Decisão Arbitral
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 27/2014 – T
Tema: Imposto de Selo; Verba 28 da TGIS
Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Nunes Barata e Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 17-03-2014, acordam no seguinte:
1. Relatório
A, pessoa colectiva n.º ... (doravante “A”), B, pessoa colectiva n.º ... (doravante “B”), C, pessoa colectiva n.º ... (doravante “C”) e D, pessoa colectiva n.º ... (doravante “D”), sociedades com sede na …, vieram, em 13-01-2014, nos termos do nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2º, no n.º 1 do artigo 3.º e no artigo 10.º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), requerer a constituição de tribunal arbitral colectivo.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
As Requerentes impugnam e pretendem a anulação total das decisões de indeferimento das reclamações graciosas n.º ..., n.º ..., n.º ... e n.º ... e de liquidações de Imposto do Selo no valor global de € 239.816,45, de que são sujeitos passivos (adiante identificadas).
As Requerentes pretendem ainda que se ordene o pagamento de juros indemnizatórios em virtude do pagamento indevido do Imposto do Selo liquidado nos termos dos actos de liquidação impugnados.
As Requerentes optaram pela não designação de árbitro.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 14-01-2014 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 15-01-2014.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, o Dr. José Nunes Barata e o Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 27-02-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 17-03-2014.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido de declaração de ilegalidade e anulação das liquidações deve ser julgado improcedente.
As Partes não requereram a realização de diligências de produção de prova e declararam prescindir da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e de alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Objecto do litígio
As Requerentes foram notificadas das liquidações de Imposto do Selo atrás referidas, que se basearam na aplicação da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) e impugnaram-nas através de reclamações graciosas, que vieram a ser indeferidas.
As liquidações foram efectuadas ao abrigo do disposto da verba 28 da Tabela anexa ao Código do Imposto do Selo, na redacção vigente em 2013.
As Requerentes entendem, em suma, que esta norma não se aplica a prédios que sejam terrenos para construção, como é o caso daqueles a que foi aplicada.
A Autoridade Tributária e Aduaneira contestou, pedindo que a acção seja julgada improcedente, por entender, em suma, que aquela norma abrange os terrenos para construção aos quais tenha sido atribuída afectação habitacional no âmbito das respectivas avaliações.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
a) As Impugnantes são proprietárias dos seguintes imóveis:
(i) Terreno para construção sito em … ou …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho de ... (doravante "Terreno 1"), detido pela Requerente A
(ii) Terreno para construção sito em ... ou..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de ..., concelho de ... (doravante "Terreno 2"), detido pela Requerente B
(iii) Terreno para construção sito em ... ou ... ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de ..., concelho de ... (doravante "Terreno 3"), detido pela Requerente C e
(iv) Terreno para construção sito em ... ou ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho de ... (doravante “Terreno 4"), detido pela Requerente D (Cadernetas Prediais Urbanas de cada um dos imóveis referidos ("Cadernetas Prediais"), que foram juntas ao pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 1, cujos teores se dão como reproduzidos);
b) Daquelas Cadernetas Prediais consta que o “Tipo de prédio” de cada um dos Terrenos referidos é “Terreno para Construção”;
c) Aos Terrenos, na sua totalidade, são atribuídos, à data dos factos, os seguintes valores patrimoniais tributários ("VPT"):
(i) Terreno 1 — C 6.054.456,48;
(ii) Terreno 2 — C 5.938.029,89;
(iii) Terreno 3 — C 6.001.234,70 e
(iv) Terreno 4 — C 5.987.923,99.
d) As Requerentes foram notificadas dos seguintes actos de liquidação de Imposto do Selo:
(i) A — liquidação n.º 2013 ..., de 22.03.2013, no valor de € 20.181,52, correspondente à primeira prestação de 2013, com data limite de pagamento até ao final do mês de Abril;
(ii) B — liquidação n.º 2013 ..., de 22.03.2013, no valor de € 19.793,44, correspondente à primeira prestação de 2013, com data limite de pagamento até ao final do mês de Abril;
(iii) C — liquidação n.º 2013 ..., de 22.03.2013. no valor de € 20.004,13, correspondente à primeira prestação de 2013, com data limite de pagamento até ao final do mês de Abril;
(iv) D — liquidação n.º 2013 ..., de 22.03.2013, no valor de € 19.959.76, correspondente à primeira prestação de 2013, com data limite de pagamento até ao final do mês de Abril (documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
e) As Impugnantes foram também notificadas das liquidações da segunda e terceira prestações de Imposto do Selo relativo ao ano de 2013 e aos mesmos prédios, nestes termos:
(i) A — liquidação n.º 2013 ..., de 22.03.2013, no valor de € 20.181,52, correspondente à segunda prestação de 2013, com data limite de pagamento até ao final do mês de Julho;
(ii) B — liquidação n.º 2013 ..., de 22.03.2013, no valor de € 19.793,43, correspondente à segunda prestação de 2013, com data limite de pagamento até ao final do mês de Julho;
(iii) C — liquidação n.º 2013 ..., de 22.03.2013. no valor de € 20.004,11, correspondente à segunda prestação de 2013, com data limite de pagamento até ao final do mês de Julho;
(iv) D — liquidação n.º 2013 ..., de 22.03.2013, no valor de € 19.959.74, correspondente à segunda prestação de 2013, com data limite de pagamento até ao final do mês de Julho;
(v) A — liquidação n.º 2013 ..., de 22.03.2013, no valor de € 20.181,52, correspondente à terceira prestação de 2013, com data limite de pagamento até ao final do mês de Novembro; ( [1] )
(vi) B — liquidação n.º 2013 ..., de 22.03.2013, no valor de € 19.793,43, correspondente à terceira prestação de 2013, com data limite de pagamento até ao final do mês de Novembro;
(vii) C — liquidação n.º 2013 ..., de 22.03.2013. no valor de € 20.004,11, correspondente à terceira prestação de 2013, com data limite de pagamento até ao final do mês de Novembro;
(viii) D — liquidação n.º 2013 ..., de 22.03.2013, no valor de € 19.959.74, correspondente à terceira prestação de 2013, com data limite de pagamento até ao final do mês de Novembro;
f) No total, considerando as liquidações de Imposto do Selo liquidadas no ano de 2013 as mesmas apuraram um valor de imposto a pagar de C 239.816,45, correspondente a 1% sobre o VPT de cada um dos terrenos para construção detidos pelas Impugnantes, como se descreve:
(i) A — € 60.544.56;
(ii) B — € 59.380,30;
(iii) C— € 60.012,35 e
(iv) D— € 59.879,24.
g) As Requerentes pagaram os valores de Imposto do Selo liquidados pela Autoridade Tributária e Aduaneira correspondentes à primeira e segunda prestações, nos seguintes termos:
(I) A pagou em 19-04-2013 a quantia de € 20.181,52 relativa à liquidação n.º 2013 ... (documento n.º 4, página 2);
(ii) B pagou em 29-04-2013 a quantia de € 19.793,44 relativamente à liquidação n.º 2013 ... (documento n.º 4, página 1);
(iii) C pagou em 29-04-2013, a quantia de € 20.004,13 relativa à liquidação n.º 2013 ... (documento n.º 4, página 4);
(iv) D pagou em 29-04-2013 a quantia de € 19.959,76 relativa à liquidação n.º 2013 ... (documento n.º 4, página 3);
(v) A pagou em 24-07-2013 a quantia de € 20.181,52 relativa à liquidação n.º 2013 ... (documento n.º 4, página 7);
(vi) B pagou em 24-07-2013 a quantia de € 19.793,43 relativamente à liquidação n.º 2013 ... (documento n.º 4, página 5);
(vii) C pagou em 24-07-2013 a quantia de € 20.004,11 relativamente à liquidação n.º 2013 ... (documento n.º 4, página 6);
(iv) D pagou em 29-04-2013 a quantia de € 19.959,76 relativa à liquidação n.º 2013 ... (documento n.º 4, página 8);
(documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e não impugnação deste facto pela Autoridade Tributária e Aduaneira);
h) As Requerentes apresentaram reclamações graciosas contra os actos de liquidação referidos (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
i) Aquelas reclamações graciosas foram, porém, indeferidas, com base nas informações que constam do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais o seguinte:
Quanto à reclamação graciosa apresentada pela A:
Alega a reclamante, que o prédio é um lote de terreno para construção, não tem afetação habitacional e legitimamente só se poderá considerar existir uma afetação à habitação após edificada a construção. Ora, nos termos do artigo 6º do CIMI, o lote de terreno para construção é inequivocamente um prédio urbano, sendo o seu valor patrimonial tributário determinado de acordo com as regras previstas no artigo 45º daquele Código, sendo de atender às caraterísticas do prédio ou prédios a edificar e a afetação que lhes estiver atribuída.
Da consulta efetuada ao detalhe da avaliação do imóvel, nomeadamente aos elementos referentes ao terreno para construção, verifica-se que na descrição da avaliação consta como sendo um lote de terreno destinado à construção de um edifício de habitação multifamiliar, comércio e serviços com 20 pisos, incluindo 2 caves para estacionamento, referindo uma alteração ao alvará de loteamento n º 1/1986, tendo por isso sido considerada, no cálculo do valor patrimonial tributário, a afetação – Habitação, com aplicação do coeficiente de afetação (CA) igual a 1,00, ou seja, o correspondente à utilização para habitação, conforme disposto no artigo 41º do CIMI (doc. fls. 40 a 42 dos autos). Importa ainda salientar que, a reclamante foi notificada, em 2006-05-04, daquela avaliação, através do ofício n.º 2248375 de 2006-04-18, não tendo requerido, nos termos do artigo 76º do CIMI, uma segunda avaliação do prédio em questão (doc. n.º. 41 e 42 dos autos).
Desta forma, não cabe em sede de processo de reclamação graciosa, avaliar a identificação da afetação do prédio, ou seja, avaliar se existe lapso na matriz com o fundamento de erro na afetação. Consequentemente, perante o exposto, as liquidações do Imposto de Selo, ora reclamadas, atenderam aos elementos considerados para efeitos de inscrição na matriz, pelo que sou de parecer que a pretensão da reclamante não pode proceder.
Quanto à reclamação graciosa apresentada pela B:
O artigo 6º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) classifica os " terrenos para construção " como prédios urbanos.
Por outro lado, o artigo 41º do CIMI determina que o coeficiente de afectação depende do tipo de utilização e fixa o coeficiente em 1,00 para os prédios utilizados para a habitação.
Ora, conforme estipula o artigo 45º do CIMI, a avaliação dos “terrenos para construção” é efectuada atendendo às características do edifício a construir.
Assim sendo, foi cumprido o disposto na subalínea i) da alínea f) do nº 1 do artigo 6º da Lei nº 55-A/2012 de 29 de Outubro.
Quanto à reclamação graciosa apresentada pela D:
- Pela Lei 55º-A/2012, de 29 de Outubro, foi aditada à tabela geral do Imposto de Selo a verba 28, que faz sujeitar a tributação, a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do código do imposto municipal sobro imóveis
(CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1.000.000. Define ainda a verba 28.1, que, quando aos prédios for atribuída a "afetação habitacional" serão os mesmos tributados em 1% sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI;
- O artigo 6º da citada Lei 55-A/2012, dispõe transitoriamente que, no ano de 2012, o facto tributário se verifica no dia 31 de Outubro de 2012, o sujeito passivo do imposto é o mencionado no nº 4 do art. 2º do Código do Imposto de Selo nessa data, o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas do CIMI por referência ao ano do 2011, liquidação deve ser efetuada até final do mês de Novembro de 2012 e pago numa única presta o até do dia 20 de Dezembro de 2012, sendo a taxa a aplicar de 0.5% para prédios com “afetação habitacional” avaliados nos termos do código CIMI;
- Considera o artigo 6.º do CIMI que os terrenos para construção são considerados prédios urbanos;
- Assim sendo, uma vez que estamos na presença de um prédio urbano, com valor patrimonial superior a 1.000.000,00 €, ao qual foi atribuída, em processo de avaliação, a afetação a "Habitação", que em 31/10/2012 já pertencia à reclamante, com base na legislação existente, não poderá a pretensão ser atendida porquanto não houve ilegalidade do facto tributário.
Perante o exposto, a liquidação do Imposto de Selo, ora reclamada, atendeu aos elementos considerados para efeitos de inscrição na matriz.
Desta forma, não cabe em sede de processo de reclamação graciosa, avaliar a identificação da afetação do prédio, ou seja, avaliar se existe lapso na matriz com o fundamento de erro na afetação, uma vez que, tendo o prédio sido avaliado nos termos do artigo 45º do CIMI, o respetivo valor patrimonial tributário daí resultante foi notificado é reclamante não tendo aquela requerido uma segunda avaliação
j) As Requerentes foram notificadas dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas através de ofícios expedidos em 15-10-2013 (B), 18-10-2013 (A), 22-10-2013 (D) e 22-11-2013 (C) (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
k) Em 13-01-2014, as Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
3.2. Factos não provados
Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos indicados para cada um dos pontos, cuja correspondência à realidade não é controvertida.
4. Matéria de direito
A questão que é objecto da presente acção é a de saber se os terrenos para construção, a que foi atribuída, em processo de avaliação, a afectação a "Habitação” se inserem no âmbito de incidência do n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), na sua redacção inicial.
4.1. Regime da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, efectuou várias alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redacção:
28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1 %;
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5 %.
Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras atinentes à liquidação do imposto previsto naquela verba:
1 – Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral:
a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012;
b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;
d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012;
e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012;
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i) Prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;
ii) Prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;
iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.
2 – Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano.
3 – A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infracção tributária, punida nos termos da lei.
Utilizou-se na referida verba 28.1 e nas subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária, nestes precisos termos, que é o de “prédio com afectação habitacional”.
Designadamente no CIMI, que em várias normas do Código do Imposto do Selo introduzidas por aquela Lei é indicado como diploma de aplicação subsidiária relativamente ao tributo previstos na referida verba n.º 28 [artigos 2.º, n.º 4, 3.º, n.º 3, alínea u), 5.º, alínea u), 23.º, n.º 7, e 46.º e 67.º do CIS], não é utilizado um conceito com aquela designação.
A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, alterou aquela verba n.º 28.1, dando-lhe a seguinte redacção:
28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1 %
4.2. Conceitos de prédios utilizados no CIMI
No IMI, enumeram-se as espécies de prédios nos seus artigos 3.º a 6.º nos seguintes termos:
Artigo 2.º
Conceito de prédio
1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 – Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.
Artigo 3.º
Prédios rústicos
1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:
a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);
b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.
3 – São ainda prédios rústicos:
a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;
b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º
4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.
Artigo 4.º
Prédios urbanos
Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
Artigo 5.º
Prédios mistos
1 – Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.
2 – Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.
Artigo 6.º
Espécies de prédios urbanos
1 – Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos. (Redacção da Lei n.º 64-A/08, de 31-12)
4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.
4.3. Normas sobre interpretação das leis
O artigo 11.º da Lei Geral Tributária estabelece as regras essenciais da interpretação das leis tributárias nos seguintes termos:
Artigo 11.º
Interpretação
1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.
Os princípios gerais da interpretação das leis, para que remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, são estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:
Artigo 9.º
Interpretação da lei
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
4.4. Hipóteses de interpretação do conceito de «prédio com afectação habitacional»
Como se vê pelas normas do CIMI transcritas, não é utilizado na classificação dos prédios o conceito de «prédio com afectação habitacional».
Também não se encontra este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.
Assim, na falta de correspondência terminológica exacta do conceito de «prédio com afectação habitacional» com qualquer outro utilizado noutros diplomas, podem aventar-se várias hipóteses interpretativas.
O ponto de partida da interpretação daquela expressão «prédios com afectação habitacional» é, naturalmente, o texto da lei, sendo com base nele que há que reconstituir o «pensamento legislativo», como impõe o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT.
4.5. Conceito de «prédio com afectação habitacional» como reportando-se aos prédios habitacionais
O conceito mais próximo do teor literal desta expressão utilizada é manifestamente o de «prédios habitacionais», definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.
A entender-se que a expressão «prédio com afectação habitacional» coincide com o de «prédios habitacionais», é manifesto que as liquidações enfermarão de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois todos os prédios relativamente aos quais foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 são terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos por aquele n.º 2 do artigo 6.º para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais».
Por isso, a adoptar-se a interpretação de que «prédio com afectação habitacional» significa «prédio habitacional», as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida serão ilegais, por não haver em qualquer dos terrenos qualquer edifício ou construção.
No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.
4.6. Conceito de «prédio com afectação habitacional» como conceito distinto de «prédios habitacionais»
A palavra «afectação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «acção de destinar alguma coisa a determinado uso». ( [2] )
«Quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita. Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento». ( [3] )
A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre actos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global.
A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional.
Na verdade, embora na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª ( [4] ), em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012, se faça referência à louvável preocupação do Governo de «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e ao seu empenho «em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho», é manifesto, por um lado, que essas razões de equidade, decerto existentes, não começaram a valer em meados de 2012, já existindo no início do ano, quando entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, que o alcance da verba n.º 28.1, ao tributar acrescidamente os prédios com afectação habitacional e não também os prédios que a não têm, deixa entrever que as preocupações de equidade social e a proclamada intenção de repartição dos sacrifícios por todos atinge muito mais alguns do que propriamente todos.
Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
À face daqueles significados das palavras «afectação» e «afectar», que são «dar destino» ou «aplicar», a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange, manifestamente, os prédios que a que já foi dado destino para habitação, os prédios que já estão aplicados a fins habitacionais, pelo que importa indagar se abrangerá também os prédios que, apesar de não estarem ainda aplicados a fins habitacionais, estão a estes destinados.
Para tal, haverá que esclarecer quando é que se pode entender que um prédio está afectado a fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num alvará de loteamento ou acto de licenciamento ou semelhante, ou apenas quando a efectiva atribuição desse destino é concretizada.
Desde logo, o confronto da verba n.º 28.1 da TGIS com n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta no sentido de ser necessária uma afectação efectiva.
Na verdade, um edifício ou construção licenciado para habitação ou, mesmo sem licença, mas que tenha como destino normal a habitação, é, à face do n.º 2 daquele artigo 6.º um prédio habitacional, pois nele se dá tal classificação aos «edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins».
Por isso, no pressuposto de que o legislador da Lei n.º 55-A/2012 soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil que se presuma), se pretendesse reportar-se a esses prédios já licenciados para habitação ou que tenham a habitação como destino normal, decerto teria utilizado o conceito de «prédios habitacionais», que expressaria perfeita e claramente o seu pensamento, à face da definição dada por aquele n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.
Consequentemente, deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afectação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim.
Que é este o sentido da expressão «afectação», no mesmo contexto de classificação de prédios que faz o CIMI, confirma-se pelo artigo 3.º em que, relativamente aos prédios rústicos, se faz referência aos que «estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas», que evidencia que a afectação é concreta, efectiva. Na verdade, como se vê pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afecto a ela, o que evidencia que a afectação é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante. ( [5] )
De resto, o texto da lei ao adoptar a fórmula «prédio com afectação habitacional», em vez de «prédios urbanos de afectação habitacional», que aparece na referida «Exposição de Motivos», aponta fortemente no sentido de que se exige que a afectação habitacional já esteja concretizada, pois só assim o prédio estará com essa afectação.
No caso em apreço, está-se perante uma realidade ainda mais longínqua em relação à afectação habitacional que é a de nem sequer existir nenhum edifício ou construção e, por isso, não se poder considerar existente uma afectação que pressupõe a sua existência.
Por outro lado, a intenção legislativa de não estender o âmbito de incidência a terrenos construção foi expressamente referida pelo Governo ao apresentar no Plenário da Assembleia da República a Proposta de Lei 96-XII ao dizer, pela voz do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais:
«Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013». ( [6] )
A referência expressa a «casas» como alvo da incidência do novo tributo não deixa margem para dúvidas sobre a intenção legislativa.
Por outro lado não se encontra na discussão da referida proposta de Lei qualquer referência a «terrenos para construção».
No que concerne ao artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os factores a ponderar na avaliação de terrenos para construção. O que se pondera aí, ao fazer referência ao «edifício a construir» é a ponderação do destino do terreno, que, como se viu, é algo que, no contexto do CIMI, não implica afectação e ocorre antes desta.
A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, ao contrário do que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, não visou esclarecer o elemento lógico subjacente à redacção inicial da verba n.º 28.1, antes veio confirmar, indirectamente, a interpretação de que ela não abrangia os terrenos para construção.
Na verdade, se a primitiva redacção daquela verba n.º 28.1, ao falar de «prédio com afectação habitacional» já pretendesse abranger os edifícios e construções que constituíam «prédios habitacionais» (nos termos do artigo 6.º, n.º 2, do CIMI), e os terrenos para construção para que estivesse autorizada ou prevista habitação, seria natural que se atribuísse à nova redacção natureza interpretativa, à semelhança do que a mesma Lei n.º 83-C/2013 faz noutras disposições [artigo 177.º, n.º 7, relativamente às alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 17.º-A do Código do IRS, e artigo 185.º, n.º 1, relativamente ao artigo 3.º-A do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado] e é usual fazer-se nas leis orçamentais, quando se pretende que as novas redacções se apliquem às situações potencialmente abrangidas pelas anteriores redacções.
Por isso, o facto de não se ter atribuída natureza interpretativa à nova redacção aponta no sentido de que se ter pretendido alterar o âmbito de incidência da referida verba n.º 28.1 da TGIS e não mantê-lo, esclarecendo-o.
Pelo exposto, as liquidações impugnadas e as decisões das reclamações graciosas que as mantiveram enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado em violação da verba n.º 28.1 da TGIS, que justifica a sua anulação (artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo). ( [7] )
5. Juros indemnizatórios
As Requerentes pagaram, cada uma, as respectivas primeira e segunda prestações e pretendem receber juros indemnizatórios.
5.1. Admissibilidade do reconhecimento do direito e condenação a pagar juros indemnizatórios nos processos arbitrais
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, é claro que os pedidos de juros indemnizatórios têm de proceder, à face do transcrito n.º 1 do artigo 43.º da LGT, já que as liquidações e as reclamações graciosas são anuladas e o erro de que enfermam é imputável à Administração Tributária.
6. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular as liquidações de Imposto do Selo n.ºs:
– 2013 ..., de 22.03.2013, no valor de € 20.181,52;
– 2013 ..., de 22.03.2013, no valor de € 19.793,44;
– 2013 ..., de 22.03.2013. no valor de € 20.004,13;
– 2013 ..., de 22.03.2013, no valor de € 19.959.76
– 2013 ..., de 22.03.2013, no valor de € 20.181,52;
– 2013 ..., de 22.03.2013, no valor de € 19.793,43;
– 2013 ..., de 22.03.2013. no valor de € 20.004,11;
– 2013 ..., de 22.03.2013, no valor de € 19.959.74;
– 2013 ..., de 22.03.2013, no valor de € 20.181,52;
– 2013 ..., de 22.03.2013, no valor de € 19.793,43;
– 2013 ..., de 22.03.2013. no valor de € 20.004,11;
– 2013 ..., de 22.03.2013, no valor de € 19.959.74.
c) Anular os despachos que indeferiram as reclamações graciosas n.ºs n.º ..., n.º ..., n.º ... e n.º ...;
d) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar às Requerentes juros indemnizatórios, à taxa legal, desde as datas em que cada um dos pagamentos foi efectuado e a data do integral reembolso da quantia respectiva, calculados nestes termos:
– em relação à A desde 19-04-2013 sobre a quantia de € 20.181,52 e desde 24-07-2013 a quantia de € 20.181,52;
– em relação à B desde 29-04-2013 sobre a quantia de € 19.793,44 e desde 24-07-2013 sobre a quantia de € 19.793,44;
– em relação à C desde 29-04-2013 sobre a quantia de € 20.004,13 e desde 24-07-2013 sobre a quantia de € 20.004,11;
– em relação à D desde 29-04-2013 sobre a quantia de € 19.959,76 e desde -04-2013 sobre a quantia de € 19.959,76.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 239.816,45.
8. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 14 de Maio de 2014
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(José Nunes Barata)
(Jorge Bacelar Gouveia)
( [1] ) A Requerente não juntou ao pedido de pronúncia arbitral cópia da liquidação referente à terceira prestação respeitante à Requerente A, mas pela reclamação graciosa, confirma-se que foi elaborada em relação a esta a liquidação n.º 2013 …, no valor de € 20.18152 (fls. 5 do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral) e tal facto não é questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
( [2] ) Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, I volume, página 102.
O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa define «afectação», num contexto próximo a este, como «acto que dá destino a um bem público».
O Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de JOSÉ PEDRO MACHADO, indica como «destinar» e «aplicar» entre os significados de «afectar».
( [3] ) BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 182.
( [4] ) A Proposta de Lei n.º 99/XII/2.ª está disponível em
http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=37245
( [5] ) Outras normas do CIMI, deixam perceber que o termo «afectação» é utilizado para referenciar situações já existentes e não meramente futuras, mesmo que previsíveis, como o «destino».
É o caso do artigo 9.º do CIMI, que, depois de estabelecer que «o imposto é devido a partir» «do 4.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda» ou «do 3.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a sua venda» [alíneas d) e e) do n.º 1], determina que «para efeitos do disposto nas alíneas d) e e) do n.º 1, devem os sujeitos passivos comunicar ao serviço de finanças da área da situação dos prédios, no prazo de 60 dias contados da verificação do facto determinante da sua aplicação, a afectação dos prédios àqueles fins».
A «afectação dos prédios àqueles fins», no contexto deste artigo 9.º, reconduz-se à atribuição concreta aos prédios do fim «para venda», materializado pela sua inventariação, não bastando que tenham sido construídos ou adquiridos tendo em vista a sua venda.
( [6] ) Página 32 do Diário da Assembleia da República, n.º 9 da 2.ª Sessão Legislativa da XII Legislatura, relativo à Reunião Plenária de 10-10-2012, disponível em
http://app.parlamento.pt/darpages/dardoc.aspx?doc=6148523063446f764c324679626d56304c334e706447567a4c31684a5355786c5a79394551564a4a4c305242556b6c42636e463161585a764c7a497577716f6c4d6a42545a584e7a77364e764a5449775447566e61584e7359585270646d4576524546534c556b744d4441354c6e426b5a673d3d&nome=DAR-I-009.pdf
( [7] ) Neste sentido tem vindo a decidir o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos acórdãos de 09-04-2014, proferidos nos processos n.ºs 01870/13 e 048/14, e de 23-04-2014, proferidos nos processos n.ºs 0271/14, 0270/14 e 0272/14, disponíveis em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/2eae0bd4de5026e80256b480065970d?CreateDocument..