SUMÁRIO:
1. O facto instrumental que serve de base à presunção prevista no artigo 86.º do Código do IVA não pode dar-se como provado apenas através de um mero controlo contabilístico, pressupondo a verificação e contagem física das existências e a sua não correspondência com os registos contabilísticos do contribuinte.
2. Concluindo-se que os bens já não se encontravam no local de atividade do sujeito passivo, pelo menos à data de 31 de dezembro de 2011, não é possível presumir, para efeito de sujeição a imposto, que esses bens tenham sido transmitidos no exercício de 2015, e, especificamente, no segundo trimestre desse ano, ou num período de tributação anterior em que ainda fosse lícito à Administração exercer o direito de liquidação.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1. No dia 20.03.2020, a Requerente, A…, com sede na …………, …., requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IVA e juros compensatórios referentes ao segundo trimestre de 2015, com o nº 2019……, que deu origem aos documentos de acerto de contas nºs 2019…….. e 2019…….., nos valores de € 88.316,86 e € 15.321,16, no total de € 103.638,02.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2, do artigo 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados árbitros os signatários, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 6.08.2020.
3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:
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A Requerente tem por objeto social a construção de edifícios residenciais e não residenciais.
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Para efeitos de IVA encontra-se enquadrada no regime normal de periocidade trimestral, tendo apresentado atempadamente as respetivas declarações periódicas.
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Com referência ao segundo trimestre de 2015, a Requerente apresentou declaração periódica, sem menção de qualquer imposto a favor do Estado ou do sujeito passivo, uma vez que não exerceu qualquer atividade, limitando-se a mencionar o campo relativo ao reporte de períodos anteriores, no montante de € 4.207,40.
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Foi, entretanto, objeto de inspeção tributária a coberto da ordem de serviço nº O1………, com incidência parcial na área do IVA, em virtude da qual se efetuou uma correção à base tributável de € 402.279,41, apurando-se um imposto a favor do Estado de € 92.524, 26, que está na génese da liquidação posta em crise.
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A correção efetuada pela IT fundamenta-se, como se pode ver do RIT, nas seguintes circunstâncias:
a)Os inventários inicial e final que constam da IES de 2014 indicam um valor global de € 402.279,41;
b)A contabilidade de 2015 evidencia que estes inventários foram saldados por contrapartida da conta 53 - Outros instrumentos de capital próprio, tendo por suporte uma ata de 31.03.2015.
c)As justificações dadas pelo gerente da Requerente e pelo seu contabilista não foram relevadas pela IT;
d)Em consequência, considerou a IT que “não foi ilidida a presunção do artigo 86º do CIVA, pelo que os bens se presumem transmitidos a titulo oneroso”
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Não se conformando com tal posição, a Requerente exerceu o seu direito de audição, nos termos do artigo 60º da LGT, alegando, em síntese, erro de direito já que o artigo 86º do CIVA estabelece uma presunção de transmissão de bens adquiridos por um sujeito passivo que não se encontram nas suas instalações e que tem por finalidade facilitar a prova em procedimentos de inspeção mas que, todavia, tal presunção já não é aplicável no contexto de divergência identificadas em registos contabilisticos.
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Alegou ainda erro de facto, já que a sociedade havia cessado efetivamente a sua atividade em 2009 e os materiais de construção em causa já não existiam desde essa data.
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Apesar disso, ainda nessa sede arrolou testemunhas, tendo em vista ilidir a presunção invocada pela AT o que foi rejeitado pela AT que, sem indicar como fundamento qualquer norma jurídica considerou que o respetivo depoimento“deveria ter sido apresentado por escrito no prazo estipulado para o direito de audição”.
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Neste contexto, considerou a AT que, como a sociedade apenas regularizou os inventários em 2015, é nesta data que se efetiva o seu “desaparecimento”.
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Os inventários que se encontravam registados nas suas contas em 31.12.2014 já não existiam, como é reconhecido e declarado na ata nº 55 da Assembela Geral da Requerente, datada de 31.03.2015 e que integra o anexo 5 do RIT.
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A Requerente não pode conformar-se com a liquidação efetuada por a mesma padecer de ilegalidade, por um lado, por violação artigo 86º do Código do IVA e, por outro, por ter sido desrespeitado o princípio do inquisitório vertido no artigo 58º da LGT que obriga a AT a proceder a todas as diligências que se mostrem necessárias para a descoberta da verdade material.
4. A Requerida, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:
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Os inventários inicial e final da impugnante, de 2014, indicam o total de 377.279,41 EUR, dos quais 22.986,55 EUR correspondem a mercadorias, e 354.292,86 EUR a matérias-primas, subsidiárias e de consumo;
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Em 2015, os valores que constavam da contabilidade nas contas 32, 33 e 34 em 2014 “desapareceram”, situação também transposta para IES 2015 a qual não evidencia qualquer valor de inventários;
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Importava, pois, saber qual o destino dado às mercadorias, atendendo a que o art.º 86.º do CIVA dispõe que “salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais.”
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O suporte documental dos lançamentos é uma ata de 31/03/2015 e, quer os lançamentos efetuados, quer o documento de suporte não ilidem a presunção do art.º 86º do CIVA, uma vez que não foi exibida qualquer prova documental, participação de roubo, incêndio, inundação ou outra, que permitisse aferir que os bens não foram transmitidos;
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A fim de detetar o destino dado às mercadorias, a inspeção ouviu o gerente da empresa e o contabilista certificado, tendo o primeiro salientado:
- Que, face à crise no sector, sócio e gerente estiveram, entre 2010 e 2016, a acompanhar projetos localizados em Angola;
- Que o sócio se encontra presentemente a trabalhar por conta de outrem e que não existe de momento perspetiva de retomar a atividade da empresa;
- Que os bens em apreço foram vendidos e/ou consumidos nos anos de 2009/2010 e 2011;
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Por sua vez, o contabilista certificado referiu que:
- Os montantes inscritos nas contas 321, 331 e 341 resultam do histórico (IES 2009),
constavam dos saldos de abertura de 2010 e já não tinham existência física em 2015;
- O suporte para os movimentos efectuados em 2015 (saldar todas as contas) foi uma ata de 2015;
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Todavia, não foi exibida prova documental de que os bens foram vendidos ou consumidos em 2009/2010, e 2011, ou de que não existia um inventário físico, sendo que, nos termos do art.º 86º do CIVA, compete ao sujeito passivo ilidir essa mesma presunção que, assim, não foi ilidida pelo que os bens se presumem transmitidos a título oneroso (vide alínea a), n.º 1 do artigo 1.º do CIVA, conjugada com a alínea f) do nº 3 do art.º 3º idem);
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O saldo das mercadorias, e a inexistência das mesmas, não resulta de uma qualquer contagem “física” realizada pela demandada nas instalações da Requerente.
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Não se trata, pois, de uma situação de inexistência de contagem de mercadorias, e da consequente quantificação através dos registos contabilísticos, como pretende a Requerente;
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No caso presente, são as informações escritas da Requerente, em anexo, que confirmam a posição da demandada, e passamos a citar:
“1. Os bens foram consumidos em obras/vendidos em 2009/2010/2011;
2. Foram consumidos na atividade da empresa”
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E embora afirme que as mercadorias já não existiam pelo menos desde 2009, nunca apresentou prova quanto a isso, como referimos;
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Os bens que constavam na contabilidade apenas foram regularizados em 2015, pelo que é neste ano que se efetiva o seu “desaparecimento”, não tendo sido apresentada qualquer prova que contrarie esta evidência,
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Resulta assim claro que os bens foram consumidos ou vendidos, o que corresponde à previsão do art.º 86º do CIVA;
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É certo que o princípio do inquisitório previsto no art.º 58.º da LGT, impõe à AT que realize todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material;
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Porém, “in casu”, não procede o argumento de violação de tal princípio, visto que, não tendo sido apresentada qualquer prova documental, a pretendida inquirição de testemunhas arroladas no procedimento de inspeção, na fase de audiência prévia, não iria contribuir para a descoberta da verdade material, por não ser o meio idóneo ou preferencial de comprovação dos factos alegados em sede de daquele procedimento inspetivo;
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Consequentemente, a demandada considera que não ocorreu qualquer preterição de diligência essencial no âmbito do procedimento de inspeção tributária.
5. Em 21.04.2021 foi realizada a reunião arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada a produção de prova testemunhal, na qual, para além de se ter procedido à inquirição das testemunhas arroladas, foram também sido prestadas declarações de parte pelo gerente da Requerente.
Nesta reunião foram as partes notificadas para apresentar alegações escritas, tendo Requerente e Requerida usado desta faculdade.
6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
7. Cumpre solucionar as seguintes questões:
a) Ilegalidade da liquidação objeto do processo, por erro nos pressuposto de facto e nos pressupostos de direito.
b) Ilegalidade da liquidação por violação pela Requerida do princípio do inquisitório no âmbito do procedimento.
II – A matéria de facto relevante
8. Consideram-se provados os seguintes factos:
1. A Requerente tem por objeto social a construção de edifícios residenciais e não residenciais.
2. Para efeitos de IVA encontra-se enquadrada no regime normal de periocidade trimestral, tendo apresentado atempadamente as respetivas declarações periódicas.
3. Com referência ao segundo trimestre de 2015, a Requerente apresentou declaração periódica, sem menção de qualquer imposto a favor do Estado ou do sujeito passivo, limitando-se a mencionar, no campo relativo ao reporte de períodos anteriores, o montante de € 4.207,40.
4. A Requerente foi objeto de inspeção tributária a coberto da ordem de serviço nº O1……., com incidência parcial na área do IVA, em virtude da qual se efetuou uma correção à base tributável de € 402.279,41, apurando-se um imposto a favor do Estado de € 92.524, 26, que está na génese da liquidação posta em crise.
5. No respetivo relatório de inspeção tributária consta, além do mais, o seguinte:
6. A Requerente, notificada para o efeito, exerceu o direito de audição prévia ao projeto de relatório no âmbito do procedimento inspetivo, constando da sua pronúncia, designadamente, o seguinte:
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A correção é feita com fundamento no alegado facto de a Exponente não ter ilidido a presunção a que se refere o artigo 86.º do Código do IVA.
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Ora, tal correção padece de erro em matéria de direito e de facto.
Erro de direito
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Com efeito, o artigo 86.º estabelece que se consideram transmitidos os bens adquiridos que não se encontrem em qualquer desses locais.
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Tem esta presunção a finalidade de facilitar a prova em procedimentos de inspeção quando é constatada a falta de mercadorias em armazém, nomeadamente, através de contagens físicas, fazendo recair sobre o contribuinte o ónus de demonstrar qual o destino dado às mercadorias em falta.
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Todavia tal presunção já não pode ser utilizada quando estamos perante divergências identificadas em registos contabilísticos, como claramente resulta do Acórdão do TCAS, de 27.09.2018, no Processo n.º 428/13.6BECTB, que se transcreve: “2. Se o contribuinte é alvo de uma ação inspetiva em que a AT procede à verificação ou contagem física das existências e constata falta de correspondência entre o inventário físico e os registos contabilísticos que lhe são apresentados, pode prevalecer-se da presunção prevista no art.º 86.º do CIVA, presumindo a transmissão dos bens em falta e liquidando o imposto devido. 3. Porém, essa presunção legal já não aproveita à AT se assente unicamente na verificação e confronto dos valores inscritos nos registos contabilísticos do contribuinte, ou seja, sobre factos registados na contabilidade”.
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Como se refere no citado Acórdão entre os atos de inspeção inclusive “proceder à inventariação física e avaliação de quaisquer bens ou imóveis relacionados com a atividade dos contribuintes, incluído a contagem física das existências” como resulta do artigo 29.º, n.º 1 alínea b), do RCPITA. E, se a AT procede à verificação ou contagem física das existências e constata falta de correspondência entre o inventário físico e os registos contabilísticos que lhe são apresentados, pode prevalecer-se da presunção prevista no art.º 86.º do CIVA, presumindo a transmissão dos bens em falta e liquidando o imposto devido.
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Todavia, como se acentua no citado Acórdão, “essa presunção legal já não aproveita à AT se assente unicamente na verificação e confronto dos valores constantes dos registos contabilísticos e extra-contabilísticos do contribuinte, ou seja, sobre factos revelados pela contabilidade.”
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Neste caso, a AT deve, como se conclui no acórdão, a AT “… lançar mão de correções meramente aritméticas ou recorrer à avaliação indireta, nomeadamente a presunções, se tais correções não puderem basear-se na contabilidade (art.º 83.º, n.º 2 e 85.º, n.º 1, da LGT)”.
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Por isso, o projeto de Relatório incorre em erro nos pressupostos ao subsumir no artigo 86.º do CIVA a situação em causa, que se consubstancia numa regularização contabilística.
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Todavia, e sem prescindir
Erro de facto
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Como claramente resulta da ata n.º 55 os saldos relativos a mercadorias já não existiam desde, pelo menos, a ano de 2009.
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Com efeito, estes saldos já vêm da IES de 2009, sendo que a sociedade já não exerce qualquer atividade desde essa data.
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O seu sócio passou a exercer a atividade em Angola, não tendo quaisquer rendimentos no território português, o que pode ser confirmado nas bases de dados da administração fiscal.
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Finda a atividade, a sociedade mudou formalmente a sede para o domicílio fiscal do seu sócio, sendo que no seu domicílio não tem, nem nunca teve espaço para guardar mercadorias (materiais de construção) de valor superior a € 400 000,00.
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Portanto, os fatos demonstram que a Sociedade já há muitos anos não tinha quaisquer mercadorias (materiais de construção), e, em consequência, não há qualquer falta de mercadorias reportada a 2015 que tenha resultado de vendas efetuadas nesse ano ou qualquer outro não abrangido pelo prazo de caducidade.
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Para prova adicional dos fatos constantes dos pontos 11 a 15, a Exponente requer que sejam ouvidos em auto de declarações as seguintes testemunhas, em data e local a indicar pela Autoridade Tributária, tendo em vista a elisão da presunção que lhe assiste.
7. A apreciação do direito de audição da Requerente constante do relatório final de inspeção tributária tem o seguinte teor:
8. Na sequência do relatório final de inspeção tributária a Requerida efetuou a liquidação de imposto e juros compensatórios objeto do presente processo.
9. Os inventários que se encontravam registados nas suas contas em 31.12.2014 já não existiam no património da Requerente pelo menos desde o final do exercício de 2011.
10. O Relatório de Inspeção Tributária é datado de 12 de dezembro de 2019 e tem despacho de concordância do chefe de divisão, por subdelegação do director de finanças adjunto, de 13 de dezembro seguinte, sendo determinada nessa data a notificação ao sujeito passivo.
Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.
11. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como dos articulados apresentados, e ainda da prova testemunhal e por declarações de parte, produzidas no processo.
No que respeita especificamente ao facto de que os inventários registados nas contas da impugnante já não existiam no património da Requerente pelo menos desde o final do exercício de 2011 (nº 9 do probatório) a decisão do tribunal sobre tal facto resulta da ponderação, para além da ata mencionada no nº 9 do probatório, de toda a prova no seu conjunto, mas, essencialmente, da prova testemunhal produzida e das posições das partes sobre esta matéria.
Quanto à prova testemunhal, os depoimentos das três testemunhas inquiridas foram todas no sentido da inexistência de tais inventários no património da sociedade pelo menos desde 2009, ano em que o sócio da Requerente e o seu gerente foram exercer a sua atividade empresarial para Angola na sequência de crise que assolou o setor de construção civil em Portugal.
Estas testemunhas, unanimemente, afirmaram que a empresa não dispunha de qualquer armazém e que a casa do sócio da impugnante não tinha espaço para guardar os inventários e ainda que a atividade da empresa, que não se dedicava a construção nova mas apenas a remodelações, não justificava a existência de inventários da dimensão em causa.
Estas declarações não são inteiramente concordantes com informação prestada pelo gerente da Requerente, B…, à inspeção tributária em e-mail de 22.11.2019, em que se refere que:
“1. Os bens foram consumidos em obras/vendidos em 2009/2010/2011;
2.Foram consumidos na atividade da empresa.”
Estas informações foram corrigidas pelo referido gerente em declarações de parte prestadas perante o tribunal em que afirmou que, pelo menos em 2009, tais inventários não existiam.
Embora não tenham ficado esclarecidas as circunstâncias que determinaram a saída dos bens em causa da esfera jurídica da empresa, nem quando tal ocorreu, do conjunto dos depoimentos prestados pelas testemunhas, bem como da informação prestada pelo gerente da Requerente à inspeção tributária em email de 22.11.2019, decorreu a convicção do tribunal de que, pelo menos no final do exercício de 2011, os bens em causa não existiam na esfera jurídica da impugnante.
Acresce que este facto não é, em rigor, contestado pela Requerida, que não faz assentar o facto tributário no desaparecimento físico dos bens mas sim na sua supressão dos registos contabilísticos da impugnante, não contestando, nem no relatório de inspeção tributária nem na contestação apresentada no presente processo, a inexistência dos bens no património da Requerente.
III - O Direito aplicável
12. A Requerente fundamenta o pedido de declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação num vício de violação do princípio do inquisitório por não ter sido considerado pela Autoridade Tributária, no âmbito do procedimento inspetivo, o pedido de audição das testemunhas arroladas em vista à elisão da presunção a que se refere o artigo 86.º do Código do IVA, e num vício de violação de lei relacionado com esta disposição pelo facto de a presunção de transmissão no exercício da atividade económica se ter baseado numa mera regularização contabilística dos saldos que transitaram de anos anteriores e não na contagem física de inventários, e se não encontrar demonstrada a afetação de bens a consumo privado.
Conforme dispõe o artigo 124.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, na sentença a proferir no processo de impugnação, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação (n.º 1), havendo lugar, no primeiro grupo, à apreciação prioritária dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, e, no segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior (n.º 2).
No presente caso, não são arguidos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado ou outros que resultem do exercício da ação pública, estando apenas em causa vícios que conduzem à anulação do ato administrativo. Por outro lado, a Requerente não indica uma relação de subsidiariedade entre os vícios, pelo que se afigura haver lugar ao conhecimento prioritário do vício de violação de lei por ser este que confere mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, visto que o vício procedimental também invocado – a proceder – não impediria que a Administração produzisse, em execução de julgado, um ato de idêntico sentido àquele que vem impugnado.
Cabe assim apreciar primeiramente o referido vício de violação de lei por errada interpretação do artigo 86.º do Código do IVA.
A referida disposição do Código do IVA, no capítulo atinente à “Fiscalização e determinação oficiosa do imposto”, prescreve:
“Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais.”
Como é entendimento corrente, a norma contempla uma presunção juris tantum, quer quanto à aquisição, quer quanto à transmissão de bens que não sejam detetados nos locais onde o sujeito passivo exerce a sua atividade, e que pode ser ilidida por prova em contrário.
As presunções pressupõem a prova de um facto conhecido (base de presunção) do qual se infere um facto desconhecido (artigo 349.º do Código Civil). Tratando-se, no caso, de uma presunção estabelecida na lei, ela não constitui propriamente um meio de prova, ou seja, um meio destinado a formar a convicção sobre a realidade de um facto, mas antes um meio de dispensa da prova do facto presumido. Com base num facto instrumental dado como provado, é possível inferir, por efeito da presunção legal, um outro facto sobre o qual não existe prova direta. Nesse contexto, cabe à parte provar o facto instrumental para que dele se possa inferir, por presunção legal, o facto presumido (cfr. Teixeira de Sousa, A prova em processo civil, sem data (policopiado), págs. 5-6).
No caso, a Administração Tributária não efetuou a prova do facto instrumental, limitando-se a extrair a ilação da ocorrência da transmissão de bens a partir dos movimentos contabilísticos referentes à existência de ativos nos inventários de 2014 e à regularização dos saldos de exercícios anteriores em 2015.
Ainda que, em regra, os dados e apuramentos inscritos na contabilidade do sujeito passivo se devam presumir verdadeiros (artigo 75.º, n.º 1, da LGT), o certo é que o facto instrumental que serve de base à presunção não pode dar-se como provado apenas através de um mero controlo contabilístico, visto que a base da presunção se traduz, nos termos da lei, na inexistência, em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua atividade, dos bens adquiridos, importados ou produzidos. Na circunstância do caso, tornava-se, portanto, necessário demonstrar - prova que incumbia à Administração - que foram adquiridos, importados ou produzidos os bens e que esses bens se não encontravam nos locais em que o sujeito passivo exerce a sua atividade.
Como se refere no acórdão do TCA Sul de 29 de Setembro de 2018 (Processo n.º 428/13), a Autoridade Tributária, no âmbito de um procedimento inspetivo, não pode prevalecer-se da presunção prevista no artigo 86.º do Código do IVA, dando como assente a transmissão dos bens em falta, sem proceder à verificação e contagem física das existências, não podendo extrair uma tal presunção a partir do confronto entre os valores inscritos nos registos contabilísticos do contribuinte, ou seja, através de factos registados na contabilidade.
13. Não obstante, na situação do caso, encontra-se feita a prova de que os factos determinantes da inexistência dos bens constantes dos inventários tenham ocorrido pelo menos até final de 2011.
Como resulta da matéria de facto dada como assente e consta do relatório de inspeção tributária, a liquidação adicional em IRC baseia-se nos saldos inicial e final dos inventários declarados no IES de 2014 e na inexistência desses mesmos valores nos registos contabilísticos e na declaração de IES referente ao ano de 2015.
Ouvidos no âmbito do procedimento inspetivo, o gerente e o contabilista certificado da sociedade referiram que o sócio C… e o gerente B…, por virtude da crise verificada no sector da construção civil, se deslocaram entre 2010 e 2016 para Angola e não retomaram a atividade na empresa, e as mercadorias e matérias-primas que correspondiam aos ativos que integravam os inventários em 2014 tinham sido vendidos ou consumidos em 2009, 2010 e 2011 e já não tinham existência física em 2015. O contabilista certificado acrescentou ainda que o suporte documental dos movimentos contabilísticos realizados em 2015 foi constituído por uma ata da assembleia geral de 31 de março de 2015, que aprovou a regularização dos saldos dos exercícios anteriores (ponto 5. da matéria de facto).
O tribunal arbitral, com base na prova produzida em audiência, igualmente deu como provado que os inventários registados nas contas em 31 de dezembro de 2014 já não existiam no património da Requerente pelo menos desde o final do exercício de 2011, embora não tivessem ficado esclarecidas as circunstâncias que determinaram a saída dos bens (ponto 9. da matéria de facto).
Por outro lado, como ressalta ainda da matéria de facto, o relatório de inspeção tributária data de 12 de dezembro de 2019 e tem despacho de concordância do dia 13 seguinte, tendo sido determinada nessa data a notificação ao sujeito passivo.
Concluindo-se que os bens já não se encontravam no local da atividade da Requerente, pelo menos à data de 31 de dezembro de 2011, não é possível presumir, para efeito de sujeição a imposto, que esses bens tenham sido transmitidos no exercício de 2015, e, especificadamente, no segundo trimestre desse ano, ou o tenha sido num período de tributação anterior a esse em que ainda fosse lícito à Administração exercer o direito de liquidação.
É para o caso irrelevante que a regularização contabilística dos inventários tenha ocorrido em 2015 e que a Autoridade Tributária apenas tenha tido conhecimento da inexistência dos bens nessa data, quando é certo – como se deixou esclarecido – que o facto instrumental que constitui a base da presunção não pode considerar-se comprovado por mero controlo contabilístico, e tendo essa prova sido realizada pelos meios gerais, na ausência da contagem física dos bens inventariados, é ao resultado probatório que por essa via se tenha alcançado que deve atender-se para efeito de se fixar a data em que se possa ter como verificada a inexistência dos bens.
Não tem assim cabimento considerar – como se faz no relatório de inspeção tributária - que não foi feita, pelo contribuinte, a prova da elisão da presunção, quando essa prova apenas se tornaria justificada quando se encontrasse demonstrado o facto instrumental que constitui a base da presunção, ou seja, a verificação da inexistência dos bens no período de tributação relativamente ao qual a Administração considerou exigível o imposto ou num período de tributação em que ainda pudesse ser exercido o direito à liquidação.
14. Resta referir que o relatório de inspeção tributária, invocando o disposto no referido artigo 86.º, dá como presumida a transmissão de bens a título oneroso, nos termos dos artigos 1.º, n.º 1, alínea a), e 3.º, n.º 3, alínea f), do Código do IVA. A primeira destas disposições constitui a norma de incidência objetiva do imposto sobre o valor acrescentado, especificamente aplicável à transmissão de bens. Por sua vez, o artigo 3.º define o conceito de transmissão de bens (n.º 1), e, no seu n.º 3, assimila à transmissão de bens diversas operações que possam não enquadrar-se diretamente no conceito genérico que consta do n.º 1, referindo-se a alínea f) à afetação para uso privado de bens adquiridos para fins produtivos e em relação aos quais tenha havido dedução de imposto.
Ora, não resulta do relatório de inspeção tributária ou da prova produzida no processo arbitral a mínima demonstração de ter ocorrido o desvio de bens para fins não empresariais, e, em todo o caso, uma tal ilação apenas poderia ser considerada se pudesse dar-se como verificada a presunção de transmissão de bens em data em que pudesse ser ainda exercido o direito à liquidação de imposto.
A liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios mostra-se assim ser ilegal.
15. Face à conclusão a que se chega, fica prejudicado o conhecimento do vício procedimental também invocado.
IV- Decisão
Termos em que se decide julgar procedente o pedido arbitral e a anular os atos tributários impugnados com as consequências legais (artigo 27.º, n.º 1, do RJAT).
Valor da causa:
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 103.638,02, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 18 de Maio de 2021,
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
Jesuíno Alcântara Martins
O Árbitro vogal
Marcolino Pisão Pedreiro