Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 524/2020-T
Data da decisão: 2021-05-14  IRS  
Valor do pedido: € 12.575,86
Tema: IRS. Mais-valias imobiliárias. Não residente.
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DECISÃO ARBITRAL

 

SUMÁRIO:

 

1.            O rendimento coletável sobre que incidiu a liquidação contestada pelo Requerente, equivale à diferença positiva entre o valor de aquisição corrigido nos termos do artigo 50.º, n.º 1 do Código do IRS e o valor de realização, tendo este saldo positivo sido tributado na sua totalidade à taxa especial de 28%, a que se refere o artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.

2.            Do regime aplicado à situação tributária do Requerente, decorreu, sem dúvida, uma carga fiscal superior à que recairia sobre o mesmo rendimento de mais-valias considerado em apenas 50% do seu valor e tributado pelas taxas gerais do artigo 68.º, do Código do IRS, cujo escalão máximo, em 2018, era de 48%.

3.            A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e a do Tribunal de Justiça da União Europeia têm vindo a considerar discriminatório o regime nacional aplicável à tributação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos por sujeitos passivos não residentes, por violação do artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO

Em 10 de outubro de 2020, …, com o NIF …, residente em …, França (adiante designado por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea ) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

A.           Objeto do pedido:

O Requerente pretende a apreciação da legalidade, assim como a anulação parcial do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o n.º 2019 …, referente ao ano de 2018, no montante global de € 12 575,86, na medida em que a AT procedeu ao cálculo do imposto devido nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, n.º 1, do Código do IRS, aplicando a taxa de 28% à totalidade da mais-valia apurada.

 

Pede ainda o Requerente a anulação da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra a referida liquidação, a restituição da quantia de € 6209,00 paga em excesso a título de imposto, bem como a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nas custas processuais e nas custas de parte, atribuindo ao pedido o valor económico de € 12 575,86.

 

B. Síntese da posição das Partes

a. Do Requerente:

Como fundamentos do pedido, invoca o Requerente o seguinte:

a.            O Requerente, residente em França no ano de 2018, alienou, naquele ano, pela quantia de € 110 000,00, a sua quota parte de 50% sobre a propriedade da fração autónoma sita no Porto, que havia adquirido em 2016, pelo valor de € 65 000,00;

b.            Na sequência da apresentação da declaração modelo 3 de IRS referente aos rendimentos de 2018, foi o Requerente notificado da liquidação, em que a AT considerou a totalidade da mais-valia apurada;

c.            O Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação de IRS de 2018, tacitamente indeferida;

d.            Considera o Requerente que, face à jurisprudência dos Tribunais nacionais e do TJUE, a mais-valia obtida pelos contribuintes não residentes deveria ser tributada em 50% do respetivo valor, como acontece com as mais-valias realizadas pelos sujeitos passivos residentes, por aplicação do n.º 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, sob pena de violação da liberdade de circulação de capitais, consagrada no artigo 63.º, do TFUE;

e.            Mais considera que as alterações introduzidas ao Código do IRS na sequência do Acórdão Hollmann não são suficientes para sanar a incompatibilidade entre a legislação nacional e o direito da UE, por manter o regime discriminatório na tributação das mais-valias, desfavorável aos contribuintes não residentes;

f.             Termina o Requerente por pedir a anulação parcial da liquidação de IRS do ano de 2018, a restituição do imposto pago em excesso, no montante de € 6 209,00, acrescido de juros indemnizatórios, desde o pagamento até integral restituição, a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa, bem como a condenação da Requerida nas custas processuais.

 

b. Da Requerida

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou Resposta em que veio defender a manutenção do ato de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

a.            Defende o Requerente que o regime de tributação das mais-valias, decorrente do disposto no artigo 43.º, nº 2 do CIRS é incompatível com o direito europeu, mais concretamente com o artigo 63.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e que a solução que o legislador português adotou não eliminou o caráter discriminatório em que nesta matéria se encontram os sujeitos passivos residentes em Estados-Membros da União Europeia;

b.            Porém, a atuação da Requerida não é merecedora de qualquer censura, inexistindo, portanto, qualquer vício que inquine a validade da liquidação contestada, padecendo a posição perfilhada pelo Requerente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

c.            Se é certo que no Acórdão do TJCE, de 11/10/2007 (Acórdão Hollmann), entendimento igualmente sufragado pelos Acórdãos do STA identificados pelo Requerente, foi decidida a contrariedade com o Direito Comunitário da disciplina da tributação das mais-valias imobiliárias de não residentes, igualmente se assinala que o quadro normativo atual e aplicável à situação objeto dos autos é distinto.

d.            Compulsada a declaração de IRS entregue pelo Requerente verifica-se que no Quadro 8 do Rosto foi apenas assinalado o campo 4 (não residente), tendo sido respeitada a opção de tributação manifestada.

e.            Para que o pretendido pudesse proceder, nomeadamente, que a tributação da mais-valia fosse feita pela taxa consagrada no artigo 68.º, como residente, era necessário ter preenchido os campos 9, opção pelas taxas do artigo 68.º do CIRS, e 11, total dos rendimentos obtidos no estrangeiro.

f.             Ademais, a norma estabelecida no n.º 2 do artigo 43.º, e cuja aplicação o Requerente defende, não tem aplicação ao caso em análise, pois para efeitos de incidência, e no que respeita à matéria das mais-valias que nos ocupa, relevantes são os artigos 9.º e 10.º do CIRS.

g.            É jurisprudência assente que “(…) o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas Convenções sobre Dupla Tributação, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação, nem consubstancia uma discriminação contrária aos Tratados Europeus” (Acórdãos do STA, P. 01435/12, 0139/13 e 0654/13, de 20/03/2013, 14/05/2014 e 27/11/2013, respetivamente, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).

h.            Pugnar por um entendimento diverso do indicado consubstanciaria uma discriminação positiva, violadora do princípio constitucional da igualdade chamado à colação pelo Requerente, e totalmente inaceitável à luz do direito nacional e comunitário.

i.             Soçobram, assim, todos os fundamentos trazidos pelo Requerente e, consequentemente, as alegadas ilegalidades assacadas à liquidação objeto do P.P.A., pelo que também o pedido de condenação em juros indemnizatórios terá que improceder por não se verificarem os pressupostos constantes do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

j.             Por último, tendo em consideração que os Processos do CAAD n.ºs 598/2018-T e 569/2019-T, que versam sobre esta mesma temática, se encontram pendentes de análise e decisão no Tribunal de Justiça da União Europeia, sob os n.ºs C-388/19 e C-103/20, respetivamente, entende a Requerida que se justifica a suspensão da instância até que seja emitida a pronúncia pelo TJUE, nos termos do disposto nos artigos 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º do CPC.

k.            Embora o Requerente peça a condenação da Requerida no pagamento de custas de parte, entende esta que as custas de parte não são devidas, por não estarem previstas no Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Pelo despacho arbitral de 28 de janeiro de 2021, foi decidido dispensar a reunião a que se refere o artigo 18, do RJAT, recusando-se, por injustificado, o reenvio prejudicial ao TJUE, dada a jurisprudência existente, por não existir dúvida real na sua aplicação ao caso concreto, apesar das alterações legislativas introduzidas ao Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2008), na sequência do Acórdão Hollmann (processo C-443/06).

 

No mesmo despacho se determinou que o processo prosseguisse com alegações escritas, no prazo simultâneo de 20 dias (art.º 91.º-A, do CPTA, ex vi artigo 29.º, do RJAT), fixando-se o dia 15 de março de 2021 como data provável para a prolação da arbitral final e advertindo-se o Requerente para o pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

Com a publicação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, entrada em vigor no dia subsequente, que aditou o artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, ficaram suspensos “todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos (…) tribunais arbitrais (…)”, designadamente, no que aos autos interessa, o prazo para alegações escritas. Assim, a necessidade de assegurar o contraditório (artigo 16.º, alínea a), do RJAT), prejudicou que a decisão arbitral fosse proferida na data designada, do que as Partes foram devidamente notificadas, com indicação de que a decisão final seria proferida dentro do prazo a que se refere o artigo 21.º, do RJAT.

 

A Requerida apresentou Alegações escritas em 9 de fevereiro de 2021, nas quais reiterou a argumentação expendida em sede de Resposta e requereu que o valor do pedido fosse fixado de acordo com a sua utilidade económica imediata, ou seja, em € 6 209,00.

 

O Requerente não apresentou alegações escritas.

 

II. SANEAMENTO

1.            O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 5 de janeiro de 2021, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;

2.            As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;

3.            O processo não padece de vícios que o invalidem;

4.            Não foram invocadas exceções que caiba aprecia e decidir.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

A – Factos provados

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA) e à posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados, fixa-se como segue:

1.            O Requerente, residente em França, alienou em 8           de outubro de 2018 a sua quota parte de 50% sobre a propriedade da fração autónoma designada pela letra A do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … da …,  pelo preço de € 110 000,00 (Doc. 1 junto ao PPA);

2.            Em 24 de outubro de 2019, o Requerente apresentou a declaração modelo 3 de IRS referente aos rendimentos do ano de 2018, identificada com o n.º …, constituída pelo respetivo rosto e um anexo G, na qualidade de não residente (Doc. 2 junto ao PPA);

3.            No anexo G integrante da referida declaração (mais-valias e outros incrementos patrimoniais), o Requerente inscreveu no quadro 4, a data e o valor da venda da sua quota parte na fração autónoma identificada em 1., assim como a sua aquisição em abril de 2016, pelo valor de € 65 000,00 (Doc. 2 junto ao PPA);

4.            Em 8 de novembro de 2019, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2019 …, pela quantia global de € 12 575,86, sendo € 12 418,00 correspondente a IRS e € 157,86, a juros compensatórios, com data limite para pagamento voluntário em 2 de janeiro de 2020 (Doc. 3 junto ao PPA);

5.            A liquidação de IRS n.º 2019 … teve por base o rendimento coletável de € 44 350,00, objeto de tributação autónoma, que deu origem à coleta de € 12 418,00 (Docs. 3 e 4 juntos ao PPA);

6.            O Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IRS n.º 2019 …, em 18 de dezembro de 2019 (Doc. 5 junto ao PPA);

7.            Em 16 de março de 2020, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação objeto dos autos, de cuja decisão não foi notificado até à data do pedido de pronúncia arbitral (Docs. 5 e 6 juntos ao PPA).

 

B – Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

C – Fundamentação da matéria de facto provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorrem da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral e da posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados.

 

III.2 DO DIREITO

1.            A questão decidenda

                A questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se a norma do n.º 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, na qual se determinava, à data dos factos, que “O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor”, é igualmente aplicável na determinação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos por não residentes.

As questões colocadas pelo regime diferenciado da tributação das mais-valias imobiliárias realizadas por sujeitos passivos residentes e por sujeitos passivos não residentes em território nacional foram inicialmente tratadas, da perspetiva do direito comunitário, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no Acórdão Hollmann (processo C-443/06, de 11/10/2007), que versou sobre situação idêntica à dos autos, em momento anterior às alterações introduzidas ao artigo 72.º, do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, e no qual se decidiu que “O artigo 56.° CE  [atual artigo 63.º, TFUE] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado‑Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado‑Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais‑valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.” (disponível em https://eurlex. europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62006CJ0443&from=PT).

 

Defende a Requerida que com o novo regime aplicável à tributação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos pelos sujeitos passivos não residentes, decorrente do aditamento dos n.ºs 7 e 8 (n.ºs 9 e 10, na redação em vigor à data dos factos) ao artigo 72.º, do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, ficou sanada a desconformidade entre a legislação nacional e o direito comunitário.

 

Alega ainda a Requerida que, tendo o Requerente assinalado na declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2018 a situação de não residente, e ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, lhe não assiste razão, pois que o n.º 10 do artigo 72.º, do Código do IRS, na redação à data dos factos, “é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro) ”.

 

Argumenta o Requerente que a possibilidade de opção pelo regime de tributação aplicável aos residentes não é, por si só, suficiente para afastar o tratamento discriminatório dos sujeitos passivos não residentes, no que respeita à tributação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias, citando, a título exemplificativo, a decisão proferida pelo TJUE no processo C-440/08 (Acórdão Gielen, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62008CJ0440&from=PT).

 

Se bem que no Acórdão Gielen estivesse em causa a liberdade de estabelecimento (artigo 49.º, do TFUE), não deixa de ali ser abordada a questão da possibilidade de a opção por um regime de equiparação a residentes ser ainda incompatível com o direito da UE, tendo o TJUE decidido que tal incompatibilidade “(…) não é posta em causa pelo argumento de que a opção de equiparação é suscetível de excluir a discriminação em causa (…) [se] essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º  TFUE em razão do seu carácter discriminatório (…)”.

               

No ano a que respeitam os rendimentos que originaram a liquidação ora impugnada, era a seguinte a redação dos n.ºs 1, alínea a), 9 e 10, do artigo 72.º, do Código do IRS:

 

“Artigo 72.º - Taxas especiais

1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %:

a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;

(…)

9 - Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

(…)”.

 

O rendimento coletável sobre que incidiu a liquidação contestada pelo Requerente, de € 44 350,00, equivale à diferença positiva entre o valor de aquisição (€ 65 000,00) corrigido nos termos do artigo 50.º, n.º 1 do Código do IRS e o valor de realização (€ 110 000,00), tendo este saldo positivo sido tributado na sua totalidade à taxa especial de 28%, a que se refere o artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.

 

Do regime aplicado à situação tributária em análise, decorreu, sem dúvida, uma carga fiscal superior à que recairia sobre o mesmo rendimento de mais-valias considerado em apenas 50% e tributado pelas taxas gerais do artigo 68.º, do Código do IRS, cujo escalão máximo em 2018 era de 48%.

 

É, pois, sobre o regime decorrente da conjugação das normas transcritas com as contidas nos artigos 9.º, n.º 1, alínea b), 10.º, n.º 1, alínea a), 43.º, n.º 2 e 68.º, todos do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, que a AT pretende a apreciação do TJUE, uma vez que este Tribunal da UE, à data da Resposta, ainda se não havia pronunciado sobre o mesmo, no atual quadro legislativo.

 

Contudo, tendo em consideração as “RECOMENDAÇÕES” do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01)”, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia C 338/1, de 06.11.2012, de que “(…) um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial em direito interno é obrigado a submeter esse pedido ao Tribunal, exceto quando já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto) ou quando o modo correto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco”, entendeu o tribunal arbitral não se encontrarem reunidos, no caso concreto, os pressupostos de obrigatoriedade de reenvio prejudicial para o TJUE ou da suspensão do processo até à decisão que viesse a ser proferida por aquele TJUE no processo C‑388/19.

 

De facto, à data da Resposta da Requerida, já o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 20.02.2019, no processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, disponível em http://www.dgsi.pt/., se havia debruçado sobre o regime de tributação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos por sujeitos passivos não residentes, no âmbito do quadro normativo decorrente das alterações introduzidas ao artigo 72.º, do Código do IRS pela Lei do Orçamento do Estado para 2008 (Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro), decidindo que “O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).”.

 

Mais recentemente, em Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência, viria o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de dezembro de 2020 (Processos n.ºs 64/20.0BALSB e 075/20.6BALSB) a decidir, respetivamente, o seguinte:

“I - Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo.

II - O entendimento contrário é discriminatório, nos termos do artigo 65.º n.º 3, por referência ao n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.”

 

e ,

 

“III - A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redação aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.

IV - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.”

 

                Em 18 de março de 2021, viria o TJUE a proferir Acórdão no processo C-388/19, relativo à seguinte questão prejudicial que lhe foi colocada no âmbito do processo arbitral n.º 598/2018-T: “«As disposições conjugadas dos artigos [18.º e 63.º a 65.º TFUE] devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no presente processo (n.º 2 do artigo 43.° do [CIRS]), com as alterações introduzidas […] [com aditamento dos n.ºs 9 e 10 ao artigo 72.° do referido Código], por forma a permitir que as mais‑valias resultantes da alienação de imóveis situados num Estado‑Membro (Portugal), por um residente de um outro Estado‑Membro da União [...] (França) não fiquem sujeitos, por opção, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais‑valias realizadas por um residente do Estado onde estão situados os imóveis?»”.

 

Tendo decidido que “O artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro que, para permitir que as mais‑valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado‑Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado‑Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais‑valias realizadas por um residente do primeiro Estado‑Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.”.

 

                De harmonia com a jurisprudência citada, que aqui se acolhe, conclui-se pela ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2018, determinando-se a sua anulação parcial, nos termos peticionados.

 

                Procedendo a pretensão anulatória do Requerente, procede igualmente o pedido de restituição do imposto pago em excesso, da quantia de € 6 209,00, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, da LGT, 61.º, do CPPT e 24.º, do RJAT.  

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se:

a.            Declarar a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2019 …, referente ao ano de 2018, determinando a sua anulação parcial, pela quantia de € 6 209,00;     

b.            Condenar a Requerida na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros, nos termos legais;

c. Condenar a Requerida nas custas processuais, com exclusão das custas de parte, por não se encontrarem previstas no Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 6 209,00 (seis mil, duzentos e nove euros).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

               

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de maio de 2021

 

O Árbitro,

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.