SUMÁRIO:
I. Um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente.
II. O mesmo serviço de acompanhamento nutricional, na falta de indicação de que é prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde e, portanto, com uma finalidade terapêutica, não é suscetível de ser abrangido pela isenção prevista no artigo 9.º, 1), do Código do IVA.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
1. No dia 21 de fevereiro de 2020, A…, LDA., NIPC ………, com sede na Rua ….., ….., São João da Madeira (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), tendo em vista a apreciação da legalidade das liquidações adicionais de IVA n.ºs 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ……….e 2019 ………., das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………. e 2019 ………. e das demonstrações de acertos de contas n.ºs 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………., 2019 ………. e 2019 ………., todas referentes aos anos de 2016 e 2017.
A Requerente juntou 4 (quatro) documentos e arrolou 5 (cinco) testemunhas, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente alega, nuclearmente, o seguinte que passamos a citar:
«- A Requerente dedica-se, e dedicava-se em 2016 e 2017, à prestação de serviços relacionados com o desporto, disponibilizando aos seus clientes um espaço (adiante designado por “Health Club”) composto por receção, estúdios, sala de musculação e gabinetes de nutrição, avaliação física e fisioterapia.
- Para frequência do estabelecimento da Requerente, os clientes tornavam-se sócios do mesmo, mediante a celebração de um contrato de adesão, nos termos do qual são acordados os serviços a prestar e/ou a disponibilizar pela Requerente e o valor devido pelos mesmos.
- (…), a Requerente apostou por disponibilizar aos seus clientes uma rede de serviços globais assente numa tripla componente vocacionada para a saúde e bem-estar: musculação, recuperação física e nutrição.
- (…) uma vez definidos os serviços que o cliente pretende usufruir do Health Club da Requerente, é determinado o valor anual, o qual é cobrado mensalmente pela Requerente.
- Por força da panóplia de serviços prestados e disponibilizados aos seus clientes, a Requerente registou-se junto da Entidade Reguladora da Saúde, de forma a cumprir com as obrigações formais necessárias à prestação dos serviços de nutrição (…).
- A atividade de nutrição (consultas e acompanhamento) é prestada nas instalações da Requerente, mais propriamente no gabinete de nutrição.
- (…) os conselhos de nutrição, tempo das consultas, período entre consultas agendadas pelos clientes/sócios, como não poderia deixar de ser, é gerido livremente pelas nutricionistas responsáveis por tais serviços.
- (…) a Requerente dispõe de diversos tipos de acesso e de utilização dos serviços que presta com diferentes graus de abrangência, existindo vários conjuntos/pacotes de serviços.
- Há casos em que os pacotes/cartões incluem o serviço de apoio nutricional e outros não, sendo os clientes livres de fazer as suas opções, inclusive de optar pelos serviços de aconselhamento/consultas de nutrição.
- O cliente/sócio pode usufruir apenas da componente de ginásio ou apenas da componente de nutrição ou de ambos.
- Os contratos celebrados com os clientes incluem: acesso dos clientes ao ginásio tendo em conta a periodicidade contratada, avaliações/reavaliações físicas aos clientes e acesso dos clientes às várias aulas/modalidades promovidas pelo ginásio.
- A não frequência de uma dessas modalidades, por exemplo, não implica uma redução da mensalidade ou o seu não pagamento.
- Todos os clientes que subscreveram cartões/tarifários que incluíam apoio nutricional, têm mencionado nas faturas emitidas pela Requerente, como consequência do desdobramento da mensalidade, uma parte relativa a Acompanhamento Nutricional, e outra relativa ao serviço do ginásio propriamente dita, sujeita à taxa normal de IVA.
- Nos casos em que o cliente/sócio não subscreve a componente de nutrição, a Requerente cobrava IVA à taxa normal de 23%.
- (…) não pode constituir obstáculo à isenção [prevista no artigo 9.º, 1), do Código do IVA] o facto de os serviços previstos no contrato poderem vir a não serem efetivamente prestados aos clientes da Requerente que aderiram ao contrato, mas não os utilizam, uma vez que os serviços se consideram prestados com a disponibilização, como é, aliás, entendimento consolidado do TJUE.
- (…) a Requerente presta nas suas instalações múltiplos serviços, todos relacionados com a manutenção de um estilo de vida saudável e bem-estar, como a atividade física, a nutrição ou o SPA.
- (…), sem prejuízo daqueles serviços terem um denominador em comum, a conjugação dos diversos serviços é complementar e nunca acessória, desde logo por estarmos perante prestações de serviços completamente autónomas e de existirem independentemente umas das outras.
- (…), é imperioso concluir-se pela não acessoriedade das consultas de nutrição prestadas pela Requerente relativamente aos serviços de utilização de instalações desportivas e, em consequência, pela aplicabilidade da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, enfermando os atos tributários impugnados de erro de direito, pelo que devem ser anulados.
- Mais alegam os SIT que, na prática, o que está em causa é a mera disponibilização dos serviços de aconselhamento e acompanhamento técnico na área da nutrição e não a realização de consultas.
- Em face do exposto, temos que os SIT afirmam que a ora Requerente serviu-se dos contratos com os seus clientes para, ao introduzir serviços de nutrição, beneficiar de uma isenção de IVA e com isso obter vantagens no preço praticado.
- A ser verdade, o que não é, então faltou aos SIT invocar a norma aplicável: o n.º 2 do artigo 38.º da LGT, ou seja, a Cláusula Geral Anti Abuso (“CGAA”). (…)
- Acresce que, o recurso – ainda que encapotado – ao disposto no n.º 2 do artigo 38.º da LGT implicava que os SIT tivessem adotado e implementado o procedimento especial previsto no artigo 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT), o que não aconteceu.
- Os SIT, como resulta da fundamentação constante do Relatório da Inspeção Tributária, considerou que a Requerente usufruiu de forma indevida de uma isenção de IVA através da desagregação dos preços contratualizados com os clientes em duas parcelas distintas, com regimes de IVA diferenciados, considerando tal uma prática abusiva, porque com tal tributação separada ela passou a ter o direito à isenção do IVA nos termos do número 1 do artigo 9.º CIVA, direito que, de outro modo, não teria.
- E, em consequência desse juízo de prática abusiva, desconsiderou a existência das referidas faturas.
- Em face do exposto, (…), serem anulados os atos tributários em crise nos presentes autos, por violação do disposto nos artigos 38.º da LGT e 63.º do CPPT.»
3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e notificado à AT em 28 de fevereiro de 2020.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 6 de julho de 2020, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 5 de agosto de 2020.
5. No dia 28 de setembro de 2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual suscitou a questão da suspensão da instância até à decisão pelo TJUE do processo C-581/19, decorrente do pedido de reenvio prejudicial deduzido no âmbito do processo arbitral n.º 504/2018-T, e impugnou os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).
A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação que passamos a citar:
«- Em suma, concluíram os SIT que os serviços prestados a título de consultas de nutrição, aqui em apreço, estão sujeitos a IVA e dele não isentos.
- E assim o considerou por duas razões distintas, sendo uma a acessoriedade dos serviços de nutrição em relação aos de ginásio, pelos motivos expostos no RIT e que levam a que se deva considerar que todos os serviços prestados mediante uma retribuição única, devam ser considerados como fazendo parte de uma operação complexa única cuja decomposição se revestiria de uma carácter artificial, estando por via disso toda a operação sujeita e não isenta de IVA, por ser a prestação principal (ginásio) sujeita e não isenta e, outra, que ao serem os serviços de nutrição meramente disponibilizados e, não tendo logrado a Requerente demonstrar ter prestado as consultas que faturou, não pode o serviço de mera disponibilização da nutrição beneficiar da isenção em questão.
- (…) os serviços só poderão beneficiar da isenção se forem prestados e por profissionais habilitados.
- (…) o facto de os destinatários dos serviços não os procurarem e, na esmagadora maioria dos casos, não serem efectivamente prestados, evidencia que os serviços em questão não têm um fim terapêutico.
- E não sendo efectivamente prestado qualquer serviço, por maioria de razão se entenderá que não são efectuadas quaisquer práticas terapêuticas, não podendo por via disso aplicar-se a isenção em apreço.
- Apenas as consultas efectivamente prestadas e que tenham o objetivo de prevenir ou tratar um problema de saúde, poderão beneficiar de tal isenção.
- Assim sendo, para que tal isenção fosse aplicada, sempre teria de ter a Requerente alegado e provado tal objectivo, por parte dos seus clientes, na contratação de tais serviços, bem como que todos os serviços de nutrição facturados com aplicação da isenção refletiam consultas efectivamente prestadas.
- (…) o objetivo de prevenir ou tratar problemas de saúde não foi demonstrado pela Requerente e, relativamente à efectividade da prestação das consultas, pelo contrário, ficou cabalmente demonstrado que a maioria dos serviços faturados não tiveram correspondência a consultas efectivamente prestadas.
- Afigura-se que deve ser tida em conta no processo em apreço a pendência do pedido de reenvio prejudicial relativo ao processo n.º 504/2018-T, que deu entrada no TJUE em 2019-07-31 (processo C-581/19 – caso Frenetikexito) e que versa sobre matéria de facto análoga, que deveria assim servir de justificação para uma suspensão da presente instância até à Decisão que se venha a tomar no TJUE, o que desde já se requer.
- Foram, assim, formuladas as seguintes questões:
“i) Nas hipóteses em que, como sucede nos autos, uma sociedade:
a) se dedica a título principal a atividades de manutenção e bem-estar físico e, a título secundário, a atividades de saúde humana, entre elas nutrição, consultas de nutrição e de avaliação física, bem como realização de massagens;
b) disponibiliza aos seus clientes planos que incluem apenas serviços de fitness e planos que incluem serviços de fitness e nutrição, deverá, para efeito do disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. c) da Diretiva 2006/112/CE, de 28/11, considerar-se que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, é acessória da atividade de manutenção e bem-estar físico, devendo, assim, ter a prestação acessória o mesmo tratamento fiscal da prestação principal ou deverá considerar-se, ao invés, que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, e a atividade de manutenção e bem-estar físico são independentes e autónomas entre si, devendo ser-lhes aplicável o tratamento fiscal previsto para cada uma dessas atividades?
ii) A aplicação da isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, al. c) da Diretiva 2006/112/CE, de 28/11, pressupõe que os serviços aí consignados sejam efetivamente prestados ou a mera disponibilização dos mesmos, de forma a que a sua utilização esteja unicamente dependente da vontade do cliente, é suficiente para aplicação desta isenção?”
- (…) no caso em apreço, por já ter sido promovido o reenvio sobre questão manifestamente idêntica, no âmbito de outro processo, significa que se deve suspender a instância até à decisão do TJUE no reenvio promovido. (…)»
6. A Requerente, notificada para o efeito, pronunciou-se relativamente à questão da suspensão da instância até à decisão pelo TJUE do processo C-581/19, decorrente do pedido de reenvio prejudicial deduzido no âmbito do processo arbitral n.º 504/2018-T, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
7. Em 18 de novembro de 2020, foi realizada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo-se, ainda, procedido à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente; nessa mesma ocasião, foi proferido o despacho que aqui se dá por inteiramente reproduzido, nos termos do qual foi determinada a suspensão da instância até que fosse decidido pelo TJUE o processo C-581/19, decorrente do pedido de reenvio prejudicial deduzido no âmbito do processo arbitral n.º 504/2018-T (artigos 269.º, n.º 1, alínea c) e 272.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
8. Em 8 de abril de 2021, a Requerida juntou aos autos o acórdão prolatado pelo TJUE no processo C-581/19 e, sequentemente, foi proferido o despacho que aqui se dá por inteiramente reproduzido, nos termos do qual foi determinado o prosseguimento dos autos, concedido prazo para as partes, querendo, apresentarem alegações escritas e indicado o dia 20 de maio de 2021 como data previsível para a prolação da decisão arbitral.
9. Ambas as partes apresentaram alegações escritas, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, nas quais essencialmente reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.
II. SANEAMENTO
10. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos tributários atinentes a IVA e juros compensatórios, sendo peticionada a declaração de ilegalidade e a anulação de cada um deles –, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).
Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
11. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade por quotas com sede e direção efetiva em território português, enquadrada em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral e que no âmbito da sua atividade comercial se dedica fundamentalmente ao exercício da atividade com o CAE 93130 – Atividades de ginásio (fitness), desenvolvendo secundariamente a atividade com o CAE 56304 – Outros estabelecimentos de bebidas sem espetáculo, com o CAE 86906 – Outras atividades de saúde humana e com o CAE 47640 – Comércio a retalho de artigos de desporto, campismo e lazer em estabelecimentos especializados.
b) Nos anos de 2016 e 2017, tal como atualmente, a Requerente presta serviços relacionados com o desporto, disponibilizando aos seus clientes um espaço composto por receção, estúdios, sala de musculação e gabinetes de nutrição, avaliação física e fisioterapia (doravante designado por health club).
c) Para frequência do health club da Requerente, os clientes tornam-se sócios do mesmo, mediante a celebração de um contrato de adesão, nos termos do qual são acordados os serviços a prestar e/ou a disponibilizar pela Requerente e o valor devido pelos mesmos.
d) Os contratos celebrados entre a Requerente e os seus clientes incluem o acesso destes ao health club tendo em conta a periodicidade contratada, as respetivas avaliações/reavaliações físicas e o acesso às várias aulas/modalidades ali promovidas pela Requerente.
e) No que diz respeito ao valor que os clientes pagam pelos serviços, este depende de vários elementos que devem ser analisados em conjunto, sendo os mais relevantes os seguintes: pack de serviços adquiridos e a aceitação ou não de um período de fidelização.
f) A cada cliente da Requerente cabe, mediante os serviços colocados à sua disposição, decidir que tarifário mais se adequa a si e se usa todos, ou parte, dos serviços que a Requerente coloca à sua disposição e, uma vez definidos os serviços que o cliente pretende usufruir no health club, é determinado um valor anual, o qual é cobrado mensalmente pela Requerente.
g) A não frequência de uma qualquer modalidade promovida no health club da Requerente, por parte dos respetivos clientes, não implica uma redução da mensalidade ou o seu não pagamento.
h) A Requerente apostou em disponibilizar aos seus clientes uma rede de serviços globais assente numa tripla componente vocacionada para a saúde e bem-estar – musculação, recuperação física e nutrição –, que é concretizada através das seguintes atividades: musculação, exercícios de resistência e aulas de grupo – fitness; treino acompanhado por um preparador físico – personal trainer; sauna, jacuzzi, banho turco; e nutrição. [cf. depoimentos das testemunhas B…. e C……]
i) A Requerente dispõe de diversos tipos de acesso e de utilização dos serviços que presta com diferentes graus de abrangência, existindo vários conjuntos/pacotes de serviços, alguns incluindo o serviço de apoio nutricional e outros não, sendo os clientes livres de fazerem as suas opções, inclusivamente de optarem pelos serviços de aconselhamento/consultas de nutrição. [cf. depoimentos das testemunhas D…, E…., B… e C…]
j) É possível aos clientes da Requerente optarem pelas modalidades que preferirem – por exemplo, se preferirem podem beneficiar apenas de aulas de natação ou do espaço dedicado ao ginásio – e podem usufruir apenas da componente de ginásio ou apenas da componente de nutrição ou de ambas. [cf. depoimentos das testemunhas B…. e C….]
k) Aos clientes que subscreveram pacotes de serviços que incluem apoio nutricional, a Requerente emitiu faturas nas quais mencionou separadamente, como consequência do desdobramento da mensalidade, a parte relativa a acompanhamento nutricional e a parte relativa ao serviço do ginásio propriamente dito, esta última sujeita à taxa normal de IVA. [cf. PA]
l) A Requerente registou-se junto da Entidade Reguladora da Saúde, de forma a cumprir com as obrigações formais necessárias à prestação dos serviços de nutrição. [cf. documento n.º 4 anexo ao PPA]
m) A atividade de nutrição (consultas e acompanhamento) é prestada no health club da Requerente, mais concretamente no gabinete de nutrição.
n) A Requerente contratou os serviços das nutricionistas Dra. D…, titular da cédula profissional n.º …. – no período compreendido entre 2012 e agosto de 2016 – e Dra. E…, titular da cédula profissional n.º …. – no período compreendido entre setembro de 2016 de junho de 2019 – para a prestação dos serviços de nutrição. [cf. PA e depoimentos das testemunhas D…. e E…..]
o) As consultas de nutrição são realizadas sob pré-marcação, não existindo um horário pré-definido e têm uma duração que varia consoante as necessidades e a frequência do paciente. [cf. depoimentos das testemunhas D…., E….. e F…]
p) As consultas de nutrição são geridas livremente pelas nutricionistas contratadas pela Requerente, designadamente quanto aos conselhos de nutrição, ao tempo das consultas e ao período entre consultas agendadas pelos clientes da Requerente. [cf. depoimentos das testemunhas D…., E…. e F…..]
q) Nos anos de 2016 e 2017, a maioria dos clientes da Requerente eram sócios do health club com componente de nutrição.
r) Nos anos de 2016 e 2017, foram prestadas no health club da Requerente, respetivamente, 529 e 1.252 consultas de nutrição. [cf. PA]
s) Apenas metade das consultas de nutrição referidas no facto provado anterior foram prestadas a clientes da Requerente com uma finalidade terapêutica, por padecerem de patologias para cujo tratamento era necessária a intervenção na vertente nutricional. [cf. depoimentos das testemunhas D…. e E….]
t) A coberto das Ordens de Serviço n.ºs OI2018…. e OI2018…., a Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, de âmbito parcial, extensivo aos anos de 2016 e de 2017, consubstanciando um «Procedimento de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários», o qual foi realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Aveiro e culminou com a elaboração do respetivo Relatório de Inspeção Tributária (doravante, RIT) que aqui se dá por inteiramente reproduzido, do qual importa destacar os seguintes segmentos [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA e PA]:
«I. Conclusões da Ação de Inspeção
IVA – Imposto em falta ……………………………………………………. € 54.511,29
(…)
III. Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas
III.1. Em sede de IVA liquidado
III.1.1. Nutrição
III.1.1.1. Enquadramento e factos relevantes
(…) a empresa que é um comum ginásio, inscreve nas suas declarações periódicas de IVA dos anos em análise, valores isentos, justificando que, na esmagadora maioria, estão relacionados com acompanhamento nutricional.
III.1.1.2. Contrato de fidelidade
A empresa vincula os seus clientes via contrato de fidelidade com pagamento por débito bancário. Solicitado um exemplo de tal contrato, foi fornecido um contrato datado de 26 de fevereiro de 2016 (anexo 3) que é composto por 8 cláusulas.
A cláusula primeira identifica o ginásio que se descreve como uma empresa situada em São João da Madeira
A cláusula primeira identifica o ginásio que se descreve como empresa situada em São João da Madeira e um estabelecimento destinado à prática desportiva, nomeadamente ginástica, natação, musculação e artes marciais. A cláusula segunda aborda os direitos adquiridos pelo cliente nomeadamente o direito de frequentar, dentro dos horários fixados, atividades de piscina regime livre, hidroginástica, hidrobike, ginásio, aulas de grupo, musculação e cardiofitness, Spa, sauna, banho turco e jacuzzi.
A cláusula terceira refere-se apenas à duração do contrato, a quarta à renovação automática e a cláusula quinta ao preço e data de pagamento. A cláusula sexta refere-se a fidelização do contrato e obrigação de pagamento quer se verifique frequência, ou não, das atividades.
Por último, a cláusula sétima refere-se à desoneração do pagamento, desde que ocorra a impossibilidade da frequência por motivo de saúde devendo tal justificação ser comprovada e a cláusula oitava refere a atualização da mensalidade.
Nada é referido quanto ao acompanhamento nutricional, sinal de que essa não é a atividade principal do ginásio, demonstrando não ter importância suficiente para que seja relevada em contrato.
Solicitado um contrato usado na atualidade (anexo 4) foi fornecido um modelo em branco.
Apontar apenas que, na cláusula primeira, onde é identificado o prestador do serviço é adicionada a expressão “prática desportiva com acompanhamento nutricional”, sendo ainda anexado ao contrato principal um contrato complementar para o acompanhamento nutricional, designado “contrato de prestação de serviços de consulta e aconselhamento nutricional”, que define na sua cláusula segunda que o contrato se considera celebrado com a mesma data e vigência do contrato de ginásio, que na sua cláusula terceira (com uma redação muito confusa e até contraditória) refere que o serviço de aconselhamento é cobrado de acordo com o preço único praticado, não obstante ser uma prestação distinta do exercício físico, estando, no entanto, os serviços (nutrição) incluídos no contrato de adesão celebrado para efeito de exercício físico, discriminando um preço para cada componente.
A cláusula oitava refere a obrigatoriedade de pagamento do acompanhamento nutricional, referindo que fica ao critério do cliente o benefício das consultas de nutrição.
É evidente que estas alterações não são dissociáveis do procedimento de inspeção aos anos de 2014 e 2015.
III.1.1.3. Identificação dos profissionais e seu exercício no período temporal
Identificadas que foram as profissionais nutricionistas que exerceram funções no ginásio no biénio 2016/2017, concretamente, D… (…) cédula profissional n.º …., que exerceu de janeiro a julho de 2016 e E…., (…) cédula profissional n.º ….., que exerceu de setembro de 2016 a dezembro de 2017 aparentemente com o interregno de agosto de 2017, sendo que também não se verifica prestação de serviços de nutrição no mês de agosto de 2016, tudo nisto segundo aplicação informática de emissão de faturas recibo, vulgo recibos verdes. (…)
Releve-se que, embora não haja prestadoras de serviços de nutrição em agosto, o sujeito passivo não deixou de faturar as prestações de serviços de acompanhamento nutricional nesse mês.
III.1.1.4. Relação desmesurada entre nutrição vs outros indicadores
Tendo em conta os valores de prestações de serviços isentas e comparando-os com os valores pagos às nutricionistas, apresentam-se as margens de lucro virtuais:
Valores em euros
2016 2017
Prestações de serviços de nutrição 117.680,90 119.324,69
Gastos com nutricionistas 3.850,00 3.850,00
Margem de lucro 2.957% 2.999%
Analisando a questão pela perspetiva dos gastos correntes, veja-se a proporção entre os gastos diminutos incorridos com nutricionistas, comparados com gastos gerais com pessoal e fornecimentos e serviços externos, cujos valores foram retirados da demonstração de resultados, constante da declaração de informação contabilística e fiscal (IES):
Valores em euros
2016 2017
Fornecimentos e serviços externos (FSE) 228.029,72 194.813,20
Gastos com pessoal 75.174,03 93.704,68
Total 303.203,75 288.517,88
Gastos com nutricionistas 3.850,00 3.850,00
% gastos com nutricionistas / total gastos (FSE + gastos c/pessoal) 1,27% 1,33%
Por outro lado, tendo em conta o n.º de profissionais que exerceram funções ligadas às operações de ginásio e nutrição e todos os valores que a empresa suporta com esses mesmos recursos humanos (…), veja-se a proporção, em primeiro lugar, entre os recursos humanos afetos à nutrição versus total de recursos humanos:
2016 2017
Número de funcionários/prestadores de serviços 30 29
Nutricionistas 1 1
% nutricionistas / total funcionários e prestadores de serviços 3,34% 3,45%
% restante pessoal / total funcionários e prestadores de serviços 96,66% 96,55%
Seguidamente com os valores despendidos com esses mesmos recursos humanos:
Valores em euros
2016 2017
Valores despendidos com recursos humanos (Cat. A e B) 126.091,94 128.679,57
Valores despendidos com nutricionistas 3.850,00 3.850,00
% valor despendido c/nutricionistas / total valor despendido com recursos humanos
3.05%
2,99%
(…)
Ora, pelos valores que atribui às duas componentes do rédito (isento e tributado) pode constatar-se que a atividade de ginásio, tendo por base as declarações, é deficitária, os valores decorrentes das vendas não suportam os gastos. Já a atividade de nutrição é altamente lucrativa.
Este cenário declarativo não reflete, obviamente, a realidade operacional da empresa, muito menos a verdade material. Ele visa apenas por via de um mecanismo de formação de preço, a diminuição das bases tributáveis em imposto sobre o valor acrescentado, por via da pretensa transmissão isenta de prestações de serviços de nutrição, que conforme a seguir se verificará, não se coaduna em número com as consultas de nutrição efetivamente prestadas.
III.1.1.5. Do número de consultas efetivamente prestadas
Quanto às consultas de acompanhamento nutricional propriamente ditas, o sujeito passivo forneceu listagens das mesmas. Relativamente ao período entre janeiro de 2016 e setembro de 2017 existe apenas um conjunto de folhas manuscritas com nomes de clientes (anexo 6), com uma data e a assinatura dos mesmos. Segundo o gerente trata-se da primeira consulta. Nada mais foi fornecido além disto por não existir não havendo assim qualquer tipo de suporte nem qualquer tipo de registo das ações efetuadas nas consultas, apenas existe uma espécie de “folha de presença”.
A partir do mês de outubro de 2017, passam a ser elaborados em computador listagens com mais alguma informação (anexo 7). É registado o dia e a hora, o tipo de consulta (se se trata de uma primeira consulta ou uma consulta de seguimento), é também aposto o número de sócio, o nome do cliente e é descrita a área de intervenção, que não vai além de uma destas pequenas referenciações: “recomendações gerais”, “esclarecimento de dúvidas”, “manutenção”, “plano nutricional” e avaliação antropométrica. Mas, ao contrário da tipologia anterior, não tem qualquer confirmação do eventual beneficiário, isto é, não estão assinadas.
Esta alteração na forma de registo é contemporânea com o procedimento de inspeção aos anos de 2014 e 2015.
Ora, trata-se em qualquer dos casos de informação muito parca, para suportar uma isenção, simples folhas de presença, mais ou menos elaboradas, sem qualquer suporte adicional, que evidencie o exercício objetivo e factual da profissão em determinado momento concreto, que determine a isenção de imposto.
Veja-se o pretenso número de consultas ano, de acordo com os suportes documentais fornecidos (anexos 6 e 7):
Consultas de nutrição
Ano 2016 2017 Total
N.º de ocorrências 529 1252 1781
Temos a alegada prestação de 1781 consultas e a existência de 14086 acompanhamentos nutricionais faturados (apurados no “e-fatura” em 11.3.8. via “valores balanceados” e confirmados no SAF-T fornecido pelo SP, via contabilização do artigo “acompanhamento nutricional”), que, mesmo sem qualquer análise à validade e substância dos documentos, se cingiria a 12,64%.
Pelos registos apresentados a partir de setembro de 2017 (anexo 7) a nutricionista, está no ginásio cinco dias por semana, mas, em cada dia apenas, ou no período da manhã ou no período da tarde, o que equivale a dois dias e meio semanais.
Assim, a nutricionista trabalhou 11 meses (em agosto não emite fatura recibo). Isso equivaleria a 48 semanas anuais, 96 no biénio. Transformando um período do dia em dias completos, teríamos 240 dias (2,5 dias x 48 semanas x 2 anos). Ora a empresa fatura 14086 prestações de serviço de acompanhamento nutricional, isentos de IVA, no biénio 2016/2017.
Por outro lado, uma recente norma de orientação da ordem dos nutricionistas, A NOP 002/2019, que se encontra em consulta pública até 14 de agosto de 2019 e que se refere à “atuação do nutricionista em estabelecimentos destinado à prática do exercício físico e desporto” (anexo 8), preconiza que uma primeira consulta deve ter um espaço de agenda de 60 minutos e as seguintes de 30 minutos.
Em abstrato se a empresa prestou 14086 serviços de acompanhamento nutricional, em 240 dias, 8 horas de trabalho, isso quer dizer que realizou 59 consultas dia a uma média de 7 consultas por hora, sem intervalos, sem perdas de tempo, sem contar com a flutuação da frequência no ginásio que tem picos de frequência, normalmente ao fim da tarde.
Refere ainda aquele documento em discussão que “o preço da consulta deve representar uma retribuição justa não podendo incluir de forma direta ou indireta a comercialização de qualquer género ou produto alimentar, suplemento ou outros”.
Regra geral, apenas uma pequena parte dos clientes aproveita este serviço disponibilizado pelo ginásio e muito menos ainda, dá continuidade, usufruindo de um acompanhamento mensal. Este serviço poderia ser apelidado de uma componente que proporciona uma natureza de maior qualidade/diversidade ao serviço prestado pelo ginásio, não tendo natureza de ramo independente, nem em caso algum, a possibilidade de ter reflexo tão exponenciado em termos declarativos.
Não pretendendo pôr em causa quaisquer princípios de liberdade económica e da autonomia privada, o cenário declarativo não tem qualquer paralelo com o contexto das operações e é em si mesmo irracional, assim como é desvirtuador da disciplina do IVA.
Citando Filipe Duarte Neves in Código do IVA - legislação complementar - Vida Económica 2010 folhas 178, as “isenções (...) respeitam a situações em que o legislador entendeu benefício da isenção de IVA por razões de natureza social, cultural e económica ou técnica. Em alguns casos, a concessão da isenção carece de reconhecimento prévio, e, naturalmente da verificação e manutenção de alguns pressupostos (…) na medida em que as isenções de IVA constituem exceções à mecânica e funcionamento do IVA, devem ser interpretadas e aplicadas de forma restrita tendo em atenção que o IVA é um imposto tendencialmente neutro, ou seja, deve operar através do mecanismo de liquidação e dedução”.
De resto, não há, nem poderia haver qualquer nexo de causalidade entre os acompanhamentos e os valores faturados, dado o balanceamento generalizado a grande parte dos clientes.
III.1.1.6. Do enquadramento legal vigente da isenção
A disciplina restrita do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, fundamento legal principal, delimitante e absolutamente contundente no caso aqui em apreço, dispõe no sentido de que, “estão isentas de imposto, as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”, situação ainda mais evidente na redação da alínea c), do n.º 1, do artigo 132.º da Diretiva do Conselho 2016/112/CE (Diretiva do IVA), que é igualmente taxativa, quando dispõe que a isenção de IVA se aplica “Às prestações de serviço de assistência efetuadas no âmbito do exercício das profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado Membro em causa”.
Prosseguindo com o enquadramento legal, a AT, já se pronunciou acerca desta matéria, tendo emitido em 2015-08-19, a ficha doutrinária 9215, relativamente às prestações de serviço de nutrição e seu enquadramento na isenção do n.º 1, do artigo da qual se transcrevem excertos aplicáveis:
“Nos termos da alínea i) do artigo 9.º do Código do IVA (CIVA) estão isentas de imposto as “prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.
No que respeita às atividades paramédicas, dado que não existe no CIVA um conceito que as defina, há que recorrer ao Decreto-Lei n.º 261/93 de 24 de julho, bem como ao Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto (ambos do Ministério da Saúde), uma vez que são estes dois diplomas que contêm si os requisitos a observar para o exercício das respetivas atividades.
Em conformidade com o estabelecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto, ambos os diplomas visam prosseguir a proteção da saúde dos cidadãos, enquanto direito social constitucionalmente consagrado “(…) através de uma regulamentação das atividades técnicas de diagnóstico e terapêutica que condicione o seu exercício em geral, quer na defesa do direito à saúde, proporcionando a prestação de cuidados por quem detenha habilitação adequada, quer na defesa dos interesses dos profissionais que efetivamente possuam os conhecimentos e as atitudes próprias para o exercício da correspondente profissão”.
Neste sentido determina o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, que as atividades paramédicas são as constantes da lista anexa ao citado diploma, do qual faz parte integrante, e compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação.
É, ainda, condição essencial para o exercício destas atividades profissionais de saúde e determinante para a atribuição da isenção prevista na alínea i) do artigo 9.º do CIVA, a verificação de determinadas condições, nomeadamente a titularidade de curso, obtido nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto.
A referida lista anexa ao Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, prevê no seu item 5 a atividade de Dietética. De acordo com a descrição ali prevista, esta atividade compreende a “Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares”.
A atividade de nutricionista enquadra-se na descrição prevista para o exercício da atividade de “dietética” prevista nos Decretos-Lei anteriormente citados, pelo que tem sido entendimento da AT que as prestações de serviços efetuadas por nutricionistas podem ser abrangidas pela isenção prevista na alínea i) do artigo 9.º do CIVA, desde que estejam cumpridas as condições enumeradas nos referidos diplomas e se refiram a operações abrangidas pelo item 5 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93.
Nesse pressuposto, os serviços prestados por dietistas, bem como, por nutricionistas, quer sejam prestados diretamente ao utente quer sejam prestados a uma qualquer entidade com quem contratualizem os seus serviços, são abrangidos pela isenção prevista na alínea i) do artigo 9.º do CIVA. (…)”
“(…) Deste modo, as prestações de serviços de nutrição que venham a ser realizadas pela requerente, sendo por esta faturados diretamente aos utentes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea i) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam asseguradas por profissionais (dietistas e nutricionistas) habilitados para o exercício dessa atividade, nos termos da legislação aplicável. Neste caso, nas faturas a emitir aos utentes deve constar a referência à citada isenção (...).”
“(…) Passando a exercer simultaneamente operações sujeitas que conferem direito a dedução do imposto suportado e operações isentas que não conferem tal direito a requerente passa a considerar-se, para efeitos de IVA, um sujeito passivo misto, devendo esta condição ser assinalada na declaração de alterações a entregar.
Para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços, deve atender à disciplina do artigo 23.º do CIVA no que respeite aos bens e serviços que utilize simultaneamente nas atividades que exerce (tributadas e isentas), devendo indicar qual o método de dedução a utilizar: método de percentagem de dedução, denominado pro rata, ou o método da afetação real.”
Tal como destacado, nos terceiro e quarto parágrafos imediatamente anteriores, seriam considerados os valores refletidos aos clientes das efetivas prestações de serviço efetuadas aos mesmos, o que em rigor seria a faturação das consultas/acompanhamentos, neste caso, a serem validados e corretamente documentados, dos 1781 acontecimentos que ocorreram no biénio 2016/2017.
Acrescentar que é comum a interpretação da informação vinculativa 9215, no sentido que à luz da mesma não resulta que as prestações tenham que ser efetivas.
O que se verifica na informação vinculativa, lendo os parágrafos com a epígrafe “do pedido” (pedido de enquadramento do sujeito passivo que solicitou a informação), as questões levantadas estão sempre relacionadas com a “realização do serviço”, pelo que a resposta e enquadramento, têm em consideração esse pressuposto. Portanto, a informação vinculativa 9215 foi solicitada para enquadramento genérico da nutrição nos ginásios (pontos 1 a 5 da mesma), nunca a este esquema de decomposição de preço instaurado pelo sujeito passivo na sua faturação e, o enquadramento da AT feito naquela, é abstrato e cinge-se a dois pilares: que os serviços sejam prestados por nutricionistas e que as entidades associem CAE consentâneo. Mas, mesmo assim, sendo a informação direcionada, fundamentalmente, para o enquadramento genérico e abstrato da nutrição em ginásios, o ponto 17, lembra a disciplina limitadora do IVA e refere que "esta isenção refere-se ao exercício objetivo das atividades".
Também a ficha doutrinária/informação vinculativa 2962 de 2012-04-18 aborda precisamente uma situação semelhante, mas noutra ótica.
Veja-se; uma nutricionista, que presta serviços de vária natureza a uma entidade, (estudar alimentos, supervisionar a qualidade na aquisição, elaborar ementas, estar atenta às condições de higiene e segurança alimentar, prescrever dietas individuais, etc.) e solicitou esclarecimento sobre o enquadramento em sede de IVA. Repare-se que apenas o ramo dietética está abrangido pela isenção.
O entendimento daquela ficha doutrinária é de que “...a atividade de nutricionista pode beneficiar da isenção consignada no n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, desde que o seu exercício se enquadre na descrição prevista no item 5 do anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93, para a atividade de dietética”, mas “… uma vez que não se pode individualizar as operações realizadas pela consulente no âmbito do contrato de prestação de serviços que celebrou com a instituição, deve proceder, por todos os serviços efetuados, à liquidação do imposto à taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA (23%)”.
Assim, mais uma vez, a interpretação subjacente à consideração ou não dos valores isentos está sempre assente na obrigatoriedade da individualização os serviços de dietética, únicos que poderão beneficiar de isenção. A falta de individualização dos valores faturados de forma genérica aos clientes, decorrente de “modus operandi” adotado pela empresa, obriga à liquidação do IVA à taxa normal.
Ora, sabe-se que o mecanismo é o da faturação indiferenciada de acompanhamento nutricional, tendencialmente à generalidade dos clientes.
Para terminar, se em termos comerciais é admitida a comercialização de pacotes de serviços, com benefícios para o cliente, como por exemplo um pacote de telecomunicações com Televisão + Internet + Voz, sobre todos eles incidindo IVA à taxa de 23%, o mesmo raciocínio, como o aqui presente, onde o sujeito passivo comercializa um plano incluindo dois serviços, que é parcialmente isento de imposto, não se pode aplicar às situações onde há serviços sujeitos à disciplina do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, uma vez que este dispositivo legal circunscreve a isenção ao exercício de determinadas profissões, isto é, só beneficiam da isenção atos concretos, acontecidos ou que têm que acontecer e nunca a uma possibilidade de tal serviço ser livremente usufruído ou não. E é neste pressuposto simples e de fácil leitura, interpretação e compreensão, que reside toda a diferença. A fronteira delimitante da isenção, é o exercício concreto e efetivo de determinadas profissões e nunca mais que isso. É de facto uma redação absolutamente objetiva e restritiva.
Exemplificando com um exemplo absurdo, mas que espelhará a real dimensão do que sempre se pretende aqui espelhar. Se o aqui sujeito passivo optasse, pela comercialização de um plano conjunto onde o preço da mensalidade fosse estipulado em €100,00 (acrescido de IVA), sendo que, optava por formar o preço, atribuindo 99% do preço a acompanhamento nutricional e 1% à frequência do ginásio, quer isto dizer que entregaria sobre esta mensalidade de €100,00, apenas €0,23 cêntimos de IVA, sendo que explora um ginásio e apenas uma parte reduzida de clientes iria a uma consulta de nutrição. Não faria sentido e a situação aqui em análise, em abstrato, é a mesma, apenas a percentagem isenta difere, daí a importância da fronteira delimitante da isenção ao exercício da profissão, tão profusamente referida no presente projeto de relatório.
(…)
III.1.1.9. Afetação real de parte dos bens/serviços
Como referido em II.3.5.4., o sujeito passivo é desde 2010-11-19 da tipologia “misto com afetação real de parte dos bens”.
O mecanismo de dedução relativa a bens/serviços de utilização mista, encontra-se vertido, como já se referiu, no artigo 23.º do código do IVA, sendo que, o regime regra para sujeitos passivos que exerçam uma atividade económica, parte da qual, não confira direito à dedução, é a dedução do imposto na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução [al. b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA – “pro-rata”], não estando ainda assim prejudicada a possibilidade de tal dedução ser feita pela afetação real, com base em critérios objetivos que permitam identificar o grau de utilização desses bens (n.º 2 do artigo 23.º do CIVA), como considerou ser o caso do aqui sujeito passivo.
Com base em documentos consultados na contabilidade (anexo 2) e extratos de contas, extraídos dos ficheiros SAF-T da contabilidade enviados, chega-se à tabela seguinte, que resume todo o valor do IVA não dedutível, associado às atividades isentas:
(…)
Repare-se que, segundo as demonstrações financeiras, a empresa isenta no biénio €291.456,60 da incidência do IVA, que corresponderia a €67.035,01 de imposto liquidado (23%), mas ao aplicar o método de afetação real, apenas considera como IVA não dedutível, inscrevendo o valor correspondente em contas SNC de gastos, da classe 62, o valor de €1.859,49.
Está-se perante um cenário consentâneo com a expressão “o melhor de dois mundos” uma vez que o sujeito passivo isenta uma parte considerável das mensalidades, mas apura um IVA não dedutível, irrisório.
Conclui-se pois que, o desajuste entre as duas variáveis identificadas, não faz qualquer sentido e é irracional, apenas refletindo a artificialização dos procedimentos com vista à diminuição das bases tributáveis em IVA, com a consequente diminuição dos valores de imposto liquidados.
III.1.1.10. Das declarações dos clientes
Foram notificados para prestação de esclarecimentos sobre relações económicas com terceiro, sem indicação expressa da empresa envolvida, 23 clientes sendo que o critério de seleção foi a escolha do primeiro nome de cada letra do Alfabeto, dentro dos registos isentos.
(…)
Resumindo as declarações:
- 5 clientes negam categoricamente a presença em qualquer consulta de nutrição, 9 clientes dizem ter ido a uma primeira consulta mas não repetiram, 2 clientes dizem que foram a consultas de nutrição mas sem regularidade porque não é o que procuram no ginásio, 1 cliente diz que foi a consultas trimestrais, 2 clientes que foram a consultas bimestrais, 1 cliente a consultas mensais mas deixou de fazer e apenas dois clientes dizem ter ido a consultas mensais.
Deve reparar-se que, os clientes que reconhecem frequentar consultas de nutrição, frequentam atualmente o ginásio, que é pró ativo na abordagem aos clientes para que passem pela consulta. Deve ter-se em conta que o ginásio já conhece a interpretação da AT, decorrente de procedimento inspetivo anterior e procura legitimar a dimensão da nutrição, que claramente não existe. Não há procura do cliente, a procura vem do prestador do serviço, o ginásio.
Referir também que, os depoimentos que referem a frequência periódica de nutrição de forma interessada, aconteceram todos, no segundo e terceiro dia de audições. No primeiro dia nenhum dos clientes referiu o interesse na nutrição. Naturalmente houve comentários e os depoimentos dos dias seguintes estão condicionados, naturalmente e sujeitos a maior risco de inexatidão.
Por outro lado, a procura parece interessar apenas a um nicho de clientes, mas na componente de medição em máquina própria de medições antropométricas.
Enfoque para o cliente 2, que afirma que a duração da consulta demorou 10 minutos e que não considera a ocorrência uma consulta de nutrição. Como se abordou acima, a duração aconselhada pela Ordem dos Nutricionistas, é de uma hora, ou meia hora, conforme se trate de uma primeira ou seguintes consultas.
III.1.2. Conclusões/correções
Tendo em conta, a disciplina restrita do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, fundamento legal principal, delimitante e absolutamente contundente no caso aqui em apreço, que dispõe no sentido de que “estão isentas de imposto, as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”, situação ainda mais evidente na redação da alínea c), do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do Conselho 2016/112/CE (Diretiva do IVA), que é igualmente taxativa, quando dispõe que a isenção de IVA se aplica “Às prestações de serviço de assistência efetuadas no âmbito do exercício das profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado Membro em causa”, situação ainda dissecada, quer pela ficha doutrinária 9215 de 2015-08-19, que a ponto 17 refere claramente que a isenção se “refere ao exercício objetivo das atividades e não à forma jurídica que a caracteriza”, quer pela ficha doutrinária 2962, nos seus pontos 13 e 14, que circunscrevem a isenção da dietética à aplicação dos conhecimentos de dietética, ou seja, ao exercício efetivo de nutrição.
Tendo também em conta que, o mecanismo instaurado pelo sujeito passivo de faturação tendencialmente generalizada de uma componente mista fitness/nutrição, num balanceamento onde a moda é 45% nutrição / 55% fitness, (a ser verdade, o setor nutrição seria altamente lucrativo e o setor fitness deficitário situação que não se ajusta à verdade dos factos) redundando em si mesmo num mecanismo de formação de preço com vista à diminuição da base tributável de IVA que não se ajusta com as reais operações da empresa.
Acrescentado que a eventual existência de acessoriedade da nutrição face ao fitness, pode apenas discutir-se relativamente aos 1781 registos de consultas que o sujeito passivo forneceu e nunca à generalidade dos montantes que isentou com vista à redução da base tributável a submeter a incidência de IVA (…)
Relativamente a esta matéria, recente parecer da OCC, datado de 2019-08-05, solicitado por uma empresa num caso em tudo semelhante ao presente, é perentório em não admitir a isenção de IVA neste tipo de faturação.
De resto, o disposto no novo contrato de prestação de serviços (anexo 4), que nem estaria em vigor nos exercícios inspecionados, que inclui um contrato secundário para o acompanhamento nutricional fazendo depender da vontade do cliente a ida ao mesmo, sem que isso altere o vínculo ao preço mesmo que não haja comparência e a ligação desse mesmo contrato, em termos de vigência e restantes condições ao contrato de ginásio, aponta claramente para essa natureza. Ora de facto, o pressuposto errado aqui em causa, é a isenção de IVA, visto que apenas pode ser isento, como focado acima, o exercício efetivo da profissão, situação que esta faturação generalizada não pode ter em conta.
As posições defendidas pelas próprias entidades consultadas, pela associação do setor (AGAP) assim como reconhecidas figuras do direito, em revista parceira da mesma, não hesitaram em classificar a atividade de nutrição como sendo acessória.
Além disso, o mecanismo adotado pelo sujeito passivo, obsta a uma associação de cada registo de acompanhamento nutricional a uma fatura concreta e como é sabido, o ónus da prova recai sobre quem os invoque (artigo 74.º da Lei Geral Tributária) pelo que é da responsabilidade do sujeito passivo a existência de um mecanismo que permita a associação de tais operações a transações de serviços. Esse mesmo ónus da prova, põe em causa, os suportes apresentados do exercício da nutrição, que dificilmente atestam o acontecimento de uma consulta de nutrição tecnicamente comprovada.
E ainda que factualmente, é evidente o desequilíbrio entre os valores despendidos com nutrição e os rendimentos que a mesma gera, em contraponto com o setor fitness que é deficitário, tudo isto ao arrepio de qualquer verdade material.
Nestes termos, provada que está a isenção indevida das prestações de serviços, são propostas correções aritméticas.
O cálculo das correções, será mediante a liquidação de imposto às prestações de serviços isentas, respeitantes ao acompanhamento nutricional, que foi isolado tendo em conta o expurgo dos valores das faturas série FT-03, sem liquidação de imposto (anexo 34). O valor resulta da diferença do expurgo de tal valor, aos valores inscritos nos campos 9 das declarações periódicas de IVA.»
u) Nessa sequência, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA n.ºs 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ……… e 2019 ………, as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ……… e 2019 ……… e as demonstrações de acertos de contas n.ºs 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ……… e 2019 ………, todas referentes aos anos de 2016 e de 2017, cujo somatório dos respetivos valores unitários perfaz o montante global de € 59.429,99 (cinquenta e nove mil quatrocentos e vinte e nove euros e noventa e nove cêntimos). [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]
v) Em 21.11.2019 e em 22.11.2019, a Requerente efetuou, voluntária, integral e tempestivamente, o pagamento do aludido montante global de € 59.429,99 (cinquenta e nove mil quatrocentos e vinte e nove euros e noventa e nove cêntimos), tendo no primeiro dia pago a quantia de € 51.844,18 (cinquenta e um mil oitocentos e quarenta e quatro euros e dezoito cêntimos) e no segundo dia pago a quantia de € 7.585,81 (sete mil quinhentos e oitenta e cinco euros e oitenta e um cêntimos). [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA]
w) Em 21.02.2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]
§2. FACTOS NÃO PROVADOS
12. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultou provado que, nos anos de 2016 e 2017, tenham sido disponibilizados ou prestados no health club da Requerente quaisquer outros serviços de acompanhamento nutricional com finalidade terapêutica, designadamente para fins de prevenção, diagnóstico ou tratamento de uma doença e regeneração da saúde, para além daqueles que resultam da conjugação dos factos provados r) e s).
§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
13. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
O Tribunal não se pronunciou sobre o demais vertido nos articulados das partes por constituírem afirmações conclusivas e/ou juízos de direito – e que, por isso, não podem ser objeto de uma pronúncia em termos de “provado” ou “não provado” – ou por se tratar de factualidade irrelevante à boa decisão da causa.
A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório de natureza documental (incluindo o processo administrativo) e testemunhal carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
Relativamente à prova testemunhal produzida, importa dizer que as testemunhas arroladas pela Requerente depuseram de forma objetiva, isenta e revelando conhecimento direto dos factos sobre os quais foram inquiridas, pelo que os seus depoimentos nos mereceram total credibilidade; fazendo uma súmula dos mesmos, temos que:
(i) D… [inquirida aos factos constantes dos artigos 26.º a 40.º do PPA], nutricionista, tendo desempenhado essa função no health club da Requerente, no período compreendido entre 2012 e agosto de 2016, onde trabalhava entre 20 horas e 30 horas por semana. Enquanto esteve ao serviço da Requerente, como nutricionista, efetuava quer consultas presenciais, quer acompanhamento à distância (designadamente, através de correio eletrónico) a clientes/sócios da Requerente, bem como veiculava diversas informações sobre alimentação nas redes sociais da Requerente (designadamente, no Facebook) e, ainda, organizava formações e workshops sobre nutrição. Afirmou que teria cerca de 15 contactos presenciais, por dia, com clientes/sócios da Requerente, não tendo presente quantos desses contactos consubstanciavam consultas de nutrição propriamente ditas. Mais disse que uma parte substancial (pelo menos, metade) dos clientes/sócios da Requerente que a contactavam e/ou que eram por ela consultados – designadamente os identificados nas listagens constantes dos Anexos 6 e 7 do RIT – não padeciam de qualquer patologia específica que necessitasse de intervenção/acompanhamento nutricional, pretendendo apenas obter alguma informação alimentar e fazer um plano alimentar que fosse condizente com os objetivos pretendidos com a prática de exercício físico; esclareceu, ainda, que os clientes/sócios da Requerente que padeciam de alguma patologia concreta e que, por isso, a procuravam, tinham habitualmente diversas consultas de nutrição ao longo do tempo.
(ii) E…, inquirida aos factos constantes dos artigos 26.º a 40.º do PPA], nutricionista, tendo desempenhado essa função no health club da Requerente, no período compreendido entre setembro de 2016 e junho de 2019, onde trabalhava 20 horas por semana. Enquanto esteve ao serviço da Requerente, como nutricionista, efetuava quer consultas presenciais, quer acompanhamento à distância (designadamente, através de correio eletrónico) a clientes/sócios da Requerente, atendendo pessoas saudáveis e pessoas com problemas de saúde e de todas as idades. As pessoas saudáveis que a procuravam queriam, habitualmente, obter informações e aconselhamento sobre alimentação e planos alimentares, sendo que existiam alguns clientes/sócios da Requerente (designadamente, os praticantes da modalidade de crossfit) que pediam aconselhamento quanto a suplementação alimentar, particularmente de índole proteica. Mais disse que apenas cerca de metade dos clientes/sócios da Requerente que a contactavam e/ou que eram por ela consultados – designadamente os identificados nas listagens constantes dos Anexos 6 e 7 do RIT –, padeciam de alguma patologia específica que necessitava de intervenção na vertente nutricional; quanto a estes clientes/sócios da Requerente, esclareceu, ainda, que eram pessoas que tinham diversas consultas de nutricionismo ao longo do tempo, a fim de serem devidamente acompanhadas.
(iii) F… [inquirida aos factos constantes dos artigos 26.º a 40.º do PPA], nutricionista, desempenhando essa função no health club da Requerente desde novembro de 2019, ali efetuando quer consultas presenciais, quer acompanhamento à distância (designadamente, através de correio eletrónico) a clientes/sócios da Requerente, atendendo pessoas saudáveis e pessoas com problemas de saúde; esclareceu, ainda, que as pessoas que padecem de alguma patologia que necessita de intervenção na vertente nutricional têm diversas consultas ao longo do tempo e representam cerca de 50% do total de clientes/sócios da Requerente que têm consultas/acompanhamento de nutrição.
(iv) B… [inquirido aos factos constantes dos artigos 15.º a 25.º do PPA], personal trainer e responsável pela sala de musculação no health club da Requerente, desde 2011. Afirmou que a frequência do health club da Requerente tem um cariz muito familiar, muita rotatividade horária e uma média de idades a rondar os 47 anos, sendo que, habitualmente, a partir do mês de maio de cada ano e até ao final do Verão, entram cerca de 50 a 60 pessoas novas. Mais disse que no health club da Requerente existem as atividades referidas no artigo 21.º do PPA e, ainda, natação, sendo que a grande maioria dos respetivos clientes/sócios não faz todas essas atividades. Relativamente aos serviços de nutrição, por entender que a prática do exercício físico é indissociável de um bom regime alimentar, para além de recomendar aos clientes/sócios da Requerente que tenham um acompanhamento nutricional contínuo, exige que as pessoas que iniciam qualquer atividade física no health club da Requerente, sob sua supervisão e/ou acompanhamento, façam, pelo menos, a consulta inicial de nutrição, a par da respetiva avaliação física.
(v) C… [inquirido aos factos constantes dos artigos 15.º a 25.º do PPA], professor de educação física e instrutor de fitness no health club da Requerente, há cerca de 22 anos, onde é responsável pelas aulas de grupo. Afirmou que os serviços de nutrição começaram a ser prestados no health club da Requerente em virtude de inúmeras solicitações, nesse sentido, que existiam por parte dos respetivos clientes/sócios, sendo que se foi apercebendo que, ao longo do tempo, foram tendo cada vez mais procura por parte das pessoas. Mais disse que, ele próprio, incentiva os clientes/sócios da Requerente a terem acompanhamento nutricional, enquanto componente essencial, a par do exercício físico, de um estilo de vida saudável. Mais disse que no health club da Requerente existem as atividades referidas no artigo 21.º do PPA e, ainda, natação, sendo que a grande maioria dos respetivos clientes/sócios não faz todas essas atividades.
No tocante ao facto não provado, este foi assim considerado em virtude da inexistência de quaisquer elementos probatórios suscetíveis de o comprovarem.
III.2. DE DIREITO
§1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO
14. O thema decidendum do presente processo tem por epicentro a isenção de IVA prevista no artigo 9.º, 1), do Código do IVA, estando, concretamente, em causa determinar se os serviços de nutrição que são disponibilizados e prestados no health club da Requerente aos respetivos clientes estão ou não enquadrados naquela isenção.
A Requerente entende que «a nutrição e a atividade física aparecem-nos sempre a par, numa lógica de necessária complementaridade e não, naturalmente, de acessoriedade», sendo, por isso, «imperioso concluir-se pela não acessoriedade das consultas de nutrição prestadas pela Requerente relativamente aos serviços de utilização de instalações desportivas e, em consequência, pela aplicabilidade da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, enfermando os atos tributários impugnados de erro de direito, pelo que devem ser anulados». A Requerente mais afirma que «não pode constituir obstáculo à isenção o facto de os serviços previstos no contrato poderem vir a não serem efetivamente prestados aos clientes da Requerente que aderiram ao contrato, mas não os utilizam, uma vez que os serviços se consideram prestados com a disponibilização», porquanto «a eventual relevância da não utilização dos serviços contratados poderia ser fundamento para a não tributação, mas nunca para afastamento de uma isenção».
A Requerente alega, ainda, que os atos tributários impugnados «são inválidos, por não terem sido cumpridos os pressupostos previstos no disposto no artigo 38.º [n.º 2] da LGT e os procedimentos impostos no [artigo] 63.º do CPPT o que consubstancia uma ilegalidade que inquina, também de ilegalidade, as liquidações impugnadas».
A Requerida, por seu turno, propugna que aquelas prestações de serviços de nutrição estão sujeitas a IVA e dele não isentas «por duas razões distintas, sendo uma a acessoriedade dos serviços de nutrição em relação aos de ginásio, pelos motivos expostos no RIT e que levam a que se deva considerar que todos os serviços prestados mediante uma retribuição única, devam ser considerados como fazendo parte de uma operação complexa única cuja decomposição se revestiria de uma carácter artificial, estando por via disso toda a operação sujeita e não isenta de IVA, por ser a prestação principal (ginásio) sujeita e não isenta e, outra, que ao serem os serviços de nutrição meramente disponibilizados e, não tendo logrado a Requerente demonstrar ter prestado as consultas que faturou, não pode o serviço de mera disponibilização da nutrição beneficiar da isenção em questão».
Cumpre apreciar e decidir.
15. Comecemos por apreciar o vício invalidante emergente da violação do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da LGT e no artigo 63.º do CPPT que a Requerente imputa aos atos tributários controvertidos.
O artigo 38.º, n.º 2, da LGT estatui o seguinte:
“São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”
Nesta norma legal encontramos consagrada a cláusula geral anti-abuso, a qual foi introduzida – por aditamento do artigo 32.º-A ao Código de Processo Tributário – no sistema fiscal português pelo artigo 51.º, n.º 7, da Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 1999. Esta é uma norma que «tem em vista uma adequada conciliação do princípio da segurança com o interesse público de uma justa distribuição dos encargos tributários» , por via do combate, em nome do princípio da justiça e da igualdade, da «contradição entre as formas jurídicas adoptadas pelas partes e os fins económicos dos contratos» . Com efeito, se «um acto ou negócio jurídico foram celebrados com puros fins de elisão fiscal, alheios à sua substância económica normal, justifica-se a sua irrelevância ou desconsideração para efeitos fiscais» ; nesse caso, cessa «então a presunção da conformidade do negócio ou acto jurídico aos fins económicos que suscitaram o desenho das normas de incidência tributária» .
Na exegese hermenêutica do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, tendo em vista dilucidar os elementos integrantes e constitutivos da sua previsão e da respetiva estatuição, acompanhamos o entendimento de Gustavo Lopes Courinha no sentido de que a cláusula geral anti-abuso é composta por cinco elementos, a saber: meio, resultado, intelectual, normativo e sancionatório; segundo o mesmo autor, tais elementos, apesar de autónomos, interpenetram-se, em virtude de, muitas vezes, a fixação de um deles se encontrar dependente de um outro .
A aplicação da cláusula anti-abuso está, assim, nuclearmente circunscrita aos casos em que se verifica o «carácter artificioso da selecção de um determinado meio jurídico para obter um resultado normalmente atingido pela utilização de outro meio» e «aos casos em que o negócio visar única ou principalmente fins de elisão fiscal, não se verificando quando se prove que não foram fiscais os fins determinantes dos actos ou contratos, mesmo quando destes resulte a redução das receitas a que, de outro modo, a Fazenda Pública teria direito» . Todavia, como sublinha António Lima Guerreiro, «na caracterização dos objectivos dos actos ou contratos, não é também à motivação psicológica das partes – de muito difícil determinação – mas ao carácter anómalo ou não para os fins tidos em vista pelas partes das formas jurídicas utilizadas que se deve atender.
A referência à expressão “objectivo” dos actos ou contratos objecto da aplicação da norma anti-abuso limita de qualquer modo a aplicação da norma (…) aos casos em que o negócio evidencie o propósito de defraudar os interesses da Fazenda nacional. Não é necessária para a aplicação da norma a indagação dos motivos pessoais das partes, bastando a demonstração dos fins do negócio de acordo com a interpretação das suas cláusulas, mas obviamente a aplicação da norma (…) depende necessariamente de um juízo de facto sobre a vontade efectiva dos sujeitos passivos do imposto, como se manifesta nos documentos do acto ou contrato» .
Neste enquadramento, volvendo ao caso concreto e tendo, particularmente, em atenção o vertido no RIT (cf. facto provado t)), não logramos ali descortinar qualquer segmento que indicie que os Serviços de Inspeção Tributária hajam fundado, direta ou indiretamente, o seu entendimento quanto ao enquadramento, em sede de IVA, dos serviços de nutrição prestados no health club da Requerente, em qualquer parâmetro emergente da cláusula geral anti-abuso, tal qual a mesma surge positivada e recortada no n.º 2 do artigo 38.º da LGT; aliás, nem a própria Requerente explicita, concretizando, em que é que se traduziu a aplicação, «ainda que encapotada», da cláusula geral anti-abuso que alega que foi feita por parte dos Serviços de Inspeção Tributária; consequentemente, inexiste qualquer fundamento para convocar quer aquela norma legal, quer o procedimento de aplicação de disposição anti-abuso que se encontra estatuído no artigo 63.º do CPPT.
Nesta conformidade, improcede a arguição deste vício invalidante dos atos tributários controvertidos; por consequência, a apreciação jurídico-tributária que encetaremos, em seguida, focar-se-á no alegado vício invalidante radicado na violação do disposto no artigo 9.º, 1), do Código do IVA.
O Tribunal pronunciar-se-á, ainda, sobre os pedidos de reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.
§2. ENQUADRAMENTO NORMATIVO
16. O artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, determina que os Estados-Membros da União Europeia isentam de imposto “[a]s prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa”.
Esta isenção provém da antecedente Sexta Diretiva (artigo 13.º, A), n.º 1, alínea c)) que harmonizou as legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios e que a consagrava nos seus exatos termos, com a diferença das “profissões médicas e paramédicas” serem então referidas por “actividades médicas e paramédicas”, e insere-se nas isenções em benefício das atividades de interesse geral, que visam reduzir o custo dos cuidados de saúde, tornando-os mais acessíveis aos particulares, como reiteradamente afirmado pelo TJUE (cf. acórdão Dornier, C-45/01, de 6 de novembro de 2003, e acórdão Kügler, C-141/00, de 10 de setembro de 2002).
A norma do artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE foi transposta para o nosso ordenamento jurídico, encontrando-se vertida no artigo 9.º, 1), do Código do IVA, que estatui que estão isentas de imposto “[a]s prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.
No âmbito do presente processo, importa descortinar o que deve ser entendido por “profissões paramédicas” e qual o respetivo âmbito, para o que há que convocar as seguintes normas do Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho, que regulamenta o exercício das atividades paramédicas:
“Artigo 1.º
Âmbito
1 - O presente diploma regula o exercício das actividades profissionais de saúde, adiante designadas por actividades paramédicas, que compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação.
2 - Não são abrangidas pelo presente diploma as actividades exercidas, no âmbito de competências próprias, por profissionais com inscrição obrigatória em associação de natureza pública e ainda por odontologistas, enfermeiros e parteiras.
3 - As actividades paramédicas a que se refere o n.º 1 são as constantes da lista anexa ao presente diploma, do qual faz parte integrante.
Artigo 2.º
Condições de exercício profissional
1 - Sem prejuízo de regulamentação específica de profissões abrangidas pelo artigo anterior, o exercício de actividades paramédicas depende da verificação das seguintes condições:
a) Titularidade de curso ministrado em estabelecimento de ensino oficial ou do ensino particular ou cooperativo desde que reconhecido nos termos legais;
b) Titularidade de diploma ou certificado reconhecido como equivalente aos referidos na alínea anterior por despacho conjunto dos Ministros da Educação e da Saúde;
c) Titularidade de carteira profissional, ou título equivalente, emitido ou validado por entidade pública.
2 - O grau de autonomia específico do exercício de cada uma das actividades paramédicas, bem como as normas específicas das profissões, incluindo as regras deontológicas, constam de decreto regulamentar.
ANEXO
(…)
5 - Dietética. - Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares.”
Temos, assim, que, nos termos das disposições conjugadas do artigo 1.º, n.º 3 e do n.º 5 do Anexo do Decreto-Lei n.º 261/93, a Dietética é considerada uma atividade paramédica e, por isso, compreende “a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação” (cf. artigo 1.º, n.º 1, do citado diploma legal).
Relativamente à profissão de dietista, a mesma foi expressamente incluída no âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto, que, concretizando a base I da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto (Lei de Bases da Saúde), veio definir os princípios gerais em matéria do exercício das profissões de diagnóstico e terapêutica e proceder à sua regulamentação (cf. artigo 2.º, n.º 1).
Ainda neste conspecto, há que chamar à colação a Lei n.º 51/2010, de 14 de dezembro, que criou a Ordem dos Nutricionistas e aprovou o seu Estatuto, a qual foi alterada pela Lei n.º 126/2015, de 3 de setembro, e que dispõe, no seu artigo 2.º, que “[a] Ordem dos Nutricionistas abrange os profissionais licenciados em ciências da nutrição, em dietética e em dietética e nutrição que, em conformidade com o respetivo Estatuto e as disposições legais aplicáveis, exercem a profissão de nutricionista” (n.º 1), bem como “os profissionais que, estando inscritos como dietistas à data da entrada em vigor da presente lei, mantenham a profissão de dietista”, estatuindo no seu artigo 3.º que “[a] profissão de nutricionista ou de dietista pode ser exercida de forma liberal, quer a título individual quer em sociedade, ou por conta de outrem, tanto no setor público, privado ou cooperativo e social” (n.º 1), sendo que “[o] exercício da atividade profissional por conta de outrem não afeta a autonomia técnica, nem dispensa o cumprimento dos deveres deontológicos” (n.º 2). Adicionalmente, o Regulamento de Inscrição na Ordem dos Nutricionistas – Regulamento n.º 308/2016, publicado no Diário da República n.º 58/2016, Série II de 23.03.2016 – determina no seu artigo 1.º que “[a] atribuição do título profissional, o seu uso e o exercício da profissão de nutricionista em qualquer setor de atividade, individualmente ou em sociedade profissional, dependem da inscrição como membro efetivo na Ordem dos Nutricionistas”, sendo que é considerado “qualquer setor de atividade o setor público, privado, cooperativo, social ou outro, independentemente do exercício de forma liberal ou por conta de outrem”; nos termos do n.º 1 do respetivo artigo 2.º, podem inscrever-se na Ordem dos Nutricionistas, para acesso à profissão de nutricionista, além de outros, “[o]s titulares do grau de licenciado em ciências da nutrição, em dietética ou em dietética e nutrição, conferido, na sequência de um curso com duração não inferior a quatro anos curriculares, por instituição de ensino superior portuguesa”.
Por último, a Ordem dos Nutricionistas, no respetivo sítio na Internet, define assim a profissão de nutricionista: «O nutricionista é um profissional de saúde que dirige a sua ação para a salvaguarda da saúde humana através da promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença pela avaliação, diagnóstico, prescrição e intervenção alimentar e nutricional a pessoas, grupos, organizações e comunidades, bem como o planeamento, implementação e gestão da comunicação, segurança e sustentabilidade alimentar, através de uma prática profissional cientificamente comprovada e em constante aperfeiçoamento. Incorpora ainda as atividades técnico-científicas de ensino, formação, educação e organização para a promoção da saúde e prevenção da doença através da alimentação.» (cf. https://www.ordemdosnutricionistas.pt/ver.php?cod=0A0D)
Neste enquadramento normativo, concluímos pois que as prestações de serviços efetuadas pelos nutricionistas, no exercício da respetiva atividade, são enquadráveis no âmbito das prestações de serviços paramédicos e, por consequência, são passíveis de serem subsumidas na norma de isenção de IVA constante do artigo 9.º, 1), do Código do IVA.
§3. O CASO CONCRETO: SUBSUNÇÃO NORMATIVA
17. Volvendo ao circunstancialismo do caso concreto, há então que dilucidar se os serviços de nutrição que são disponibilizados e prestados no health club da Requerente aos respetivos clientes estão ou não enquadrados na referenciada norma de isenção de IVA; neste sentido e atenta a fundamentação subjacente aos atos tributários controvertidos, vertida no RIT (cf. facto provado t)), importa convocar o acórdão proferido, em 4 de março de 2021, no processo C-581/19, decorrente do pedido de reenvio prejudicial deduzido no âmbito do processo arbitral n.º 504/2018-T e que teve por objeto as seguintes questões:
«i) Nas hipóteses em que, como sucede nos autos, uma sociedade:
a) se dedica, a título principal, a atividades de manutenção e bem-estar físico e, a título secundário, a atividades de saúde humana, entre elas nutrição, consultas de nutrição e de avaliação física, bem como realização de massagens;
b) disponibiliza aos seus clientes planos que incluem apenas serviços de fitness e planos que incluem serviços de fitness e nutrição;
deverá, para efeito do disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. c), da Diretiva 2006/112/CE, de 28/11, considerar-se que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, é acessória da atividade de manutenção e bem-estar físico, devendo, assim, ter a prestação acessória o mesmo tratamento fiscal da prestação principal ou deverá considerar-se, ao invés, que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, e a atividade de manutenção e bem-estar físico são independentes e autónomas entre si, devendo ser-lhes aplicável o tratamento fiscal previsto para cada uma dessas atividades?
ii) A aplicação da isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, [alínea] c), da Diretiva 2006/112/CE, de 28/11 pressupõe que os serviços aí consignados sejam efetivamente prestados ou a mera disponibilização dos mesmos, de forma a que a sua utilização esteja unicamente dependente da vontade do cliente, é suficiente para aplicação desta isenção?»
18. O TJUE, no aludido acórdão, decidiu o seguinte:
«A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva.»
Tal decisão está esteada, nuclearmente, no seguinte discurso fundamentador vertido no citado aresto:
«19. Com as suas questões, que importa tratar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições conjugadas do artigo 2.°, n.º 1, alínea c), e do artigo 132.°, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112 devem ser interpretadas no sentido de que um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem estar físico, constitui uma prestação de serviços independente. Pergunta igualmente ao Tribunal de Justiça se o direito à isenção de IVA prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), desta diretiva pressupõe a prestação efetiva do serviço, neste caso, um serviço de acompanhamento nutricional correspondente ao definido pelo órgão jurisdicional de reenvio, ou se a disponibilização desse serviço é suficiente para esse efeito.
(…)
22. Segundo jurisprudência constante, os termos utilizados para designar as isenções previstas no artigo 132.° da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados restritamente. Todavia, a interpretação desses termos deve ser feita em conformidade com os objetivos prosseguidos por essas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum de IVA. Assim, esta regra de interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 132.° devam ser interpretados de maneira a privá las dos seus efeitos (Acórdão de 8 de outubro de 2020, Finanzamt D, C 657/19, EU:C:2020:811, n.° 28 e jurisprudência referida).
23. No caso em apreço, a disposição em causa deve ser interpretada à luz do contexto em que se inscreve, das finalidades e da economia da Diretiva 2006/112, tendo especialmente em conta a ratio legis da isenção que prevê (v., neste sentido, Acórdão de 13 de março de 2014, ATP PensionService, C 464/12, EU:C:2014:139, n.° 61 e jurisprudência referida). Assim, os termos do artigo 132.°, n.° 1, alínea c), desta diretiva, a saber, «[a]s prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado Membro em causa», não visam as prestações efetuadas no meio hospitalar, em centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza, isentas em aplicação do artigo 132.°, n.° 1, alínea b), da referida diretiva, mas as prestações médicas e paramédicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do paciente ou em qualquer outro lugar (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de setembro de 2002, Kügler, C 141/00, EU:C:2002:473, n.° 36, e de 10 de junho de 2010, Future Health Technologies, C 86/09, EU:C:2010:334, n.° 36).
24. Além disso, há que salientar que o conceito de «assistência médica», que consta do artigo 132.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2006/112, e de «prestações de serviços de assistência», que consta do artigo 132.°, n.° 1, alínea c), desta diretiva, visam prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde (Acórdãos de 10 de junho de 2010, Future Health Technologies, C 86/09, EU:C:2010:334, n.os 37 e 38, e de 18 de setembro de 2019, Peters C 700/17, EU:C:2019:753, n.° 20 e jurisprudência referida).
25. Por conseguinte, as «prestações de serviços de assistência», na aceção desta disposição, devem imperativamente ter uma finalidade terapêutica, uma vez que é esta que determina se uma prestação médica ou paramédica deve ser isenta de IVA [v., neste sentido, Acórdão de 5 de março de 2020, X (Isenção de IVA para as consultas telefónicas), C 48/19, EU:C:2020:169, n.° 27 e jurisprudência referida], ainda que daí não decorra necessariamente que esta finalidade deva ser compreendida numa aceção particularmente restrita (Acórdãos de 10 de junho de 2010, Future Health Technologies, C 86/09, EU:C:2010:334, n.° 40 e jurisprudência referida, e de 21 de março de 2013, PFC Clinic, C 91/12, EU:C:2013:198, n.° 26).
26. Assim, as prestações de natureza médica ou paramédica efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas podem beneficiar da isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112 [Acórdão de 5 de março de 2020, X (Isenção de IVA para as consultas telefónicas), C 48/19, EU:C:2020:169, n.° 29 e jurisprudência referida].
27. A isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112 pressupõe, portanto, que estejam preenchidos dois requisitos, o primeiro, relativo à finalidade da prestação em causa, conforme recordada nos n.os 24 a 26 do presente acórdão, e, o segundo, relativo ao facto de essa prestação ocorrer no âmbito do exercício das profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado Membro em causa.
28. Quanto a este segundo requisito, importa determinar, como salientam o Governo português e a Comissão, se um serviço de acompanhamento nutricional, como o que está em causa no processo principal, prestado por um profissional certificado e habilitado para esse efeito em instituições desportivas e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem estar físico, é definido, pelo direito do Estado Membro em causa (Acórdão de 27 de junho de 2019, Belgisch Syndicaat van Chiropraxie e o., C 597/17, EU:C:2019:544, n.° 23 e jurisprudência referida), como sendo prestado no exercício de uma profissão médica ou paramédica. Resulta dos elementos constantes da decisão de reenvio, esclarecidos pelas observações do Governo português, que o serviço em questão era prestado por uma pessoa dotada de uma qualificação profissional que a habilita a efetuar atividades paramédicas como definidas pelo Estado Membro em causa, o que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
29. Admitindo que seja esse o caso, há que atender à finalidade de uma prestação como a que está em causa no processo principal, o que corresponde ao primeiro requisito estabelecido no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112. A este respeito, importa ter em consideração, para examinar essa finalidade, que as isenções previstas no artigo 132.° desta diretiva se inserem no capítulo 2, sob a epígrafe «Isenções em benefício de certas atividades de interesse geral», do título IX da referida diretiva. Assim, uma atividade não pode ser isenta, por derrogação ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo (Acórdãos de 21 de março de 2013, PFC Clinic, C 91/12, EU:C:2013:198, n.° 23, e de 21 de setembro de 2017, Comissão/Alemanha, C 616/15, EU:C:2017:721, n.° 49), se não cumprir a finalidade de interesse geral, comum ao conjunto das isenções previstas nesse artigo 132.°
30. A este respeito, é pacífico que um serviço de acompanhamento nutricional prestado no âmbito de uma instituição desportiva pode, a médio e a longo prazo ou considerado em termos amplos, ser um instrumento de prevenção de certas doenças, como a obesidade. Todavia, cumpre notar que o mesmo se aplica à própria prática desportiva, cujo papel é reconhecido, a título de exemplo, para limitar a ocorrência de doenças cardiovasculares. Tal serviço apresenta, portanto, em princípio, uma finalidade sanitária, mas não, ou não necessariamente, uma finalidade terapêutica.
31. Por conseguinte, na falta de indicação de que é prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde, e, portanto, com uma finalidade terapêutica, na aceção da jurisprudência referida nos n.os 24 e 26 do presente acórdão, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, um serviço de acompanhamento nutricional, como o prestado no processo principal, não preenche o critério da atividade de interesse geral comum a todas as isenções previstas no artigo 132.° da Diretiva 2006/112 e, por conseguinte, não é abrangido pela isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), desta diretiva, de modo que está, em princípio, sujeito a IVA.
32. Esta interpretação não viola o princípio da neutralidade fiscal, que se opõe em especial a que duas entregas de bens ou duas prestações de serviços iguais ou semelhantes do ponto de vista do consumidor e que satisfazem as mesmas necessidades deste, e que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA (v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, WEG Tevesstraße, C 449/19, EU:C:2020:1038, n.° 48 e jurisprudência referida), uma vez que, à luz do objetivo prosseguido pelo artigo 132.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, serviços de acompanhamento nutricional prestados com uma finalidade terapêutica e serviços de acompanhamento nutricional desprovidos de tal finalidade não podem ser considerados iguais ou semelhantes do ponto de vista do consumidor e não satisfazem as mesmas necessidades deste último.
33. Qualquer outra interpretação teria como consequência alargar o âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112 para além da ratio legis que traduzem a redação desta disposição, bem como a epígrafe do capítulo 2 do título IX desta diretiva. Com efeito, qualquer serviço efetuado no âmbito do exercício de uma profissão médica ou paramédica, que tenha por efeito, mesmo de forma muito indireta ou longínqua, prevenir certas patologias, estaria abrangido pela isenção prevista nessa disposição, o que não corresponderia à intenção do legislador da União e à exigência de interpretação estrita dessa isenção, recordada no n.° 22 do presente acórdão. Como salientou a advogada geral no n.° 61 das suas conclusões, uma ligação incerta com uma patologia, sem risco concreto de prejuízo para a saúde, não é suficiente a este respeito.
34. Tendo em conta o que precede, há que concluir que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado em condições como as que estão em causa no processo principal não é suscetível de entrar no âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112. Consequentemente, não há que responder à segunda questão.
35. Quanto à primeira questão, não se pode excluir que, à luz da natureza tributável desse serviço, o órgão jurisdicional de reenvio considere que a questão de saber se este é ou não independente dos serviços de manutenção e bem estar físico tem interesse para determinar o tratamento fiscal respetivo desses serviços.
36. Importa recordar, para esse efeito, que, embora, no âmbito de um processo nos termos do artigo 267.° TFUE, baseado numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, caiba aos referidos órgãos jurisdicionais, que são os únicos competentes, nomeadamente, para verificar e apreciar os factos, determinar, em particular, se um serviço de acompanhamento nutricional prestado em condições como as que estão em causa no processo principal constitui ou não uma prestação de serviços independente dos serviços de manutenção e bem estar físico e fazer todas as apreciações de facto definitivas quanto a isso (Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Mailat, C 17/18, EU:C:2018:1038, n.° 35 e jurisprudência referida), o Tribunal de Justiça pode fornecer a esses órgãos jurisdicionais todos os elementos de interpretação do direito da União que podem ser úteis para a decisão do processo que lhes foi submetido (Acórdão de 17 de janeiro de 2013, BGŻ Leasing, C 224/11, EU:C:2013:15, n.° 33). Nesta perspetiva, há que fazer as seguintes considerações.
37. Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, quando uma operação económica é constituída por um conjunto de elementos e de atos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão para determinar se dela resulta uma ou mais prestações (v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, CPP, C 349/96, EU:C:1999:93, n.° 28 e jurisprudência referida), especificando se que, regra geral, cada prestação deve ser considerada uma prestação distinta e independente, como decorre do artigo 1.°, n.° 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C 231/19, EU:C:2020:513, n.° 23 e jurisprudência referida].
38. Todavia, a título de exceção a esta regra geral, em primeiro lugar, a operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA. É por isso que existe uma prestação única quando dois ou mais elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria caráter artificial [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C 231/19, EU:C:2020:513, n.° 23 e jurisprudência referida].
39. Para este efeito, como salientou a advogada geral nos n.os 22 a 33 das suas conclusões, há que identificar os elementos característicos da operação em causa (Acórdãos de 29 de março de 2007, Aktiebolaget NN, C 111/05, EU:C:2007:195, n.° 22, e de 18 de janeiro de 2018, Stadion Amsterdam, C 463/16, EU:C:2018:22, n.° 30), da perspetiva do consumidor médio (Acórdão de 19 de julho de 2012, Deutsche Bank, C 44/11, EU:C:2012:484, n.° 21 e jurisprudência referida). O conjunto de indícios a que se recorre para esse objetivo inclui diferentes elementos, os primeiros, de ordem intelectual e de importância decisiva, destinados a demonstrar a indissociabilidade ou não dos elementos da operação em causa (Acórdão de 28 de fevereiro de 2019, Sequeira Mesquita, C 278/18, EU:C:2019:160, n.° 30) e o seu objetivo económico, único ou não [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C 231/19, EU:C:2020:513, n.° 34], os segundos, de ordem material e sem importância decisiva (v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, CPP, C 349/96, EU:C:1999:93, n.° 31), que eventualmente vêm em apoio da análise dos primeiros elementos, como a acessibilidade separada (Acórdão de 17 de janeiro de 2013, BGŻ Leasing, C 224/11, EU:C:2013:15, n.° 43) ou conjunta (Acórdão de 8 de dezembro de 2016, Stock ’94, C 208/15, EU:C:2016:936, n.° 33) das prestações em causa ou a existência de uma faturação única (Despacho de 19 de janeiro de 2012, Purple Parking e Airparks Services, C 117/11, não publicado, EU:C:2012:29, n.° 34 e jurisprudência referida) ou distinta (Acórdão de 18 de janeiro de 2018, Stadion Amsterdam, C 463/16, EU:C:2018:22, n.° 27).
40. Em segundo lugar, uma operação económica constitui uma prestação única quando um ou mais elementos devem ser considerados como prestação principal, ao passo que, pelo contrário, outros elementos devem ser considerados uma prestação ou prestações acessórias que partilham do tratamento fiscal da prestação principal [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C 231/19, EU:C:2020:513, n.° 29 e jurisprudência referida].
41. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o primeiro critério a tomar em consideração a este respeito é a inexistência de finalidade autónoma da prestação do ponto de vista do consumidor médio. Assim, uma prestação deve ser considerada acessória de uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesma, mas o meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C 231/19, EU:C:2020:513, n.° 29 e jurisprudência referida].
42. O segundo critério, que constitui, na realidade, um indício do primeiro, tem que ver com a tomada em consideração do valor respetivo de cada uma das prestações que compõem a operação económica, uma revelando se mínima, ou mesmo marginal, relativamente à outra (v., neste sentido, Acórdão de 22 de outubro de 1998, Madgett e Baldwin, C 308/96 e C 94/97, EU:C:1998:496, n.° 24).
43. Em terceiro lugar, como salientou a advogada geral no n.° 44 das suas conclusões, por força da Diretiva 2006/112, as «operações […] estreitamente relacionadas» com uma prestação isenta beneficiam da sua isenção, a fim de permitir que essa isenção goze de plena eficácia. Todavia, à luz das considerações que figuram nos n.os 30 e 31 do presente acórdão, este terceiro tipo de exceção à regra geral que consiste em considerar cada prestação como uma prestação distinta e independente não é aplicável no caso de um serviço de acompanhamento nutricional como o prestado no processo principal. Por conseguinte, há que dispensar a análise deste tipo de exceção.
44. Quanto à aplicabilidade a prestações como as que estão em causa no processo principal do primeiro tipo de exceção, referido no n.° 38 do presente acórdão, importa constatar, pela leitura da decisão de reenvio, que a recorrente no processo principal se dedica, entre outras, às atividades de gestão e exploração de instituições desportivas, bem como de manutenção e bem estar físico, e que prestou, por intermédio de um profissional devidamente habilitado e certificado para esse efeito, serviços de acompanhamento nutricional nas suas instalações.
45. Além disso, resulta dos elementos indicados pelo órgão jurisdicional de reenvio que esses diferentes serviços prestados pela recorrente no processo principal eram objeto de faturação separada e que era possível usufruir de uns sem recorrer aos outros.
46. Assim, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, afigura se que os serviços de manutenção e bem estar físico, por um lado, e de acompanhamento nutricional, por outro, como prestados pela recorrente no processo principal, não estão indissociavelmente ligados na aceção da jurisprudência recordada nos n.os 38 e 39 do presente acórdão.
47. Por conseguinte, em princípio, há que considerar que prestações como as que estão em causa no processo principal não constituem uma prestação única de caráter complexo.
48. Quanto à aplicabilidade do segundo tipo de exceção, referido nos n.os 40 a 42 do presente acórdão, a prestações como as que estão em causa no processo principal, importa, no caso em apreço, salientar, por um lado, a finalidade autónoma da prestação de acompanhamento dietético do ponto de vista do consumidor médio. Mesmo que tais prestações de acompanhamento dietético fossem realizadas ou suscetíveis de o ser nas mesmas instituições desportivas que as prestações de manutenção e bem estar físico, não é menos verdade que a finalidade das primeiras não é de ordem desportiva, mas sanitária e estética, não obstante o facto de uma disciplina dietética poder ter por efeito contribuir para a performance atlética. (…) Prestações de acompanhamento dietético como as que estão em causa no processo principal não podem, portanto, ser consideradas acessórias em relação às prestações principais que são constituídas pelas prestações de manutenção e bem estar físico.
49. Daqui decorre que, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, há que considerar que prestações como as que estão em causa no processo principal são distintas e independentes umas das outras para efeitos da aplicação do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112.»
19. Como é consabido, a jurisprudência do TJUE tem caráter vinculativo para os tribunais nacionais, em matéria de Direito Europeu (ver, neste sentido e entre outros, os acórdãos do STA de 26.03.2003, processo n.º 01716/02, de 09.11.2005, processo n.º 01090/03 e de 03.12.2008, processo n.º 0587/08); como salientado no acórdão do STA, de 18.12.2013, proferido no processo n.º 0568/13, «atento o primado do direito comunitário (…), é vedado ao tribunal aplicar normas do direito nacional que afrontem o que naquele se impõe, sendo que, havendo acórdão interpretativo proferido pelo TJUE a decisão nele proferida retroage à data da entrada em vigor da respectiva norma, excepto se no próprio acórdão se dispusesse de forma diferente, como claramente se vê do seguinte trecho do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça em 10/05/2012, nos processos apensos C-338/11 a C-347/11:
«58. (…) segundo jurisprudência constante, a interpretação que o Tribunal de Justiça faz de uma norma de direito da União, no exercício da competência que lhe confere o artigo 267º TFUE, esclarece e precisa o significado e o alcance dessa norma, tal como deve ou deveria ter sido cumprida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Donde se conclui que a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz mesmo às relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que decida o pedido de interpretação, se também se encontrarem reunidas as condições que permitam submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação da referida norma (v., designadamente, acórdãos de 3 de outubro de 2002, Barreira Pérez, C-347/00, Colet., p. I-8191, nº 44, e de 17 de fevereiro de 2005, Linneweber e Akritidis, C-453/02 e C-462/02, Colet., p. I-1131, nº 41, e de 6 de março de 2007, Meilicke e o., C-292/04, Colet., p. I-1835, nº 34).
59. Só a título excecional é que o Tribunal de Justiça pode, em aplicação do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição por si interpretada para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa-fé. Para que se possa decidir por esta limitação, é necessário que se encontrem preenchidos dois critérios essenciais, ou seja, a boa-fé dos meios interessados e o risco de perturbações graves (v., designadamente, acórdãos de 10 de janeiro de 2006, Skov e Bilka, C-402/03, Colet., p. I-199, nº 51, e de 3 de junho de 2010, Kalinchev, C-2/09, Colet., p. I-4939, nº 50).».»
Ainda a este propósito, como é referido no acórdão do TCAS, de 08.05.2019, proferido no processo n.º 1358/08.9BESNT, «considerando que o “reenvio prejudicial” constitui um mecanismo processual criado com vista alcançar a interpretação e a aplicação uniformes do Direito da União, em todo o espaço da União Europeia (UE), com o intuito de garantir a igualdade jurídica de todos os cidadãos europeus, e tutelar os direitos que lhes são conferidos por aquele Direito da União, decidida que seja uma questão colocada, nestes termos, ao TJUE, ela acarreta, para o tribunal que a colocou e para os que julguem a causa em sede de recurso, carater vinculativo quer quanto aos seus efeitos materiais, quer temporais (assim foi estabelecido no Acórdão Milch-, Fett-, und Eierkontor, acórdão de 24.06.69, processo C-29/68 quanto a questão prejudicial de interpretação).».
20. Assim, à face do decidido pelo TJUE e atentas as especificidades do caso concreto – designadamente, os factos provados h), i), j), k), l), m), n), o), p), q), r) e s) –, cabe, desde logo, afirmar que os serviços de nutrição que são disponibilizados e prestados no health club da Requerente aos respetivos clientes, por nutricionistas por ela contratados e inscritos na respetiva ordem profissional, com observância das regras definidas pelo legislador nacional, constituem uma prestação de serviços distinta e independente dos serviços de ginásio/utilização de instalações desportivas.
Com efeito, mesmo que os clientes da Requerente optem por pacotes de serviços completos, isto é, que sejam constituídos pelos serviços de ginásio e pelos serviços de acompanhamento nutricional, os diferentes elementos da prestação não estão indissociavelmente ligados, porquanto: os serviços são prestados em âmbitos distintos, no tempo e no espaço, e por pessoal diferente; as prestações de ginásio e de acompanhamento nutricional são igualmente acessíveis de forma separada (cada cliente pode subscrever as duas prestações conjuntamente ou cada uma delas separadamente); o acompanhamento nutricional não é indispensável para efetuar adequadamente um treino de fitness (o que é demonstrado pelo facto de a Requerente disponibilizar planos de fitness com ou sem acompanhamento nutricional); e, embora deva ser pago um preço global mensal pela subscrição conjunta dos serviços de ginásio e de acompanhamento nutricional, há uma discriminação separada dos respetivos valores nas faturas emitidas pela Requerente.
Noutra ordem de considerações, tendo presente a factualidade que resultou provada – «Nos anos de 2016 e 2017, foram prestadas no health club da Requerente, respetivamente, 529 e 1.252 consultas de nutrição.» (cf. facto provado r)); e «Apenas metade das consultas de nutrição referidas no facto provado anterior foram prestadas a clientes da Requerente com uma finalidade terapêutica, por padecerem de patologias para cujo tratamento era necessária a intervenção na vertente nutricional.» (cf. facto provado s)) – e não provada – «não resultou provado que, nos anos de 2016 e 2017, tenham sido disponibilizados ou prestados no health club da Requerente quaisquer outros serviços de acompanhamento nutricional com finalidade terapêutica, designadamente para fins de prevenção, diagnóstico ou tratamento de uma doença e regeneração da saúde, para além daqueles que resultam da conjugação dos factos provados r) e s)» –, cabe concluir que, nos anos de 2016 e 2017, apenas tiveram uma finalidade terapêutica – ou seja, foram prestadas «para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde» – 265 e 626 consultas de nutrição, respetivamente. Consequentemente, em linha com o decidido pelo TJUE no citado aresto, consideramos que apenas aquelas 891 (265 + 626) consultas de nutrição prestadas no health club da Requerente, nos anos de 2016 e 2017, estão abrangidas pela isenção prevista no artigo 9.º, 1), do Código do IVA; logo, todas as demais prestações de serviços de nutrição que foram faturadas pela Requerente, naqueles dois anos, não estão abrangidas no âmbito de aplicação da referida isenção e, por isso, estão sujeitas a IVA e dele não isentas (cf. artigos 1.º, n.º 1, alínea a), e 4.º, n.º 1, do Código do IVA).
Poder-se-á argumentar, na perspetiva de contrariar esta conclusão, que a Requerente não identificou nominalmente os seus clientes a quem aquelas 891 consultas de nutrição foram prestadas, nem quais as razões justificativas da necessidade de uma intervenção terapêutica na vertente nutricional; no entanto, para além de entendermos que do citado aresto do TJUE não decorre que tal seja absolutamente necessário (apenas ali é dito, sem mais, que «incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar» se o serviço de acompanhamento nutricional «é prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde, e, portanto, com uma finalidade terapêutica»), entendemos que, no caso concreto, tal circunstância não é obstativa da conclusão a que chegámos, pois, sopesada toda a prova que foi produzida – com particular destaque para os depoimentos prestados pelas nutricionistas que foram inquiridas –, consideramos que existe a sustentação probatória necessária para considerar que aquelas consultas tiveram uma efetiva finalidade terapêutica, «na aceção da jurisprudência referida nos n.os 24 e 26» do sobredito acórdão do TJUE.
21. Nestes termos, as correções efetuadas pela AT, em sede de IVA, referente aos períodos de tributação dos anos de 2016 e 2017, descritas no facto provado t), enfermam parcialmente de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação da isenção estatuída no artigo 9.º, 1), do Código do IVA, relativamente a 265 e 626 consultas de nutrição prestadas no health club da Requerente, respetivamente, nos anos de 2016 e 2017; consequentemente, as liquidações adicionais de IVA controvertidas padecem de igual vício invalidante e devem, por isso, ser anuladas, na parte em que radicam naquelas correções (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).
§3.1. OS JUROS COMPENSATÓRIOS
22. O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estatui que são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.
Na situação sub judice, concluiu-se que os atos de liquidação adicional de IVA controvertidos são parcialmente inválidos por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, gerador de anulabilidade, na parte em que radicam nas correções efetuadas pela AT, em sede de IVA, referente aos períodos de tributação dos anos de 2016 e 2017, descritas no facto provado t), quanto a 265 e 626 consultas de nutrição prestadas no health club da Requerente, respetivamente, nos anos de 2016 e 2017.
Atento o pressuposto subjacente às liquidações de juros compensatórios controvertidas, estas enfermam de idêntico vício invalidante e, por consequência, devem ser anuladas na parte em que incidem sobre os montantes de imposto liquidados com base nas aludidas correções.
§4. O REEMBOLSO DOS MONTANTES (INDEVIDAMENTE) PAGOS, ACRESCIDOS DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
23. A Requerente peticiona, ainda, o reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, sendo que resultou comprovado que a Requerente procedeu ao pagamento integral do valor de € 59.429,99 (cinquenta e nove mil quatrocentos e vinte e nove euros e noventa e nove cêntimos), resultante dos atos de liquidação de IVA e de juros compensatórios controvertidos (cf. facto provado v)).
O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estatuir que é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, então está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.
Isto posto, cumpre, então, apreciar os pedidos de reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios indevidamente pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.
§4.1. DO REEMBOLSO DOS MONTANTES PAGOS
24. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação parcial quer das liquidações adicionais de IVA quer das liquidações de juros compensatórios controvertidas, nos termos acima enunciados, há lugar ao reembolso dos montantes pecuniários indevidamente suportados pela Requerente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se aqueles atos tributários não tivessem sido praticados nos termos em que foram.
Destarte, procede o pedido de reembolso à Requerente dos montantes de imposto e de juros compensatórios indevidamente pagos, cujos respetivos valores deverão ser determinados em execução de julgado.
§4.2. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
25. O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estatui que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”.
No caso concreto, verifica-se que a declaração de ilegalidade e a consequente anulação parcial quer das liquidações adicionais de IVA quer das liquidações de juros compensatórios controvertidas, nos termos acima enunciados, são inteiramente imputáveis à AT.
Destarte, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, a liquidar após a determinação, em cumprimento da presente decisão, dos valores de imposto e de juros compensatórios indevidamente pagos; uma vez determinados esses montantes, deverão então ser liquidados os respetivos juros indemnizatórios, nos termos legais.
*
26. A finalizar, há que salientar que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras.
IV. DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
a) Declarar ilegais e anular:
(i) as liquidações adicionais de IVA n.ºs 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ……… e 2019 ………, na parte em que radicam nas sobreditas correções quanto a 265 e 626 consultas de nutrição prestadas no health club da Requerente, respetivamente, nos anos de 2016 e 2017, com as legais consequências;
(ii) as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ……… e 2019 ………, na parte em que incidem sobre os montantes de imposto liquidados com base nas correções referidas no ponto anterior, com as legais consequências; e
(iii) as demonstrações de acertos de contas n.ºs 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ………, 2019 ……… e 2019 ………, na exata medida das anulações das preditas liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, com as legais consequências.
b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente os montantes de imposto e de juros compensatórios indevidamente pagos, a serem determinados em execução de julgado, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos legais.
c) Condenar ambas as partes no pagamento das custas processuais, na proporção dos respetivos decaimentos.
V. VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 59.429,99 (cinquenta e nove mil quatrocentos e vinte e nove euros e noventa e nove cêntimos).
VI. CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), cujo pagamento fica a cargo da Requerente e da Requerida, na proporção dos seus decaimentos que se fixam, respetivamente, em 93% e 7%.
Notifique.
Lisboa, 19 de maio de 2021.
O Árbitro,
(Ricardo Rodrigues Pereira)