada de qualquer decisão relativa ao pedido de dispensa de garantia.

37-       Nesse dia, a Requerente dirigiu-se ao Serviço de Finanças de ... 2 no sentido de perceber o motivo pelo qual não tinha sido notificada da decisão.

38-       Foi referido pelos funcionários da AT que não havia sido recebido qualquer requerimento de dispensa de garantia.

39-       Após ter sido comprovado que o requerimento foi enviado e recebido, foi remetido para o serviço de finanças, via e-mail, cópia do requerimento.

40-       Em 21-06-2019, a AT ainda não se tinha pronunciado acerca do pedido de dispensa de garantia, tendo ordenado a penhora da única conta bancária activa da Requerente.

41-       À data de apresentação do pedido arbitral tinham sido penhorado à Requerente o montante total de €719,72. 

42-       Em 05-08-2019, foi proferida pela AT a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de garantia.

43-       Em 23-08-2019, a Requerente constituiu penhor sobre o equipamento e solicitou dispensa de garantia do restante valor.

44-       Até à data da apresentação do pedido arbitral, a AT ainda não se havia pronunciado relativamente ao requerimento de constituição de penhor e dispensa de garantia.

45-       Em 06-05-2019, a Requerente apresentou reclamação graciosa dos referidos actos de liquidação.

46-       A Requerente solicitou, em sede de reclamação graciosa, a inquirição de duas testemunhas, por considerar a prova testemunhal essencial.

47-       A AT não procedeu à audição das testemunhas indicadas pela Requerente em sede de reclamação graciosa.

48-       Em 05-06-2019, a Requerente foi notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa.

49-       Em 18-07-2019, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa.

50-       Da decisão de indeferimento da reclamação graciosa consta, além do mais, o seguinte:

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , o “ relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

Sobre a ordem do conhecimento dos vícios, determina o artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, que o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

Não tendo sido alegado nenhum vício conducente à nulidade, a apreciação dos vícios é feita pela ordem indicada pela Requerente, desde que se estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade.

Assim sendo, começar-se-á por apreciar-se os vícios atinentes à falta de fundamentação

dos actos de liquidação de IRC.

 

a.

Começando pela alegada falta de fundamentação dos actos de liquidação de IRC por não se encontrarem devidamente fundamentados, em violação do artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e do artigo 77. º da Lei Geral Tributária, entende a Requerente que do teor dos actos recebidos, não resulta suficiente a necessária fundamentação de facto e de direito, por forma a justificar a decisão nela inserta. De acordo com o entendimento da Requerente, não são explicitados os fundamentos, de facto e de direito, que determinaram a sua emissão, referenciando-se, apenas, a seguinte alusão genérica: “Fica V.Ex.ª. notificado (a) para (…) efectuar o pagamento do saldo apurado, de acordo com a demonstração de acerto de contas junta” , e “(…) Liquidação de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos, conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida” .

Contestando esse entendimento, defende a Requerida que a fundamentação é suficiente, nos termos do artigo 77.º da LGT, feita por remissão para o relatório de inspecção, relatório esse que a Requerente assumidamente conhece, tendo, inclusive, participado em sede de exercício de direito de audição. 

Por seu turno, alega a Requerente que mesmo que se admitisse que a notificação dos actos de liquidação se possa fundamentar em algum documento externo, sem necessidade de cumprimento dos requisitos mínimos de fundamentação exigidos pelo n.º 2 do artigo 77.º da LGT, sempre se teria de exigir remissão, na própria notificação, para esse mesmo documento .

Em face do exposto e tendo em consideração os factos dados como provados, cumpre apreciar esta primeira questão controvertida.

Cumpre, em primeiro lugar, ter em atenção a redacção da norma prevista no artigo 77.º da Lei Geral Tributária e desta retirar o seu conteúdo útil. De acordo com o referido preceito, cuja epígrafe é “Fundamentação e eficácia”: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos anteriores, pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária” e prossegue o segundo número do mesmo artigo, “ A fundamentação dos actos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação.”

De acordo com DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA , a Constituição da República Portuguesa garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os actos administrativos que afectem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos. Ora, tendo em consideração o que se encontra previsto no artigo 120.º do Código de Procedimento Administrativo, ter-se-á como compreendido nesse conceito, os actos tributários. Por outro lado, o artigo 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa garante aos interessados a impugnação contenciosa contra quaisquer actos administrativos que sejam lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos. Descortina-se assim, a razão pela qual o dever de fundamentação dos actos tributários e decisórios de procedimentos tributários surge reforçado no artigo 77.º da Lei Geral Tributária: a proteção dos administrados.

Em suma, impende sobre a AT um dever de fundamentação sobre os actos tributários por ela praticados, devendo obrigatoriamente constar as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos actos tributários, assim como, os prazos e meios de defesa à disposição do contribuinte, conforme o disposto no artigo 77.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.

Trata-se de uma disposição legal que visa assegurar a racionalidade das decisões cometidas à AT, proporcionando um controlo interno do percurso lógico-valorativo encetado pela própria entidade antes de emitir a sua decisão e, que se destina, fundamentalmente, a desempenhar um controlo de legalidade das decisões da AT, permitindo ao contribuinte optar, conscientemente, por cumprir a decisão, conformando-se com a mesma ou cumprir a decisão mas sindicá-la, seja pela via administrativa ou pela via judicial.

Na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria, exige-se que a fundamentação possa ser considerada suficientemente clara e compreensível, nas razões de facto e de direito, para um destinatário médio colocado na situação concreta.

Todavia, mesmo tendo o atrás referido em especial consideração, ainda assim e em face da prova documental produzida, julga-se não ter havido falta de fundamentação da notificação do acto de liquidação.

De facto, cumpre não olvidar que as liquidações impugnadas surgem na sequência do procedimento de inspecção tributária, com incidência nos anos de 2015 e 2016, de que a Requerente foi objecto, tendo a liquidação sido efectuada com base nos factos constantes do Relatório de Inspeção Tributária, que a Requerente, desde a reclamação graciosa, demonstrou compreender, tomando, de maneira fundada, a decisão de não aceitar. Por conseguinte, não será difícil concluir que o destinatário do acto sempre podia saber qual foi a situação de facto ponderada, qual o direito escolhido e o modo como ele foi interpretado e aplicado ao caso concreto.

De resto, a própria Requerente acaba por conceder nisso mesmo – pelo menos de forma

implícita – ao sustentar, também desde a reclamação graciosa, que a remissão para o relatório de inspecção deveria ser explícita.

Contudo, este entendimento é, desde logo, contrariado pelo Acórdão do STA de 19-05- 2004, proferido no processo 0228/03, onde se lê que “Não vale como fundamentação a motivação apresentada posteriormente à prática do ato, nem a constante de peças instrutórias anteriores para as quais não tenha sido feita remissão, expressa ou implícita.”, admitindo-se, assim, que a remissão possa ser implícita, ou seja, decorrente do próprio contexto do acto tributário, ou do qual este emerge.

Neste mesmo sentido, se orienta a jurisprudência do STA que considera que “Apesar da não indicação expressa do preceito legal aplicável, a exigível fundamentação de direito do acto tributário será suficiente com a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, desde que, em qualquer caso, se possa concluir que aqueles eram conhecidos ou cognoscíveis por um destinatário normal colocado na posição em concreto do real destinatário.” , e que “A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa” .

Com efeito, os actos de liquidação em causa foram praticados, como resulta da matéria de facto dada como provada, na sequência de uma inspecção tributária ao exercício de 2015 e 2016, cujo relatório foi notificado à Requerente contendo a seguinte menção expressa: “Das correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indirecta, cujos fundamentos constam do referido Relatório. A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar”.

É certo que daquelas demonstrações de liquidação não constava a referência expressa ao relatório de inspecção tributária, mas, a notificação do relatório que prenunciava a emissão daquele acto e a sua posterior notificação, com um conteúdo em tudo correspondente ao que resulta do relatório, constituem elementos bastantes para que se considere preenchido, in casu, o dever de fundamentação do acto de liquidação .

Este, de resto, tem sido o juízo dos nossos tribunais superiores em casos análogos, podendo a esse respeito conferir-se os Acórdãos do STA de 10-09-2014, proferido no processo 01226/13 , do TCA-Norte de 13-09-2012, proferido no processo 00334/05.8BEBRG , e do TCA-Sul de 23-05-2006, proferido no processo 01156/0614 .

Atento tudo quanto se expôs, no caso, a existir alguma irregularidade (mera irregularidade), limitar-se-ia à falta de referência expressa no acto de liquidação aos elementos identificativos do relatório de inspecção. A este propósito, refere o Acórdão do STA de 14-10-2020, proferido no processo n.º 0213/14.8BECBR que “nem sempre a falta de fundamentação importa a anulação do ato. Não é assim, designadamente, quando o fim visado pela exigência formal preterida tenha sido alcançado por outra via, isto é, quando for de entender que da violação das regras formais não tenha resultado uma lesão efetiva dos valores ou interesses protegidos pela norma que prescreve a formalidade ou exige a sua observância. Nestes casos, em que for de entender que esses valores ou interesses foram acautelados por outra via, o vício de forma torna-se irrelevante, e o incumprimento da norma que prescreve ou exige a formalidade degrada-se no incumprimento de uma formalidade não essencial”.

 No caso, a irregularidade não prejudicou a correcta compreensão pela Requerente da relação entre os actos de liquidação e o relatório de inspecção, já que, inclusive, a Requerente imputou outros vícios às liquidações impugnadas. Por isso, e apesar de não haver uma remissão explícita para as conclusões desse procedimento inspetivo, a Requerente, de alguma forma, logrou compreender que os verdadeiros fundamentos das liquidações impugnadas derivavam desse outro ato e, por isso, os convocou para o processo.

Face a tudo quanto se expôs, improcede o alegado vício de falta de fundamentação.

 

***

b.

Coloca também a Requerente nos presentes, a questão de saber se as operações efectuadas fora de Portugal - nas Repúblicas do Gana e Trinidad e Tubago - têm de ser reflectidas na contabilidade da Requerente e, portanto, sujeitas a imposto em Portugal.

            Sustenta a Requerente que tais operações do Gana e de Trinidad e Tobago não são sucursais, como sustenta a AT, mas antes filiais, com personalidade jurídica, sendo entidades juridicamente distintas da empresa-mãe portuguesa, pelo que a entidade-sede somente integra na sua contabilidade os resultados obtidos pela filial, quando os lucros lhe forem distribuídos.

            Por sua vez, sustenta a AT que a Requerente possui a sede em Portugal e Filiais/Sucursais situadas fora de Portugal, nas Repúblicas do Gana e Trinidad e Tobago, motivo pelo qual as operações efectuadas por esses estabelecimentos estáveis têm de ser reflectidas na contabilidade da empresa sede e, considerados na determinação do lucro tributável desta para efeitos do IRC devido em Portugal, atento o princípio da universalidade.

            Vejamos.

            Determina o artigo 4.º, n.º 1 do Código do IRC:

“Relativamente às pessoas colectivas e outras entidades com sede ou direcção efectiva em território português, o IRC incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.”.

            O artigo 4.º n.º 1 do CIRC que estabelece a extensão da obrigação de imposto, determina que quando estão em causa pessoas colectivas ou outras entidades com sede ou direcção efectiva em território português, o IRC incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. Com efeito, aquele normativo não se refere a sucursais ou filiais, mas antes a “pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português”.

            A Requerente tem sede em território português pelo que estará sujeita a imposto em Portugal pelos rendimentos obtidos em Portugal e fora deste território.

            A AT partiu do indício que constava da IES da Requerente no qual se fazia referência a “sucursais/filiais” no Gana e em Trinidad e Tobago, para considerar que os rendimentos daquelas entidades deveriam ser refletidos na contabilidade da Requerente. Porém, não se bastou com tais indícios.

            Senão vejamos:

            No que respeita à sociedade de Trinidad e Tobago, no documento que constitui o anexo I do projecto de relatório de inspeção (“Certificate of Registration of External Company” - Certificado de Registo de Empresa Externa), pode ler-se que “A… S.A. was registered as an external company”, o que significa que se trata de uma empresa externa, surgindo identificado o nome, a sede e os órgãos sociais da Requerente em Portugal, assim como a referência ao Decreto-Lei n.º 262/86 (que aprovou o Código das Sociedades Comerciais português).

            A lei de Trinidad e Tobago (LAWS OF TRINIDAD AND TOBAGO, COMPANIES ACT, 1995 ) , define “external company” como qualquer entidade constituída sob as leis de um país diferente de Trinidad e Tobago . Com efeito, o anexo I ao projecto de relatório de inspeção, constitui uma autorização da Requerente para operar em Trinidad e Tobago, não constituindo, portanto, a operação de Trinidad e Tobago uma entidade jurídica distinta da Requerente.

            Acresce que, no documento n.º 13 junto pela Requerente, emitido pelo Governo da República de Trinidad e Tobago surge assinalado o campo “branch of non-resident company”, ou seja, sucursal de uma empresa não residente.        

            No que respeita à operação no Gana, do documento que constitui o anexo II ao projecto de relatório de inspeção “Certificate of Registration”, (Certificado de registo), pode ler-se “A… SA is this day registered under the Companies Act. 1963 (Act 179) as na External Company.”. De onde resulta, desde logo, que a A… SA está registada como uma empresa externa. A lei do Gana (COMPANIES ACT 1963 (ACT 179) ), define uma empresa externa como uma entidade corporativa formada fora do Gana que tem um local de negócios estabelecido no Gana .

            Com efeito, o que se apura é que a operação da Requerente do Gana não foi exercida por meio de uma entidade com personalidade jurídica própria, constituindo antes, uma extensão da Requerente – um estabelecimento estável.

            A Requerente, foca a sua argumentação discordante da correcção ora em apreço, discorrendo sobre os conceitos de sucursal e filial, discussão essa, ressalvado o devido respeito, estéril para a matéria em causa, na medida em que, por um lado, o CIRC não dá qualquer relevância ao referido conceito de filial.

            Por outro lado, assenta também a argumentação da Requerente num pressuposto, fundamental, não só não demonstrado como infirmado, de que as suas operações no estrangeiro foram realizadas por sociedades (pessoas jurídicas) distintas de si.

            Ora, não se demonstrando tal circunstância, tais operações terão de se reconduzir ao conceito de estabelecimento estável, pelo que os rendimentos imputáveis a tais operações apenas poderiam ser excluídos do cômputo do lucro tributável, verificados os requisitos do artigo 54.º-A do CIRC, o que no caso a Requerente não tenta sequer demonstrar.

            Atento tudo quanto se expôs, verifica-se que os documentos juntos aos autos evidenciam a inexistência de uma entidade distinta da Requerente, quer no Gana, quer em Trinidad e Tobago, pelo que os rendimentos auferidos naquelas jurisdições são imputáveis à Requerente e encontram-se sujeitos a tributação em Portugal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do CIRC, motivo pelo qual improcede, nesta parte, o pedido arbitral. 

 

*

            Insurge-se, ainda, a Requerente contra a correcção operada pela AT, relativamente ao exercício de 2015, e à operação de Trinidad e Tobago. Considerou a AT que não se encontravam verificados os requisitos que decorrem dos artigos 28.º-A, n.º 1, alínea a) e 28.º-B, ambos do CIRC, para que fosse reconhecida, no ano de 2015, a imparidade relativa às facturas n.º 21, 22 e 23 de Outubro, Novembro e Dezembro de 2015, emitidas à B..., SA. 

Dispõe o primeiro dos referidos artigos, no que para o caso releva, que:

“1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores: a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;”.

Também no que para o caso releva, dispõe o segundo dos referidos normativos:

“1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.”

Considerou a AT que “por se verificar que os mesmos não se encontravam em mora nem foram considerados créditos de cobrança duvidosa, e ainda porque o SP, continuou a faturar a este cliente no ano de 2016. Os créditos foram reclamados judicialmente – Processo n.º CV 2016-... do Tribunal de Justiça de San Fernando na República de Trinidad e Tobago, apenas em 22-02-2016. Assim, não se encontravam em mora há mais de seis meses, pelo que o SP, não estava na posse de provas objetivas para poder deduzir este montante a título de imparidades”.

Por sua vez, sustenta a Requerente que atendendo à informação que lhe foi transmitida pelo seu cliente, reuniu com os seus consultores fiscais que referiram ser prudente considerar aqueles créditos como incobráveis, uma vez que seria expectável nunca os receber. Mais refere a Requerente que os montantes foram considerados como perdas por imparidade na contabilidade da operação localizada em Trinidad e Tobago, de acordo com as regras contabilísticas daquele local, pelo que se são considerados no país onde está localizada a sociedade, devem também ser considerados no ordenamento jurídico-fiscal português.

Conforme acima se referiu, os resultados das operações do Gana e Trinidad e Tobago têm de ser reflectidas na contabilidade da Requerente, sendo que as normas contabilísticas aplicáveis, para efeitos da sua tributação em Portugal, serão as aqui vigentes, dado ser aplicável o CIRC, que dispõe no seu artigo 17.º, n.º 1, que “O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”, dispondo ainda o n.º 3, alínea a) do mesmo artigo que “De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve: a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;”.

Ou seja, e em suma, o cálculo dos rendimentos tributáveis em Portugal, faz-se de acordo com o CIRC, e este Código prevê a aplicação da normalização contabilística, não excepcionando situações como a da ora Requerente.

Neste seguimento, o artigo 28.º, n.º 1, alínea a) do CIRC faz depender a dedutibilidade das perdas por imparidade da circunstância de estarem em causa créditos resultantes da actividade normal que possam ser considerados de cobrança duvidosa.

O artigo 28.º-B, n.º 1 do CIRC ajuda a densificar este conceito, considerando como crédito de cobrança duvidosa aqueles em que o risco da incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que acontece nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de Agosto;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas objectivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

No caso sub iudice, estão em causa as facturas n.º 21, 22 e 23 de Outubro, Novembro e Dezembro de 2015, emitidas à B..., SA., pelo que, desde logo, não se encontravam em mora há mais de seis meses, como exige a alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do CIRC, para que se pudesse constituir a imparidade no ano de 2015.

Além disso, a Requerente não estava na posse de provas objectivas da imparidade e de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento, tanto que a acção judicial para cobrança daqueles valores só veio a ser instaurada em 22-02-2016.

Assim, não se encontravam reunidos os requisitos exigidos pela legislação portuguesa, designadamente, pelo artigo 28.º-A e 28-º-C do CIRC, para que fossem constituídas as imparidades no exercício de 2015, pelo que nenhuma censura merece a actuação da AT, improcedendo, nesta parte, o pedido arbitral.

 

*

            Por fim, insurge-se a Requerente quanto à correcção efectuada pela AT no sentido de desconsiderar como gasto dedutível o montante de $TT 878.165,00 relativo a despesas do processo n.º CV 2016-... do Tribunal de Justiça de San Fernando, por entender que não se encontrava devidamente documentado.

Assim sendo, no que a esta correcção respeita, não há que aferir da verificação dos pressupostos do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, pois a AT apenas colocou em causa o gasto com fundamento no não cumprimento de formalidades na emissão dos documentos e não a efectividade do mesmo.

No que concerne à documentação dos gastos, determina o n.º 3 do artigo 23.º do CIRC, o seguinte:

“3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.”

Com efeito, os encargos têm de estar devidamente justificados por meio de documento para que sejam fiscalmente dedutíveis, sob pena de serem considerados como gasto não dedutível ao abrigo do disposto no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea c) do CIRC.

A questão que se coloca, portanto, é saber, em sede de IRC, qual o conteúdo que o documento deve ter, ou seja, quais as formalidades que deve respeitar determinado documento, para que o gasto se considere devidamente documentado.

A jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que o documento justificativo do custo não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, bastando um documento, que até poderá ser interno, que contenha os elementos essenciais da operação que titulam, por forma a possibilitar à AT quer o controle da legalidade da dedução para efeitos do gasto, quer da respetiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços.

Refere o Acórdão do TCA-Sul de 28-03-2019, proferido no processo n.º 69/17.9BCLSB, “A prova do custo pode ser efectuada através de documento interno (emitido pelo próprio sujeito passivo), desde que coadjuvado por qualquer outro meio de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao Tribunal aquilatar sobre o preenchimento do respectivo ónus probatório.”

A Requerente apresentou como documentos comprovativos das despesas gerais do processo n.º CV 2016-... do Tribunal de Justiça de San Fernando, a conta do Tribunal e do mandatário, assinada e carimbada, apresentando ainda extractos bancários que demonstram que apenas recebeu o montante líquido mencionado naquela conta.

Neste referido documento surge identificado o Tribunal, o número do processo, a designação dos serviços, o valor, resultando, essa informação corroborada pela prova testemunhal produzida nos presentes autos, dispondo, portanto, a AT de todos os elementos necessários a fiscalizar a efectividade e os elementos fiscalmente relevantes do gasto, não se justificando por isso, como entendeu a AT, a exigência de documentação adicional.

Face ao exposto, julga-se que o gasto em causa está devidamente documentado, pelo que deverá proceder, nesta parte, o pedido arbitral, anulando-se a correcção ora em apreço.

 

***

 

c.

Alega, ainda, a Requerente que constitui pressuposto da liquidação de juros compensatórios que o retardamento da liquidação do imposto se deva a facto imputável ao contribuinte e que não se vislumbra, no caso, qualquer referência à existência de culpa da Requerente, concluindo pela ausência de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º da LGT e no artigo 268.º, n.º 3 da CRP.

Na matéria em questão entendeu já o TCA-Sul  que “Os juros compensatórios funcionam como uma cláusula penal pelo retardamento da liquidação do imposto, imputável ao contribuinte, integrando-se na liquidação deste, onde vão buscar parte da sua fundamentação, para além de também exigirem um segmento de fundamentação própria, mas sobre a sua liquidação, não exige a lei que a AT proceda à audição prévia do contribuinte de forma autónoma e distinta da audição relativamente ao imposto donde provém.

No que concretamente diz respeito à fundamentação da liquidação de juros compensatórios, tem entendido de forma unânime o STA que “A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem.” / , elementos esses que, conforme resulta da matéria de facto, constam das notificações que foram efectuadas à Requerente.

Com efeito, in casu, na liquidação de juros compensatórios a AT fez constar o motivo da liquidação, designadamente, que foi liquidada nos termos do art. 102.º do CIRC e 35.º da LGT por ter havido retardamento na liquidação. Por outro lado, da liquidação também constam os elementos essenciais que presidiram ao apuramento dos juros compensatórios, designadamente, o montante do imposto em falta (valor base) sobre o qual incidem os juros, o período a que respeita, a taxa de juro aplicável (4%) e o valor dos juros apurado.

No que respeita, concretamente, ao apuramento da culpa no retardamento da liquidação, entendeu o TCA-Sul, (Ac. do TCA-Sul de 11-11-2008, proferido no processo 02020/07), “no caso dos juros compensatórios e na sequência do acima referido, a factualidade em que há-de radicar o juízo de culpa, não pode ser outra que não aquela que subjaz ao apuramento de imposto entendido em falta, na exacta medida em que se integram neste, nos termos do n.° 8, do art.° 35.° da LGT.”

Compreendidas as coisas desta forma, facilmente se conclui que, conjugadas com o relatório de inspecção que fundamenta os actos de liquidação adicional levados a cabo pela AT, as liquidações de juros compensatórios notificadas à Requerente contêm todos os elementos obrigatórios por lei, incluindo a respectiva fundamentação, devendo, por isso, improceder a arguida falta de fundamentação.

 

***

d.

Em sede de reclamação graciosa, a aqui Requerente solicitou a inquirição de duas testemunhas, por considerar a prova testemunhal essencial, tendo a AT recusado a produção de prova testemunhal, nos seguintes termos: “Assim, reconhecendo preferência à prova documental, não consideramos ser esta uma diligência complementar indispensável à descoberta da verdade material. A matéria factual a provar, tal como ficou expresso supra, não se compadece com o meio de prova requerido, pois, apenas a prova documental permite o esclarecimento da verdadeira situação tributária da Reclamante”.

Alega a Requerente que não pode a AT vir indicar qual o momento próprio para a produção de prova testemunhal, ou por outro lado, recusar a prova testemunhal por considerar que não é de interesse ou essencial para o exercício do direito da Requerente, uma vez que  está subordinada ao princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, devendo realizar todas as diligencias necessárias para a satisfação do interesse público e para a descoberta da verdade material, concluindo, por isso, que decisão da reclamação graciosa é ilegal por défice instrutório, tendo violado o disposto no n.º 1 do artigo 266.º da CRP e 58.º e 72.º da LGT.

As alegações da Requerente ora em apreço, deverá notar-se desde logo, não respeitam a vícios dos actos tributários objecto da presente acção arbitral, mas a vícios do procedimento de reclamação graciosa, que teve aqueles como objecto.

Sucede que a decisão da reclamação graciosa apenas integra o objecto da presente acção arbitral na parte que incide sobre a legalidade da liquidação de imposto que lhes serviu de objecto, e não na parte que se reporte a vícios próprios de tal acto de decisão.

Como explica Carla Castelo Trindade , “Esta é a primeira questão que deve ficar clara: o objecto do processo arbitral é o acto de liquidação (...)”. Prossegue a mesma Autora, esclarecendo que “os actos de segundo ou terceiro grau poderão sempre ser arbitráveis, na medida em que comportem, e só nessa medida, eles próprios, a (i)legalidade dos actos de liquidação em causa”.

Decorrência do quanto se vem de expor, é que “não são arbitráveis os vícios próprios dos actos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do acto tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária.” .

Como exemplifica ainda a mesma Autora , integram-se nesses vícios próprios dos actos de segundo e terceiro grau, os vícios formais que os inquinem, incluindo a sua falta de fundamentação.

 Ou seja, e em suma, o artigo 2.º do RJAT toma como objecto da competência dos tribunais arbitrais, os actos primários (“actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”), sendo os actos secundários unicamente relevantes como elementos proporcionadores da tempestividade da pretensão impugnatória, como resulta do artigo 10.º, n.º 1, al. a) daquele Regime, onde se impõe que os pedidos de constituição de tribunal arbitral sejam apresentados no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.º 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Daí que, em primeira linha, se esteja no presente processo a sindicar a legalidade dos actos de liquidação de IRC da Requerente (objecto directo da competência dos tribunais arbitrais), sendo a legalidade do acto secundário de decisão da reclamação graciosa – cuja função principal no processo arbitral tributário é a de garantir a tempestividade da impugnação arbitral do acto primário – meramente reflexa ou derivada da legalidade daquele.

Deste modo, e pelo exposto, sendo o objecto da presente acção arbitral os actos de liquidação de IRC, e o acto de decisão da reclamação graciosa apenas e na medida em que incorpore a (i)legalidade daquele primeiro acto, não se incluindo aí, portanto, os vícios próprios de tais actos, incluindo a violação de normas relativas à produção de prova em sede de reclamação graciosa e ao princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, não poderá este Tribunal pronunciar-se sobre esse vício arguido pela Requerente, no que diz respeito ao acto de decisão da reclamação graciosa, devendo concluir-se que os actos de liquidação de IRC, objecto do presente processo arbitral, não enfermam do vício de ilegalidade por défice instrutório, improcedendo, por isso, o pedido arbitral também nesta parte.

 

***

f.

            Formula, a final, a Requerente, os seguintes pedidos acessórios:

i)          Condenação da AT no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos resultantes do incumprimento do prazo legalmente previsto para a apreciação do pedido de dispensa de garantia e do pedido de constituição de penhor;

ii)         Condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios;

iii)        Condenação da AT no pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia.

*

Peticiona a Requerente uma indemnização pelos prejuízos resultantes do incumprimento, por parte da AT, do prazo legalmente previsto para a apreciação do pedido de dispensa de garantia e do pedido de constituição de penhor.

            Vejamos.

O processo arbitral tributário, à semelhança do que acontece com a impugnação judicial, é, essencialmente um contencioso de mera anulação. Não obstante, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estritamente ligados ao poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios, com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia ou com o direito à restituição do imposto indevidamente pago.

Ressalvadas estas excepções, estaremos sempre perante um contencioso de mera anulação, o que significa que perante a impugnação de um acto tributário junto de um tribunal arbitral, a este tribunal caberá apenas considerar o acto legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo, cabendo à AT retirar as consequências da eventual decisão anulatória, no respeito pelo disposto no art.º 24.º do RJAT.

No sentido de tudo quanto se vem expondo, decidiu-se no Acórdão do TCA-Norte, de 09-07-2020, proferido no processo n.º 9655/16.3BCLSB, nos termos do qual “Ao contrário do que sucede no domínio das ações administrativas, quando está em causa a legalidade de atuação da administração, no âmbito das quais o julgador pode emitir injunções e pronúncias condenatórias relativamente à Administração, condenando-a à prática de ato com um conteúdo determinado, tal não sucede no âmbito do contencioso tributário de impugnação de ato de liquidação (quer arbitral quer estadual) com esse alcance, não estando legalmente prevista a possibilidade de condenação à prática de ato devido.”.

Também o TCA-Sul, no seu acórdão de 09-07-2020, proferido no processo 9655/16.3BCLSB, é peremptório em afirmar que embora seja “pacífico que, não obstante este contencioso ser essencialmente de mera anulação, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estreitamente ligados com o poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios ou com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia”, no contencioso tributário “estamos perante um contencioso tendencialmente de mera anulação. Significa isso que, perante a impugnação de um ato tributário perante um tribunal arbitral (ou perante um tribunal tributário estadual, dado que, ao nível da impugnação judicial, os poderes de uns e outros são idênticos), a este tribunal cabe apenas considerar o ato legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo (ou declarar a sua nulidade ou inexistência).”.

Tal significa, portanto, que os tribunais arbitrais tributários não podem emitir injunções condenatórias - como aquela que é formulada pela Requerente -, para além dos poderes estritamente ligados ao poder anulatório, que acima se referiram, pelo que, improcede, o pedido indemnizatório ora em apreço.

 

*

Quanto ao pedido acessório de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

São, portanto, pressupostos do direito a juros indemnizatórios: (i) existência de erro imputável aos serviços; (ii) apurado em sede de reclamação graciosa ou impugnação judicial; (iii) pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Constitui, portanto, pressuposto para o direito a juros indemnizatórios, que o imposto tenha sido pago, em montante superior ao legalmente devido.

Não resulta alegado nem, consequentemente, demonstrado nos autos, que o imposto apurado nas liquidações impugnadas tenha sido pago, não sendo equiparável ao pagamento, como parece sugerir a Requerente, a penhora de uma conta bancária em montante bastante inferior ao valor da dívida.

Face ao exposto, não se encontram preenchidos os pressupostos de que depende o direito a juros indemnizatórios, pelo que improcede também este pedido.

 

*

No que respeita ao pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, o artigo 53.º da LGT estabelece o seguinte:

“1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

Compete à Requerente provar os factos constitutivos do seu direito, entendendo-se como tal o facto que demonstre a existência desse direito, designadamente, a demonstração de que a garantia foi prestada e a identificação e quantificação dos prejuízos causados.

No caso, não vem alegado nem demonstrado que a garantia foi aceite, pelo que não se encontram verificados os pressupostos para que seja a AT condenada nos termos do artigo 53.º da LGT, sem prejuízo de que tal venha a ser apreciado em sede de execução de sentença.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)         Anular o acto de liquidação adicional de IRC n.º 2019 ... e as correspondentes liquidação de juros compensatórios, referentes ao ano de 2016, na parte correspondente à desconsideração para efeitos fiscais dos gastos o processo n.º CV 2016-... do Tribunal de Justiça de San Fernando, em Trinidad e Tobago, no valor total de € 171.125,40;

b)         Julgar improcedente a restante parte do pedido arbitral;

c)         Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de € 1.088,00, a cargo da Requerente e de € 1.360,00 a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 64.994,84, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

Notifique-se.

 

Lisboa

 

01 de Junho de 2021

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Carla Castelo Trindade)

 

O Árbitro Vogal

(Olívio Mota Amador)

 

 


[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Artigo 14.º do pedido de pronúncia arbitral.

[3] Artigo 15.º do pedido de pronúncia arbitral.

[4] Artigos 19.º a 21.º da Resposta.

[5] Artigo 31.º do pedido de pronúncia arbitral.

[6] In Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.º Edição – Encontro da Escrita 2012, pág. 675.

[7] Vide entre outros acórdãos do STA de 21.06.2017, processo n.º 068/17, de 26.03.2014, recurso 1674/13, de

23.04.2014, recurso 1690/13, de 20.11.2016, recurso 545/15 e do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de

07.06.2017, recurso 723/15.

[8] Cfr., p. ex., Ac. do STA de 08-06-2011, proferido no processo 068/11.

[9] Ac. do STA de 21-06-2017, proferido no processo 068/17

[10] Ac do STA de 16-09-2020, proferido no processo n.º 0921/15.6BEPRT.

[11] “(…) os actos de liquidação em questão ocorreram na sequência de acto inspectivo e em conformidade com o

relatório de inspecção tributária homologado por despacho. Relatório onde consta que esses actos derivam de

correcções aritméticas introduzidas por via da desconsideração das regularizações de IVA levadas a efeito pelo

contribuinte (ora recorrente) em diversas declarações periódicas devidamente identificadas, e que decorrem de

várias notas de crédito que ela produziu nos anos de 2002 e 2003.”

[12] “Com efeito, de atentarmos no relatório de inspecção que está subjacente à liquidação adicional impugnada,

cujo teor foi dado por reproduzido no probatório fixado, podemos concluir que a AT deu a conhecer ao visado, a

aqui Recorrente, as razões que a levaram a proceder à liquidação adicional impugnada.”

[13] “ (…) resulta claro que se o impugnante analisar o conteúdo da liquidação em conjunto com o relatório da

inspecção tributária, do qual também tem conhecimento, a fundamentação do acto tributário resulta cristalina,

sem ambiguidades, obscuridades, ou qualquer contradição.”

[15] Ponto 4. do COMPANIES ACT, 1995, disponível em: https://rgd.legalaffairs.gov.tt/laws2/alphabetical_list/lawspdfs/81.01.pdf

[17] Section 302, ponto (2) COMPANIES ACT 1963 (ACT 179)

[18] Neste sentido Ac. do TCA-Sul de 23-04-2015, proferido no processo n.º 06468 e o Ac. do TCA-Sul de 21-05-2015, proferido no processo n.º 07833/14.

[19] Cfr. Ac. do TCA-Sul de 21-10-2008, proferido no processo 02018/07.

[20] Ac. de 04-12-2013, proferido no processo 01111/13.

[21] No mesmo sentido, Ac. TCA-Sul de 25-06-2020, proferido no processo 1080/07.3BELRS.

[22] “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - Anotado”, Almedina, 2016, p. 69.

[23] Idem, p. 70.

[24] Idem, p. 71.