Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Armando Oliveira e Dr. A. Sérgio de Matos, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 26-10-2020, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, SA, pessoa colectiva n.º ………, com sede na Rua …, , (adiante apenas Requerente), Serviço de Finanças de Oeiras …, sito na R. ……, vem, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação das seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:
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Liquidação n.º 2020 ………, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/01;
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Liquidação n.º 2020 ………, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/02;
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Liquidação n.º 2020 ………, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/03;
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Liquidação n.º 2020 ………, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/04;
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Liquidação n.º 2020 ………, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/05;
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Liquidação n.º 2020 ………, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/06;
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Liquidação n.º 2020 ………, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/07;
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Liquidação n.º 2020 ………, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/08;
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Liquidação n.º 2020 ………, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/09;
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Liquidação n.º 2020 ………, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/10;
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Liquidação n.º 2020 ………, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/11;
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Liquidação n.º 2020 ………, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/05;
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Liquidação n.º 2020 ………, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/06.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 06-08-2020.
Em 24-09-2020, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 26-10-2020.
A AT apresentou resposta em que requereu a suspensão da instância até à Decisão a proferir no processo de reenvio Frenetikexito então pendente no TJUE e defendeu que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 09-12-2020 foi decidida a utilização no presente processo da prova testemunhal gravada produzida no processo n.º 170/2019-T, que correu termos entre as mesmas Partes, em que se incluiu a prova gravada no processo n.º 373/2018-T, junta àquele processo a requerimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, como se refere na respectiva acta.
A Requerente apresentou dois pareceres jurídicos.
Em 13-04-2021 foi realizada uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.
As Partes apresentaram alegações.
Tendo a Requerente imputado à Autoridade Tributária e Aduaneira litigância de má-fé, foi dada a esta oportunidade de se pronunciar, o que fez, defendendo que não é aplicável esse regime e que, em qualquer caso, não agiu com ma-fé.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
A questão da suspensão da instância, requerida pela Administração Aduaneira na sua resposta, ficou prejudicada pelo facto de o TJUE já ter proferido decisão no processo C-581/19, Frenetikexito.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente insere-se no grupo B..... e tem como objecto social a criação, promoção e exploração de health clubs, gestão, formação e consultoria em desporto, manutenção física e bem estar, serviço de nutrição e outras atividades de saúde pública, incluindo tratamentos de fisioterapia, cedência de espaços em imóveis próprios ou alheios e serviços conexos; arrendamento, compra e venda de propriedades, incluindo prédios e revenda dos adquiridos para esse fim, bem como a gestão, exploração e manutenção de imóveis; e ainda o comércio a retalho de produtos médicos e ortopédicos, em estabelecimentos especializados, actividades estas, que desenvolve no ginásio que explora sob a insígnia B… em …., na Rua D. ……..;
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Foi efectuada uma inspecção à Requerente, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
III.1.1.2. Dos fundamentos das correções meramente aritméticas
III.1.1.2.1 Enquadramento fiscal
III.1.2.1. Direito comunitário
> A Diretiva do IVA estabelece, no nº 1 do seu artigo 132º, a isenção de determinadas prestações de serviços na área da saúde.
> Beneficiam de isenção, nos termos da alínea b), "a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições análogas às que vigoram para estes ú/timos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos".
> Por seu tumo, a alínea c) isenta "as prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado Membro em causa".
> A este respeito, o TJUE (Tribunal de Justiça da União Europeia) declarou que o conceito de prestações de serviços de assistência médica que figura na alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Sexta Diretiva 2006/112/CE, do Conselho de 28 de novembro de 2006, visa as prestações que tenham por finalidade "diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde" (acórdão de 06-11-2006, Dornier, Processo C-45/01).
> A aceção de que a isenção prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 132º da diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006 opera independentemente da forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações médicas ou paramédicas, isto é, tanto é aplicável às pessoas singulares como às pessoas coletivas, decorre necessariamente da interpretação desta disposição imposta pelo TJUE.
í- No acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no processo C-141/00 (caso Kugler, Colet. P. I-6833, n.º 26) é afirmado, a respeito dessa disposição comunitária, que a mesma tem um carácter objetivo, definindo as operações isentas em função da natureza dos serviços prestados, sem mencionar a forma jurídica do prestador, pelo que basta tratarem-se de prestações de serviços médicos ou paramédicos e que sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.
> Segundo a jurisprudência do TJUE, nomeadamente o referido Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no processo c-141/00, referente ao caso Kugler, as alíneas b) e c), do n.º 1, do artigo 132.º, da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006, embora visem regular a totalidade das isenções aplicáveis às prestações médicas em sentido estrito, têm âmbitos muito distintos.
> Assim, a alínea b), do nº 1, do artigo 132 da Diretiva isenta todas as prestações efetuadas em meio hospitalar.
> Já a alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva, destina-se a isentar as prestações médicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do doente, ou em qualquer outro lugar, ou seja, aplica-se a prestações efetuadas fora de organismos hospitalares e no quadro de uma relação de confiança entre o paciente e o prestador de serviços, relação que normalmente tem lugar no consultório deste último.
lIl.1.1.2.1.2 Direito interno
> Aquelas isenções previstas nas alíneas c) e b), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, foram transpostas para o Direito Interno:
o Para a alínea 11. do artigo 9.º do CIVA (tendo por base a alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE1 - FORA DE MEIO HOSPITALAR
o Para a alínea 2), do artigo 9.º do Cl VA (tendo por base a alínea b), do nº 1, do artigo 132º da mesma Diretiva 2006/112/CE). - EM MEIO HOSPITALAR
> Na sequência dessa transposição, a alínea 11 do artigo 9.º do CIVA isenta do imposto, "As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas."- FORA DE MEIO HOSPITALAR
> A alínea 2), do mesmo artigo prevê ainda estarem isentas de imposto, "As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efeituadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares".
> Daqui se retira que as isenções previstas nas alíneas 1) e 2), do artigo 9.º do CIVA, respeitam a "atividades que tenham por objeto diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde".
> Ambas se aplicam independentemente de os serviços serem prestados por uma pessoa singular ou coletiva, assim como da finalidade lucrativa ou não do exercício dessas atividades.
> A alínea 2), do artigo 9.º do CIVA, destina-se a Isentar os serviços de assistência efetuados no meio hospitalar.
> O SP Isenta as suas atividades de prestação de serviços dietéticos com base na alínea 1) do artigo 9º do CIVA (fora do meio hospitalar), conforme se pode verificar pela inscrição em rodapé nas respetivas faturas (Anexo 31. pelo que nos vamos abster de dissecar aqui o conceito de estabelecimento hospitalar, dado não se aplicar a esta situação.
> Assim sendo, passamos a analisar a isenção aplicada pelo SP à prestação de serviços de nutrição, com base na alínea 1) do artigo 9º do OVA.
> Ora estabelece a alínea 1) do artigo 9º do CIVA que "estão isentas as prestações de serviços efetuadas no exercido das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas".
> Uma vez que não existe no CIVA um conceito que defina o que são atividades paramédicas, teremos que nos socorrer de legislação avulsa para proceder ao seu enquadramento:
- Decreto-lei 261/93, de 24 de julho, que, basicamente, define os requisitos académicos exigidos para o desempenho da função, e;
- Decreto-lei 320/99, de 11 de agosto, mais especificamente o nº 1 do seu artigo 3º, que refere o conteúdo funcional que terá de, necessariamente, compreender a "realização das atividades constantes do anexo ao já referido decreto-lei 261/93, de 24 de julho, tendo como matriz a utilização de técnicas de base cientifica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação." (dessa lista consta, designadamente, a atividade de "dietista").
> Ainda a propósito do conceito de prestação de serviços médicos, previsto na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, importa relembrar que o Acórdão do TJUE, de 14 de setembro de 2000, Processo 384/98, considera como tais as que consistam em "prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer outra anomalia de saúde" (Processo nº 3251, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, em 2012-06-28).
> E continua: "Tal significa que as prestações de serviços que não tenham este objetivo terapêutico (diagnosticar, tratar e. na medida do possível, curaras doenças ou anomalias de saúde) ficam excluídas do âmbito de aplicação da isenção, sendo sujeitas a imposto e dele não isentas." (sublinhado nosso).
> Ora a isenção aqui aplicada à Prestação de Serviços Dietéticos, com base na alínea 1) do artigo 9º do ClVA, não é lícita por não se tratar, efetivamente, de consultas de nutrição, procuradas pelo utente em razão de alguma necessidade que sinta nessa matéria, mas tão-só a "disponibilização" de um serviço com características de aconselhamento ao utente o qual apenas ocorre no caso de o utente "procurar" esse serviço. Caso não o procure, por dele não sentir necessidade, é-lhe igualmente faturado, nos termos em que já analisámos.
> Tal significa que as prestações de serviços que não tenham objetivo terapêutico, mesmo que efetuadas por paramédicos devidamente habilitados para o efeito, encontram-se excluídas do âmbito de aplicação da isenção. Enquadram-se aqui as atividades de mera elaboração de dietas integradas em planos alimentares. (Lembramos que o contrato prevê apenas "duas sessões presenciais" (e não consultas) e "dois acompanhamentos telefónicos anuais", os quais surgem designados por "aconselhamento dietético").
> De facto, se alguém necessitar de uma intervenção terapêutica ao nivel nutricional, procurará um profissional nessa área, não se inscreverá num ginásio, isto é, o propósito da frequência de um ginásio (ou health cluh) não será, certamente, o de ser consultado por um nutricionista.
> A prová-lo está o facto de esse serviço ser faturado mensalmente a todos os utentes, sem exceção. independentemente de usufruírem ou não da referida consulta, significando isso que todos os utentes vêem uma parte da mensalidade que pagam pela frequência do ginásio estar sujeita a IVA à taxa normal e outra parte dessa mensalidade estar isenta de l VA, quando a generalidade desses utentes, durante o mês a que essa fatura respeita, não tem qualquer contacto com o nutricionista (embora lhe tenha sido informado que existe um ao seu dispor).
> Assim, a faturação da prestação de serviços de nutrição não beneficia da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, estando sujeita a tributação nos termos gerais do ClVA, uma vez que os serviços de aconselhamento nutricional. disponibilizados em complemento da atividade física, não se enquadram no conceito de prestações de serviços médicos nem visam a assistência médica, diagnóstico, tratamento de doenças ou quaisquer anomalias de saúde.
>• Ora não sendo aplicável a isenção prevista na alínea 1) do art.º 9º do Cl VA, daqui resulta que não pode ser separado na fatura a prestação de serviços de ginásio, da prestação de serviços de nutrição, uma vez que estes últimos fazem parte da prestação de serviços do ginásio, devendo-lhe ser aplicada a liquidação do imposto à taxa normal.
> Efetivamente, o serviço de nutrição é um serviço acessório da prestação de serviço principal que constitui o serviço de ginásio, nos termos a seguir desenvolvidos.
Prestação Principal vs acessória
> Decorre do espírito da redação do artigo 2º, n.º 1, c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço, no plano económico, não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do IVA.
> Na esteira deste entendimento vem a jurisprudência comunitária confirmar que uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar de melhores condições do serviço principal prestado. Assim, quando existem prestações de serviços que visam melhorar as finalidades prosseguidas pelos ginásios, tornam-se suscetíveis de constituir operações "puramente acessórias" ou "estreitamente conexas".
Este conceito resulta da jurisprudência comunitária nos seguintes acórdãos:
• Acórdão de 22 de outubro de 1998 "T. P. Madgett, R. M. Baldwln e The Howden Court Hotel", Processos apensos C-308/96 e C-94/97, onde o Tribunal considerou que poderia haver prestações que, embora relacionadas com a prestação principal, "não constituem (...) um fim em si, mais um meio de beneficiar das melhores condições do serviço principal.", concluindo nesse contexto que se trata de "prestações (...) puramente acessórias relativamente às prestações [efetuadas a título principal.]".
• Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, "Card Protectlon Plan Ltd", Processo C-349/96, através do qual o TJCE firmou o entendimento de que "uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador".
• Acórdão de 27 de setembro de 2012, "Field Flstier Waterhouse LLP", processo C-392/11 o Tribunal de Justiça declarou que se está em presença de uma prestação única quando uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e a outra ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias, a que se aplica o tratamento fiscal da prestação principal. Em particular, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador. Neste sentido vide os seguintes acórdãos: a) CPP - Processo n.º C-349/96, Colet., p. I-973, n.º 30, de 25 de fevereiro de 1999; b) Part Service, C-425/06, Colet., p. I-897, n.º 52 de 21 de fevereiro de 2008;
c) Bog e outros, Processos n.ºs C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09, Colet, p. 1-1457, n.º 54, de 10 de março de 2011).
Acórdão de 17 de Janeiro de 2013, "BGZ Leasing Sp.z o. o.", Processo C-224/11, onde se refere que está "em causa uma operação única, nomeadamente, quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria um caráter artificial" e que "a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA". Continua, ainda, referindo que "para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa", designadamente, "uma determinada conexão entre si”.
Ainda segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, designadamente no nº 30 deste acórdão que se vem referindo (processo C-224/11), "uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal, nomeadamente, quando não constitua para a clientela um fim em si, mas sim um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador". Este acórdão é particularmente relevante, na medida em que reforça a ideia de que, para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.
III.1.1.3 Da Análise dos factos
No âmbito da presente Ordem de Serviço, e como já foi referido, verificou-se que as faturas emitidas pelo sujeito passivo aos seus clientes (os quais efetuam contratos de adesão e, acessoriamente, contratos de prestação de serviços dietéticos), para além da rubrica "Utilização das instalações desportivas" (atividade sujeita), podem surgir outras rubricas, tais como "Personal Training" (atividade também sujeita), contudo, surge sempre associada a rubrica "Prestação de Serviços Dietéticos", à qual correspondem códigos tais como "SDIET", consideradas pelo sujeito passivo como isentas de IVA nos termos da alínea 1), do artigo 9.º do CIVA. Surge, ainda, uma terceira rubrica: "Desconto por subscrição de acompanhamento dietético" (sujeito a IVA à taxa normal - 23%) - veja-se título exemplificativo cópia de faturas no Anexo 3.
Ainda tendo em conta o enquadramento fiscal dos serviços de dietética e nutrição (Ponto III.1.1.2.1/2. -Comunitário e Interno), é de salientar que a atividade de "Dietética", não obstante estar prevista no ponto 5 da lista anexa ao D.L. n.º 261/93 de 24.07, esse facto determina, tão só, que se trata de uma atividade paramédica cuja isenção está prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, desde que o seu exercício tenha como objetivo terapêutico diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar (génese da alínea c) do artigo 132º da diretiva do lVA que, por transposição, deu origem à alínea 1) do artigo 9º do CIVA, esta sim, determinante das condições de aplicabilidade de isenção de IVA em matéria de prestação de serviços de saúde).
Assim sendo, é determinante para a aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde ao utente, pressupondo que os mesmos sejam efetivamente realizados. Caso os serviços não se insiram no conceito de prestações de serviços médicos definido na jurisprudência comunitária, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passíveis de tributação à taxa normal prevista no artigo 18º do CIVA.
Ora, de facto, a referência, na fatura, à prestação de serviços médicos ou paramédicos como fazendo parte do valor de uma mensalidade previamente contratualizada, independentemente de os mesmos serem prestados, ou não, demonstra que não estamos perante serviços prestados no âmbito da assistência médica.
Da análise a diversos "Contratos de Adesão" e "Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos" (Anexo 3) se retira, designadamente a partir das suas cláusulas primeira, terceira e quinta, que o acesso aos serviços dietéticos só é possível enquanto existir o contrato de adesão para a utilização das instalações desportivas. De facto, e não obstante a cláusula quinta estabelecer que a extinção do contrato de prestação de serviços dietéticos não implica a anulação do contrato de adesão para a utilização das instalações desportivas, nem qualquer alteração às condições subscritas pelo utente, já o inverso, ou seja, o fim do contrato de adesão referente à utilização de atividades desportivas implica automaticamente a cessação de contrato de prestação de serviços dietéticos, o que confere um caráter acessório à prestação de serviços em causa, uma vez que a mesma nunca está dissociada do contrato de adesão que tem em vista a utilização das instalações desportivas (ginásio).
Ora, uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua, para a clientela, um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador.
Assim, considerando a análise efetuada à atividade efetivamente exercida pela entidade, nomeadamente por via da análise dos contratos, da faturação e face aos critérios enunciados no presente relatório sobre o enquadramento fiscal das operações praticadas, considera-se que as consultas de nutrição "avulso", faturadas diretamente ao utente, deverão ser consideradas isentas de IVA, nos termos da alínea 1) do artigo 9º do CIVA, enquanto os serviços dietéticos disponibilizadas aos utentes, faturados enquanto uma rubrica da fatura referente à mensalidade do ginásio não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA por se tratar de uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio, sendo de lhes aplicar o tratamento fiscal da prestação principal.
Fica assim demonstrado o caráter acessório da "Prestação de serviços dietéticos" (identificada pelo sujeito passivo por diversos códigos como; "SDIET") enquanto atividade de aconselhamento nutricional disponibilizada aos utentes que subscrevem um contrato de adesão ao ginásio, em oposição às consultas de nutrição, efetivamente prestadas por profissionais especializados. Estas consultas são adquiridas pelos utentes, isoladamente ou em pacotes que podem ir até 6 consultas, sendo que, nestes casos, estamos perante situações que visam, claramente, "diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde" daqueles sócios do SP que sentem fragilidades ou mesmo problemas ao nível físico que podem estar relacionados com questões nutricionais e de alimentação e que recorrem à compra deste serviço que lhes é faturado através do código "NUT" ou variantes do mesmo, conforme o número de consultas adquiridas.
Assim o sujeito passivo deveria ter procedido à liquidação de IVA sobre a "Prestação de Serviços Dietéticos" (códigos "SDIET”) uma vez que relativamente às mesmas - e tão só a essas - não se mostram reunidas as condições para beneficiar da isenção prevista na alínea 11. do art.º 9.º do CIVA.
III.1.1.4 Das propostas de correção (ao IVA não liquidado) - Ano 2015
Como já referido ao longo deste relatório, a nossa análise baseou-se nos elementos e esclarecimentos que nos foram facultados.
Para determinação do valor a corrigir, em sede de IVA, resultante da não consideração da "Prestação de serviços dietéticos" como atividade isenta nos termos da alínea 1) do artigo 9º do Cl VA, foi trabalhados, o ficheiro "COLV f)_Prest Serv_2015" - CD - Anexo 8. evidenciando-se os códigos dos artigos relativos àquela prestação de serviços (códigos "SDIET"). Estes ficheiros incluem as mensalidades pagas pelos utentes pela utilização das instalações desportivas e serviços secundários relacionados.
Assim, destes ficheiros, foram extraídas, por cada fatura, as linhas que indicam, cumulativamente:
Relembramos que, por vezes, ao invés do artigo "SDIET" surge a designação "SDIET1", ou outras, todas elas significando "Prestação de Serviços Dietéticos4".
De tudo o exposto, elaboramos o quadro que se segue, o qual serve de base às correções propostas para o ano de 2015:
III 1.2.2.3 Resumo Correção IVA- Ano 2015.
Em virtude de o sujeito passivo ter usufruído, de forma indevida, de uma isenção de IVA que originou falta de liquidação de imposto, à taxa de 23%, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 18º do CIVA, sobre as intituladas "Prestações de Serviços Dietéticos", decorrente da não aplicabilidade, a estas operações, da isenção constante da alínea 1) do artigo 9º do CIVA e tendo em conta o direito à dedução regulado nos artigos 19.º a 26º do CIVA, quer o IVA liquidado, quer o IVA dedutível relacionados com esta atividade, vão ser alvo de correção no ano de 2015, resultando daí os valores resumidos nos quadros que se seguem:
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Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios relativas ao ano de 2015;
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Liquidação nº 2020 ………, relativa ao período 201501, no valor de € 10.329,27 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 2.085,08;
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Liquidação nº 2020 ………, relativa ao período 201502, no valor de € 10.582,09 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 2.100,17;
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Liquidação nº 2020 ………., relativa ao período 201503, no valor de € 10.889,66 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 2.124,22;
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Liquidação nº 2020 ………, relativa ao período 201504, no valor de € 11.233,86 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 2.153,20;
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Liquidação nº 2020 ………, relativa ao período 201505, no valor de € 11.267,95 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 2.123,92;
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Liquidação nº 2020 ………, relativa ao período 201506, no valor de € 11.855,04 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 2.157,29;
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Liquidação nº 2020 ………, relativa ao período 201507, no valor de € 9.881,84 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 1.795,50;
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Liquidação nº 2020 ………, relativa ao período 201508, no valor de € 8.936,45 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 1.592,39;
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Liquidação nº 2020 ………, relativa ao período 201509, no valor de € 9.535,92 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 1.668,90;
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Liquidação nº 2020 ………, relativa ao período 201510, no valor de € 10.008,33 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 1.718,68;
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Liquidação nº 2020 ………, relativa ao período 201511, no valor de € 10.140,40 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 1.705,80;
(documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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A Requerente dispunha no ano de 2015 de 2 gabinetes específicos para consultas de nutrição exclusivamente (depoimentos das testemunhas C… e D…);
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Prestaram serviço na Requerente no ano de 2015 duas nutricionistas inscritas na Ordem dos Nutricionistas (depoimentos das testemunhas C… e D…);
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Na mensalidade dos sócios da Requerente está incluída 1 consulta de nutrição trimestral, podendo aqueles obterem outras consultas avulso, o que alguns fazem;
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A Requerente tem clientes externos só para as consultas de nutrição (depoimentos das testemunhas C… e D…);
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A Requerente detém um sistema informático interno, comum a todo o grupo B…, denominado E…, que permite registar e controlar todas as consultas de nutrição, quer as iniciais (designadas consultas base) quer as subsequentes (designadas consultas premium), sendo acessível apenas aos nutricionistas credenciados (depoimentos das testemunhas C… e D…);
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Todas as consultas de nutrição são idênticas, sendo prestadas nos mesmos gabinetes, pelos mesmos profissionais com a mesma duração, independentemente de serem adquiridas isoladamente ou em «pack» com serviços de ginásio (depoimento da testemunha D…);
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Na consultas de nutrição é efectuada averiguação de patologias, análises clínicas efectuadas e medicamentos que os sócios/clientes utilizam (depoimento da testemunha D…);
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Há sócios/clientes da Requerente que acedem as consultas de nutrição para fins terapêuticos e outros visam fins desportivos ou de estética, mas as consultas são dadas sempre pelas nutricionistas com fins terapêuticos, seguindo o mesmo protocolo (depoimento da testemunha D…);
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Por despacho de 19-08-2015, do Subdiretor-Geral do IVA, foi emitida a Informação Vinculativa n.º 9215, publicitada em
https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informações_vinculativas/despesa/civa/Documents/INFORMA%C3%87%C3%83O.9215.pdf;
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Nessa Informação Vinculativa, relativa a «Isenções - Serviços de aconselhamento de nutrição, prestados em Health clubs, clubes de fitness e ginásios, faturados aos seus clientes, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável», cujo teor se dá como reproduzido, conclui-se, além do mais, que «os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)»;
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Em 05-08-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Quanto às liquidações n.ºs 2020 ………, relativa ao período de 201605 (€ 3.881,22 de IVA e € 711,43 de juros compensatórios) e 2020 ………, relativa ao período 201606 (€ 5.623,32 de IVA e € 1.009,07 de juros compensatórios), não se provou qual a sua fundamentação.
O Relatório da Inspecção Tributária reporta-se apenas ao ano de 2015 e nenhum dos valores das correcções efectuadas corresponde a qualquer os valores destas liquidações referente ao ano de 2016.
2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos depoimentos prestados no presente processo, nas gravações dos depoimentos prestados nos processos n.ºs 170/2019-T (em que se incluiu a prova gravada no processo n.º 373/2018-T), bem como nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.
A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelo Requerente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira e os que consta do processo administrativo.
Nos pontos indicados, a fixação da matéria de facto baseia-se nos depoimentos das testemunhas C… e D…, que aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos que relataram.
3. Matéria de direito
3.1. Questões que são objecto do processo
O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, designadamente invocados no âmbito da impugnação contenciosa. ([1] )
A Requerente presta consultas de nutrição nas suas instalações em que também presta serviços de ginásio, além de outros serviços.
Parte das consultas de nutrição são contratadas isoladamente ou em «pacote» de consultas e facturadas autonomamente, a clientes/sócios da Requerente que as pretendem especificamente.
Mas, a Requerente disponibiliza também consultas de nutrição a clientes/sócios que pretendem os serviços de ginásio, facturando-as em conjunto com os serviços de ginásio.
Dessas consultas incluídas em «pack» com os serviços de ginásio, apenas uma parte, não quantificada, é efectivamente prestada.
As consultas adquiridas isoladamente ou em «pack» são prestadas nos mesmos termos, pelos mesmos nutricionistas e nos mesmos locais a isso destinados.
A Requerente aplicou isenção de IVA a todas as consultas de nutrição, com base na da alínea 1) do art.º 9º do CIVA.
A Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou que as consultas de nutrição contratadas isoladamente beneficiavam da isenção referida, não efectuando qualquer correcção.
Mas, quanto às consultas disponibilizadas em «pack» e em parte efectivamente prestadas a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não beneficiavam da referida isenção por deverem ser consideradas acessórias dos serviços de ginásio.
Foi essencialmente isto que a Autoridade Tributária e Aduaneira sintetizou no Relatório da Inspecção Tributária da seguinte forma:
Assim, considerando a análise efetuada à atividade efetivamente exercida pela entidade, nomeadamente por via da análise dos contratos, da faturação e face aos critérios enunciados no presente relatório sobre o enquadramento fiscal das operações praticadas, considera-se que as consultas de nutrição "avulso", faturadas diretamente ao utente, deverão ser consideradas isentas de IVA, nos termos da alínea 1) do artigo 9º do CIVA, enquanto os serviços dietéticos disponibilizadas aos utentes, faturados enquanto uma rubrica da fatura referente à mensalidade do ginásio não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, por se tratar de uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio, sendo de lhes aplicar o tratamento fiscal da prestação principal.
Assim, é de concluir que
– a Administração Tributária entendeu que apenas parte das consultas de nutrição facturadas aos sócios/clientes da Requerente não podia beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, designadamente as que foram facturadas conjuntamente com serviços de ginásio;
– a razão pela qual entendeu que essa parte das consultas não podia beneficiar da isenção não foi o hipotético entendimento de que elas não tenham finalidade terapêutica ou não terem sido parcialmente prestadas;
– a não aceitação da aplicação da isenção , foi justificada exclusivamente pelo entendimento de que são «uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio», o que entendeu impor a aplicação do regime fiscal dos serviços de ginásio.
Assim, por um lado, a Administração Tributária, no RIT, não questionou que os serviços prestados de nutricionismo, pela sua natureza, não sejam susceptíveis de beneficiarem da isenção prevista no artigo 9.º, n.º 1, do CIVA, designadamente não invocando que não tenham natureza terapêutica, nem afastando a isenção se as consultas foram facturadas fora do âmbito de pacotes em que se incluem serviços gímnicos.
De resto, está-se perante uma situação enquadrável na Informação Vinculativa n.º 9215, com despacho de 19-08-2015, do Senhor Director-Geral do IVA, por delegação do Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, em que se entendeu que «os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)». ( [2] )
Por outro lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira também não baseou a correcção no facto de parte das consultas facturadas em conjunto com os serviços de ginásio terem sido disponibilizadas, mas não terem sido efectivamente realizadas.
Assim, a questão que se coloca neste meio contencioso que tem apenas por objecto «a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos» (artigo 2.º do RJAT) é apenas a de saber se está ou não em sintonia com a lei o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que as consultas facturadas em conjunto com serviços de ginásio são prestações acessórias destes.
3.2. Questão da natureza acessória ou não das consultas de nutrição facturadas em «pack» com serviços de ginásio
Como se disse, não foi fundamento das correcções efectuadas a não utilização das consultas adquiridas por grande parte dos clientes /sócios da Requerente, mas apenas a invocada natureza acessória em relação aos serviços de ginásio.
Afigura-se que esta questão está proficientemente tratada no acórdão arbitral proferido no processo n.º 373/2018-T, que tem subjacente uma situação fáctica essencialmente idêntica, pelo que se reitera aqui o entendimento aí adoptado, tendo em mente o artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil que estabelece que «nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».
Este «tratamento análogo» justifica-se acentuadamente em situações como a presente em que as situações fácticas e o enquadramento jurídico são idênticos e as questões a apreciar são as mesmas.
Refere-se nesse acórdão o seguinte:
«O princípio geral que constitui o ponto de partida é o de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente, como, a título de exemplo, assinalam os Acórdãos Levob Verzekeringen, C-41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP, C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999.
O regime-regra pode, porém, ser afastado e uma prestação ser considerada acessória em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, “quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” – Acórdãos CPP, C-349/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998. Em determinadas circunstâncias, “várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” – Acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008. (realce nosso)
Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.
Contudo, não existe uma regra absoluta para determinar o alcance de uma prestação para efeitos de IVA, sendo, para tal, necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola – Acórdãos BGŻ Leasing, C-224/11, de 17 de janeiro de 2013, Field Fisher Waterhouse, C-392/11, de 27 de setembro de 2012, e demais jurisprudência acima citada.
O Tribunal de Justiça apela ao padrão do “consumidor médio” como ponto de vista a partir do qual se pode concluir estarmos perante uma prestação única.
Segundo este Tribunal atenta a “dupla circunstância de que, por um lado, do artigo 2.º, n.º 1, da Sexta Diretiva [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA] decorre que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, importa assim, em primeiro lugar, procurar encontrar os elementos característicos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais distintas ou uma prestação única […]. O mesmo se passa quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor, entendido como consumidor médio, estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial – Levob Verzekeringen, C-41/94. No mesmo sentido, veja-se o caso Aktiebolaget NN, C-111/05, de 29 de março de 2007 [3]. (realce nosso)
A realização, a título oneroso, de uma prestação que não é indispensável para atingir o objetivo visado pela prestação “principal”, se bem que possa ser considerada muito útil para essa prestação, não será considerada uma prestação estreitamente conexa, conforme preconiza o Tribunal de Justiça no caso Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005.
Acresce que se o cliente tiver a faculdade de escolher os seus prestadores e/ou as modalidades de utilização dos bens ou serviços em causa, as prestações relacionadas com estes bens ou serviços podem, em princípio, ser consideradas distintas da operação dita “principal” – Acórdão Wojskowa Agencja Mieszkaniowa, C-42/14, de 16 de abril de 2015.
Retomando a análise concreta, a Requerente presta nas suas instalações múltiplos serviços, todos relacionados com a manutenção de um estilo de vida saudável e bem-estar, como a atividade física, a estética, a nutrição ou o SPA. Apesar de todos estes serviços se orientarem a um denominador comum, numa abordagem multidisciplinar, a conjugação dos diversos serviços apresenta-se complementar e não acessória.
Com efeito, as prestações de serviços das diversas áreas são perfeitamente autonomizáveis e existem independentemente umas das outras. Os clientes mantêm a faculdade de escolha dos prestadores e das modalidades de utilização dos serviços em causa. O facto de a Requerente, por razões comerciais, ter estabelecido condições vantajosas que fomentam e promovem a adesão aos novos serviços de nutrição, tendo em vista o arranque dessa nova área de atividade e assegurar uma oferta mais vasta de serviços, com o intuito de fidelização dos clientes, não conduz à consideração destes como meramente acessórios à utilização do ginásio.
A prática de exercício físico é independente da adoção ou não determinado regime alimentar, pelo que devem ser consideradas prestações de serviços distintas.
Não se verifica, pois, a indissociabilidade das consultas de nutrição relativamente à prática de exercício físico e de utilização das instalações desportivas da Requerente, nem aquelas consultas são condição indispensável para atingir o objetivo visado pela utilização do ginásio, pelo que não devem ser consideradas estreitamente conexas, sem prejuízo de poderem, em ambos os casos, potenciar uma melhor condição física.
As referidas consultas valem por si, têm objetivos próprios e o seu sentido não advém estritamente da melhoria dos serviços de ginásio. Aliás, existem sócios que não aderiram aos referidos serviços de nutrição e, por outro lado, a Requerente presta serviços de nutrição a não sócios, que não utilizam o ginásio. Refira-se que a esta conclusão chega, de igual modo, a Decisão Arbitral, de 2 de abril de 2018, proferida no processo do CAAD n.º 454/2017-T, que versa sobre situação análoga.
No que se refere à forma de faturação, a concessão de um desconto equivalente ao preço dos serviços de nutrição na mensalidade do ginásio é uma opção comercial que não pode ser sindicada pela AT, por se inserir na liberdade de gestão da Requerente, que pode determinar o preço dos seus serviços. De salientar que os referidos preços não são dirigidos a entidades relacionadas, sendo aplicados à generalidade dos seus clientes e ao público em geral.
Por outro lado, a diferente codificação “SDIET” e “NUT” aplicável às consultas de nutrição abrangidas pelo Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos e às consultas de nutrição adquiridas avulso não afetam a natureza exatamente idêntica dos serviços prestados.
Trata-se de uma codificação que visa facilitar a análise/comparabilidade das consultas geradoras de receita incremental (up-selling), representando uma forma de tratamento da informação de gestão da Requerente que não patenteia ou indicia realidades diferenciadas, sendo inidónea a suportar uma re-caracterização das operações. Ficou demonstrado que as consultas, independentemente da forma como são remuneradas – na mensalidade ou de forma avulsa – são prestadas exatamente da mesma forma, com os mesmos objetivos, pelos mesmos profissionais e nas mesmas instalações.
À face do exposto, conclui-se pela não acessoriedade das consultas de nutrição prestadas pela Requerente relativamente aos serviços de utilização de instalações desportivas e, em consequência pela aplicabilidade da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, enfermando os atos tributários impugnados de erro de direito, pelo que devem ser anulados».
Na mesma linha, é de salientar ainda, que para efeitos da regra de que «cada prestação deve normalmente ser considerada distinta e independente», quanto às prestações de serviços de nutricionismo há «fortes indícios a favor da sua individualidade e consequente tratamento distinto em sede de IVA (aplicação da taxa normal às prestações de serviços de actividades físicas e da isenção às prestações de serviços de nutricionismo): (i) A contratação de nutricionistas inscritos na respectiva Ordem legalmente habilitados a exercer tal profissão; (ii) A existência de instalações adequadas à prática da actividade de nutricionismo, nomeadamente de gabinetes devidamente apetrechados para as consultas; (iii) A prática de facturação separada, individualizando especificamente as prestações de serviços de nutricionismo das prestações de serviços relativas à prática de actividades físicas». ( [4] )
Neste contexto, a consideração separada nas facturas das prestações relativas à utilização das instalações gímnicas e à prestação de serviços dietéticos não pode constituir, em si mesma, uma decomposição artificial de uma operação económica única, suscetível de alterar a funcionalidade do sistema do IVA.
Por isso, o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que as consultas de nutrição facturadas em «pack» com os serviços de ginásio devem ser consideradas prestações acessórias é ilegal por contrariar o Direito da União Europeia.
3.3. O acórdão do TJUE invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira e a repartição nacional de competências entre Tribunais e Administração Tributária
A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca nas suas alegações o acórdão do TJUE Frenetikexito, de 04-03-2021, processo n.º C-581/19, em que se decidiu que «a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva».
Como se vê esta decisão do TJUE, confirma a sua jurisprudência anterior e a verificação e conclusão a que se chegou no transcrito acórdão arbitral n.º 378/2018-T, sobre a natureza não acessória das consultas de nutrição em relação aos serviços de ginásio.
Por isso, este acórdão do TJUE confirma que as liquidações efetuadas enfermam da ilegalidade que lhes foi imputada por erro sobre os pressupostos de facto e de direito ao entender as referidas consultas deveriam ser consideradas acessórias dos serviços de ginásio.
É certo que, na parte em que se refere que o serviço referido «não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva» a doutrina do TJUE poderia justificar que, em vez das correcções que fez, com os fundamentos que utilizou, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuasse diferentes correcções, com distintos fundamentos.
Mas, como já se referiu, o processo arbitral é um meio contencioso de mera legalidade, em que aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foram atribuídos meros poderes de declaração de ilegalidade e consequente anulação de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT.
Estando os tribunais arbitrais sujeitos à lei e obrigados a decidir de acordo com o direito constituído (artigos 203.º da CRP e 2.º, n.º2, do RJAT) não podem perante a constatação da ilegalidade de um acto liquidação deixar de a declarar, pela hipotética existência de um outro acto legal que poderia ter sido praticado, mas não o foi.
No nosso sistema de administração executiva é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que é conferida competência para a prossecução do interesse público da cobrança de impostos, tendo estes apenas competências de controle da legalidade dos actos que a Autoridade Tributária e Aduaneira praticar no exercício dessa competência, nos termos limitados em que está prevista no RJAT.
Por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não podem, constatada a ilegalidade de um acto de liquidação, deixar de a declarar e substituírem-se à Administração Tributária substituindo o acto ilegal que ela praticou por um acto diferente com a fundamentação e conteúdo que ele próprio adoptaria se fosse a ele, Tribunal Arbitral, e não à Autoridade Tributária e Aduaneira que a lei atribuísse o poder de prosseguir o interesse público da cobrança de impostos.
Na verdade, com resulta do teor expresso do artigo 24.º, n.º 1 do RJAT, em sintonia com o artigo 100.º da LGT, é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não ao tribunal arbitral que a lei impõe o dever de «praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral».
É uma opção legislativa que se justifica porque a admissão, na pendência do processo jurisdicional, de uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os actos impugnados, afectaria o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos artigos 20.º, n.º 1, e 268,º, n.º 4, da CRP, pois prejudicaria a possibilidade de os contribuintes em relação à nova fundamentação utilizarem a globalidade dos meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei para defesa dos seus direitos contra actos de liquidação (reclamação graciosa, recurso hierárquico, revisão do acto tributário e opção pela jurisdição arbitral ou por impugnação judicial perante os tribunais tributários).
Na verdade, se a fundamentação das liquidações tivesse sido a falta de prova da finalidade terapêutica das consultas de nutrição, em vez da acessoriedade em relação aos serviços de ginásio, a defesa da Requerente e a prova que a produzir poderiam ser diferentes.
Assim, a fundamentação a posteriori, não contemporânea do acto impugnado, só pode ser fundamento de um novo acto, eventualmente praticado em execução de decisão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT e 100.º da LGT.
Como lapidarmente esclareceu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 31-01-2018, processo n.º 01157/17, por força do princípio da separação de poderes enunciado nos artigo 2.º da CRP, não sendo o Tribunal um órgão com competências primárias para definir a tributação, «não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do acto impugnado (já que os seu poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o acto explicitamente partiu), nem pode substituir-se à Administração na determinação de outra matéria tributável (sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária)».
Nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, limita-se à "interpretação dos Tratados", e à "validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União", pelo que não se estende à interpretação das normas nacionais sobre a o âmbito dos processos jurisdicionais e sobre a repartição de competências entre os Tribunais e a Administração, na densificação do princípio da separação de poderes.
É apenas quanto às matérias que se inserem nas competências do TJUE que as decisões proferida em reenvio prejudicial podem ser consideradas obrigatórias (pelo menos, quando não são contraditórias).
De resto nem existe qualquer norma do direito da União Europeia sobre as competências dos tribunais arbitrais em matéria tributária e tipo de poderes que lhes são atribuídos, sendo matéria que se insere plenamente na discricionariedade do legislador nacional.
Por isso, não havendo qualquer competência do TJUE em matéria de repartição de competências entre Tribunais e Administração Tributária, nem tendo sido proferida qualquer decisão sobre a forma processual adequada à implementação do Direito da União em matéria de isenções de IVA, não há qualquer fundamento para colocar, nesta matéria de definição do âmbito do contencioso arbitral tributário, qualquer questão de violação do artigo 8.º, n.º 4, da CRP ou de consequente inconstitucionalidade.
3.4. A jurisprudência do acórdão do TJUE invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira
Como se disse, a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca nas suas alegações o acórdão do TJUE Frenetikexito, de 04-03-2021, processo n.º C-581/19, em que se decidiu que «a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva».
Na parte em que se refere que o serviço referido «não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva», a doutrina do TJUE não pode ser aplicada no presente processo, em que o Tribunal Arbitral tem poderes de mera anulação com fundamento em ilegalidade, e está em causa impugnação de actos de liquidação que se basearam no entendimento de que «as consultas de nutrição "avulso", faturadas diretamente ao utente, deverão ser consideradas isentas de IVA, nos termos da alínea 1) do artigo 9º do CIVA» (ponto III.1.1.3. do Relatório da Inspecção Tributária).
Na verdade, admitir, na pendência do processo jurisdicional uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os actos impugnados, afectaria o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos artigos 20.º, n.º 1, e 268,º, n.º 4, da CRP, pois prejudicaria a possibilidade de utilizar os meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei.
É por isso que a fundamentação a posteriori só pode ser fundamento de um novo acto, eventualmente em execução de decisão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT e 100.º da LGT.
Como se referiu, por força do princípio da separação de poderes enunciado nos artigo 2.º da CRP, não sendo este Tribunal Arbitral um órgão com competências primárias para definir a tributação, «não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do acto impugnado (já que os seu poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o acto explicitamente partiu), nem pode substituir-se à Administração na determinação de outra matéria tributável (sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária)» (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31-01-2018, processo n.º 01157/17).
Por outro lado, tendo o TJUE entendido, «sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio», que «um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente», contraria a posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira no RIT, em que entendeu que se tratava de «uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio».
No caso em apreço, o facto de haver sócios/clientes da Requerente que apenas utilizam os serviços de nutrição, demonstra bem que estes devem ser considerados como uma prestação distinta e independente dos serviços de ginásio, não sendo uma forma de aqueles usufruírem melhor destes serviços.
Por isso, no que releva para a presente decisão, a jurisprudência do TJUE confirma o erro de que enferma a posição assumida no RIT pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao entender que as consultas de nutrição deveriam ser consideradas prestações acessórias dos serviços de ginásio e não «prestação de serviços distinta e independente».
3.5. Liquidações relativas a períodos de 2016
No que concerne às liquidações relativas aos períodos 201605 e 201606, os elementos que constam do presente processo não permitem concluir qual é a sua fundamentação.
Na verdade, o Relatório da Inspecção Tributária junto pela Requerente limita-se ao apuramento de factos ocorridos no ano de 2015 e não se refere nesse ter sido efectuada qualquer correcção relativa a períodos de 2016, nem nenhuma das correcções que foram efectuadas corresponde a qualquer dos valores das liquidações referentes a 2016.
Por outro lado, a matéria de facto alegada e a prova produzida reportam-se apenas ao ano de 2015.
Nestes termos, tem de se concluir que nenhum vício se demonstra relativamente a estas liquidações referentes ao ano de 2016.
3.6. Litigância de má-fé
A Requerente nas suas alegações formula o seguinte pedido:
«Devendo a AT ser condenada como litigante de má fé ao vir nos presentes autos e já na pendencia dos mesmos invocar fatos novos que não foram sequer objecto de contraditório tentando a revelia de todos os princípios norteadores de um Estado de direito nos termos do artigo 104.º da LGT que estabelece que «sem prejuízo da isenção de custas, a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre litigância de má fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas» para alem de fazer do processo um uso reprovável ao vir alegar fatos contrários aos constantes do RI e que serviram de base as notas de liquidação ora impugnadas .
A litigância de má-fé abrangerá indemnização e honorários de advogado»
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, dizendo, em suma, que não aplicável o regime da litigância de má-fé aos processos arbitrais e que a questão da finalidade das consultas é referida no RIT.
3.6.1. Questão da admissibilidade ou não de condenação por litigância de má-fé no âmbito da arbitragem tributária.
No que concerne à alegada inadmissibilidade de aplicação do regime da litigância de má-fé aos processos arbitrais tributários, afigura-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem razão.
Na verdade, no artgi104.º, n.º 1, da LGT estabelece-se que «a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre litigância de má fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas».
Sendo uma das poucas normas processuais incluídas na LGT ela está vocacionada para aplicação generalizada em processos tributários, sendo essa aplicação generalizada que pode justificar que ela não esteja incluída no CPPT, que regula a tramitação dos processos nos tribunais tributários estaduais.
A decisão arbitral citada pela Autoridade Tributária e Aduaneira refere-se a arbitragem voluntária, regulada exclusivamente pela Lei de Arbitragem Voluntária (LAV) e pelas normas que as Partes acordarem, em que só por convenção ou decisão do tribunal podem ser aplicadas regras que regem o processo perante o tribunal estadual, como se prevê no artigo 30.º, n.º 3, da LAV.
Mas, o mesmo não sucede com a arbitragem tributária a que, por força da lei, são aplicáveis subsidiariamente as normas aplicáveis nos tribunais tributários estaduais, arroladas no n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por isso, não há obstáculo à aplicação nos tribunais tributários de condenações da Autoridade Tributária e Aduaneira por litigância de má-fé, nos termos em que está prevista no artigo 104.º, n.º 1, da LGT.
3.6.2. Questão da condenação por litigância de má-fé
Como resulta do exposto, os termos em que é permitida a condenação por litigância de má-fé nos tribunais arbitrais são os definidos no n.º 1 do artigo 104.º da LGT.
No regime do processo civil a condenação por litigância de má-fé abrange multa e indemnização à parte contrária, se ela a pedir (artigo 542.º, n.º 1. do CPC).
Mas, no artigo 104.º, n.º 1, da LGT, prevê-se apenas a aplicação de sanção pecuniária e não também indemnização à parte contrária.
Assim, desde logo, não há fundamento legal para condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira em «indemnização e honorários de advogado», como é requerido.
Por outro lado, o fundamento invocado pela Requerente para o pedido de condenação por litigância de má-fé, que é a invocação de «factos novos que não foram sequer objecto de contraditório tentando a revelia de todos os princípios norteadores de um Estado de direito», não se enquadra em nenhuma das duas únicas situações em que o artigo 104.º, n.º 1, da LGT prevê a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira por litigância de má-fé, designadamente, «actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas».
Pelo exposto, por falta de fundamento legal, é de indeferir o requerimento de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira por litigância de má-fé.
3.7. Conclusão
3.7.1. Relativamente ao requerimento de suspensão da instância por pendência do processo do TJUE C-581/19 - caso Frenetikexito, fica naturalmente prejudicada a sua apreciação pelo facto de o acórdão do TJUE já ter sido proferido nesse processo.
3.7.2. Pelo que se referiu, ao terem subjacente o entendimento de que nenhuma das consultas de nutrição facturadas no ano de 2015 em conjunto com os serviços de ginásio beneficia de isenção por serem acessórias dos serviços de ginásio, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.7.3. As liquidações de juros compensatórios relativas às liquidações referentes ao ano de 2015 têm como pressupostos as respectivas liquidações de IVA pelo que enfermam dos mesmos vícios.
3.7.4. Resultando do exposto que as liquidações enfermam de vício de violação de lei que justifica a sua anulação, fica prejudicado, por ser inútil o conhecimento das restantes questões colocadas [artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
3.7.5. Relativamente às liquidações relativas ao ano de 2016, não se tendo demonstrado que enfermem de qualquer vício, tem de improceder o pedido de pronúncia arbitral.
3.7.6. Não se verificam os requisitos da condenação por litigância de má-fé prevista noa artigo 104.º, n.º 1, da LGT.
4. Decisão
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Anular as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios relativas ao ano de 2015, no montante global de € 135.885,76:
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Liquidação nº 2020 ………, relativa ao período 201501, no valor de € 10.329,27 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 2.085,08;
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Liquidação nº 2020 ………., relativa ao período 201502, no valor de € 10.582,09 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 2.100,17;
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Liquidação nº 2020 ………., relativa ao período 201503, no valor de € 10.889,66 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 2.124,22;
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Liquidação nº 2020 ………, relativa ao período 201504, no valor de € 11.233,86 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 2.153,20;
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Liquidação nº 2020 ………, relativa ao período 201505, no valor de € 11.267,95 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 2.123,92;
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Liquidação nº 2020 ………, relativa ao período 201506, no valor de € 11.855,04 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 2.157,29;
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Liquidação nº 2020 ………, relativa ao período 201507, no valor de € 9.881,84 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 1.795,50;
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Liquidação nº 2020 ………, relativa ao período 201508, no valor de € 8.936,45 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 1.592,39;
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Liquidação nº 2020 ………., relativa ao período 201509, no valor de € 9.535,92 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 1.668,90;
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Liquidação nº 2020 ………., relativa ao período 201510, no valor de € 10.008,33 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 1.718,68;
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Liquidação nº 2020 ………., relativa ao período 201511, no valor de € 10.140,40 e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º € 1.705,80;
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Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações relativas ao ano de 2016 e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos respectivos pedidos;
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Indeferir o requerimento de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira por litigância de má-fé.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 146.910,39.
6. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 7,5% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 92,50%.
Lisboa, 18-05-2021
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Armando Oliveira)
(A. Sérgio de Matos)
( [1] ) Essencialmente neste sentido, podem ver–se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:
– de 10–11–98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12–4–2001, página 1207.
– de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10–2–2004, página 4289.
– de 09/10/2002, processo n.º 600/02.
– de 12/03/2003, processo n.º 1661/02;
– de 22–03–2018, processo nº 0208/17.
Em sentido idêntico, podem ver–se:
– MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é "irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto", e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que "não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa".
– MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que "as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade".
[3] Sobre a matéria vejam-se ainda os seguintes Acórdãos do Tribunal de Justiça: Stock ’94, C-208/15, de 8 de dezembro de 2016, RR Donnelley, C-155/12, de 27 de junho de 2013, CinemaxX, C-497/09, de 10 de março de 2011, Everything Everywhere, C-276/09, de 2 de dezembro de 2010, Don Bosco, C-461/08, de 19 de novembro de 2009 e RLRE Tellmer Property, C-572/07, de 11 de junho de 2009.
[4] Como se refere no Parecer da Senhora Prof.ª … junto pela Requerente.