O árbitro Ana Teixeira de Sousa, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 5 de Agosto de 2020, vem emitir
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. No dia 11 de Março de 2020 A…, árbitro assistente profissional de Futebol, residente na …, …, …, …, …, …, com o NIF … (doravante Requerente), veio apresentar, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e nos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT) apresentar pedido de pronúncia arbitral das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), que lhe foram notificadas por registo datado de 15/11/2019, relativa ao ano de 2015, com prazo de pagamento até 18/12/2019, no montante de € 4.968,81 e por registo de 5/11/2019, relativa ao ano de 2018, com prazo de pagamento até 16/12/2019, no montante de € 4.183,17, onde se incluem juros compensatórios.
2. Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese:
a. Em relação ao ano de 2015 submeteu a sua declaração de rendimentos modelo 3 em 2016/05/31, tendo esta dado origem à liquidação nº 2016 ..., no valor a reembolsar de € 8 486,46;
b. Em 2019/10/02, foi notificado pelo ofício nº ... do Serviço de Finanças de … 1, tendo este por assunto “correções à declaração de IRS do ano de 2015 – direito de audição”, o qual comunicava a análise à declaração de rendimentos supra referida, porquanto tinha sido detetada uma irregularidade no preenchimento do anexo B, pelo que, no prazo de 15 dias, teria de proceder à substituição da mesma;
c. Nesta substituição, teria de alterar os rendimentos da categoria B do campo 404 do quadro 4A do anexo B, para o campo 403 do mesmo quadro e anexo, uma vez que a Autoridade Tributária entendia os rendimentos auferidos se referem a uma actividade de prestação de serviços, contemplada no artigo 151º do Código do IRS;
d. Não tendo substituído a declaração Modelo 3 foi elaborada declaração oficiosa e emitida a liquidação nº 2019 ..., de 2019/11/05, no valor a reembolsar de € 3 517,65,
e. Com referência ao ano de 2018 submeteu a declaração de rendimentos modelo 3 em 2019/06/21, tendo indicado os rendimentos obtidos da categoria B, no campo 404 do quadro 4A do anexo B, tendo dado origem à liquidação nº 2019 ..., com o valor a reembolsar de € 8 340,10;
f. Em consequência, foi emitida a liquidação nº 2019 ..., com o valor a reembolsar de € 4 156,93.
g. Deste modo, imputa o ora Requerente aos actos de liquidação ora impugnados, os seguintes vícios:
i. - vício de violação da lei de forma, por no exercício do direito de audição relativamente ao ano de 2015, lhe não ter sido comunicado o projecto de decisão e sua fundamentação, nos termos do nº. 5 do art.º 60.º da LGT (nº. 4 na redacção inicial);
ii. - vicio de violação da lei de forma, por relativamente à liquidação adicional de 2018, nos termos do artº. 60º. da LGT e 45º. do CPPT, não ter ocorrido qualquer audiência prévia e assim violado o princípio do contraditório e da participação do contribuinte;
iii. - vício de violação da lei de forma, por relativamente a ambas as liquidações, a mesma não vir acompanhada da respectiva fundamentação, nos termos do artº. 77º. da LGT;
iv. - vício de violação da lei de fundo, por entender o ora Requerente abrangido pelas excepções do artº. 151º. do CIRS, que não prevê essa inclusão.
h. Entende o Requerente que a actividade de árbitro de futebol é uma actividade que não se enquadra nem está especificamente prevista na tabela de actividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, pelo que os rendimentos devem ser declarados no campo 404 do anexo B;
i. Alegando que a actividade de árbitro de futebol (plasmada na prestação de serviços de “outras actividades desportivas”, com o código CAE 93192), não encontra previsão típica e expressa na tabela anexa ao artigo 151.º do CIRS, o que determina que o coeficiente de 0,75 não é aplicável aos rendimentos decorrentes da actividade de árbitro de futebol desenvolvida pelo Requerente no ano fiscal de 2015 e 2018 (e cuja declaração deu origem à emissão dos actos impugnados). Entende o Requerente que os rendimentos decorrentes da actividade de árbitro de futebol devem ser enquadrados na categoria residual constante da alínea c) do n.º 1, do artigo 31.º do CIRS — onde se incluem os restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores — estando assim os mesmos sujeitos a um coeficiente de 0,35;
j. O Requerente solicita que
i. a) sejam anuladas as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), que lhe foram notificadas por registo datado de 15/11/2019, relativa ao ano de 2015, com prazo de pagamento até 18/12/2019, no montante de € 4.968,82 e por registo de 5/11/2019, relativa ao ano de 2018, com prazo de pagamento até 16/12/2019, no montante de € 4.183,17, bem como as liquidações de juros compensatórios e de acerto de contas que levaram à exigência dos referidos valores e que constam dos docs. 1 a 6 que juntou.
ii. b) Em consequência que a AT seja condenada a restituir ao ora Requerente a quantia de € 9152, por ele paga indevidamente com base nas liquidações anuladas, acrescida de juros indemnizatórios e moratórios contados desde a data do pagamento indevido, no caso 16-12-2019 e até integral e efectivo reembolso.
iii. c) A condenação da Requerida no pagamento da taxa arbitral e demais encargos, se os houver.
3. A Requerida contesta os argumentos da requerente defendendo-se por excepção e por impugnação.
a. Por excepção a Requerida alega incompetência do Tribunal em razão da matéria.
b. Para a Requerida o pedido tão só concretiza a declaração de erro da Administração Tributária no enquadramento dos rendimentos no campo 403 e não no campo 404, o que, tendo em conta a matéria a sindicar, não é suscetível de resolução por via arbitral.
c. Defende ainda que o meio próprio para impugnar estes actos, que não comportam a apreciação da legalidade de actos de liquidação e que também não são actos de fixação da matéria tributável ou da matéria coletável não é a impugnação judicial, mas sim a ação administrativa especial (alínea p), do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e artigo 37.º e seguintes do CPTA).
d. Estando perante um acto da administração tributária que não integra os actos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, deve o Tribunal Arbitral julgar procedente a excepção invocada de incompetência absoluta do foro arbitral, em razão da matéria e, em consequência, rejeitar o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo a AT da instância.
e. Por impugnação a Requerida contesta vários vícios de violação da lei apontados pelo Requerente.
f. Quanto ao vício de violação da lei por alegadamente, no exercício do direito de audição relativa ao ano de 2015, não ter sido comunicado ao Requerente o projeto de decisão e sua fundamentação a Requerida alega que o Requerente foi notificado para exercer o direito de audição, antes da liquidação, nos termos do artigo 60º, nº1, a) da LGT, constando da notificação recebida, de forma clara e objetiva, as razões que originaram a que correcção da declaração de rendimentos modelo 3 do ano de 2105.
g. Face à alegação do Requerente do vício de violação da lei de forma, por relativamente à liquidação adicional de 2018, não ter ocorrido qualquer audiência prévia, violando o princípio do contraditório e da participação do contribuinte, a Requerida entende que a liquidação em causa (nº 2019 ..., de 2019/09/06) porque teve a sua origem na declaração de substituição submetida pelo Requerente em 2019/09/05, fica, ao abrigo do artigo 60º, nº 2, alínea a), da LGT, dispensada de audição, por a liquidação se efetuar com base nos elementos declarados pelo contribuinte..
h. Em referência ao alegado “vício de violação da lei de forma”, por relativamente a ambas as liquidações, as mesmas não virem acompanhadas de fundamentação, nos termos do artigo 77º da LGT, a Requerida defende-se da seguinte forma.
i. Relativamente à liquidação oficiosa referente ao ano de 2015 (nº 2019 ... de 2019/11/05), esta é efetuada em consequência da alteração dos rendimentos da categoria B declarados pelo Requerente no campo 404 do quadro 4 do anexo B da declaração modelo 3 submetida em 2016/05/31, para o campo 403 do mesmo quadro e anexo.
j. Esta alteração foi efetuada através do procedimento previsto no artigo 65º, nº 4 do CIRS, para o qual o Requerente foi devidamente notificado para se pronunciar no âmbito do direito de audição antes da liquidação e foi o Requerente também notificado na liquidação, através de exposição sucinta das razões de facto e de direito, da decisão de corrigir os valores constantes da declaração, nos termos previstos no artigo 66º, nºs 1 e 2 do CIRS, contendo a liquidação a quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
k. Quanto à liquidação relativa ao IRS do ano de 2018 (nº 2019 ...), esta teve origem na declaração de substituição submetida pelo Requerente em 2019/09/05, pelo que a mesma se considera devidamente fundamentada.
l. Quanto à questão substantativa a Requerida entende que a actividade de árbitro deve ser enquadrada no código de actividades “1323 – Desportistas” (que é um código abrangente e engloba, para além de atletas, todos os agentes desportivos envolvidos em actividades desportivas). Assim, atendendo a que os rendimentos do Requerente provêm de actividade especificamente prevista na tabela de actividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, tais rendimentos enquadram-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS, tendo o coeficiente de 0,75 sido corretamente aplicado.
4. No dia 12-03-2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
6. Em 06-07-2020, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma.
7. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 05-08-2020.
8. A Requerida apresentou a Resposta em 25-09-2020 tendo junto o processo administrativo.
9. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
10. Em 08-01-2021 o Requerente apresentou requerimento para efeitos de exercício de contraditório, que foi admitido, uma vez que a Requerida alegou a excepção da incompetência absoluta do foro arbitral em razão da matéria. Neste requerimento o Requerente aceitou a dispensa da audição da testemunha.
11. O prazo para a prolação da decisão foi prorrogado duas vezes tendo em conta a situação da pandemia e a vigência
12. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas a Requerida veio reiterar o constante na Resposta apresentada.
13. Quanto ao Requerente fez juntar ao processo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no Processo: 092/19.9BALSB, de 09-12-2020, do Pleno da Secção do CT em sede de recurso para uniformização de jurisprudência relativamente à tributação da profissão de árbitro juiz no regime simplificado da Categoria B de IRS.
II - SANEAMENTO
14. Quanto à excepção da incompetência absoluta a Requerida considera que o ora Requerente, ao contestar a liquidação adicional de IRS que lhe foi feita, apontando como fundamento o ilegal enquadramento feito pela AT dos seus rendimentos nos anos de 2015 e 2018, está a impugnar este acto e não qualquer liquidação.
15. Concluindo a Requerida que, “estamos perante um acto da administração tributária que não integra os actos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, pelo que, deve o Tribunal Arbitral julgar procedente a excepção invocada de incompetência absoluta do foro arbitral, em razão da matéria e, em consequência, rejeitar o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo a AT da instância”.
16. Ora o que o Requerente impugna é o cálculo ilegal que a Requerida fez nas liquidações de IRS ora em impugnação e de que resultou uma errada liquidação de imposto calculado pela Requerida, com as consequentes notas de liquidação ilegais
17. O pedido do Requerente é o de que sejam anuladas as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), que lhe foram notificadas por registo datado de 15/11/2019, relativa ao ano de 2015, com prazo de pagamento até 18/12/2019, no montante de € 4.968,82 e por registo de 5/11/2019, relativa ao ano de 2018, com prazo de pagamento até 16/12/2019, no montante de € 4.183,17, bem como as liquidações de juros compensatórios e de acerto de contas que levaram à exigência dos referidos valores.
18. Este é o pedido principal, sendo os restantes pedidos consequência da procedência deste pedido principal.
19. E dúvidas não há que este pedido se enquadra no âmbito da alínea a) do artº. 2º. do RJAT, ou seja, visa a “declaração de ilegalidade de actos tributários de liquidação
20. Desta forma, o meio processual adequado para o Requerente reagir aos actos de liquidação emitidos é efetivamente a impugnação judicial, nos termos do disposto no 97.º n.º (a) do CPPT ou o pedido de pronúncia arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º n.º 1 al. (a) do RJAT que prevê: “A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: (a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”.
21. O que determina a competência do Tribunal Arbitral Singular para conhecer do pedido de pronúncia arbitral, apresentado pela Requerente.
22. Existe inclusive já expressiva jurisprudência do CAAD relativamente ao tema objeto de discussão. Termos em que, a excepção invocada é declarada manifestamente improcedente, com as demais consequências legais.
23. Resulta assim do exposto que o tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
III. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- O Requerente é árbitro profissional de futebol, sendo que, relativamente ao ano de 2015 submeteu a sua declaração de rendimentos modelo 3 em 2016/05/31, tendo esta dado
origem à liquidação nº 2016 ..., no valor a reembolsar de € 8 486,46;
2- · Em 2019/10/02, foi notificado pelo ofício nº ... do Serviço de Finanças de … 1, tendo este por assunto “correções à declaração de IRS do ano de 2015 – direito de
audição”, o qual comunicava a análise à declaração de rendimentos supra referida, porquanto tinha sido detetada uma irregularidade no preenchimento do anexo B, pelo
que, no prazo de 15 dias, teria de proceder à substituição da mesma;
3- · Nesta substituição, teria de alterar os rendimentos da categoria B do campo 404 do
quadro 4A do anexo B, para o campo 403 do mesmo quadro e anexo, uma vez que os
rendimentos auferidos se referem a uma actividade de prestação de serviços, contemplada no artigo 151º do Código do IRS;
4- · Exerceu o direito de audição na forma escrita, referindo, em síntese, não existir razão
para proceder à substituição do anexo B, pelo que não substituiria a declaração de
rendimentos;
5- Em consequência, foi elaborada declaração oficiosa e emitida a liquidação nº 2019
..., de 2019/11/05, no valor a reembolsar de € 3 517,65, a qual vem agora impugnar.
6- O Requerente, com referência ao ano de 2018 submeteu a declaração de rendimentos modelo 3 em 2019/06/21, tendo indicado os rendimentos obtidos da categoria B, no campo 404 do quadro 4A do anexo B, tendo dado origem à liquidação nº 2019 ..., com o valor a reembolsar de € 8340,10;
7- Em 2019/09/05, apresentou declaração de substituição, tendo retificado os rendimentos
declarados no anexo B, inscrevendo-os no campo 403 do campo 4A, em vez de no
campo 404 do mesmo quadro;
8- Em consequência, foi emitida a liquidação nº 2019 ..., com o valor a reembolsar de € 4 156,93.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a não contestação dos factos alegados por cada uma das parte, a a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
1. Invoca o Requerente como fundamento para a anulação das liquidações em causa
· Vício de violação da lei de forma, em virtude de, em sede de exercício do direito de
audição, relativamente à liquidação do ano de 2015, lhe não ter sido comunicado oprojeto de decisão e a sua fundamentação, nos termos do artigo 60º, nº 5da Lei Geral Tributária (LGT);
· Vício de violação da lei de forma, porquanto, relativamente à liquidação do ano de 2018, nos termos do artigo 60º da LGT e do artigo 45º do CPPT, não ter ocorrido qualquer audiência prévia, violando assim, o princípio do contraditório e da participação do Requerente;
· Vício de violação de forma, por, relativamente a ambas as liquidações, as mesmas não
terem vindo acompanhadas de fundamentação, nos termos do artigo 77º da LGT;
· Vício de violação da lei de fundo, por entender que se encontra abrangido pelas
exceções do artigo 151º do CIRS, que não prevê a inclusão da actividade profissional de árbitro devendo antes ser enquadrados os respectivos rendimentos na categoria residual constante da alínea c) do n.º 1, do artigo 31.º do CIRS — onde se incluem os restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores — estando assim os mesmos sujeitos a um coeficiente de 0,35.
2. O tribunal não tem que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista mas incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas). Fica apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
3. Iniciando a apreciação do vício alegado pelo Requerente relativo à violação da lei de fundo e que se reconduz ao seguinte:
Deve a actividade de árbitro de futebol enquadrar-se na tabela de actividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, pelo que os rendimentos devem ser declarados no campo 404 do anexo B e ser-lhes aplicado o coeficiente de 0,75 para determinar os rendimentos tributáveis; ou
Deve essa actividade ser enquadrada com o código CAE 93192, não encontrando previsão típica e expressa na tabela anexa ao artigo 151.º do CIRS, o que determina que o coeficiente de 0,75 não é aplicável aos rendimentos decorrentes da actividade de árbitro de futebol desenvolvida pelo Requerente no ano fiscal de 2015 e 2018 devendo antes ser enquadrados na categoria residual constante da alínea c) do n.º 1, do artigo 31.º do CIRS — onde se incluem os restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores — estando assim os mesmos sujeitos a um coeficiente de 0,35.
4. Cumpre decidir.
Recorrendo ao disposto no Acórdão do CAAD no processo nº 829/2029 T, que explicita bem a análise do elemento literal, densifiquemos os conceitos de “desportista” versus o conceito de “árbitro”.
Será necessário levar a efeito uma leitura do artigo 151º do CIRS, em conformidade com o seu elemento irremovível, a sua letra. Com efeito, o elemento literal da norma é sempre o mais relevante, por ser delimitador da actividade interpretativa. A letra é um elemento irremovível da interpretação, ou um “limite da busca do espírito”.
Refere o Artigo 151.º do CIRS que “as actividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Actividades Económicas Portuguesas por Ramos de Actividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de actividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.”
Ou seja, há duas formas distintas de classificar as actividades exercidas pelos sujeitos passivos de IRS:
i. de acordo com a Classificação das Actividades Económicas Portuguesas por Ramos de Actividade (CAE),
ii. ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de actividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
O legislador escolheu a conjunção coordenativa alternativa ou disjuntiva “ou” e não usou a conjunção coordenativa aditiva “e”, o que há-de ter consequências ao nível da determinação da vontade da lei.
Se o legislador criou na tabela anexa ao artigo 151º do CIRS, uma actividade “1323 – Desportistas”, tal não pode significar, que aí cabem, sem mais, as actividades de todos os “atletas, árbitros, cronometristas e de outros desportistas independentes”, conforme código CAE 93 192 – Outras actividades desportivas N.E.
O CAE 93192 inclui – Outras actividades desportivas, não especificadas, em vigor desde 2011/01/03, refere que “compreende as actividades de: produtores e promotores de acontecimentos desportivos com ou sem instalações; promoção de eventos desportivos; atletas, árbitros, cronometristas e de outros desportistas independentes; estábulos, canis e garagens, relacionados com a actividade desportiva; apoio à pesca e caça recreativas e desportivas; e dos guias de montanha. Inclui a gestão de zonas de caça e pesca”, incluindo assim os atletas ,que são os praticantes e outros elementos ou agentes intervenientes tais como árbitros e cronometristas.
No caso dos árbitros de futebol, que é o que aqui nos ocupa, não vislumbramos suporte seguro na lei que permita concluir, de forma clara, que devam ser considerados “desportistas”, para efeitos de integração na actividade “1323-Desportistas” da tabela anexa ao artigo 151º do CIRS, muito embora integrem o leque de entidades que exercem ou estão ligadas à “actividade desportiva”, enquanto um dos tipos de agentes desportivos que fazem parte do fenómeno desportivo.
A Lei de Bases do Sistema Desportivo – LBSD (Lei 1/90, de 13 de Janeiro) o seu Capítulo II, abordava o que se considerava ser “actividade desportiva”, sendo relevante o nº 4 do artigo 4º que refere: “são considerados agentes desportivos os praticantes, docentes, treinadores, árbitros e dirigentes, pessoal médico, paramédico e, em geral, todas as pessoas que intervêm no fenómeno desportivo”.
Também a Lei de Bases do Desporto (Lei nº 30/2004, de 21 de Julho), no seu capítulo IV, mormente no artigo 34º nº 1, apontava no sentido de que só os “praticantes desportivos” desenvolvem uma actividade desportiva. Quanto aos árbitros configura-se que eram considerados “recursos humanos ... que intervêm directamente na realização de actividades desportivas”, porquanto eram “elementos que desempenham na competição funções de decisão, consulta ou fiscalização, visando o cumprimento das regras técnicas da respectiva modalidade” (nº 1 do artigo 33º).
Por último, o regime da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto – LBAFD (Lei nº 5/2007, de 16,01), na Secção II do Capítulo IV, sob a epígrafe “agentes desportivos” parece integrar os árbitros de futebol, na categoria de “praticantes desportivos” (artigo 34º), como se infere da sua menção no nº 4 do artigo 40º deste diploma legal. Desde logo, a definição do estatuto de cada tipo de praticante desportivo, face à redacção do nº 1 do artigo 34º da LBAFD, parece ser casuístico, porquanto se refere “é definido de acordo com o fim dominante da sua actividade”.
No entanto, a LBAFD tem uma norma específica sobre a tributação dos agentes desportivos que é o nº 1 do artigo 48º, que refere o seguinte:
O regime fiscal para a tributação dos agentes desportivos é estabelecido de modo específico e, no caso dos praticantes desportivos, de acordo com parâmetros ajustados à natureza de profissões de desgaste rápido”.
Quanto aos anexos a preencher na Modelo 3 de IRS, o Anexo B do Modelo 3 do IRS, desde logo no quadro 3A, campos 7, 8 e 9, dá seguimento à necessidade de se colocar o código ou códigos de actividade, tal como foram definidos na declaração de início de actividade (...) Ou seja, a indicação de que “caso se trate de actividade não prevista nessa Tabela, deve ser preenchido o campo 08 ou com indicação do Código CAE que lhe corresponda”, (...) em consonância com os códigos de actividade que constam da declaração de início de actividade, o Anexo B do Modelo 3 do IRS no quadro 4A (rendimentos brutos obtidos em território nacional), distingue:
No campo 403 – os rendimentos de actividades profissionais especificadamente previstas na Tabela do artigo 151º do CIRS;
No campo 404 – os rendimentos de prestações de serviços não previstos nos campos anteriores.
Também em consonância com os códigos de actividade que constam da declaração de início de actividade, as instruções de preenchimento do Anexo B do Modelo 3 do IRS no quadro 4A, campos 403 e 404, referem:
Para que esta indicação quanto ao campo 403 tenha coerência (com a declaração de início de actividade e com as instruções de preenchimento do quadro 3A, campos 7, 8 e 9) e face ao valor vinculante, nas relações entre a AT e o sujeito passivo do conteúdo das declarações de início de actividade; quando ocorram situações em que a actividade não tenha sido classificada, inicialmente, na declaração de início pela AT, segundo a tabela anexa ao artigo 151º do CIRS, terá que considerar-se que a actividade cabe ou caberia na exclusão do campo 403, sendo os rendimentos declarados no campo 404, como se constasse no registo o código “1519 – outros prestadores de serviços”, uma vez que é o código onde cabem todas as situações não enquadradas em situações específicas.
Com base numa análise meramente literal a questão decidenda não fica resolvida pelo que teremos que analisar o próprio regime jurídico fiscal aplicável a esta categoria de profissionais, de per si e em contraponto com o regime aplicável aos desportistas.
Os rendimentos auferidos por árbitros, no exercício desta actividade, qualificam-se, regra geral, como rendimentos provenientes da prestação de serviços e são enquadráveis na Categoria B de IRS.
Sendo a determinação dos rendimentos profissionais e empresariais feita, regra geral, com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado ou com base na contabilidade.
Ora no âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação de coeficientes, que representam, na prática, o reconhecimento de um direito de dedução (automática) de despesas correspondente a uma percentagem do rendimento auferido, variável em função da natureza do rendimento auferido, designadamente se respeita a actividades profissionais especificamente previstas na indicada Tabela do Código do IRS.
Não estando a actividade de árbitro especificamente prevista na Tabela de actividades a que se refere o Código do IRS, a questão que aqui se decide é a da interpretação da lei no sentido de determinar se o Código de Actividade 1323 – Desportistas, previsto naquela Tabela, deve, ou não, ser interpretado de forma a abarcar a actividade profissional de um árbitro de modalidades desportivas.
Pois, caso se conclua pela sua não aplicação à categoria profissional de árbitro, em vez dos rendimentos desta categoria profissional serem ponderados pela aplicação de um coeficiente de 0,75 (que implica que aos rendimentos auferidos será reconhecida uma dedução de 25%) ser-lhes-á aplicado um coeficiente de 0,35 (reconhecendo se assim uma dedução, automática, de despesas no valor de 65% do rendimento auferido).
Esta questão foi, em 2018, objeto de uma Ficha Doutrinária da Administração tributária, onde foi perfilhado o entendimento de que «o rendimento proveniente da actividade de árbitro de futsal deve ser inscrito no campo 403 do quadro 4-A do anexo B da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS e a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação do coeficiente de 0,75 (…)».
A mesma questão foi já objeto de Decisões Arbitrais dissonantes, proferidas pelo Centro de Arbitragem Administrativa (designadamente no âmbito do Processo nº 510/2017-T e no âmbito do Processo n.º 421/2019-T), onde, numa, se entendeu ser aplicável o coeficiente de 0,35, enquanto noutra, mais recente, se considerou que os rendimentos de um árbitro de modalidades desportivas se encontra abrangido pela Actividade 1323 – Desportistas e que lhe é aplicável um coeficiente de 0,75.
Neste âmbito, as Decisões arbitrais que consideraram ser aplicável o coeficiente de 0,35 (de que são exemplo a Decisão proferida no Processo n.º 829/2019-T e no Processo nº 28/20202-T), assentam no entendimento de que, por força do princípio da legalidade, previsto na Constituição da República Portuguesa, e dos princípios da tipicidade e da determinação em que aquele se desdobra, as normas de incidência têm de ser pré-determinadas no seu conteúdo, devendo os elementos integrantes da mesma estar formulados de modo preciso e determinado.
Mais se considera que, sendo a letra da lei o limite máximo da tarefa interpretativa, não é possível concluir que outros rendimentos, além desses, devem merecer o mesmo tratamento, sobretudo quando o próprio legislador criou, em paralelo à categoria específica de rendimentos de Desportistas, uma categoria residual e onde se incluem os restantes rendimentos da categoria B não previstos especificamente na lei.
Nesta medida, é entendido que, partindo do elemento literal da lei, o resultado da interpretação é o de que o coeficiente de 0,75 é aplicável, apenas, a rendimentos das actividades profissionais constantes da tabela a que se refere o citado artigo do Código do IRS e onde não se inclui a actividade de árbitro de modalidades desportivas.
Por seu lado, as Decisões que consideraram que os rendimentos de árbitro se encontram abrangidos pela Actividade 1323 – Desportistas – sendo-lhes aplicável o coeficiente de 0,75 –, assentam essencialmente no facto de que, a diferença de tratamento entre os praticantes desportistas e os árbitros como agentes desportivos constituiria uma solução manifestamente desigual, desproporcional e destituída de fundamento racional e material bastante.
Uma tal diferenciação de tratamento, aplicando a praticantes desportivos um coeficiente de 0,75 e a árbitros o de 0,35, representaria uma incompatibilidade com a justiça do sistema fiscal, porque violadora dos princípios da capacidade contributiva e da proibição do arbítrio, que são subprincípios do princípio da igualdade fiscal.
Considerou-se que esse entendimento, preconizado pela Administração Tributária, corporizaria a melhor visão unitária do sistema jurídico, enquanto sistema de valores, princípios e regras, adequando-se ao sentido material que se retira dos princípios da justiça fiscal, da igualdade fiscal – horizontal e vertical – e da consideração da capacidade contributiva subjetiva, que têm o seu fundamento, último, na ordem constitucional.
Face às várias decisões proferidas, entre outras, nos processos arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, com os n.ºs 510/2017-T; 704/2019-T; 829/2019-T; e 421/2019-T, este, em resultado de provimento ao recurso para uniformização de jurisprudência interposto para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, conforme douto acórdão de 09-12-2020, que acompanhamos, prolatado no Processo n.º 092/19.9BALSB, e que, pela clareza na solução encontrada, transcrevemos o seguinte excerto: “(…) O artigo 31.º do Código do IRS prevê os coeficientes aplicáveis para a determinação do rendimento tributável dos Sujeitos Passivos tributados ao abrigo do regime simplificado em IRS. Nos presentes autos, discute-se qual desses coeficientes é aplicável ao Recorrente marido por referência aos rendimentos obtidos enquanto árbitro de futsal no ano fiscal de 2017.
A este respeito, importa começar por referir que em matéria de incidência tributária e de aplicação de taxas de tributação não há, por definição, lacunas. Mercê do especial vigor que o princípio da legalidade assume neste domínio na sua vertente de tipicidade tributária (artigo 103.º n.º 2 da Constituição), as taxas de tributação apenas podem ser utilizadas nas situações que concretamente se insiram na previsão da norma aplicável. A integração analógica encontra-se vedada nestas matérias mercê do princípio constitucional da legalidade, sendo a afirmação concordante do legislador ordinário nesse sentido mero corolário daquela norma constitucional (vide, a este respeito, o n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária).
Não se encontra, porém, constitucionalmente vedada a possibilidade de interpretação extensiva, pelo que se se concluir que a letra da lei se quedou aquém do seu espírito, haverá que adequar a letra ao respectivo espírito por via da interpretação extensiva (sobre a interpretação extensiva na doutrina tradicional, pressuposta pelo nosso legislador, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 185/186).
Pressuposto para assim operar é, contudo, a demonstração de que o legislador minus dixit quam voluit, in casu, que quando o legislador se refere a Desportistas no Código 1323 da tabela do artigo 151.º do Código do IRS quer abarcar não apenas os desportistas em sentido estrito mas, também, outras actividades profissionais incluídas na actividade desportiva, como é o caso dos árbitros.
Senão, vejamos.
Com a Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013,de 31 de Dezembro), que entrou em vigor a 1 de Janeiro desse ano, os coeficientes aplicáveis aos rendimentos resultantes do exercício de actividades profissionais passaram a estar indexados ao exercício das actividades profissionais previstas na tabela de actividades do artigo 151.º do Código do IRS, prevendo-se no n.º 2 do artigo 31.º desse mesmo Código, e na parte que aqui nos interessa, a aplicação do coeficiente de 0,75 aos “rendimentos das actividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º” e o coeficiente de 0,10 aos “subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores” (nosso sublinhado).
Com a republicação do Código do IRS operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015, a redacção do artigo 31.º daquele Código foi alterada, passando a prever-se no respectivo n.º 1 a aplicação de um coeficiente de “0,75 aos rendimentos das actividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º” (nosso sublinhado).
Portanto, a partir de 2015, o legislador fiscal passou a prever expressamente que o coeficiente de 0,75 apenas pode ser aplicado às actividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS. Assim, e presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária), não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às actividades concreta e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às actividades aí não especificamente previstas.
Percorrido o elenco da tabela do artigo 151.º do Código do IRS, não se vislumbra a referência específica à actividade profissional de árbitro de desportos. Contudo, e como vimos já, é entendimento da decisão arbitral recorrida que a actividade profissional de árbitro de futsal se subsume “de forma natural, imediata e logicamente transparente, ao conceito de Desportista, da Tabela de actividades do artigo 151.º do CIRS, Anexo I”. Mas sem razão.
A actividade profissional de desportista está incluída no Grupo 3421 – Atletas e Desportistas de Competição da Classificação Portuguesa das Profissões (editada em 2010 pelo Instituto Nacional de Estatística, I.P.), prevendo-se no sub-grupo 3421.3 – Outros atletas e desportistas de competição (que não sejam especificamente futebolistas e ciclistas) que a actividade de desportista compreende as seguintes tarefas e funções:
· “Executar exercícios físicos adequados e complementares à respectiva modalidade, individualmente ou por orientação do treinador, a fim de desenvolver e manter o rendimento máximo das suas aptidões físicas;
· Treinar individualmente ou em grupo para melhorar a técnica e tácticas a adoptar;
· Participar, individualmente ou como membro de uma equipa, em competições ou exibições de uma determinada modalidade desportiva;
· Cumprir regras e pôr em prática as orientações do treinador”.
Por sua vez, a actividade profissional de árbitro (juíz) de desportos encontra-se prevista no Código 3422.2 daquela Classificação Portuguesa das Profissões, incluindo a realização das seguintes funções:
· “Dirigir encontros desportivos, aplicar as respectivas leis e velar pela sua observância
· Verificar se o local das provas apresenta as condições requeridas e identificar os participantes, certificando-se se têm autorização de participação
· Estabelecer, antes dos encontros, com os auxiliares a coordenação que deve existir entre eles para uma boa observação dos lances
· Dar início, na hora determinada, aos encontros e cronometrar o tempo de jogos
· Vigiar o desenrolar do encontro e aplicar as penalidades correspondentes às infracções cometidas e assinalar os golos ou pontos marcados
· Participar superiormente faltas graves dos atletas ou dirigentes e elaborar relatórios dos encontros arbitrados”.
E assim é.
O envolvimento e a importância dos árbitros para a realização dos eventos desportivos não pode ser considerada como factor determinante para julgar que tais profissionais são, eles próprios, desportistas, sob pena de terem de ser considerados como desportistas todos quanto estão envolvidos no fenómeno desportivo: não só os árbitros, mas também os médicos, os dirigentes, os empresários, e outros agentes desportivos previstos na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (Lei n.º 5/2007,de 16 de Janeiro). Com efeito, mais do que o envolvimento no fenómeno desportivo e a qualificação como agente desportivo, o que releva para incluir um determinado profissional na tabela do artigo 151.º do Código do IRS é a actividade concreta e especificamente por ele exercida. Tal como reconhece a Recorrida nas suas contra-alegações, “a aplicação dos coeficientes para determinação do rendimento tributável de serviços prestados, em sede de categoria B com aplicação das regras do regime simplificado, efetua-se pela verificação da actividade REALMENTE e ESPECIFICAMENTE exercida”.
Não se podendo negar a preparação e destreza física exigida a um árbitro de futsal (encontrando-se naturalmente previsto o respectivo acesso à medicina desportiva nos termos do artigo 40.º n.º 4 da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto), nem a sua relevância para a realização dos eventos desportivos desse desporto, tais circunstâncias não são suficientes para considerar o árbitro como um desportista. A função do árbitro é muito clara: dar início e cronometrar o jogo, verificar as condições para a sua realização, identificar os participantes, dirigir e ajuizar o encontro. A sua função não é a de competir em conjunto os demais elementos da sua equipa e contra a equipa adversária, cumprindo as regras impostas pelo treinador e obedecendo aos critérios definidos pelo juiz do jogo (v.g., o próprio árbitro).
(…) Como tal, não se pode concluir pela aplicação do coeficiente de 0,75 ao caso dos autos mas, ao invés, do coeficiente de 0,35, previsto para as actividades profissionais não especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS. E sem que isso viole o princípio da igualdade e da capacidade contributiva, porque já se demonstrou que não é curial proceder a uma interpretação extensiva da actividade profissional de desportista na medida em que as funções e tarefas exercidas por um árbitro não se incluem concretamente nesse conceito. Sem esquecer que é o próprio legislador que, no artigo 48.º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, prevê que “o regime fiscal para a tributação dos agentes desportivos é estabelecido de modo específico e, no caso dos praticantes desportivos, de acordo com parâmetros ajustados à natureza de profissões de desgaste rápido” (nosso sublinhado).
Tudo quanto justifica o provimento do recurso, uniformizando-se jurisprudência no sentido de não constando a actividade de árbitro especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, não lhe poderá ser aplicável o artigo 31.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS”.
O entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Administrativo assenta na consideração de que o envolvimento e a importância dos árbitros para a realização de eventos desportivos não pode ser considerado como factor determinante para julgar que tais profissionais são, eles próprios, desportistas, sob pena de terem de ser considerados como desportistas todos quanto estão envolvidos no fenómeno desportivo. Isto é «não só os árbitros, mas também os médicos, os dirigentes, os empresários, e outros agentes desportivos previstos na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto». O que deve relevar para incluir um determinado profissional na Tabela do Código do IRS é a actividade, concreta e especificamente, por ele exercida.
Partindo daqui, considera também o Supremo Tribunal Administrativo que não existe qualquer violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, na medida em que não existem razões legais para proceder a uma interpretação extensiva da actividade profissional de desportista, já que as funções e as tarefas exercidas por um árbitro não se incluem concretamente nesse conceito, nem com ele se confundem.
No caso concreto aqui em julgamento, provou-se que o Requerente tem uma declaração de actividade com o CAE 93 192 – outras actividades desportivas.
Esta inscrição não foi contestada pela AT. A Autoridade Tributária não promoveu qualquer procedimento tendo em vista a prévia alteração do código da actividade, expresso no cadastro fiscal de contribuinte.
Pelo que conclui o tribunal arbitral que a actividade de Árbitro é uma das actividades que não se encontra expressamente prevista na Tabela do Código do IRS e que não pode também considerar-se como abrangida pelo Código de Actividade 1323 – Desportistas, pelo que deve ser-lhe aplicável o coeficiente de 0,35, relativo aos rendimentos de outras prestações de serviços.
Ficam deste forma prejudicadas as decisões relativas aos outros vícios suscitados pelo Requerente.
A anulação da liquidação de imposto, acarreta, consequentemente, a anulação da liquidação de juros sobre aquele.
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pelo Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso, o erro que afecta as liquidações anuladas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as emitiu sem o necessário suporte legal.
Tem, pois, direito o Requerente a ser reembolsado da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizada do pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
*
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anular os actos impugnados, por serem manifestamente ilegais, sendo a Requerida condenada a corrigir a liquidação de IRS de 2015 e 2018 nos termos legais; e
b) Condenar a Requerida na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados.
c) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 9.152,00 (nove mil cento e cinquenta e dois euros), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa
4 de Junho de 2021
O Árbitro
(Ana Teixeira de Sousa)