Sumario:
Compete à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e ao sujeito passivo provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca. Sobre as declarações do sujeito passivo existe a presunção de veracidade e de boa-fé, princípio base consagrado no artigo 75.º da LGT. O afastamento da presunção ocorre quando: “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (artigo 75.º n.º 2 alínea a)) e quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária (artigo 75.º n.º 2 alínea b).
Nos termos do artigo 23.º n.º 1, do CIRC, são aceites fiscalmente: “gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, competindo ao sujeito passivo um ónus da prova acrescido, concretamente, fazer a prova dos gastos que a empresa efetivamente utilizou para obter ou garantir os rendimentos, nos termos do artigo 23.º n.º 1 do CIRC.
Os gastos relacionados com o “team building”, configuram um gasto fiscalmente dedutível nos termos do artigo 23.º do CIRC.
Os sujeitos passivos mistos de IVA, devem aplicar um dos critérios previsto no artigo 23.º do CIVA, não podendo deduzir 100% do IVA se possuírem operações isentas e não isentas, ao não aplicarem um dos critérios, as declarações do sujeito passivo relevam omissões, erros, inexatidões, nos termos do artigo 75.º n.º 2 alínea a) do CIRC.
A Aplicação aos serviços de Nutrição/acompanhamento nutricional da isenção prevista no n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, quando oferecidos por ginásios, em pacotes, deverá cumprir com um conjunto de requisitos legais, sendo insuficiente a sua mera oferta aos clientes. Em concreto, deverá o ginásio demonstrar a contratação de nutricionistas inscritos na respetiva Ordem e legalmente habilitados a exercer tal profissão.
RELATÓRIO
A -PARTES
A..., LDA., com o NIPC número …, com sede na …, doravante designada de Requerente ou Sujeito Passivo.
AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA doravante designada por Requerida ou AT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral aceite pelo Presidente do CAAD no dia 23-11-2020, para apreciar e decidir o objeto do presente processo, foi automaticamente notificado à Autoridade Tributaria e Aduaneira no dia 23-11-2020, conforme consta da respetiva ata.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou a Árbitra Rita Guerra Alves, aceite nos termos legalmente previstos.
Em 22-10-2020 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular ficou regularmente constituído.
Em 23-11-2020, a Autoridade Tributaria e Aduaneira foi notificada, nos termos dos artigos 16º, 17º e 18º do RJAT, para a junção aos autos, do Processo Administrativo.
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente, nos termos dos arts 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
No dia 11-05-2021 pelas 14h30m, teve lugar no CAAD a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, para audição de declarações de parte e inquirição de testemunha arrolada pela Requerente.
O Tribunal Arbitral, advertiu a Requerente para o pagamento da taxa arbitral subsequente a efetuar até à data da prolação da decisão arbitral, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e comunicação do pagamento ao CAAD.
As partes apresentaram alegações finais, reiterando a sua argumentação e fundamentos, expostos no pedido e na resposta.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (art.ºs 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
A ora Requerente, pretende a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2020..., relativa ao ano de 2017, no valor de 1.683,00€, e de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) Liquidação n.º 2020..., n.º 2020..., 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., relativas ao ano de 2017 no valor de 27.483,06€, tudo no valor total de EUR 29.166,06 (vinte e nove mil, cento e sessenta e seis euros e seis cêntimos).
A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em síntese, o seguinte:
Em relação à duração da ação inspetiva e suas consequências legais, alega que o procedimento inspetivo que deu origem às liquidações de imposto, objeto do presente PPA foi comunicado por carta-aviso datada de 03/07/2019, onde se comunicou à Requerente a realização de uma visita de técnicos da AT com a finalidade de verificação do cumprimento de obrigações tributárias em sede de IVA e de IRC em relação ao exercício de 2017. A ordem de serviço foi assinada pela gerente da sociedade B... em 01/10/2019, tendo com esse ato marcado o início do procedimento e inicio da contagem do prazo de 6 meses para a conclusão do procedimento de inspeção, nos termos do número 2 do artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”). A Requerente foi notificada do Relatório com data de 13/05/2020, contudo o procedimento de inspeção deveria ter terminado no dia 01/04/2020, verificando-se desse modo a inobservância do prazo legal para a conclusão do procedimento de inspeção, sem que a Requerente tenha sido notificada de qualquer prorrogação do mesmo, não podendo no seu entender, os atos de liquidação fundamentar-se em atos de inspeção praticados após o prazo legalmente fixado.
Por outro lado, alega que o foco da sua atividade comercial, ponto diferenciador no mercado em que se insere, na prestação de cuidados de saúde física integrados, é, precisamente, a oferta combinada e agrupada em que o cliente pode, de uma forma holística, acautelar várias dimensões da sua saúde física.
No que respeita às correções realizadas ao IRC, prenderam-se (i) com a desconsideração de custos excessivos com gasóleo e (ii) com a desconsideração de despesas com transporte relativas a um evento corporativo.
Alega que a correção em sede de IRC realizada por parte da AT, decorreu em parte da desconsideração para efeitos fiscais de gastos incorridos pela Requerente com a aquisição de gasóleo para a caldeira, destinada ao funcionamento da piscina e do SPA por alegadamente 50% desses gastos não terem sido reconduzidos para a obtenção de proveitos, mas sim para mera disponibilização gratuita aos clientes;
Ainda em sede de IRC alega a Requerente que a AT considerou indevida a dedução de gastos com a contratação de um serviço de transporte por parte da Requerente por alegadamente não ter visionado “a relação do gasto incorrido com a obtenção (ou garantia) dos rendimentos sujeitos a IRC, tendo em consequência determinado a sua não aceitação como gasto fiscalmente dedutível e a respetiva correção do lucro bruto.
No que respeita às correções realizadas em sede de IVA, assentam por um lado na desconsideração fiscal, deduzido em relação ao gasóleo, que a AT entende não ter sido adquirido para fins empresariais (como justificado na correção de IRC), procedendo a uma correção do IVA deduzido pela Requerente com a aquisição de gasóleo, no valor de 5.323.914€.
E por outro lado, na aplicação indevida pela Requerente da isenção de IVA em serviços de nutrição.
A Requerente alega que são ilegais, por violação do número 2 do artigo 103.º e do número 3 do artigo 263.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), do artigo 77.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e do número 1 do artigo 153.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”) aplicável ex vi artigo 2.º da LGT, impondo-se, em consequência, a respetiva anulação.
Mais defende, que por a AT não ter conseguido provar que os gastos não poderiam ser aceites como gasto fiscal, a AT incorre em erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo a liquidação realizada em sede de IRC ser anulada, em harmonia com o disposto no número 1 do artigo 163.º do CPA subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, aplicando-se idêntico raciocínio para a correção de IVA respetiva.
Sobre a indevida dedução de gastos com a contratação de um serviço de transporte por parte da Requerente, por alegadamente não ter visionado a “relação do gasto incorrido com a obtenção (ou garantia) dos rendimentos sujeitos a IRC”, tendo, em consequência, determinado a sua não aceitação como gasto fiscalmente dedutível e a respetiva correção do lucro tributável, diz a Requerente que o gasto foi incorrido no âmbito da organização de um evento de “team building” para o seu staff e sócios interessados. A intenção da Requerente com a organização deste evento seria a de repercutir o custo em cada um dos interessados, contudo, considerando o número reduzido de aderentes, a Requerente decidiu cobrir integralmente o custo.
Ora, atenta a finalidade atribuída à contratação deste serviço de transporte, de fortalecimento dos laços profissionais entre o staff, entre o staff e os sócios, de incremento da motivação do staff e desenvolvimento de um sentimento de pertença dos indivíduos a uma “comunidade desportiva” e construção da própria identidade da Requerente, impõe-se analisar o que se entende por gasto dedutível para efeitos de IRC, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC (“CIRC”).
Já no que respeita aos serviços de nutrição, considera a AT que a Requerente aplicou indevidamente a isenção de IVA aos serviços prestados. Já a Requerente não concorda a com o juízo efetuado pela AT quanto à falta de prova da realização das consultas, na medida em que lhe foram fornecidos todos os elementos existentes relativos ao registo de consultas em 2017.
Assim, a questão a que importa responder será a de saber se a isenção de IVA prevista no número 1 do artigo 9.º do CIVA pressupõe a efetiva prestação do serviço de nutrição ou se é suficiente a sua mera disponibilização ao sócio.
A Requerente, nos seus pacotes de serviços, oferece a possibilidade aos seus sócios de acederem a um vasto leque de serviços, incluindo o acesso a consultas de nutrição, e a um preço mais reduzido do que aquele que seria habitualmente cobrado pela Requerente por esses serviços.
Considera a Requerente que os atos de liquidação de IVA e respetivos juros compensatórios, enfermam de vício de violação de lei, por erro na qualificação dos rendimentos na interpretação do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, na medida em que os serviços de nutrição prestados pela Requerente são aí enquadráveis, e, como tal, isentos de imposto.
A AT suscita ainda a questão da dedutibilidade integral do IVA incorrido pela Requerente no pressuposto de que, havendo uma parte da atividade isenta, e sendo aplicável o método da afetação real, pelo menos o IVA correspondente a despesas comuns imputáveis à atividade isenta não deveria ser dedutível.
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
Os SIT recolheram efetivamente elementos de prova sobre as alegadas consultas de nutrição e sobre a capacidade/incapacidade de as realizar, como facilmente se infere de tudo o que ficou exposto ao longo dos capítulos II.3.7, II.3.8 e III.2.2.
O valor dos serviços de fisioterapia que faturou foram de montante muito insignificante conforme se extrai da resposta a um pedido de esclarecimentos. A Requerente assumiu que em 2017 não exercia essa atividade "pois a Fisioterapia era um dos serviços prestados já pela clinica do corpo." E mais informou que "O que aconteceu é que em 2017 a receção da N... era comum à da A... e por erro a nossa rececionista fez os recibos de clientes que antigamente eram pertencentes à A... no nosso software.”
Da análise efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária e Aduaneira (SIT) à contabilidade da Requerente, verificou-se que a empresa adquiriu gasóleo, em quantidade e valor elevados (representa no ano de 2017, 26% do volume de negócios e 49 % dos gastos registados na subcontas 62 - Fornecimentos e Serviços Externos).
A Requerente justificou que estas aquisições se aplicaram para consumo na caldeira destinada ao aquecimento da zona de balneários e de SPA ( piscina, jacuzzi … ), mas também, como se refere no RIT ( início da página 8 ), a gerente B... admitiu que uma parte desses consumos foi destinada a uso pessoal dos sócios em equipamentos próprios das suas habitações.
Note-se a este respeito que, ambas as sócias da sociedade, as Senhoras B..., NIF … e C…, NIF …, têm morada no mesmo local indicado como sede da empresa, a Rua ….
Por último, cabe referir que a correção efetuada relativamente à dedução do IVA suportado na aquisição de gasóleo, foi efetuada por observância do artigo 21.º n.º 1 do CIVA, porquanto constataram os SIT (e não põe em causa a Requerente), que a dedução do imposto tinha sido feita pela totalidade em desrespeito da norma que apenas permite a dedução de 50% do imposto suportado na aquisição de gasóleo.
Já a correção levada a cabo por falta de liquidação de imposto, nos serviços faturados ao abrigo da isenção do artigo 9.º, fundamentou-se, em suma, em 2 razões distintas (págs. 18 a 20 do RIT):
• Por um lado, pelo entendimento dos SIT de que estamos perante uma operação complexa única, um pacote de serviços, em que a prestação principal serão os serviços de ginásio e que, como tal, todo o pacote de serviços tem o enquadramento em sede de IVA destes serviços;
• Por outro lado, porque tendo a isenção do art.º 9.º do CIVA, como âmbito de aplicação, os serviços que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e na medida do possível curar doenças, um serviço que consista na mera disponibilização de consultas, não é compatível com a aplicação da isenção.
Em suma, entende a Requerente que verificado o requisito subjetivo da aplicação da isenção (a qualificação dos prestadores dos serviços), se pode ter por presumido o requisito objetivo (de que tais serviços tiveram por fim, diagnosticar, tratar e na medida do possível curar, determinada doença).
Sendo que no caso, nem sequer se pode ter por verificado o requisito subjetivo, porquanto durante mais de metade do ano de 2017, a nutricionista, não estava inscrita na ERS, inscrição essa que é requisito de habilitação.
Por sua vez, a Requerida, discordando de tal entendimento, defende que nos termos acima referidos cabia à Requerente fazer prova de que os serviços tiveram, objetivamente fins terapêuticos, o que no caso, começava logo pela prova da efetiva prestação das consultas e que não o tendo logrado fazer, se deve dar por não provado.
Concluíram os SIT que, os serviços faturados a título de nutrição, aqui em apreço, estão sujeitos a IVA e dele não isentos.
E, assim o considerou, essencialmente por entender, não se verificarem nos serviços em apreço os fins terapêuticos que constituem requisito para a aplicação da isenção e, bem assim, que ao serem os serviços de nutrição meramente disponibilizados e, não tendo logrado a Requerente demonstrar ter prestado os serviços que faturou, não pode o serviço de mera disponibilização da nutrição beneficiar da isenção em questão.
Relativamente à aplicação da isenção quando não se demonstre terem sido efetivamente prestadas as consultas.
Desde logo, a norma de isenção prevê “os serviços prestados” e não os serviços disponibilizados.
Os serviços só poderão beneficiar da isenção se forem prestados e, por profissionais habilitados.
Ora, para os SIT, numa conclusão que parece à Requerida acertada, o facto de os destinatários dos serviços não os procurarem e de, na esmagadora maioria dos casos, não serem efetivamente prestados, evidencia, que os serviços em questão, não têm um fim terapêutico.
E não sendo efetivamente prestado qualquer serviço, por maioria de razão se entenderá que não são efetuadas quaisquer práticas terapêuticas, não podendo por via disso, aplicar-se a isenção em apreço.
Termina a Requerente, sustentando que o presente pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências.
E- MATÉRIA DE FACTO
Factos Provados
Cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, com base nas diligencias de prova documental e testemunhal produzidas, tendo em conta os factos alegados.
Em matéria de facto relevante, dá o presente Tribunal por assente os seguintes factos:
A AT, procedeu a uma ação inspetiva externa, efetuada ao abrigo da ordem de Serviço n.º OI2019….
O procedimento inspetivo que deu origem às liquidações objeto do presente PPA foi comunicado por carta-aviso datada de 03/07/2019, onde se comunicou à Requerente a realização de uma visita de técnicos da AT com a finalidade de verificação do cumprimento de obrigações tributárias em sede de IVA e de IRC em relação ao exercício de 2017.
A ordem de serviço foi assinada pela gerente da sociedade B... em 01/10/2019.
O procedimento de inspeção apenas finalizado com a notificação do Relatório com data de 13/05/2020.
A Requerente era em 2017, uma sociedade por quotas dedicada à “exploração de clínica de fisioterapia e reabilitação motora, ginásio de manutenção e bem-estar físico, de instalações desportivas, de gabinete de estética e de bar; comercialização, importação e representação de todo o tipo de artigos e equipamentos desportivos, de beleza e higiene pessoal; atividade de manutenção e bem-estar físico.”
A Requerente em 2017 possui como CAE principal – 93110 – Gestão de instalações desportivas; CAE Secundário – 086906 – Outras Atividades de saúde humana; CAE Secundário – 68200 – Arrendamentos de bens Imobiliários.
A instalações da Requerente, são compostos por um edifício em propriedade total sem antes ou divisões suscetíveis de utilização independente, com quatro pisos.
A Requerente tem parte das suas instalações cedidos a: D…, para a atividade de cabeleireira; a E… para a atividade de esteticista; F…, para a atividade de fisioterapia, terapias manuais, hidroterapia, cirurgia plástica, estética avançada, psicologia e nutrição.
A Requerente, não esta inscrita na Entidade Reguladora da Saúde – ERS.
A Requerente, em 2017 não contratou diretamente profissionais de saúde, que prestaram o serviço de nutrição.
Em relação a faturação ou operações económicas da Requerente em 2017, foram as seguintes:
A requerente em 2017, faturou de serviços de nutrição 84.800,12€, correspondente a 47,08% da sua faturação total.
Os planos ou pacotes de serviços que eram oferecidos pela Requerente aos seus clientes, são:
Nenhum dos planos oferecidos, tem a opção de contratar o serviço da Requerente sem consulta de nutrição.
Conforme a tabela de preços a Requerente, cobra diferentes preços por consultas de nutrição dependendo dos pacotes de serviços contratados.
Os quadros de pessoal da requerente eram compostos pelos seguintes trabalhadores e prestadores de serviços:
A Requerente não empregava ou contratou diretamente em regime de prestação de serviços um nutricionista ou profissional de saúde.
A Requerente celebrou em 1 de Junho de 2016, um contrato de prestação de serviços com a sociedade F… Unipessoal, Lda, com o objeto de prestação de serviços de nutrição, a serem prestadas por um profissional habilitado para o efeito.
A Requerente cedia parte das suas instalações à empresa F... Unip Lda, para esta aí exercer, “atividade de fisioterapia, terapias manuais, hidroterapia, cirugia plástica, estética avançada e nutrição”.
A Sociedade F… Unip , Lda, está inscrita na ERS, para fisioterapia, nutrição, psicologia clinica e terapia da fala desde 2 de agosto de 2017.
A Sra. F..., socia única da sociedade F... Unip , Lda., não é nutricionista registada na Ordem dos Nutricionistas.
Em 2017 a empresa F... Unip Lda emitiu à Requerente as seguintes faturas:
A empresa ou a F..., tinha um espaço cedido, nas instalações da Requerida, espaço esse com o nome N..., que cobra aos seus clientes 20,00€ pela primeira consulta e 15,00€ pelas consultas seguintes de nutrição.
Sobre as despesas de gasóleo:
A Requerente, em relação às despesas de gasóleo de 2017, efetuou gastos para fins económicos da Requerente, mas também, para fins pessoais dos sócios da Requerente, designadamente:
Sobre as despesas de transporte:
A Requerente contratou pelo preço de 250,00€ para transporte de pessoal, conforme fatura FT1702125 de 19-06-2017, emitida pelo fornecedor O..., Transportes Rodoviários S.A.
Sobre as correções em IRC:
Resultaram assim as seguintes correções em sede de IRC:
Sobre as correções em IVA:
A AT procedeu assim às seguintes correções em sede de IVA:
F- FACTOS NÃO PROVADOS
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Deste modo, não há factos relevantes, para esta Decisão Arbitral para além daqueles que se deram como provados.
G- QUESTÕES DECIDENDAS
Atenta as posições das partes assumidas nos argumentos apresentados, constituem questão central dirimendas, as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:
Declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2020... e de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.ºs Liquidação n.º 2020... de 2017 n.º 2020..., 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., relativas ao ano de 2017, no valor total de EUR 29.166,06 (vinte e nove mil, cento e sessenta e seis euros e seis cêntimos).
Condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
E ainda o peticionado pela Requerida:
A suspensão da instância até à Decisão a proferir no Processo de reenvio do Processo Fenetikexito.
H- Questões Previas
Questão previa - Cumulação de pedidos
No presente pedido de pronuncia arbitral, é peticionada a anulação por ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado.
Quanto à questão da admissibilidade sobre a cumulação de pedidos, diz-nos o artigo 3.º n.º 1 do RJAT que: “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.”
De acordo com a factualidade já descrita, os atos tributários de ambos os impostos resultaram da mesma Inspeção Tributaria.
A averiguação da legalidade liquidações, ora impugnadas, resulta da interpretação e aplicação das mesmas regras e princípios de Direito e da análise dos mesmos fundamentos de facto.
Nos termos da moldura legal prevista nos artigos 3.° do RJAT e 104.° do Código do Procedimento e do Processo Tributário, a cumulação de pedidos relativos a diferentes atos e de diferentes Impostos é valida e legalmente permitida.
Questão previa - Da duração do processo inspetivo
A Requerente suscita, a inobservância do prazo legal de 6 meses para a conclusão do procedimento de inspeção, inquinando a liquidação do respetivo tributo, nos termos do número 2 do artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira “RCPITA”.
Constata-se dos autos, que o procedimento inspetivo foi comunicado em 03/07/2019 e terminou em 13/05/2020, ultrapassando assim o prazo de seis meses previsto no número 2 do artigo 36.º do RCPITA.
A violação de tal prazo, e conforme jurisprudência do STA (Acórdão do STA de n.º0695/06, 29-11-2006), tem como única consequência a cessação da suspensão do prazo de caducidade, contando-se o prazo desde o seu início, nos termos do nº 1 e 3 do artigo 45º da LGT:
“I - O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte do início da inspeção externa - artº 46 º, 1, da LGT.
II - O procedimento de inspeção tributária é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início - artº 36º, 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária ( RCPIT ).
III - Tal prazo pode ser ampliado por mais dois períodos de 3 meses, nas circunstâncias previstas no nº 3 do mesmo normativo.
IV - A violação de tal prazo tem como consequência a cessação da suspensão do prazo de caducidade, contando-se o prazo desde o seu início.”
Nestes termos, a violação do prazo de 6 meses, não afeta a liquidação do respetivo tributo, improcedendo o pedido da Requerente.
Questão Previa: Suspensão da Instancia
A Requerida requereu a suspensão da instância até à Decisão a proferir no Processo de reenvio do Processo Fenetikexito, contudo atento o facto de, entretanto a decisão ter sido proferida em 4 de Março de 2021, deixa o pedido de ter efeito ou utilidade.
I - Matéria de Direito
De acordo com o anteriormente exposto, a questão central carreada e a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral, versa sobre a apreciação da legalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), por padecer de vício de violação de lei.
Sobre o ónus da prova e a presunção de veracidade do artigo 75.º da LGT
Dentro da temática dos Impostos aqui em apreço, e antes de entrarmos na análise concreta das correções, compete determinar a quem compete o ónus da prova do cumprimento dos requisitos inerentes ao IVA e IRC.
Ora resulta do artigo 74.º n.º 1 da LGT que: "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado." (nosso sublinhado)
Acresce que sobre a questão do ónus da prova, existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca. (vide Processo Arbitral nº 236/1014-T de 4 de Maio de 2015).
Nesse mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11: “Nos casos em que a correcção da matéria tributável declarada decorra do facto de a AT ter considerado que determinadas despesas não podem integrar o valor de aquisição a considerar no apuramento das mais-valias porque respeitam a activos que não foram transmitidos (motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correcções aritméticas”, expurgou tais despesas do valor de aquisição), à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a concluir que aquelas despesas não se referem aos activos transmitidos), só depois competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no apuramento das mais-valias.”
O dito acórdão é bastante esclarecedor quanto à distribuição do ónus da prova, o qual subscrevemos.
Ainda no âmbito da jurisprudência, embora sobre um tema diferente, mas de relevo para a fundamentação da presente decisão arbitral, decidiu-se no Acórdão Arbitral, Processo 236/1014-T de 4 de Maio de 2015, o seguinte:
“Em consequência, cabe à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua actuação, para o que deve provar os factos constitutivos de que legalmente depende a decisão administrativo-tributária com certo conteúdo e com certo sentido. Pelo seu lado, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca..” (…) “Como tal, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, cabe à Requerente a demonstração das bases e situações fácticas em que se sustentam os ajustamentos, desconhecimentos e regularizações que, por ela, foram promovidos e cuja relevância e consistência tributárias afirma, recaindo, pois, sobre a Requerente o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa e sua justificação.”. (nosso negrito)
(…) Nesta sequência, deve, ainda, assinalar-se que resulta do artigo 75.º, n.º 1 da LGT que as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, se presumem verdadeiras. Porém, esta presunção cessa nomeadamente se essas declarações, contabilidade ou escrita, ou os respectivos dados de suporte, apresentarem omissões, erros e inexactidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (art. 75.º, n.º 2, al. a) da LGT). Recorde-se ainda que, nos termos do n.º 3 do art. 75.º da LGT, “[a] força probatória dos dados informáticos dos contribuintes depende, salvo o disposto em lei especial, do fornecimento da documentação relativa à sua análise, programação e execução e da possibilidade de a administração tributária os confirmar”. (…) Ora, sempre que se aplique a al. a) do n.º 2 do art. 75.º da LGT, “será sobre o contribuinte que recai o ónus de prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existam dúvidas probatórias”, pelo que “as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas” para os efeitos do n.º 1 do art. 100.º do CPPT (vd. assim Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, vol. II, 6ª ed, 2011, p. 133).
De acordo com o exposto anteriormente, e voltando ao caso em apreço, temos por certo que recai sobre o Requerente o ónus da prova dos factos inscritos na sua declaração de rendimentos relativos ao ano de 2017, dos gastos apresentados, e da atividade desenvolvida.
Em qualquer caso, sobre as declarações do Requerente, existe a presunção de veracidade e de boa-fé, princípio base consagrado no artigo 75.º da LGT, o qual prescreve:
"Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos. (Redação da Lei n.º 80-C/2013 de 31 de Dezembro)".
O afastamento da presunção ocorre quando: “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (artigo 75.º n.º 2 alínea a) e quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária (artigo 75.º n.º 2 alínea b).
Por conseguinte, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, cabe ao Requerente o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa, inclusive demonstrar e justificar a sua relevância e consistência tributárias, recorrendo a meios de prova documental e se necessário complementar com prova testemunhal os elementos fáticos que sustentam a sua correção, uma vez que foram pelo Requerente promovidos.
E caso existam dúvidas quanto ao tipo de rendimentos que são comunicados e informação transmitida à Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo da Diretiva da Poupança, cabe à AT nos termos do princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da LGT realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, incluindo averiguar o tipo de rendimentos declarados na respetiva declaração e ao sujeito passivo cabe-lhe o dever de colaboração nos termos do artigo 59º da LGT.
Deveres que foram cumpridos extensivamente pela AT, conforme resulta da inspeção efetuada.
Em contraste, as declarações da Requerente referentes ao período de 2017, apresentaram omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (artigo 75.º n.º 2 alínea a), em concreto, a Requerente declarou despesas de gasóleo que foram utilizadas para outros fins económicos que não os da empresa, em concreto fins pessoais dos seus sócios, e deduziu a totalidade do IVA por si incorrido, ao abrigo de prestação de serviços isentos, o que é incompatível com um sujeito passivo misto de IVA.
Por sua vez, impende sobre a Requerida, o ónus da prova sobre a verificação dos pressupostos legais (vinculativos) legitimadores da sua atuação, ou seja, compete-lhe a prova do facto por si invocado respeitante às correções que efetuou, as quais vamos analisar em detalhe de forma individualizada.
Dos gastos com gasóleo
Iniciemos com a análise da correção efetuada em sede de IVA, em concreto o que resulta por aplicação do artigo 20.º e 21º do CIVA quanto à dedução do IVA suportado na aquisição de gasóleo.
A Requerente, defende, que é difícil compreender a estrutura e linha de raciocínio da AT para a desconsideração fiscal de parte dos gastos, por outro, a escolha da percentagem de 50% de desconsideração dos gastos parece completamente discricionária e sem qualquer tipo de sustentação em critérios determinados ou determináveis.
A Requerida sobre esta correção, alega que o gasóleo foi gasto nos fins económicos da Requerente, mas também, nos fins pessoais dos sócios da Requerente, e como tal não poderia ser aceite como um gasto na sua totalidade bem como a sua dedução a 100% do valor do IVA, mais considerou que apenas é aceite 50% dos gastos e como tal, apenas é dedutível quanto a esse valor, resultando numa correção no montante anual de 5.323,91€, face aos €10.647,62 que a Requerente declarou.
Atendendo, à posição das partes e à factualidade provada, o que importa aqui decidir, é se o critério aplicado pela AT, de apenas considerar 50% dos custos, é legal, por outras palavras, a AT entendeu e provou na sua inspeção, que os sócios, estavam a utilizar o gasóleo adquirido pela Requerida para fins pessoais.
Atendendo, a que o gasóleo não foi utilizado pela empresa, tem como resultado, num primeiro momento, que o mesmo não pode ser considerado como um gasto nos termos do artigo 23.º n.º 1do CIRC “gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.”¸ e num segundo momento, afasta a presunção de veracidade e de boa-fé das declarações do sujeito passivo, princípio base consagrado no artigo 75.º da LGT.
O afastamento da presunção de veracidade, tem como consequência, que ao sujeito passivo lhe incumbe um ónus da prova acrescido, concretamente, fazer prova dos gastos com gasóleo que a empresa efetivamente utilizou para obter ou garantir os rendimentos, nos termos do artigo 23.º n.º 1do CIRC.
A Requerente não fez essa prova, não demonstrou efetivamente quais os gastos do gasóleo que foram diretamente utilizados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
Sobre a atuação da AT na inspeção efetuada compete à AT seguir as regras instituídas (artigos 54.º e ss da LGT) nos procedimentos tributários e o dever de fundamentação das decisões tomadas (artigo 77.º da LGT).
No presente caso, o dever de fundamentação encontra-se cumprido, tal como previsto no n.º 1 do artigo 77.º da LGT “1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”
Nestes termos, a correção relativa ao gasóleo, é legal, improcedendo o pedido da Requerente quanto a esta parte, conclui-se pela legalidade do ato de liquidação.
Despesas de Transporte
Da analise à correção e liquidação, não foi considerado como fiscalmente aceite um gasto de 250,00€ referente a despesas de transporte de pessoal, fatura FT1702125 de 19-06-2017, emitida pelo fornecedor O..., Transportes Rodoviários S.A..
A Requerente, sustenta, relativamente às despesas com transporte, que este gasto foi incorrido no âmbito da organização de um evento de “team building” para o seu staff e sócios interessados. E a Requerida, alega, que não se verifica uma relação do gasto incorrido com a obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos a IRC, à luz do disposto n.º1 do artigo 23.º, considerou com o um gasto não aceite fiscalmente.
Sobre a temática dos custos fiscalmente aceites, em concreto a aplicabilidade do disposto no artigo 23.º do CIRC, já existe extensa jurisprudência, da qual destacamos o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) n.º 0372/16 de 15/11/17, “segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objetiva com os proveitos”.
Adicionalmente, e em concreto para a aceitação fiscal dos gastos relacionados com “team building”, existe também jurisprudência do CAAD, designadamente no âmbito do processo n.º 13/2019-T quanto à aceitação para efeitos fiscais dos gastos com atividades conforme se transcreve:“atentos ao conceito de gasto fiscal supra explicitado, haverá que concluir que os gastos com o “fortalecimento dos laços profissionais, incremento da motivação dos trabalhadores e o incentivo à produtividade”, vulgo “team building”, serão, em regra, aceites em termos fiscais, desde que devidamente comprovados”.
Retomando os autos, os gastos devidamente fundamentados, relacionados com “team building”, são fiscalmente aceites, e em consequência, o gasto incorrido configura um gasto fiscalmente dedutível, nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC.
Nestes termos, é ilegal, por incorrer em erro nos pressupostos de facto e de direito a correção e liquidação pela AT na parte em que diz respeito à não aceitação do custo, relativo ao transporte de pessoal, no valor de 250,00€, procede assim nesta parte o pedido da Requerente.
As correções em sede IVA das consultas de nutrição
Passemos agora à questão das correções efetuadas pela AT, relativa à indevida aplicação pela Requerente da isenção prevista no n.º1 do artigo 9.º do CIVA, aos serviços de Nutrição/acompanhamento nutricional.
Em suma, a Requerida, entendeu que a Requerente não possuía os serviços de nutrição para os fins terapêuticos que constituem requisito para a aplicação da isenção e, bem assim, que ao serem os serviços de nutrição meramente disponibilizados e, não tendo logrado a Requerente demonstrar ter prestado os serviços que faturou, não pode o serviço de mera disponibilização da nutrição beneficiar da isenção em questão, e mais alegou, que a Requerente, mesmo que exercesse a efetiva prestação de cuidados de saúde na aceção do n.º1 do artigo 9.º do CIVA, estar-se-ia perante um sujeito passivo misto, e nessas circunstâncias o sujeito passivo estaria obrigado a fazer o apuramento do IVA a deduzir utilizando as regras do disposto no artigo 23.º do CIVA.
A Requerente, sobre estas correções, não concorda com o juízo da AT quanto à falta de prova da realização das consultas, na medida em que lhe foram fornecidos todos os elementos existentes relativos ao registo de consultas em 2017. Mais alega, que nos seus pacotes de serviços, oferece a possibilidade de os seus sócios acederem a um vasto leque de serviços, no qual se inclui o acesso a consultas de nutrição a um preço mais reduzido do que aquele que seria habitualmente cobrado pela Requerente, como tal, pagando os sócios a mensalidade devida, poderão, ou não, realizar a consulta de nutrição a que têm direito, residindo essa atuação dentro da sua esfera de decisão.
Na sua essência são suscitadas duas questões, a primeira refere-se ao apuramento do IVA por parte do sujeito passivo misto nos termos do artigo 23.º do CIVA, a segunda refere-se ao cumprimento dos requisitos para a isenção prevista no n.º 1 do artigo 9.º do CIVA.
Sobre a primeira questão – sujeitos passivos mistos, a AT na sua correção desconsiderou a totalidade dos serviços de nutrição qualificados pela Requerente como isentos, pelo que o sujeito passivo deixa de ser automaticamente misto, contudo, esta é uma questão de importante análise para efeitos do cumprimento das regras do ónus da prova e presunções.
Se não vejamos, de forma sucinta, a Requerente, faturou em 2017, 180.128,16€, dos quais 84.800,12€, correspondem a serviços de nutrição qualificados pela Requerente como isentos, equivalente a 47,08% da sua faturação, porem a Requerente em 2017, deduziu 100% do IVA por si suportado, aplicando as regras existentes para os sujeitos passivos mistos, necessariamente, que desenvolvem atividades isentas e não isentas.
Sobre os sujeitos passivos mistos, prevê no artigo 23.º n.º1 do CIVA “Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:”.Podendo o sujeito passivo aplicar um critério “com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.
Tratando-se a Requerente de um sujeito passivo misto, não poderia assim deduzir 100% do IVA suportado, deveria ter aplicado um dos critérios previsto no 23.º do CIVA, contudo a Requerente não o fez.
Em consequência, deste comportamento da Requerente, relevam omissões, erros, inexatidões, afastando a presunção de veracidade das suas declarações tal como prevista no n.º 1 do artigo 75, por força da aliena b) do n.º2 do artigo 75.º “2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando: a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;”.
Afastada a presunção, analisemos agora a segunda questão, a isenção em sede de IVA quanto aos serviços de nutrição e dietista, e o seu enquadramento na esfera do artigo 9.º n.º 1 do CIVA, quando prestadas por “ginásios” nos seus pacotes de serviços.
O entendimento jurisprudencial nesta matéria, tem sido o de aceitar a dedução do IVA, desde que preenchidos vários critérios, respetivamente, remetemos para as seguintes decisões arbitrais proferidas pelo CAAD n.º 373/2018-T; n.º 160/2019-T; n.º 169/2019-T; n.º 159/2019-T; n.º 164/2019-T; n.º 161/2019-T; n.º 163/2019-T; n.º 170/2019-T; n.º 162/2019-T; 174/2019-T, 181/2019-T, 264/2019-T, 544/2019-T, nº 727/2019-T, nº 740/2019-T e nº 760/2019-T.
O exercício das atividades profissionais na área da saúde designadas por atividades paramédicas, encontra-se regulamentado pelo Decreto-lei n.º 261/93, de 24 de julho, que estabelece as respetivas condições e naquelas inclui a Dietética, definida como a “[a]plicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares.” – artigo 1.º, n.º 3 do referido diploma e n.º 5 da Lista anexa.
De acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 1 do citado Decreto-lei n.º 261/93, atividades paramédicas “compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação”, visando assim, quer a fase de tratamento de um problema, quer a sua prevenção, sendo este último aspeto particularmente importante e sensível no domínio das doenças crónicas como a hipertensão e a diabetes, verdadeiros flagelos de saúde pública das sociedades modernas, cuja relação com a obesidade e a manutenção de hábitos sedentários é por todos conhecida.
Adicionalmente, o Decreto-lei n.º 320/99, de 11 de agosto, em concretização da base I da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto (“Lei de Bases da Saúde”), veio definir os princípios gerais “em matéria do exercício das profissões de diagnóstico e terapêutica” e proceder à sua regulamentação, incluindo de forma expressa no seu âmbito a profissão de Dietista.
O exercício da profissão denominada de “nutricionista” ou “dietista” está dependente de título profissional, atualmente atribuído pela Ordem dos Nutricionistas, criada pela Lei n.º 51/2010, de 14 de dezembro, e sujeita às correspondentes regras técnicas e deontológicas.
A Ordem dos Nutricionistas abrange os profissionais licenciados na área das Ciências da Nutrição e ou Dietética, podendo a profissão de nutricionista ou dietista “ser exercida de forma liberal, quer a título individual quer em sociedade, ou por conta de outrem” – cf. Artigos 2.º e 3.º n.º 1. Conforme dispõe o Regulamento de Inscrição na Ordem dos Nutricionista, n.º 308/2016, de 15 de março, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 58, de 23 de março, podem inscrever-se como “nutricionistas” os licenciados em ciências da nutrição, dietética ou em dietética e nutrição.
De acordo com a definição constante da página eletrónica da Ordem dos Nutricionistas, o “nutricionista é um profissional de saúde que dirige a sua ação para a salvaguarda da saúde humana através da promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença pela avaliação, diagnóstico, prescrição e intervenção alimentar e nutricional a pessoas, grupos, organizações e comunidades, bem como o planeamento, implementação e gestão da comunicação, segurança e sustentabilidade alimentar, através de uma prática profissional cientificamente comprovada e em constante aperfeiçoamento. Incorpora ainda as atividades técnico-científicas de ensino, formação, educação e organização para a promoção da saúde e prevenção da doença através da alimentação.”– cf. http://www.ordemdosnutricionistas.pt/ver.php?cod=0A0D.
Os serviços de nutrição inserem-se, desta forma, na prestação de cuidados de saúde, sendo a sua área de atuação a alimentação humana, com o objetivo de prevenir e tratar as doenças associadas a uma incorreta alimentação, em linha com as políticas de saúde promovidas pelo Governo e por organizações com competências na área, como a Organização Mundial de Saúde.
A prestação de serviços de aconselhamento nutricional através de consultas presenciais ou por meios telemáticos é, nos termos da legislação acima referida, enquadrável no âmbito da prestação de serviços paramédicos e, em consequência, subsumível à norma de isenção de IVA constante do artigo 9.º, 1) do Código deste imposto, segundo o qual:
“Artigo 9.º
Isenções nas operações internas
1) As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas;
[…]”
Esta norma constitui a transposição do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, publicada no JO L 347, de 11 de dezembro de 2006, que estabelece a disciplina do “sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado” na União Europeia, adiante designada por “Diretiva IVA”. Dispõe a referida norma de direito europeu que são isentas (pelos Estados-Membros) “[a]s prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa”.
Esta isenção provém da anterior Sexta Diretiva [(artigo 13.º, A), n.º 1, alínea c)] que harmonizou as legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios e que a consagrava nos seus exatos termos, com a diferença das “profissões médicas paramédicas” serem então referidas por “actividades médicas e paramédicas”, e insere-se nas isenções em benefício das atividades de interesse geral, que visam reduzir o custo dos cuidados de saúde, tornando-os mais acessíveis aos particulares, como reiteradamente afirmado pelo Tribunal de Justiça – cf., a título de exemplo, os casos Dornier, C-45/01, de 6 de novembro de 2003, e Kügler, C-141/00, de 10 de setembro de 2002.
As isenções de IVA são delimitadas por conceitos autónomos do direito europeu que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro. No que respeita à isenção em análise, aplicável aos serviços efetuados no exercício de profissões paramédicas, importa considerar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça estes têm de se configurar como serviços de assistência com uma finalidade terapêutica, i.e. de “diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde” –Acórdãos Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005; Dornier, C-45/01; Kugler, C-141/00; e D. e W., C-384/98, de 14 de setembro de 2000.
O Tribunal de Justiça esclarece ainda que a finalidade terapêutica não tem de ser compreendida numa aceção particularmente restrita, considerando que as prestações efetuadas para fins de prevenção, que visem proteger a saúde humana, também são abrangidas.
Com efeito, mesmo nos casos em que as pessoas sejam objeto de exames ou de outras intervenções médicas e paramédicas de carácter preventivo e não sofram de qualquer doença ou anomalia de saúde, a inclusão das referidas prestações nos conceitos de assistência é conforme ao objetivo de redução do custo dos cuidados de saúde subjacente à isenção do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA. “Portanto, as prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas beneficiam da isenção” – Acórdãos L.u.P., C-106/05, de 8 de agosto de 2006; Unterpertinger, C-212/01, de 20 de novembro de 2003; D’Ambrumenil, C-307/01, de 20 de novembro de 2003; e Comissão/França, C-76/99, de 11 de janeiro de 2001
Relativamente à forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações médicas ou paramédicas previstas na isenção de IVA, que no caso em apreciação é uma sociedade comercial, o Tribunal de Justiça também clarificou que a isenção não se limita às pessoas singulares, pois tal restrição não resulta do elemento gramatical e contraria o objetivo da isenção que é justificado pela necessidade de reduzir as despesas médicas e de favorecer o acesso à proteção da saúde, para além de que não se coordena ao princípio da neutralidade fiscal que postula idêntico tratamento para as pessoas singulares e para as pessoas coletivas. Segundo o Tribunal de Justiça, “basta que sejam preenchidas duas condições, a saber, que se trate de prestações médicas e que estas sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.” – Acórdão Kugler, C-141/00.
Por último, diga-se ainda, que relativamente ao facto de nem sempre esses serviços serem efetivamente utilizados pelos clientes subscritores, tal não significa a descaracterização dos mesmos e a consequente perda do regime de isenção. Conforme assinalado por Clotilde Celorico Palma no parecer supra citado “[a] partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de atividades físicas).”
Aliás, a questão que se poderia colocar a este propósito não seria a de tais serviços passarem a ser tributados em IVA, por não terem sido utilizados, mas, ao invés, a de não serem sequer sujeitos a imposto, porque precisamente não foram prestados (com a eventual restituição a remuneração paga pelos clientes). Em qualquer caso, esta última hipótese não procede, porque o serviço em causa consiste na disponibilização das consultas, pelo que se considera prestado com essa disponibilização, tal como sucede, entre outros, com os serviços de ginásio, telecomunicações ou de transporte aéreo.
Neste sentido, se pronunciou o Tribunal de Justiça, designadamente nos casos Air France-KLM, C-250/14, de 23 de dezembro de 2015, e MEO, C-295/17, de 22 de novembro de 2018. Segundo o tribunal europeu, com a assinatura do contrato de prestação de serviços o cliente adquire o direito de beneficiar do “cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito”.
Conclui-se, desta forma, que o facto de os clientes por vezes não usufruírem dos serviços contratados não implica que se considere que a prestação de serviços não foi realizada pelo prestador e/ou que a qualificação desses serviços e respetivo regime de IVA sofram modificações.
Neste mesmo sentido, o Tribunal de Justiça, designadamente no caso Frenetikextito, C-2581/19, de 4 de Março de 2021, “A isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112 pressupõe, portanto, que estejam preenchidos dois requisitos, o primeiro, relativo à finalidade da prestação em causa, conforme recordada nos n.os 24 a 26 do presente acórdão, e, o segundo, relativo ao facto de essa prestação ocorrer no âmbito do exercício das profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa. Quanto a este segundo requisito, importa determinar, como salientam o Governo português e a Comissão, se um serviço de acompanhamento nutricional, como o que está em causa no processo principal, prestado por um profissional certificado e habilitado para esse efeito em instituições desportivas e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, é definido, pelo direito do Estado-Membro em causa (Acórdão de 27 de junho de 2019, Belgisch Syndicaat van Chiropraxie eo., C-597/17, EU:C:2019:544, n.°23 e jurisprudência referida), como sendo prestado no exercício de uma profissão médica ou paramédica. Resulta dos elementos constantes da decisão de reenvio, esclarecidos pelas observações do Governo português, que o serviço em questão era prestado por uma pessoa dotada de uma qualificação profissional que a habilita a efetuar atividades paramédicas como definidas pelo Estado-Membro em causa, o que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.”
Atendendo ao exposto, é de salientar ainda, que para efeitos da regra de que «cada prestação deve normalmente ser considerada distinta e independente», quanto às prestações de serviços de nutricionismo há «fortes indícios a favor da sua individualidade e consequente tratamento distinto em sede de IVA (aplicação da taxa normal às prestações de serviços de atividades físicas e da isenção às prestações de serviços de nutricionismo), deverá cumprir com os seguintes requisitos:
A contratação de nutricionistas inscritos na respetiva Ordem legalmente habilitados a exercer tal profissão;
A existência de instalações adequadas à prática da atividade de nutricionismo, nomeadamente de gabinetes devidamente apetrechados para as consultas;
A prática de faturação separada, individualizando especificamente as prestações de serviços de nutricionismo das prestações de serviços relativas à prática de atividades físicas.
Nestes termos, compete assim determinar, face a factualidade assente, se a Requerente cumpre com os requisitos supramencionados, em concreto, se as consultas de nutricionismo prestadas pela Requerente consubstanciam uma prática clínica e foram realizadas por profissionais de saúde, nutricionistas, por aquela contratados e inscritos na respetiva ordem profissional, com observância das regras definidas pelo legislador nacional.
Nos presentes autos, constatou-se o seguinte:
Todos os serviços oferecidos pela Requerente, os chamados pacotes, tinham obrigatoriamente o serviço de nutrição, não era possível ao cliente contratar os serviços da Requerente sem essa opção;
O alegado serviço de nutrição era subcontratado a uma entidade externa – F..., Unip. Lda, entidade essa que operava dentro das instalações da Requerida, num espaço por esta cedido, ou seja, um espaço próprio e totalmente autónomo das instalações da Requerente;
A entidade subcontratada encontrava-se inscrita na ERS desde 2 de Agosto de 2017.
O preço cobrado pela Requerente aos sócios era de 40€, face ao preço cobrado pela entidade subcontratada de 20€ e 15€, dependendo se era a primeira ou segunda consulta;
A Requerente não estava inscrita na Entidade Reguladora de Saúde, bem como não tinha previsto no seu objeto social ou CAE a atividade de Nutrição.
A Requerente no seu quadro de pessoal interno e externo, não tinha um nutricionista ou profissional de saúde.
Competia à Requerente, demonstrar que empresa ou pessoa que subcontratou, poderia prestar através de profissionais de saúde, nutricionistas, por aquela contratados e inscritos na respetiva ordem profissional, com observância das regras definidas pelo legislador nacional.
Contudo, dentro do ónus da prova que lhe compete, a Requerente não comprovou, que os serviços de Nutrição foram efetivamente prestados por profissionais de saúde, não identificou quais os profissionais de saúde que contratou, bem como se estavam legalmente inscritos na ordem profissional competente.
A jurisprudência supracitada, vai no mesmo entendimento, não é suficiente que o sujeito passivo tenha incluído os serviços de nutricionista nos produtos oferecidos, é obrigatório, que tenha contratado ou subcontratado um profissional habilitado, certificado para prestar esses serviços.
Perante o exposto, a Requerente, face ao ónus da prova que lhe compete, não satisfaz os requisitos necessários para a aplicação da isenção em sede de IVA.
Sendo este, igualmente o entendimento da AT na sua Informação vinculativa n.º 9215 “[…]conclui-se que os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto). Para o efeito, a requerente deve adicionar o exercício da nova atividade às que já exerce, mediante a entrega de uma declaração de alterações, nos termos do artigo 35.º do CIVA, nela evidenciando a sua qualidade de sujeito passivo misto, bem como, indicar qual o método que pretende utilizar para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto.”
Pelo exposto anteriormente, não se encontram reunidos os requisitos indispensáveis e suficientes à aplicação da isenção de IVA prevista no artigo 9.º nº 1 do CIVA, que transpõe o artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA. Por conseguinte, improcede o pedido efetuado pela Requerente, são legais as liquidações ora identificadas, na parte que dizem respeito à isenção supra referida.
J - QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO
Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). As questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Em face da solução dada à questão relativa aos pressupostos da tributação do rendimento, no regime aplicável, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões incluídas no pedido de pronúncia arbitral.
I - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
Peticiona, ainda, a Requerente o pagamento de juros indemnizatórios.
Perante o exposto, a liquidação do IRC e IVA, na parte abrangida pela anulação, que se decretará, resulta de erros de facto e de direito imputáveis exclusivamente à administração fiscal.
Na verdade, ficou demonstrado que a Requerente pagou o imposto impugnado na parte superior ao que é devido, por força do disposto nos art.ºs 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem a Requerente direito a ser paga dos juros indemnizatórios devidos, juros esses que deverão ser contados desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento desde o início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPTRIB), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo artigo 43.º da LGT.
Por conseguinte dá-se parcial provimento ao pedido da Requerente.
L - DECISÃO
Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:
Julgar parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2020... e de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.ºs Liquidação n.º 2020... de 2017 n.º 2020..., 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., relativas ao ano de 2017, por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, com a consequente declaração de ilegalidade e anulação, na parte que diz respeito à não aceitação do custo, relativo com transporte de pessoal, no valor de 250,00€, correspondente a um imposto e juros liquidado de 42.50€.
Condenar a Requerida a restituir à Requerente essa quantia indevidamente liquidada e paga, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios já vencidos relativo ao período a contar desde o pagamento do imposto nos termos dos n.ºs 2.º a 5.º do art.º 61.º do CPPT à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do art.º 43.º da LGT até integral e efetivo reembolso.
Julgar parcialmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2020... e de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.ºs Liquidação n.º 2020... de 2017 n.º 2020..., 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., n.º 2020..., relativa ao ano de 2017, por serem legais, quanto às correções efetuadas às despesas de gasóleo, e quanto às correções realizadas por não estarem preenchidas as condições para a isenção nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9 do IVA.
Fixa-se o valor do processo em 29.166,06€ (vinte e nove mil, cento e sessenta e seis euros e seis cêntimos), correspondente ao valor da liquidação atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor das liquidações de imposto impugnadas.
Em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 1.224.00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), a cargo da Requerente e Requerida, na seguinte proporção, 1.222.21€ a cargo da requerente e 1,78€ a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, arts 5.º, n.º, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).
Notifique-se
Lisboa, 31 de Maio de 2021
Rita Guerra Alves
Árbitra