SUMÁRIO:
Os rendimentos da herança indivisa são tributados na esfera de cada um dos herdeiros, na proporção das respetivas quotas. Nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 2 do Código do IRS, o englobamento faz-se, nesses casos, de acordo com as seguintes regras: a) Tratando-se de rendimentos da categoria B, cada contitular engloba a parte do rendimento que lhe couber, na proporção das respetivas quotas; b) Tratando-se de rendimentos das restantes categorias, cada contitular engloba os rendimentos ilíquidos e as deduções legalmente admitidas, na proporção das respetivas quotas.
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A… e B…, casados entre si segundo o regime da comunhão de adquiridos, residentes na …, n.º …, … …, respetivamente NIF … e NIF …, (doravante designados por "Requerentes") apresentaram um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
Os Requerentes pedem:
a) Que sejam anuladas por falta de fundamentação e, subsidiariamente, por ilegalidade por vício de erro sobre os pressupostos de facto e por vicio sobre os pressupostos de direito, as liquidações adicionais de IRS efetuadas relativamente aos anos de 2014 e 2015, que constam dos documentos 1 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral;
b) Em consequência, que a AT seja condenada a restituir-lhes as quantias de € 1.431,06 e de € 629,25, já pagas, acrescida de juros contados desde as datas do pagamento indevido, no caso 24-12-2018 e 04-03-2019, e até integral e efetivo reembolso.
c) A condenação da Requerida no pagamento da taxa arbitral e demais encargos, se os houver.
É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12-11-2019.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 02-01-2020 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação da árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 03-02-2020.
A AT apresentou a sua Resposta em 07.03.2020. Nela considerou não existirem fundamentos para os pedidos dos Requerentes, sendo as liquidações impugnadas legais em todos os seus parâmetros.
Depois de vários adiamentos provocados pelos constrangimentos pandémicos verificados em Portugal nos anos de 2020 e 2021, a reunião para inquirição de testemunhas realizou-se no dia 20.05.2021. Foram inquiridas as testemunhas dos Requerentes, tendo a AT prescindido da inquirição das suas. Na mesma reunião, foram também produzidas alegações orais por parte das mandatárias, quer dos Requerentes, quer da AT. Os prazos para a prolação da decisão arbitral foram sendo sucessivamente prorrogados nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, estando em curso, no momento em que se profere a presente decisão, a última prorrogação que se estende até ao dia 10.07.2021.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1 Com base na prova documental e testemunhal produzida, julgam-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
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No âmbito das ordens de serviço n.ºs OI2015… e OI2015… foram efetuadas correções em sede de IRS (categorias B, F e G), aos anos de 2014 e 2015, na esfera da herança indivisa de C..., aberta em 10.02.2011, com o NIF ….
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Na sequência das referidas ações inspetivas, e sendo o aqui Requerente um dos 6 herdeiros na mesma herança, foram abertas ações inspetivas aos seus rendimentos a que correspondem as ordens de serviço OI2017… e OI2017….
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Das referidas ações inspetivas resultaram correções aos rendimentos declarados pelos Requerentes nos anos de 2014 e 2015.
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As correções deram origem às notas de liquidação notificadas aos Requerentes com o n.º 2018 …, relativa ao ano de 2014, no montante de € 5.528,44, na qual se englobam juros compensatórios de € 125,07, e n.º 2019 …, relativa ao ano de 2015, no montante de € 4.972,53, na qual se englobam juros compensatórios no montante de € 55,00.
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Os Requerentes já haviam declarado e pago o IRS correspondente aos anos em referência, pelo que a AT procedeu à compensação do já pago com o posteriormente liquidado.
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No que se refere ao ano de 2014, a compensação foi notificada aos Requerentes através do documento de compensação n.º 20180 …, de que resultou imposto a pagar no montante de € 1.431,86.
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No que se refere ao ano de 2015, a compensação foi notificada aos Requerentes através do documento de compensação n.º 2019 …, de que resultou imposto a pagar no montante de € 629,25.
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Os requerentes procederam ao pagamento do imposto referido nos parágrafos anteriores dentro do prazo indicado pela Autoridade Tributária.
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C... faleceu em 10 de Fevereiro de 2011 e deixou como únicos e universais herdeiros os seus seis filhos, um dos quais é o Requerente marido.
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Do acervo hereditário deixado por C... faz parte um estabelecimento comercial de farmácia designado por “Farmácia D...”, a qual foi gerida e administrada nos anos de 2014 e 2015 pela herdeira E... (irmã do Requerente).
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No âmbito da atividade da “Farmácia D...” no ano de 2014 foi fixado um resultado líquido da categoria B no montante de € 58.474,88 e um valor de tributações autónomas de € 2.118,68.
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Para 2015 foi fixado um resultado líquido da categoria B nulo e um valor de tributações autónomas de € 1.462,51.
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A Autoridade Tributária verificou que, no ano de 2014, foram pagas à herança rendas relativas a 3 imóveis (dois na freguesia da F..., concelho da G… – código …, e outro na freguesia de H..., concelho de I... – código ...):
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No ano de 2015, apurou a Autoridade Tributária o recebimento pela herança de um total de € 11.100,00 de rendas relativas às duas primeiras frações referidas no ponto anterior e a um outro imóvel na freguesia e concelho de M... – código ...):
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1/6 dos valores referidos nos parágrafos anteriores foram declarados nas declarações de rendimentos modelo 3 de IRS de 2014 e 2015 do cabeça-de-casal da herança, conforme o quadro abaixo:
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A herança beneficiou, em maio e julho de 2014, da atribuição (resultante da detenção de ações) de ativos financeiros constituídos por direitos de subscrição de ações do BANCO O... e do BANCO P...:
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Nem a herança nem os herdeiros pagaram qualquer quantia pela atribuição dos referidos direitos.
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Em 2014, foram alienados os direitos de subscrição detidos pela herança indivisa, gerando mais-valias no valor total de € 13.124,39.
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1/6 daquele valor foi declarado, no ano de 2014, pelo cabeça de casal, no anexo G da declaração de rendimentos desse ano:
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Os Requerentes não declararam, nos anos de 2014 e 2015, quaisquer rendimentos relativos à herança indivisa;
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Os rendimentos da herança indivisa apurados nas ações inspetivas descritas supra foram imputados na proporção de 1/6 ao Requerente, na qualidade de co-herdeiro juntamente com os seus 5 irmãos.
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O cabeça-de-casal e os restantes herdeiros de C... (entre os quais o requerente), com exceção da herdeira E..., intentaram contra esta última uma ação declarativa com processo comum no Tribunal Judicial da Comarca de ... - Instância Central - 1ª Secção Cível - J3, que corre sob o n.º de processo …/….
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Na data da propositura da ação, ainda só estavam apurados os lucros de 2012 e 2013, mas prevendo que não fossem também distribuídos os lucros de 2014 e 2015, formularam desde logo os autores, um pedido genérico de condenação dos RR. a: “c) pagar aos autores os valores dos resultados dos anos de 2014 e 2015, que se vierem a apurar, o que ainda não ocorreu até ao momento, pois a R. mulher ainda não disponibilizou, nem o seu TOC mostrou quaisquer documentos que permitam o apuramento dos valores devidos, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, que actualmente é de 4%, desde o dia 31 de Dezembro de cada um dos anos a que respeita e até integral pagamento, em montante a liquidar posteriormente em incidente próprio;”.
2.2 Factos não provados
Por não haver prova produzida suficiente nesse sentido, julgam-se não provados os seguintes factos:
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Os arrendatários das frações autónomas situadas na freguesia da F..., concelho da G..., não pagaram as rendas devidas, acabando por sair.
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A empresa arrendatária do prédio situado na freguesia de H..., concelho de I..., depositou as rendas numa conta a que o cabeça-de-casal não tem acesso.
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Os direitos de subscrição referidos nos factos provados tinham um valor superior àquele pelo qual foram vendidos.
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Os rendimentos decorrentes da atividade comercial da “Farmácia D...” não foram entregues pela herdeira E... ao cabeça-de-casal ou distribuídos pelos herdeiros até à presente data.
O Tribunal Arbitral entende, quanto aos factos aqui elencados, que não resultam dos autos elementos suficientes para permitir formar uma convicção do tribunal no sentido da sua verificação. Por um lado, porque, relativamente a estes factos, não existe qualquer suporte documental, por outro lado, porque a prova testemunhal apresentada demonstrou ser incipiente para a prova concreta dos mesmos.
2.3 Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos dados como provados baseiam-se nos documentos juntos com o pedido arbitral, em afirmações dos Requerentes que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e na prova testemunhal produzida.
3. Do Direito
A primeira questão colocada pelos Requerentes à apreciação deste Tribunal prende-se com a alegada falta de fundamentação dos atos impugnados.
A favor do seu argumento, alegam que as liquidações impugnadas não vêm acompanhadas de qualquer fundamentação de facto, nem da indicação de quaisquer normas jurídicas que impliquem ou permitam as liquidações adicionais nos termos em que as mesmas foram efetuadas.
A propósito do dever de fundamentação dos atos tributários, dispõe o artigo 77.º da LGT o seguinte:
“1. A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2. A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”
Estas normas foram objeto de interpretação por parte dos tribunais superiores, os quais já estabilizaram jurisprudência quanto à mesma. Assim, a título de exemplo, refiram-se apenas dois arestos:
(i) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Março de 2014, proc. nº 01674/13: “E, como é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.”
(ii) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24 de Janeiro de 2020, Proc. Nº 267/07.3BEALM:
“Importa recordar que a fundamentação dos actos tributários deve ser expressa através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto tributário, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto (cfr. v.g. art. 77° LGT e art. 124° e art. 125° do CPA) (…)”.
No caso presente, há a salientar o facto de os requerentes terem sido objeto de um procedimento inspetivo interno, cujo relatório de inspeção tributária lhes foi notificado. As liquidações adicionais que posteriormente lhes foram notificadas decorrem desse mesmo relatório e dos factos e razões jurídicas invocados pela AT nessa sede, os quais são, por conseguinte, do conhecimento dos Requerentes.
Os presentes autos demonstram também que os Requerentes compreenderam, na sua plenitude, as razões pelas quais a AT efetuou as correções e as liquidações adicionais e souberam apresentar argumentos com vista a impedir a prova dos factos invocados pela AT, bem como argumentação jurídica com o mesmo intuito.
Acresce, ainda, que o artigo 37.º, n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário prevê que os interessados que considerem não ter sido notificados de requisitos exigidos nos termos da legislação tributária podem requerer que a mesma lhes seja feita[1]. Tal não foi a decisão dos Requerentes no presente caso, o que também concorre para a formação da convicção deste Tribunal de que os mesmos não tiveram qualquer dificuldade em tomar conhecimento das razões subjacentes aos atos impugnados, quer de facto, quer de direito, nem em apresentar a sua defesa relativamente às mesmas.
Conclui-se, portanto, não assistir razão aos Requerentes quanto a este ponto.
Relativamente à questão de fundo em debate nestes autos, e apesar de a mesma ter sido revelada ao tribunal através da tributação de vários rendimentos distintos, trata-se de saber se os Requerentes devem, ou não, ser tributados por 1/6 dos rendimentos gerados pela herança indivisa da Mãe do Requerente marido nos anos de 2014 e 2015.
Esta questão de fundo divide-se por três tipos de rendimentos: rendimentos de categoria B, rendimentos de categoria F e rendimentos de categoria G.
Vejamos.
A herança indivisa é considerada, para efeitos de tributação, como uma situação de contitularidade. Desta forma, cada herdeiro deverá ser tributado relativamente à sua quota-parte dos rendimentos por ela gerados, conforme previsto nos artigos 19.º e 22.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código do IRS.
Nos termos do artigo 19.º do CIRS, os rendimentos que pertençam em comum a várias pessoas são imputados a estas na proporção das respetivas quotas, que se presumem iguais quando indeterminadas. Estão aqui incluídas as referidas situações de contitularidade, onde se incluem as heranças indivisas, ou seja, aquelas que tenham sido aceites, mas ainda não tenham sido partilhadas.
Nos termos do artigo 22.º, n.º 2, do CIRS:
“2 - Nas situações de contitularidade, o englobamento faz-se nos seguintes termos:
a) Tratando-se de rendimentos da categoria B, cada contitular engloba a parte do rendimento que lhe couber, na proporção das respetivas quotas;
b) Tratando-se de rendimentos das restantes categorias, cada contitular engloba os rendimentos ilíquidos e as deduções legalmente admitidas, na proporção das respetivas quotas.”
Tal não acontecerá, porém, e de acordo com a Direção de Serviços de IRS - cf. a Informação Vinculativa proferida no Processo n.º 1901/2017, de 2017-05-04 -, se se verificar uma situação, suportada por prova documental, em que, de entre os herdeiros, só um é titular efetivo dos rendimentos, caso em que só esse deverá ser tributado e em que os demais herdeiros não se encontrarão obrigados ao cumprimento de qualquer obrigação declarativa ou de pagamento.
Portanto, em termos de imputação dos rendimentos para efeitos da sua tributação, o que a lei prescreve é que os mesmos deverão ser imputados aos comproprietários (herdeiros da herança indivisa) de acordo com as respetivas quotas hereditárias.
Até aqui, as liquidações impugnadas cumpriram, pois, o determinado por lei. No caso dos ora Requerentes, foram imputados rendimentos correspondentes a 1/6 do total.
Contudo, contestam os Requerentes que não deveriam ter sido tributados por esses rendimentos, no que toca àqueles que se inserem nas categorias B e F, por não os terem recebido efetivamente.
No que respeita aos rendimentos de categoria B, os Requerentes argumentam que, nos exercícios em causa (2014 e 2015), a fonte desses mesmos rendimentos – um estabelecimento comercial para exploração da atividade de farmácia – foi gerida pela irmã do Requerente e que esta nenhum rendimento terá distribuído aos restantes irmãos, neles se incluindo o Requerente e os demais herdeiros.
Vejamos o que dispõe o Código Civil acerca da administração da herança, do cargo de cabeça de casal e dos rendimentos gerados por aquela.
“Artigo 2079.º (Cabeça-de-casal)
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A administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal.
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Artigo 2092.º (Entrega de rendimentos)
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Qualquer dos herdeiros ou o cônjuge meeiro tem o direito de exigir que o cabeça-de-casal distribua por todos até metade dos rendimentos que lhes caibam, salvo se forem necessários, mesmo nessa parte, para satisfação de encargos da administração.
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Artigo 2093.º (Prestação de contas)
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1. O cabeça-de-casal deve prestar contas anualmente.
2. Nas contas entram como despesas os rendimentos entregues pelo cabeça-de-casal aos herdeiros ou ao cônjuge meeiro nos termos do artigo anterior, e bem assim o juro do que haja gasto à sua custa na satisfação de encargos da administração.
3. Havendo saldo positivo, é distribuído pelos interessados, segundo o seu direito, depois de deduzida a quantia necessária para os encargos do novo ano.
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Artigo 2096.º
(Sonegação de bens)
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1. O herdeiro que sonegar bens da herança, ocultando dolosamente a sua existência, seja ou não cabeça-de-casal, perde em benefício dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados, além de incorrer nas mais sanções que forem aplicáveis.
2. O que sonegar bens da herança é considerado mero detentor desses bens.”
O conjunto normativo que vem transcrito aponta em duas direções: por um lado, que a administração da herança cabe ao cabeça-de-casal e não a um outro qualquer herdeiro. No presente caso, verificou-se oposição a essa administração por parte de uma herdeira, que manteve a administração do estabelecimento comercial em causa até 2016 (5 anos após a abertura da sucessão). Só por ordem judicial foi cumprida a determinação legal, tendo o cabeça-de-casal assumido a administração da herança, inclusive da farmácia, em 2016.
Contudo, é preciso frisar que essa circunstância não é oponível à AT, que não tem que ser prejudicada pela mesma. Por outro lado, determina a lei que qualquer dos herdeiros ou o cônjuge meeiro tem o direito de exigir que o cabeça-de-casal distribua por todos até metade dos rendimentos que lhes caibam, salvo se forem necessários, mesmo nessa parte, para satisfação de encargos da administração. Portanto, nos termos da lei, qualquer herdeiro pode exigir do cabeça de casal os rendimentos que lhe caibam.
Em coerência com este regime civil, o artigo 64.º do Código do IRS determina que:
“Ocorrendo o falecimento de qualquer pessoa, os rendimentos relativos aos bens transmitidos e correspondentes ao período posterior à data do óbito são considerados, a partir de então, nos englobamentos a efetuar em nome das pessoas que os passaram a auferir, procedendo-se, na falta de partilha até ao fim do ano a que os rendimentos respeitam, à sua imputação aos sucessores e ao cônjuge sobrevivo, segundo a sua quota ideal nos referidos bens.”
Esta norma cria, na esfera da AT, em casos em que uma herança permaneça indivisa e em que dela resulte a formação de rendimentos tributáveis, uma obrigação de liquidação de imposto sobre os rendimentos imputáveis a cada um dos herdeiros, na proporção das respetivas quotas.
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No caso presente, e nos exercícios a que se referem as liquidações aqui em crise, a administração do estabelecimento comercial de onde provêm os rendimentos de categoria B foi assegurada, não pelo cabeça de casal, mas sim pela herdeira E..., que terá recusado entregar aos demais herdeiros a respetiva quota-parte nos rendimentos daquele estabelecimento. Torna-se, portanto, necessário apurar qual o impacto dessa circunstância na tributação dos demais herdeiros, onde se inclui o requerente marido.
À data dos factos relevantes, o n.º 1 do artigo 3.º do CIRS dispunha o seguinte:
“Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:
a) Os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária;
b) Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com atividades mencionadas na alínea anterior;
c) Os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário.”
Já o nº 6 do mesmo artigo dispunha que:
“Os rendimentos referidos neste artigo ficam sujeitos a tributação desde o momento em que, para efeitos de IVA, seja obrigatória a emissão de fatura ou documento equivalente ou, não sendo obrigatória a sua emissão, desde o momento do pagamento ou colocação à disposição dos respetivos titulares, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 18.º do Código do IRC, sempre que o rendimento seja determinado com base na contabilidade.”
O artigo 18º do Código do IRC, também na redação então vigente, determinava que:
“Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.”
Resulta, portanto, deste quadro legal que, no caso dos rendimentos de categoria B, o momento relevante para efeitos de sujeição a tributação é o da emissão da fatura, e não o do recebimento efetivo dos rendimentos.
Mas pode ainda perguntar-se: será que as ações (que correm termos noutros tribunais) em que se discute a titularidade do estabelecimento comercial e o direito aos rendimentos por ele gerados afetam esta conclusão preliminar? Isto é, o facto de estar a decorrer uma discussão judicial com aqueles objetos afeta o direito do Estado a liquidar o imposto nos termos previstos na lei fiscal e enunciados supra?
A norma constante do artigo 62.º do CIRS, então vigente, estabelecia que: "Se a determinação do titular ou do valor de quaisquer rendimentos depender de decisão judicial, o englobamento só se faz depois de transitada em julgado a decisão, e opera-se na declaração de rendimentos do ano em que transite, nos termos do artigo 74.º”.
Contudo, no presente caso, não é exatamente isso que sucede. Isto porque a determinação do titular dos rendimentos não depende de decisão judicial. Eles estão definidos desde o momento da abertura da sucessão. O que aconteceu depois foi que a conduta discordante de um dos herdeiros pôs em causa, em termos práticos, o que a lei determina, e daí surgiu a necessidade de estabilização definitiva da situação com recurso a uma decisão judicial.
Aliás, o filho mais velho da de cujus, e cabeça de casal da respetiva herança, assumiu isso mesmo ao declarar a sua parte nos rendimentos da herança nos exercícios de 2014 e 2015. Também relativamente ao que sucedeu posteriormente, os factos apontam no mesmo sentido: tudo se tem processado assumindo que a farmácia e os rendimentos a todos pertencem e que estes devem ser distribuídos por todos. A própria irmã do aqui requerente, Ilda Caetano de Sousa, numa carta enviada ao Serviço de Finanças de M... acerca da entrega das declarações periódicas de IVA da farmácia, refere (sublinhando) que “são 6 herdeiros e todos têm direito à senha porque o património é de todos” (cf. o anexo 1 ao relatório de inspeção à herança, constante do processo administrativo junto aos autos).
O próprio pedido genérico formulado na ação apresentada no Tribunal da Comarca de ... - Instância Central - 1ª. Secção Cível - J 3, uma acção comum que aí ainda pende sob o n.º …/…, vai no mesmo sentido: “c) pagar aos autores os valores dos resultados dos anos de 2014 e 2015, que se vierem a apurar, o que ainda não ocorreu até ao momento, pois a R. mulher ainda não disponibilizou, nem o seu TOC mostrou quaisquer documentos que permitam o apuramento dos valores devidos, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, que actualmente é de 4%, desde o dia 31 de Dezembro de cada um dos anos a que respeita e até integral pagamento, em montante a liquidar posteriormente em incidente próprio”.
Não se verificam, portanto, os elementos contidos na previsão da norma contida no artigo 62.º do CIRS, pelo que a imputação foi feita, como deveria, nos termos normais. Caberá, lateralmente, a cada herdeiro, reclamar junto de quem não lhe entregou os rendimentos devidos (o que parece já estar em curso, atendendo às informações prestadas pela testemunha R... na inquirição que teve lugar no dia 19.05.2021.
Assim, quanto aos rendimentos da categoria B, as liquidações impugnadas estão corretas e devem manter-se na ordem jurídica.
Quanto aos rendimentos de categoria F imputados ao Requerente, o quadro é o seguinte:
No ano de 2014, foram recebidas pela herança rendas relativas a 3 imóveis (dois na freguesia da F..., concelho da G... - código 011204, e outro na freguesia de H..., concelho de I... - código ...):
No ano de 2015 apurou-se o recebimento pela herança de um total de 11.100,00€ de rendas relativas às duas primeiras frações do quadro anterior e a um outro imóvel na freguesia e concelho de M... - código ...):
Cabe ao aqui Requerente 1/6 desses rendimentos e retenções na fonte, conforme o quadro seguinte:
Contestam os Requerentes que estes rendimentos também não foram recebidos porque:
- “no caso dos arrendamentos, os inquilinos não pagaram as rendas devidas acabando por sair”;
- “no caso do prédio das H..., a empresa tê-los-á depositado numa conta a que o cabeça de casal não tem acesso”,
Contudo, não fazem prova destes factos através de documentos e, quanto à prova testemunhal, na inquirição à testemunha R..., cabeça-de-casal da herança, este afirmou que sabe que os montantes referentes ao prédio de H... foram pagos, embora se encontrem depositados numa conta a que os herdeiros não têm acesso por o mesmo ter sido bloqueado na sequência de um pedido efetuado por um dos herdeiros.
Por outro lado, verificou-se que o cabeça-de-casal declarou a sua quota-parte nesses rendimentos, o que, mais uma vez, corrobora a restante evidência de que os herdeiros se consideram titulares dos rendimentos em causa. As suas declarações presumem-se verdadeiras e de boa-fé, nos termos do disposto no artigo 75.º, n.º 1, da LGT (“presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”).
Também em sede inspetiva a AT verificou que tais rendimentos foram recebidos ou obtidos em contas bancárias em nome de C..., autora da herança, aplicando-se aqui a mesma presunção que é aplicável às declarações dos contribuintes (cf. o n.º 1 do art. 76.º da LGT, nos termos do qual “As informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei”.)
Não havendo motivo para se ilidirem estas presunções, a AT beneficia das mesmas pelo que se consideram obtidos pela herança os rendimentos referidos nos quadros apresentados supra.
Os Requerentes invocam, ainda, a jurisprudência constante do Acórdão do STA de 12/02/2015, proferido no processo 0365/14. Contudo, não nos parece que o referido aresto lhes dê qualquer razão. Veja-se o seguinte excerto:
«Estipula o artigo 8.º, n.º 1 do CIRS que as rendas dos prédios rústicos ou urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respetivos titulares se consideram rendimentos prediais qualificados como rendimentos da Categoria F.
E o artigo 19 do mesmo diploma legal prescreve que “os rendimentos que pertençam em comum a várias pessoas são imputados na proporção das respetivas quotas que se presumem iguais quando não determinadas.
Os recorrentes consideram que não são eles o sujeito passivo do imposto liquidado mas sim a herança.
Mas neste particular não têm razão.
A herança como acervo de bens do de cujus é definida pelo legislador no artigo 2046 do Código Civil como herança jacente quando aberta o que ocorre no momento da morte do de cujus – artigo 2031 do CC mas ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado.
Nesta situação de herança jacente é um património autónomo tem personalidade judiciária e tributária nos temos dos artigos 12 al. a) do CPC e os rendimentos por ela obtidos ficam sujeitos a IRC sendo nos termos do nº 2 do artigo 2º do CIRC considerada também sujeito passivo.
Mas desde que aceite e determinados os seus titulares a herança indivisa “não tem personalidade judiciária constituindo um património autónomo que pertence a todos os herdeiros”.
Estipula efectivamente o artigo 19 do CIRS:
“Os rendimentos que pertençam em comum a várias pessoas são imputados a estas na proporção das respectivas quotas que se presumem iguais quando indeterminadas“
Para efeitos de IRS os rendimentos objecto desta impugnação encontram-se numa situação de contitularidade pelo que cada herdeiro terá a obrigação de declarar a parte dos rendimentos de que é titular.
O Tribunal “a quo” confirmando a posição da AT considera que a liquidação não enferma de ilegalidade por considerar que bastava à AT a verificação do recebimento das rendas da herança pelo cabeça de casal para as mesmas se considerarem desde logo à disposição dos restantes co-herdeiros.
No caso dos autos tratando-se de rendimentos prediais da categoria F apenas está provado que as rendas foram pagas ao co-herdeiro cabeça de casal.
Mas daí poder-se-á concluir que foram colocados à disposição dos restantes titulares como assinala a sentença recorrida?
O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares pressupõe sempre que o mesmo tenha sido efectivamente auferido pelo contribuinte ou que tenha tido a possibilidade de dispor dele.
Efectivamente o legislador no CIRS acolhe o conceito de rendimento acréscimo em contraponto ao rendimento produto mas quer num quer noutro destes conceitos surge como elemento constitutivo o aumento real e efectivo do poder aquisitivo do contribuinte incluindo as mais valias e mesmo as receitas irregulares e ganhos fortuitos cfr nº 5 do preâmbulo ao dec. Lei 198/2001 de 3 de Julho e Teixeira Ribeiro in A Reforma Fiscal, Coimbra Editora 1989 pp 214.
A norma de incidência do artigo 19 do CIRS dispõe apenas sobre a forma da imputação dos rendimentos comuns aos co-titulares mas esta norma de incidência tem no caso da comunhão das rendas derivadas da herança indivisa de atender à especificidade desta comunhão e designadamente do artigo 64 do CIRS.
O artigo 64 do CIRS versando especificamente sobre o falecimento de titular de rendimentos estipula que relativamente aos bens transmitidos e correspondentes ao período posterior à data do óbito, a partir de então, tais rendimentos na falta de partilha são imputados aos sucessores segundo a sua quota ideal nos referidos bens.
Cabendo a administração da herança ao cabeça de casal cfr artigo 2079 do CC até à sua liquidação e partilha e estando provado que as rendas haviam sido pagas ao cabeça de casal, o que o impugnante não questiona, tendo a AT procedido à liquidação respeitante aos rendimentos dos co-herdeiros com base na quota ideal, face ao disposto nos artigos 19 e 64 do CIRS a liquidação cumpriu com todo o formalismo legal exigível já que a efectivação da quota não respeita à norma da incidência.»
Estipula o artigo 8º nº 1 do CIRS que as rendas dos prédios rústicos ou urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respectivos titulares se consideram rendimentos prediais qualificados como rendimentos da Categoria F.
E o artigo 19 do mesmo diploma legal prescreve que “os rendimentos que pertençam em comum a várias pessoas são imputados na proporção das respectivas quotas que se presumem iguais quando não determinadas.
Os recorrentes consideram que não são eles o sujeito passivo do imposto liquidado mas sim a herança.
Mas neste particular não têm razão.
A herança como acervo de bens do de cujus é definida pelo legislador no artigo 2046 do Código Civil como herança jacente quando aberta o que ocorre no momento da morte do de cujus – artigo 2031 do CC mas ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado.
Nesta situação de herança jacente é um património autónomo tem personalidade judiciária e tributária nos temos dos artigos 12 al. a) do CPC e os rendimentos por ela obtidos ficam sujeitos a IRC sendo nos termos do nº 2 do artigo 2º do CIRC considerada também sujeito passivo.
Mas desde que aceite e determinados os seus titulares a herança indivisa “não tem personalidade judiciária constituindo um património autónomo que pertence a todos os herdeiros”.
Estipula efectivamente o artigo 19 do CIRS:
“ Os rendimentos que pertençam em comum a várias pessoas são imputados a estas na proporção das respectivas quotas que se presumem iguais quando indeterminadas“
Para efeitos de IRS os rendimentos objecto desta impugnação encontram-se numa situação de contitularidade pelo que cada herdeiro terá a obrigação de declarar a parte dos rendimentos de que é titular.
O Tribunal “a quo” confirmando a posição da AT considera que a liquidação não enferma de ilegalidade por considerar que bastava à AT a verificação do recebimento das rendas da herança pelo cabeça de casal para as mesmas se considerarem desde logo à disposição dos restantes co-herdeiros.
No caso dos autos tratando-se de rendimentos prediais da categoria F apenas está provado que as rendas foram pagas ao co-herdeiro cabeça de casal.
Mas daí poder-se-á concluir que foram colocados à disposição dos restantes titulares como assinala a sentença recorrida?
O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares pressupõe sempre que o mesmo tenha sido efectivamente auferido pelo contribuinte ou que tenha tido a possibilidade de dispor dele.
Efectivamente o legislador no CIRS acolhe o conceito de rendimento acréscimo em contraponto ao rendimento produto mas quer num quer noutro destes conceitos surge como elemento constitutivo o aumento real e efectivo do poder aquisitivo do contribuinte incluindo as mais valias e mesmo as receitas irregulares e ganhos fortuitos cfr nº 5 do preâmbulo ao dec. Lei 198/2001 de 3 de Julho e Teixeira Ribeiro in A Reforma Fiscal, Coimbra Editora 1989 pp 214.
A norma de incidência do artigo 19 do CIRS dispõe apenas sobre a forma da imputação dos rendimentos comuns aos co-titulares mas esta norma de incidência tem no caso da comunhão das rendas derivadas da herança indivisa de atender à especificidade desta comunhão e designadamente do artigo 64 do CIRS.
O artigo 64 do CIRS versando especificamente sobre o falecimento de titular de rendimentos estipula que relativamente aos bens transmitidos e correspondentes ao período posterior à data do óbito, a partir de então, tais rendimentos na falta de partilha são imputados aos sucessores segundo a sua quota ideal nos referidos bens.
Cabendo a administração da herança ao cabeça de casal cfr artigo 2079 do CC até à sua liquidação e partilha e estando provado que as rendas haviam sido pagas ao cabeça de casal, o que o impugnante não questiona, tendo a AT procedido à liquidação respeitante aos rendimentos dos co-herdeiros com base na quota ideal, face ao disposto nos artigos 19 e 64 do CIRS a liquidação cumpriu com todo o formalismo legal exigível já que a efectivação da quota não respeita à norma da incidência.”»
No presente caso, os Requerentes invocaram dois fundamentos para a não tributação das rendas: num caso que os inquilinos não tinham pago as rendas, acabando por sair (facto não provado, nem documentalmente nem por depoimento da testemunha), no outro, que o inquilino pagou, mas a conta não está acessível porque um dos herdeiros teria pedido judicialmente o seu congelamento (neste caso, os Requerentes admitem, portanto, o pagamento da renda). Não se vê em que é que o aresto citado lhes poderia dar razão em qualquer um dos casos.
Por fim, relativamente aos rendimentos de categoria G apurados na sequência da venda, pela herança, de ativos financeiros e imputados aos herdeiros nos períodos em causa, importa referir o seguinte:
A herança, aberta em 10.02.2011, integrava 29.166 ações do BANCO O..., bem como 146.724 ações do BANCO P....
Em 27.05.2014, o BANCO O... emitiu direitos de subscrição que atribuiu a detentores de ações, nomeadamente a herança aqui em causa.
O mesmo sucedeu com o BANCO P... que, em 04.07.2014, emitiu direitos de subscrição que atribuiu a detentores de ações, nomeadamente a herança aqui em causa.
Os Requerentes referem, no PPA, que “quanto aos rendimentos provenientes da alienação pela herança de ativos financeiros, em que foi considerado o valor 0 (zero) desses ativos financeiros, por terem sido adquiridos gratuitamente através da referida herança, apesar de terem valores faciais ou nominais superiores ao preço de venda, para além de ilegalidade, trata-se de um caso de má-fé evidente do perito tributário”.
Mais à frente referem também que:
(i) Tendo a autora da herança, C... falecido em 10/2/2011, na comunicação que o BANCO P... ainda fez em seu nome, no final do mês de Fevereiro de 2011, refere que a falecida é titular de ações do BANCO P... Nominativas, no valor de € 6.636,36, cujos direitos de subscrição foram vendidos, conforme consta do relatório da Inspecção Tributária, por € 4.027,51, portanto abaixo do valor que tinham à data da morte da falecida - Cfr. doc. 11;
(ii) A mesma autora da herança era ainda titular, nesse mesmo mês de Fevereiro de 2011, de 29.166 ações nominativas do então Banco O…, no valor global de € 92.747,88, cujos direitos de subscrição foram vendidos, conforme consta do relatório da Inspeção Tributária, por € 9.096,88, portanto bastante abaixo do valor que tinham à data da morte da falecida - Cfr. doc. 12;
Concluindo que “Portanto, seguindo o determinado legalmente, feita a correspondente operação de dedução ao valor de alienação do valor de aquisição, não se evidenciam nenhumas mais-valias, mas apenas muito menos-valias” e que “A AT, não tendo utilizado como valor de aquisição o valor que deveria ter sido considerado para efeitos de liquidação de imposto de selo, caso o ora reclamante e seus irmãos não estivessem dele isento, 83º. Ao considerar o valor de aquisição 0 (zero), o inspetor tributário violou de forma flagrante o disposto no art.º. 45º., nº.1, al. b) do CIRS, atuando de má-fé e de forma arbitrária. 84º. Consequentemente, não há qualquer fundamento para a liquidação com base em incrementos patrimoniais, pois que as quantias recebidas em 2014 e 2015 são inferiores aos valores que os títulos vendidos valiam na data da sua aquisição, por sucessão, como se demonstrou.”
Já a AT refere o seguinte:
Em ambos os casos, e ao contrário do que quer fazer crer o A, as ações não foram vendidas, permaneceram na herança.
Em ambos os casos, os próprios bancos atribuíram um valor nulo aos direitos de subscrição, cfr. anexo 12.
Aos respetivos beneficiários, os bancos emitentes dos direitos de subscrição deram a possibilidade de, com eles, comprarem mais ações ou de os transacionarem no mercado, que foi o que os A. fizeram, mantendo as ações na posse da herança.
As ações não foram vendidas, pelo que não há que comparar os valores das ações - ativo que não foi vendido - com o valor de venda dos direitos - ativo efetivamente vendido, com valor de aquisição fixado pelo emitente na data da respetiva emissão, distinto portanto do valor de qualquer outro ativo.
Pelo que o valor de aquisição é determinado nos termos da alínea a) do artigo 48.º do CIRS e não nos pretendidos termos do art. 45.º/1/b), como pretende o A. Tanto mais que tendo a aquisição dos direitos de subscrição ocorrido em Maio e Julho de 2014, após a abertura da herança em 2011, nunca seriam considerados na liquidação de imposto de selo, como decorreria da aplicação do referido art. 45.º/1/b) do CIRS.
Vejamos:
Os direitos de subscrição em causa surgiram na esfera patrimonial da herança após o falecimento de C....
A herança vendeu esses direitos, não as ações.
O que tem que se valorar para efeitos de determinação do rendimento de mais-valia é o valor de aquisição do direito de subscrição e o valor de venda desse direito. Ora, o valor de aquisição desses direitos, ao contrário do que defendem os Requerentes, não corresponde ao valor das ações que os conferiram.
A AT defende a aplicação do disposto no artigo 48.º, alínea a) do Código do IRS, nos termos do qual “No caso da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, o valor de aquisição, quando esta haja sido efetuada a título oneroso, é o seguinte: a) Tratando-se de partes sociais, warrants autónomos, certificados referidos na alínea g) do n.º 1 do artigo 10.º ou de outros valores mobiliários cotados em mercado regulamentado, o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o da menor cotação verificada nos dois anos anteriores à data da alienação, se outro menos elevado não for declarado”.
Considera, ainda, a AT que o valor destes direitos de subscrição é 0, por ser esse o valor indicado pelos Bancos emitentes. Quanto a esta questão, e embora a aquisição destes direitos de subscrição não seja gratuita (ela depende da prévia aquisição das ações), também não equivale ao valor das ações. Cabia, portanto, aos Requerentes a prova do valor de aquisição dos direitos para efeitos da sua dedução ao valor da respetiva venda. Tal prova não teve lugar, pelo que nada há a apontar às liquidações também quanto a este rendimento.
Por fim, os Requerentes pedem que lhes sejam pagos juros indemnizatórios pelo facto de terem pago os valores liquidados. Sobre este direito, dispõe o artigo 43º, nº 1 da Lei Geral Tributária que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
A decisão sobre o direito aos juros indemnizatórios pode ter lugar no âmbito do processo arbitral, conforme decorre do disposto no artigo 24º, nº 5 do RJAT, que determina que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
A condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios depende, desde logo, da existência de erro dos serviços que permita responsabilizá-la pelo pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido. Ora, uma vez que se considerou que a atuação da AT foi legal e correta, não há motivo para o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios. Nestes termos, também no que diz respeito a este ponto, improcede a argumentação dos Requerentes.
4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se:
a) Indeferir o pedido de anulação das liquidações adicionais de IRS aqui impugnadas;
b) Indeferir o pedido de condenação da AT à restituição das quantias pagas, assim como o pedido de reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios;
c) Indeferir o pedido de condenação da AT no pagamento da taxa arbitral e demais encargos.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 10.500,97.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 01-06-2021
A Árbitro,
(Raquel Franco)
[1] O artigo 37.º, n.º 1, do CPPT estabelece que:
“Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reação contra o ato notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.”