DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
O Requerente, A…, casado, contribuinte fiscal n.º ………, residente em …………. Viena da Áustria, não se tendo conformado com a liquidação de IRS n.º 2018 …………., veio, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, n.º 2, do artigo 5.º, n.º 1 do artigo 6.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem (RJAT), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 102.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, pedindo:
a. que seja declarada a ilegalidade e anulação parcial do ato tributário de liquidação n.º 2018 …………., tendo em conta que apenas 50% das mais valias são tributadas;
b. a reforma da liquidação dos juros compensatórios, em conformidade com a anulação parcial da liquidação;
c. Condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 61.º do CPPT.
É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”),
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18 de fevereiro de 2019.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, a qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo.
Em 4 de abril de 2019, as partes foram notificadas da designação do árbitro não tendo arguido qualquer impedimento.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 26 de abril de 2019.
Notificada para o efeito por despacho de 30-04-2020, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação, formulou um pedido de reenvio prejudicial ao TJUE e, subsidiariamente, requereu a suspensão da instância até à prolação de uma decisão por parte do TJUE no processo n.º 598/2018-T, pendente no CAAD.
Por despacho de 20-06-2019, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificou as partes para apresentarem alegações escritas, querendo, com carácter sucessivo.
Neste mesmo despacho, o Tribunal convidou o Requerente para se pronunciar sobre a requerida suspensão do processo até à prolação de uma decisão pelo TJUE.
O Requerente pronunciou-se pelo prosseguimento do processo arbitral, por terem sido proferidas decisões que concluíram pela ilegalidade do regime vigente.
A AT pela improcedência do pedido.
Por despacho de 24 de setembro de 2019 o Tribunal Arbitral decidiu ordenar a suspensão da instância, até à prolação de uma decisão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no processo n.º 598/2018-T.
Decisão que foi proferida a 18 de março de 2021 e que declarou o seguinte:
“O artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro que, para permitir que as mais‑valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado‑Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado‑Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais‑valias realizadas por um residente do primeiro Estado‑Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.”(consultável em https://curia.europa.eu/).
Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a decisão, nada disseram.
II. Objeto dos autos
A matéria controvertida assenta na tributação da totalidade das mais valias apuradas, à taxa autónoma de 28%, ao abrigo do disposto no artigo 72.º, n.º 1 alínea a) do Código do IRS, por se tratar de um cidadão europeu não residente, quando apenas deveria ter tributado 50% do seu valor, por aplicação do disposto no artigo 43.º n.º 2 do CIRS.
Trata-se, pois, de decidir se este regime diferenciado da tributação das mais valias realizadas por não residentes em território português, previsto no Código do IRS, estabelece uma discriminação incompatível com o princípio da liberdade de circulação de capitais, princípio fundamental da União Europeia.
II.1 Posição do Requerente
A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral o Requerente alega, em síntese, o seguinte:
Que é cidadão de nacionalidade inglesa com residência em Viena de Áustria, tratando-se, pois, de um residente num Estado Membro da União Europeia.
Que por escritura de 26 de maio de 2017, vendeu pelo preço de € 188.000,00 (cento e oitenta e oito mil euros), o prédio urbano sito na ………., inscrito na respetiva matriz predial da mencionada freguesia sob o artigo …. .
O aludido imóvel foi adquirido em 27 de fevereiro de 2012 pelo Requerente, ainda solteiro, pelo preço de € 100.000,00 (cem mil euros).
No anexo G da declaração de IRS relativa ao ano de 2017, incluiu apenas metade dos valores inerentes àquela alienação e aquisição, tendo a outra metade dos valores incluída na declaração de rendimentos do cônjuge.
Com base nesta declaração a AT emitiu a nota de liquidação n.º 2018 ………. em 09-07-2018, da qual resultou IRS a pagar no valor de € 10.127,89 (dez mil cento e vinte e sete euros e oitenta e nove cêntimos), cujo pagamento foi feito em tempo.
A AT incluiu a declaração de IRS do cônjuge do ora requerente nas chamadas “divergências” e concluiu que a alienação deveria ter sido declarada na totalidade pelo Requerente por se tratar de um bem próprio.
O Requerente apresentou a declaração de substituição, em cujo anexo G, declarou a alienação do já aludido imóvel.
Com base nesta declaração de substituição, a AT emitiu uma nova liquidação de IRS com o n.º 2018 ………, de 11-10-2018, e procedeu ao acerto de contas com o valor anteriormente pago, de onde resultou um pagamento adicional de € 12.345,51.
Que, por ser residente num Estado Membro não devia ter sido tributado pela totalidade das mais valias, uma vez que, o n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS (CIRS) não é aplicável apenas aos contribuintes residentes em Portugal, aplicando-se igualmente aos contribuintes não residentes mas com residência num Estado Membro.
A matéria controvertida consubstancia-se, pois, no facto de a AT ter aplicado a taxa de 28%, prevista no artigo 72.º n.º 1 alínea a) do CIRS, sobre a totalidade das mais valias apuradas, quando apenas deveria ter sido tributado 50% do seu valor, por aplicação do disposto no artigo 43.º, nº 2 do CIRS.
Defende o Requerente que, a redação do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS viola o direito na união europeia, em particular, a liberdade de circulação de capitais (artigo 63.º e segs do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), constituindo uma discriminação injustificada.
Para melhor sustentar a sua posição, invocou inúmera jurisprudência nacional e comunitária, mormente, a proferida pelo TJUE, no processo n.º C-443/06, “Acórdão Holmann”, acórdãos do STA e decisões do CAAD, que vão no sentido da incompatibilidade da aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS ao preceituado no artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (actual artigo 63.º do TFUE), por revestir carácter discriminatório (menos favorável) para os não residentes e ser, em consequência, restritiva da liberdade de circulação de capitais entre Estados-Membros.(...), que ficam sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que é aplicada a residentes, encontrando-se, numa situação menos favorável que estes últimos.(…)
II.2 Posição da Requerida
Notificada para responder, a AT fê-lo como sumariamente se descreve:
Que no seguimento do “Acórdão Holmann” foi decidido adaptar a legislação nacional à decisão nele sufragada e aditado ao artigo 72.º do CIRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, o n.º 7, actual n.º13, “Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 6, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.”
Por seu turno, o atual n.º 14, anterior n.º 8, do mesmo preceito legal, também foi aditado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, prescreve que: “Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”
Por força desta alteração legislativa os residentes num Estado Membro da União Europeia podem optar pelo regime que pretendem lhes seja aplicado:
a. o previsto para não residentes com opção pela taxa de 28% sobre a totalidade das mais valias; ou
b. aplicação do regime dos residentes, com englobamento de todos os rendimentos nesse ano (em Portugal ou no estrangeiro) tributação de 50% das mais valias, à taxa progressiva resultante do CIRS.
Na sua declaração de IRS o Requerente optou pela aplicação do regime de tributação geral aplicável aos não residentes. Razão pela qual, foi aplicada a taxa autónoma de 28% sobre a totalidade das mais valias obtidas em Portugal .
Defende a AT que, a alteração legislativa introduzida ao artigo 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, não foi ainda alvo de apreciação pelo TJUE, em sede de reenvio prejudicial para efeitos de apreciação do cumprimento das disposições conjugadas dos artigos 18.º, 63.º, 64.º e 65.º do TFUE.
Sendo que, esta alteração legislativa, passou a prever duas situações alternativas de tributação das mais valias realizadas por alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, e veio permitir que, tanto residentes como não residentes beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS (consideração do saldo da mais valia em apenas 50% do seu valor), desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos em Portugal e fora do território nacional, apenas e somente para efeitos de determinação da taxa aplicável aos rendimentos auferidos em Portugal.
Enunciou também, a Requerida, jurisprudência nacional que sustenta a não aplicabilidade do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS ao caso em análise.
E conclui que, a jurisprudência comunitária não é vinculativa em face do atual quadro legal nacional, pelo que, perante fundada dúvida sobre a aceitação do entendimento do Requerente, pede a suspensão da instância arbitral e sujeição da questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia, por via do reenvio prejudicial, nos termos do artigo 267.º do TFUE para que o TJUE estabeleça interpretação vinculante sobre esta matéria.
Invocando, a decisão proferida no processo n.º 598/2018-T, que suscitando a fundada dúvida sobre se a situação dos autos se subsumiria inteiramente à do processo C-443/06, porquanto a legislação atualmente existente já não é a mesma de então, possibilitando hoje ao residente num Estado-Membro obviar a esse tratamento desigual, se optar ser tratado como residente, com todas as legais consequências, em igualdade com a legislação aplicável a residentes, decidiu submeter ao TJUE, ao abrigo da alínea a) do artigo 267.º do TFUE, a título de reenvio, uma questão prejudicial.
A AT formulou um pedido de reenvio prejudicial ao TJUE e, subsidiariamente, requereu a suspensão da instância até à prolação de uma decisão por parte do TJUE no processo n.º 598/2018-T.
III. Saneamento
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir Decisão
IV. Matéria de facto
IV.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
1. O Requerente é um cidadão de nacionalidade inglesa, com residência em Viena de Áustria.
2. Em 26 de maio de 2017, por escritura lavrada no Cartório Notarial de …………….., (Livro nº. .…-A, de fls. 29 a fls. 32), o ora requerente vendeu, pelo preço de € 188.000,00 (Cento e oitenta e oito mil euros), o prédio urbano sito na ………., inscrito na respetiva matriz predial da mencionada freguesia sob o artigo …. .
3. Este prédio foi adquirido pelo Requerente, então solteiro, pelo preço de € 100.000,00 (cfr. doc. n.º 2)
4. O requerente submeteu a declaração Mod. 3, relativa ao ano de 2017, e no anexo G da declaração incluiu apenas metade dos valores inerentes à alienação e aquisição. (cfr. doc. n.º 3)
5. Com base na declaração apresentada pelo Requerente a AT emitiu a liquidação n.º 2018……………., em 09-07-2018, da qual resultou IRS a pagar no montante de € 10.127,89 (dez mil, cento e vinte e sete euros e oitenta e nove cêntimos) (cfr. doc. n.º 4)
6. O Requerente pagou este valor em 17-07-2018. (não contestado)
7. Tratando-se de um bem próprio o Requerente apresentou uma declaração de rendimentos de substituição onde, no respetivo anexo G, passaram a constar a totalidade dos valores de alienação e aquisição. (cfr. doc. n.º 6)
8. Com base nesta declaração de substituição a AT emitiu nova liquidação de IRS – Liquidação n.º 2018 ……………., de 11-08-2018, e procedeu ao acerto de contas com o valor anteriormente pago, de onde resultou um pagamento adicional de € 12.345,51. (cfr. doc. n.º 7)
9. A AT liquidou juros compensatórios no montante de € 165,51.(cfr. doc. n.º 7)
10. O Requerente pagou estas importâncias em 30-10-2018. (não contestado)
11. Não se conformando com as liquidações o Requerente reclamou graciosamente em 27-12-2018 da liquidação n.º 2018……………., de 09-07-2018. (cfr. doc. n.º 9)
12. Reclamação que foi indeferida por despacho de 17-01-2019, na qual se refere a liquidação n.º 2018 ……………., de 11-10-2018. (cfr. doc. n.º 10)
IV.2 Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.
V. Do Direito
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis»
De acordo com a redação do n.º 4 do mesmo artigo 10.º, o ganho sujeito a tributação corresponde à diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição.
O valor de aquisição é corrigido pela aplicação do coeficiente de desvalorização monetária, acrescido dos encargos e despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do imóvel (artigos 50.º e 51.º do CIRS).
Por seu turno, o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano (artigo 43.º, n.º 1, do CIRS), mas, no caso de transmissões efetuadas por residentes o saldo «é apenas considerado em 50 % do seu valor» (n.º 2 do mesmo artigo, na redação anterior à Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro).
Relativamente a residentes, sobre esse valor incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º do CIRS.
Relativamente a não residentes em território português, o artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS prevê a aplicação de uma taxa autónoma especial de 28%, aplicável à totalidade das mais-valias.
Porém, «os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português» (n.º 9 do artigo 72.º na redacção da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, vigente em 2018). De harmonia com o n.º 10 deste artigo «para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes».
Constitui entendimento consolidado, amplamente aceite e replicado na diversa jurisprudência do TJUE, secundada pelos tribunais nacionais, a proibição de discriminação entre os sujeitos passivos residentes num Estado Membro (in casu Portugal) e os residentes noutro Estado Membro.
Como acima referido, o TJUE pronunciou-se sobre esta questão em concreto, que lhe foi submetida no âmbito do processo n.º 598/2018-T, no pretérito dia 18 de março de 2021, declarou o seguinte:
“O artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro que, para permitir que as mais‑valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado‑Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado‑Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais‑valias realizadas por um residente do primeiro Estado‑Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.”(consultável em https://curia.europa.eu/).
Com esta decisão o TJUE, dissipam-se as interpretações divergentes que possam ter existido, e consolida-se o entendimento nos tribunais portugueses que:
O regime previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º do Código do CIRS é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável à totalidade do saldo.
Assim, é evidente que o regime de tributação a taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redação vigente em 2018, é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pois torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado.
Importa referir que, o n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa consagra o primado do direito comunitário e da prevalência da interpretação do TJUE, de onde decorre (i) para a AT a obrigação de desaplicar a norma interna (ii) para os tribunais de decidirem em conformidade com o direito europeu e as decisões do TJUE.
O princípio do primado do direito europeu assenta na necessidade de homogeneidade na aplicação do direito europeu e no facto de os Estados-membros não poderem invocar direito nacional para fundamentarem o incumprimento das suas obrigações europeias (o que é também um princípio geral de direito internacional).
As consequências da desconformidade entre o direito da União Europeia e o direito nacional é a desaplicação do direito nacional enquanto se mantiver a situação de desconformidade.
Ademais, os deveres resultantes do primado do direito da União Europeia vinculam todas as entidades públicas, incluindo toda a administração pública e os tribunais nacionais.
Por tudo quanto acima fica dito, decide-se, sem mais delongas que a liquidação é ilegal por vício de violação de lei.
VI. Dos Juros compensatórios
Dispõe o artigo 43.º da LGT:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – (…)
3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
(...)
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
Nos termos desta alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, independentemente de a ilegalidade ser ou não imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira, há direito da Requerente a juros, em caso de procedência do pedido que determine a ilegalidade da liquidação.
Igualmente, segundo jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, sempre que se verificar a procedência da reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação (no mesmo sentido, as decisões nos processos arbitrais, referindo-se a título de exemplo as decisões com os n.ºs 218/2013-T, 467/2019-T).
Tendo ficado demonstrada a errada aplicação da norma de incidência que justifica a anulação da liquidação impugnada, deve reconhecer-se o direito do Requerente a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data do efetivo pagamento do montante indevidamente liquidado (04-09-2019) até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.
VII - Decisão
Nestes termos, em conformidade com o acima exposto, decide-se, julgar procedente o pedido de pronuncia arbitral e, em consequência:
a. Declarar a anulação parcial da liquidação de IRS com o n.º 2018 ……………., na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária;
b. condenar a Requerida na restituição do imposto indevidamente pago;
c. Condenar a Requerida na reforma da liquidação dos juros compensatórios;
d. condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios nos termos legais.
VIII. Valor do processo:
Fixa-se em € 11.575,51 (onze mil quinhentos e setenta e cinco euros e cinquenta e um cêntimos) nos termos do disposto nos artigos 315.º do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT bem assim como do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
XIX. Custas:
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 10 de maio de 2021
O Árbitro Singular
Cristina Coisinha