DECISÃO ARBITRAL
SUMÁRIO:
I – Os extratos bancários de movimentos bancários, do qual se retira apenas os fluxos financeiros que dele constam, não são suficientes para comprovar as despesas relevantes para efeito do apuramento do lucro tributável em IRC, carecendo de suporte documental de nível contabilístico que permita especificar a sua natureza, origem ou finalidade;
II – O princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material vincula a Autoridade Tributária e Aduaneira no poder dever de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material. No entanto, este poder-dever é apenas complementar das obrigações declarativas e contabilísticas do sujeito passivo, só se justificando a realização de diligências oficiosas quando os elementos instrutórios que tenham sido recolhidos a partir dos registos contabilísticos do sujeito passivo não permitam elucidar certos aspetos da relação tributária e se torne indispensável uma mais completa averiguação.
III – Devem ser tidas como despesas não documentadas, sujeitas a tributação autónoma, as despesas que não se encontram refletidas na contabilidade do sujeito passivo, através de documento justificativo.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. Em 15 de julho de 2020, A …S.A., NIPC …, com sede na Rua …, n.º …, … Lisboa, doravante designada por “Requerente”, solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista:
a) à declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º … e juros compensatórios, no montante de € 24.843,85 (vinte e quatro mil, oitocentos e quarenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos), do exercício de 2015, e sua consequente anulação;
b) e ao pagamento de juros indemnizatórios.
2. A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelos seus mandatários, o Dr. …, Dr.ª … e Dr.ª …, e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelas juristas, Dr.ª … e Dr.ª ….
3. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi, o signatário, designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e aceitou o cargo, no prazo legalmente estipulado.
4. No dia 2 de setembro de 2020, a Requerida informou os autos, ao abrigo do disposto no artigo 13.º do RJAT, que, por despacho de 24/08/2020, a AT procedeu à revogação integral do ato objeto do pedido de pronúncia em causa.
5. Em 8 de setembro de 2020, na sequência da comunicação da Autoridade Tributária e Aduaneira prevista no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, foi a Requerente notificada, por despacho do Senhor Presidente do CAAD, para informar sobre o prosseguimento do procedimento.
6. No dia 11 de setembro de 2020, a Requerente em resposta ao despacho do Senhor Presidente do CAAD referido em 5 supra, e ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, apresentou um requerimento através do qual comunicou a aceitação da referida revogação do ato tributário, requerendo complementarmente que o CAAD ordenasse a notificação da Requerente para se pronunciar expressamente sobre o pedido de juros indemnizatórios formulado no requerimento inicial, para efeitos de prosseguimento do procedimento.
7. No dia 6 de outubro de 2020, a Requerente, através de e-mail dirigido ao CAAD, informou que não pretendia avançar com o processo para apreciação da questão referente aos juros indemnizatórios e solicitou que o CAAD notificasse a Requerida para que esta viesse demonstrar que havia procedido à revogação do ato tributário sindicado no presente pedido arbitral, conforme indica no seu requerimento de 02.09.2020, e, consequentemente, à restituição do montante de imposto indevidamente pago pela Requerente.
8. No dia 6 de outubro de 2020, face ao teor do requerimento apresentado pela Requerente referido em 7 supra, foram as partes notificadas do despacho de arquivamento dos autos proferido pelo Senhor Presidente do CAAD.
9. No dia 9 de outubro de 2020, a Requerida, através de e-mail dirigido ao CAAD, comunica que, «por lapso informou os autos da revogação do acto ao abrigo do art. 13.º do RJAT. Na sequência do despacho de arquivamento verificou-se não existir qualquer revogação relativamente à matéria controvertida, mantendo-se o acto na ordem jurídica».
10. No dia 16 de outubro de 2020, na sequência da sua notificação quanto à comunicação da Requerente indicada em 9 supra, apresentou, a Requerente, um requerimento através do qual manifestou o seu interesse no prosseguimento da ação, solicitando, para o efeito, a constituição do tribunal arbitral para efeitos de apreciação da legalidade do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativo ao exercício de 2015, identificado em 1 supra.
11. Nesta mesma data, foi, o presente Tribunal, constituído, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral singular que se encontra junta aos presentes autos.
12. No dia 19 de novembro de 2020, depois de notificada para o efeito, a Requerida apresentou Resposta e juntou, aos autos, o processo administrativo.
13. Por despacho de 15 de dezembro de 2020, atendendo não existir necessidade de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade das partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários para prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, ao abrigo dos princípios de autonomia do Tribunal na condução do processo, da simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT, o Tribunal entendeu ser de dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.
14. No despacho referido em 13. supra, o Tribunal determinou que a decisão final seria proferida até ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT e advertiu, por último, a Requerente que, até à data indicada, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, e comunicar tal pagamento ao CAAD.
15. Atento o facto de o prazo de seis meses para emitir a decisão arbitral, segundo o estatuído no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, incluir períodos de férias judiciais e atenta a tramitação e a complexidade do processo, não ser possível proferir decisão naquele prazo, por despacho de 14 de abril de 2021, o Tribunal prorrogou, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, o prazo da arbitragem por dois meses, tendo indicado como data-limite para ser proferida a decisão, o dia 16 de junho de 2021.
II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:
1. A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes vícios:
a) ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO, por violação do disposto no artigo 88.º do Código do IRC, sustentando que «na ótica da Requerente, a AT confundiu, salvo o devido respeito, o que sejam despesas não devidamente documentadas (como tal não aceites como custo fiscal nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC - “CIRC”) e despesas confidenciais ou não documentadas, as quais se encontravam, à data, sujeitas a tributação autónoma nos termos do disposto no artigo 88.º do CIRC».
Mais referindo que, «(…) as transferências em causa nos presentes autos estão tituladas por documentos bancários e lançamentos contabilísticos com identificação do beneficiário (B…), tal como expressamente reconhecido pela AT em sede de inspeção e prova documental produzida pela Requerente. Resulta, assim, inequívoca a falência da argumentação da Administração Tributária, desde logo, porque não é verdade que tais despesas não estejam documentadas ou assuma qualquer natureza confidencial.»
b) VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL E DO INQUISITÓRIO, previsto no artigo 58.º da LGT, sustentando que «bastaria à autoridade tributária munir-se dos seus poderes inquisitórios para aferir junto da B… qual a natureza e finalidade de tal pagamento e se entendesse sujeitar o mesmo a tributação. Assim imporia o dever de busca da verdade material e do inquisitório, ambos princípios com consagração no regulamento de inspeção tributária e na LGT.» Mais aduzindo que « [o] que não se mostra aceitável é que a AT se limite a obter a receita tributária por via de tributações autónomas em sede de IRC, quando é certo que a despesa está devidamente relevada e identificado o beneficiário do pagamento.»
2. Concluindo, assim, «que ainda que a finalidade das transferências não estivesse devidamente identificada, tal não seria suficiente para sujeitar os pagamentos efetuados a tributações autónomas, sendo, assim, evidente a falência dos argumentos da Administração Tributária, o que determinará a ilegalidade da decisão de sujeição a tributação autónoma da quantia de € 43.500,16 e a procedência da presente petição arbitral.»
3. Peticiona, assim, a final, que seja deferido o presente pedido de pronúncia arbitral e em consequência seja anulada a liquidação adicional de IRC e respetivos juros compensatórios, bem como, sejam pagos juros indemnizatórios.
III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:
1. Rebate a Requerida os argumentos da Requerente, referindo no que respeita ao invocado VÍCIO DE ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO, POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 88.º DO CÓDIGO DO IRC, que «visto se desconhecer a natureza, origem e finalidade das despesas, face à ausência de documentação, apenas documentos bancários, estas saídas configuram despesas não documentadas, conforme consta da alínea b) do n.º 1 do art.º 23.º A do Código do IRC”. », Mais defendendo que, «não tendo sido apresentados documentos que justifiquem a saída de meios financeiros da sociedade A…, é inegável que o montante de € 43.500,16, inscrito na conta 2784000011, é enquadrável como despesas não documentadas. Nos termos do n.º 1 do art.º 88.º do CIRC, as despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gasto nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 23.º A.»
2. No que respeita à alegação do VÍCIO DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL E DO INQUISITÓRIO, defende a Requerida que «não foram apresentadas provas das despesas em causa, da sua indispensabilidade à atividade, bem como a sua natureza e finalidade. A AT não se pode substituir ao sujeito passivo na comprovação das operações que efetivamente tenha realizado, quando a própria não o fez, tendo tido várias oportunidades para tal.»
3. Concluindo, assim, no sentido de que «deve o pedido de pronuncia arbitral ser julgado improcedente.»
IV. SANEAMENTO
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.
V. MATÉRIA DE FACTO
1. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC).
3. Assim, atendendo à posição assumida pela Requerente, no pedido de constituição arbitral que formulou e à prova documental por si junta aos autos, bem como a assumida pela Requerida, na resposta que apresentou e ao processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
b. Factos dados como provados
1. Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
A. A Requerente é um sujeito passivo de IRC que tem como objeto, entre outros, o comércio e indústria farmacêutica, bem como a compra, venda e revenda, a retalho e por grosso de produtos farmacêuticos, cosméticos, perfumes e prestação de serviços (a exploração comercial de farmácias). – cfr. processo administrativo -;
B. A Requerente foi inicialmente constituída como sociedade por quotas, tendo em 27 de dezembro de 2007 sido transformada em sociedade anónima e, posteriormente, em 29 de dezembro de 2014, novamente transformada em sociedade por quotas. – cfr. processo administrativo - ;
C. No ano de 2015, o sujeito passivo apresentava, na conta 2784000011- B…, um saldo final devedor de € 43.500,16, traduzindo-se em saídas de fundos das contas bancárias da Requerente em benefício da entidade “C…, LDA”, NIPC …, sem que esta tenha emitido a respetiva fatura – cfr. processo administrativo -;
D. Através da Ordem de Serviço n.º …, a Direção de Finanças de Lisboa iniciou uma ação de inspeção externa de âmbito parcial em sede de IRC e IVA, referente ao ano de 2015 (posteriormente alargado para incluir a análise de IRS). – cfr. processo administrativo - ;
E. Através do Ofício n.º …, de 06 de dezembro de 2019, da Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi notificada do projeto de relatório proferido no âmbito do referido procedimento de inspeção, o qual propunha correções a título de IRS e IRC de 2015, sendo que, quanto a estas – que aqui interessam - projetava a liquidação adicional de € 21.750,00, a título de tributações autónomas, alegadamente devidas sobre despesas não documentadas, nomeadamente “despesas efetivas, incorridas através de saídas de recursos financeiros [para a entidade “C…, Lda.”] sem suporte documental e que, no entanto, obtiveram registo contabilístico, através das contas da contabilidade”, e para, querendo, exercer o seu direito de audição que lhe assiste por via do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (“RCPITA”). – cfr. processo administrativo -
F. No dia 18 de dezembro de 2019, a Requerente exerceu o direito de audição sobre o referido projeto de relatório de inspeção, invocando, em suma, quanto ao IRC, «que não existe qualquer caráter confidencial, nem ausência de suporte documental, nas operações financeiras efetuadas com a firma C…, Lda. e que nenhuma das transferências em causa foi deduzida ao lucro tributável da Requerente;» - cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de pronuncia arbitral e processo administrativo –
G. No dia 6 de janeiro de 2020, a Requerente foi notificada do Relatório final de inspeção tributária, nos termos do qual a Direção de Finanças de Lisboa decidiu manter integralmente as correções propostas, em sede de IRC, que aqui nos importa, por considerar que:
«III.1. Em sede de IRC
III.1.1. Conta 2784000011 – B…
No ano de 2015 o sujeito passivo apresentava, na conta 2784000011 – B… (Anexo 12), um saldo final devedor de € 43.500,16, verificando-se, assim, que ocorreram saídas de fundos da entidade em benefício da entidade “C… LDA”, NIPC ….
Consultada a Visão Integrada do Contribuinte consta que o Sr. D…, NIF – …, na qualidade de Gerente da entidade “C… LDA” de 2011-12-28 a 2018-05-24 e na Certidão Permanente como um dos sócios da entidade “A…” (Anexos 2 e 13).
Em termos contabilísticos, verifica-se que ocorreram saídas de fundos da entidade “A…” para a entidade “C… LDA” à data dos factos.
Da análise desta conta constata-se que o saldo inicial de 2015 apresenta um saldo devedor de € 43.500,16, apresentando no ano de 2015, movimentos a débito no valor de € 48.500,16 e movimentos a crédito no valor de € 5.000,00.
Durante a inspeção inspetiva verificou-se que os documentos de suporte aos lançamentos contabilísticos efetuados nesta conta correspondem em grande maioria a extratos bancários da conta n.º … do Banco Millennium BCP, conta essa pertencente ao sujeito passivo.
Os movimentos efetuados na conta 2784000011 – B… encontram-se detalhados no quadro seguinte (Anexo 14):
(…)
De referir que a maioria dos movimentos a débito apresentam como descritivo “TRF …P/EMP B…”.
No sentido de esclarecer esta situação foi solicitada através de n/ notificação (Anexo 6) apresentação de documentação e justificação de lançamentos contabilísticos refletidos na conta 2784000011 – B….
Em resposta ao nosso pedido foram apresentadas cópias dos documentos de suporte aos lançamentos contabilísticos efetuados nesta conta. No entanto, não foi apresentado qualquer esclarecimento adicional relativamente ao motivo pelo qual foram efetuados esses fluxos financeiros (Anexo 15).
Importa referir, ainda, que os documentos enviados pelo sujeito passivo são os documentos que constam na contabilidade e observados durante a ação inspetiva e qua nada vêm a acrescer às dúvidas suscitadas.
Conforme referido anteriormente, da análise efetuada aos documentos observados durante a ação inspetiva e aos documentos enviados pelo sujeito passivo bem como da análise da conta bancária da sociedade “A…” no banco Millenium BCP – conta Nº … verificou-se a existência de transferências de dinheiro da conta bancária do sujeito passivo para a conta bancária da entidade “C… LDA”, apresentando a maioria dos movimentos a descrição “TRF P/EMP B…”.
De acordo com extratos bancários, os valores movimentados entre as contas bancárias da entidade “C… LDA” e a conta bancária da sociedade “A…”, correspondem a saídas da conta bancaria da “A…” para a “C… LDA” no montante de € 48.500,16 e entradas na conta bancária da “A…” provenientes da conta bancária da “C… LDA” no valor de €5.000,00. Deste modo o saldo entre as entradas e as saídas traduziu-se em saídas de dinheiro da “A…” para a “C… LDA” no montante de € 43.500,16= € 48.500,16 - € 5.000,00.
Consultada a Lista de Documentos Comerciais no sistema da AT, verifica-se, que a entidade “C… LDA” não emitiu faturas à “A…”. Sendo assim, apenas se observaram fluxo financeiros refletidos nos extratos bancários entre o sujeito passivo e a entidade “C… LDA” e vice-versa.
A situação de indistinção financeira e patrimonial das empresas com sócios/gerentes comuns, permitiu a existência de fluxos financeiros negativos, sem contrapartida, na esfera do sujeito passivo. Tais fluxos resultaram em perdas para o património e para a liquidez da empresa, pelo que constituem gastos ou custo incorridos não documentados.
Estão em causa despesas efetivas, incorridas através de saídas de recursos financeiros sem suporte documental e que, no entanto, obtiveram registo contabilístico, através das contas da contabilidade.
No caso concreto, visto se desconhecer a natureza, origem e finalidade das despesas, face à ausência de documentação, apenas documentos bancários, estas saídas configuram despesas não documentados, conforme consta da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º A do Código do IRC.
No que refere à tributação autónoma, conforme n.º 1 do artigo 88.º do Código do IRC, esta apenas incide sobre encargos que não se encontrem documentados, anteriormente designados como despesas confidenciais.
Tributação Autónoma – As despesas não documentadas estão sujeitas a tributação autónoma, conforme preceituado no n.º 1 do art.º 88.º do CIRC. O imposto em falta ascende a € 21.750,00 [€ 48.500,16 - € 5.000,00) x 50%].
Tendo em conta o que foi exposto, relativamente ao período de 2015, propõem-se correções (Tributações Autónomas) no valor de € 21.750,00.
Descrição Valor
Conta 2784000011-
B… 21.750,00
Total 21.750,00
- cfr. documento n.º 2 junto com o pedido de pronuncia arbitral e processo administrativo -;
H. Nesta sequência, foi a Requerente notificada da demonstração de liquidação adicional de IRC n.º … de 02.01.2020, da demonstração de juros compensatórios n.º …, de 06.01.2020 e da demonstração de acerto de contas com a compensação n.º …, de 06.01.2020, no montante de € 24.843,85 (vinte e quatro mil, oitocentos e quarenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos), constando desta como data limite para pagamento o dia 12.02.2020. – cfr. documento n.º 3 junto com o pedido de pronuncia arbitral –
I. No dia 12 de fevereiro de 2020, a Requerente procedeu ao pagamento do montante de € 24.843,85, referente ao IRC, do exercício de 2015, em causa nos presentes autos. – cfr. documento n.º 5 junto com o pedido de pronuncia arbitral -
J. No dia 15 de julho de 2020, a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral.
a. Factos dados como não provados
Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Não existem factos dados como não provados, entendendo o presente Tribunal Arbitral que todos os factos dados como provados são os bastantes e relevantes para a apreciação do pedido.
VI- DO DIREITO
- Thema decidendum –
A questão de fundo dos presentes autos consiste em saber se as despesas em causa - transferências de dinheiro da conta bancária da Requerente para a conta bancária da B…, movimentos que, na sua maioria, apresentavam a descrição de “TRF P/ EMP B…”, no montante total de € 43.500,16 - consubstanciam despesas não documentadas para efeitos de tributação ao abrigo do disposto no artigo 88.º do Código do IRC.
Posição da Requerente
1. Sustenta a Requerente que o ato de liquidação sindicado nos presentes autos padece de vício de ilegalidade, começando por referir que «[e]m concreto, estão em causa transferências de dinheiro da conta bancária da Requerente para a conta bancária da B…, movimentos que, na sua maioria, apresentavam a descrição de “TRF P/ EMP B…”, no montante total de € 43.500,16 (desconsiderando as transferências realizadas pela B… para a conta bancária da Requerente, no valor de € 5.000,00).Em primeiro lugar e desde logo, não é verdade [como suporta a AT] que tais despesas não estejam documentadas, uma vez que, tal como expressamente assumido pela AT, estamos perante transferências tituladas por documentos bancários e registadas na contabilidade (cfr. documento n.º 6), o que condiciona irremediavelmente a validade do entendimento da AT. Por outro lado, na ótica da ora Requerente, a AT confundiu, salvo o devido respeito, o que sejam despesas não devidamente documentadas (como tal não aceites como custo fiscal nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC – “CIRC”) e despesas confidenciais ou não documentadas, as quais se encontravam, à data, sujeitas a tributação autónoma nos termos do disposto no artigo 88.º do CIRC.»
2. Na verdade, defende a Requerente que « à luz do quadro legal acima exposto[art.º 23-A e 88.º do CIRC], importa distinguir despesas não documentadas das despesas indevidamente documentadas.», concretizando aduz a Requerente que «Ora, as transferências em causa nos presentes autos estão tituladas por documentos bancários e lançamentos contabilísticos com identificação do beneficiário (B…), tal como expressamente reconhecido pela AT em sede de inspeção e prova documental produzida pela Requerente.», pelo que «[r]esulta, assim, inequívoca a falência da argumentação da Administração Tributária, desde logo, porque não é verdade que tais despesas não estejam documentadas ou assumam qualquer natureza confidencial. Pelo contrário, estamos perante despesas suportadas documentalmente e cujo beneficiário se encontra identificado na contabilidade da ora Requerente, assim se afastando do conceito de gasto não documentado ou confidencial, o qual justifica a penalização do sujeito passivo por via da imposição de uma tributação autónoma.»
3. Mais afere a Requerente que, «(…) ao contrário do que pretende fazer crer a AT, o conceito de despesa indevidamente documentada não cabe no âmbito de aplicação do artigo 88.º do CIRC, uma vez que a sanção para o mero incumprimento das regras de contabilização e evidenciação dos gastos passa pela sua desconsideração para efeitos fiscais e não pela sua sujeição a tributação autónoma. Neste âmbito e tal como avançado pela Requerente em sede de direito de audição, os referidos gastos não foram deduzidos para efeitos de apuramento do lucro tributável da Requerente, o que se invoca para os devidos efeitos legais.»
4. Continua a Requerente fazendo referência a que «(…), mesmo admitindo, o que por mera hipótese de raciocínio se faz, embora sem conceder, que as referidas transferências não se encontram suficientemente documentados na contabilidade da ora Requerente com documentos externos de suporte – o que não é o caso, pois não é exigível em sede de IRC que todos os pagamentos estejam titulados por recibos de quitação/fatura – nunca tal facto teria por virtualidade significar de per si, que tais custos se encontrem por documentar e, como tal, sujeitos a tributação autónoma.»
5. Menciona, ainda, que «(…) no caso dos autos, os pagamentos efetuados pela Requerente estão perfeitamente identificados, sendo absolutamente clara a sua origem e respetivo beneficiário, conforme resulta da documentação recolhida pela AT. Por outro lado, e mesmo admitindo-se que se desconheceria o motivo pelo qual foram efetuados esses fluxos financeiros, importa salientar que esse facto nunca significaria a sujeição de tais pagamentos a tributação autónoma.»
6. Refere que «(…) na situação em apreço, a Requerente não gostaria de deixar de notar que no caso sub judice estamos perante despesas devidamente relevadas na contabilidade da empresa, sendo inequívoca a identidade do beneficiário, i.e., a B….», concluindo, assim, que «(…) carece de qualquer base legal a tese da Administração Tributária quando pretende fazer crer que estamos perante despesas não documentadas para efeitos da sua sujeição a tributação autónoma. Aliás, estando identificado o beneficiário de tal pagamento – e não tendo sido relevado o gasto na contabilidade da Requerente – facilmente se conclui que inexistiu qualquer intuito de obtenção para si ou terceiro de qualquer vantagem patrimonial ou fiscal.»
7. Sustenta, complementarmente que «[d]e igual modo, sempre se diga que bastaria à autoridade tributária munir-se dos seus poderes inquisitórios para aferir junto da B… qual a natureza e finalidade de tal pagamento e se entendesse sujeitar o mesmo a tributação. Assim o imporia o dever de busca da verdade material e do inquisitório, ambos princípios com consagração no regulamento de inspeção tributária e na LGT. O que não se mostra aceitável é que a AT se limite a obter a receita tributária por via de tributações autónomas em sede de IRC, quando é certo que a despesa está devidamente relevada e identificado o beneficiário do pagamento.»
8. Concluindo no sentido que «(…)face a tudo o acima exposto e à jurisprudência uniforme dos nossos tribunais fiscais, que ainda que a finalidade das transferências não estivesse devidamente identificada, tal não seria suficiente para sujeitar os pagamentos efetuados a tributação autónoma, sendo, assim, evidente a falência dos argumentos da Administração Tributária, o que determinará a ilegalidade da decisão de sujeição a tributação autónoma da quantia de € 43.500,16 e a procedência da presente petição arbitral.»
9. Pugnando, por último «a este Mui Douto Tribunal Arbitral que se digne julgar procedente por provado o presente pedido e, em consequência, determine a anulação do ato tributário ora sindicado, por vício de ilegalidade, tudo com as devidas consequências legais, mormente a reposição da situação tributária da ora Requerente relativa ao exercício de 2015, nos termos acima melhor expostos na presente petição, o que motivará o direito da Requerente ao reembolso do imposto pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, tudo com as devidas consequências legais.»
Posição da Requerida
10. Contra-argumenta a Requerida a posição da Requerente, de forma muito sintética e assertiva, remetendo para os fundamentos expendidos no Relatório de Inspeção Tributária, do qual sumariamente resulta, com especial relevo, o seguinte: «No ano de 2015, o sujeito passivo apresentava, na conta 2784000011 – B…, um saldo final devedor de € 43.500,16, traduzindo-se em saídas de fundos das contas bancárias da Requerente em benefício da entidade “C… LDA”, NIPC …. Referem os serviços de inspeção tributária (SIT) que “… da análise efetuada aos documentos observados durante a ação inspetiva e aos documentos enviados pelo sujeito passivo bem como da análise da conta bancária da sociedade “A…” no banco Millenium BCP – conta Nº … verificou-se a existência de transferências de dinheiro da conta bancária do sujeito passivo para a conta bancária da entidade “C… LDA”, apresentando a maioria dos movimentos a descrição “TRF P/EMP B…”.
De acordo com extratos bancários, os valores movimentados entre as contas bancárias da entidade “C… LDA” e a conta bancária da sociedade “A…”, correspondem a saídas da conta bancaria da “A…” para a “C… LDA” no montante de € 48.500,16 e entradas na conta bancária da “A…” provenientes da conta bancária da “C… LDA” no valor de € 5.000,00. Deste modo o saldo entre as entradas e as saídas traduziu-se em saídas de dinheiro da “A…” para a “C… LDA” no montante de € 43.500,16= € 48.500,16 - € 5.000,00. Consultada a Lista de Documentos Comerciais no sistema da AT, verifica-se, que a entidade “C… LDA” não emitiu faturas à “A…”. Sendo assim, apenas se observaram fluxo financeiros refletidos nos extratos bancários entre o sujeito passivo e a entidade “C… LDA” e vice-versa.»
11. Nesta sequência, refere a Requerida que «[a] situação de indistinção financeira e patrimonial das empresas com sócios/gerentes comuns, permitiu a existência de fluxos financeiros negativos, sem contrapartida, na esfera do sujeito passivo. Tais fluxos resultaram em perdas para o património e para a liquidez da empresa, pelo que constituem gastos ou custos incorridos não documentados.»
12. Segundo a Requerida, «[n]o caso concreto, visto se desconhecer a natureza, origem e finalidade das despesas, face à ausência de documentação, apenas documentos bancários, estas saídas configuram despesas não documentados, conforme consta da alínea b) do nº 1 do artº 23º A do Código do IRC (…). Assim sendo, foram as despesas não documentadas sujeitas a tributação autónoma, nos termos do nº 1 do artº 88º do CIRC.» Na verdade, «(…) e apesar de não estar em causa a dedutibilidade dos gastos, pois encontram-se registados numa conta 27, a questão coloca-se ao nível da comprovação através de documentos de suporte, em consonância com o disposto no artigo 123º do CIRC, por forma a que se afira se estamos perante despesas não documentadas, sujeitas a tributação autónoma, ou despesas indevidamente documentadas, e neste caso, não sujeitas a tributação autónoma.» Com efeito, «[a]quando da ação inspetiva, verificaram os serviços, saídas de dinheiro da conta da Requerente, sem que tenham sido apresentados os respetivos documentos de suporte, emitidos por entidades externas à sociedade, que identifiquem a natureza, origem e destino dos serviços inerentes a tais saídas, conhecendo-se apenas o destinatário.»
13. Mais alude a Requerida que «[é] entendimento unânime que “despesas não documentadas” são aquelas que não têm suporte documental a nível contabilístico, contudo perante o regime fiscal atual, consideraram-se ainda despesas não documentadas, nomeadamente, aquelas relativamente às quais não seja expressa a sua natureza, origem ou finalidade (conceito de que abrange agora as despesas confidenciais (…). O significado de “despesas não documentadas” reconduz-se a saídas de meios financeiros do património empresarial por movimentação da conta caixa ou de contas bancárias sem suporte documental. Embora exista jurisprudência, que considere a exigência de que o beneficiário das despesas não seja conhecido nem cognoscível, para que uma despesa seja considerada como não documentada, tal exigência não resulta da lei contemporânea (n.º 1 do art.º 88.º do CIRC) que, por recomendação da OCDE, deixou de acolher o conceito de despesas confidenciais. A lei atual, com uma função dissuasora e sancionadora de determinados comportamentos, basta-se com a saída de fundos gerados pela atividade da empresa para fins conhecidos ou desconhecidos, mas sem suporte documental.»
14. Deste modo, expressa a Requerida que, no caso em concreto «o sujeito passivo foi contabilizando na conta 2784000011 – B… movimentos de saídas de dinheiro, maioritariamente com a designação “TRF P/EMP B…”, apresentando a mesma, no final do ano de 2015, um saldo devedor de € 43.500,16. Questionada para esclarecer situação e apresentar documentos justificativos da saída de meios monetários, a Requerente não veio apresentar documentos complementares, para além dos que constam na contabilidade e observados no procedimento inspetivo. Em sede de direito de audição do projeto de correções também não o fez, apenas referindo que não existe qualquer confidencialidade, nem qualquer indocumentação, acrescendo que nenhuma das transferências em causa corresponde a gastos que tenham sido deduzidos pela empresa para efeitos do seu lucro tributável. Um extrato bancário não serve de documento comprovativo, apenas reflete um movimento financeiro de saída, não dispensando a apresentação dos documentos legais que traduzam a operação subjacente, os quais deverão conter os elementos exigidos pelo nº 4 do artº 23º do CIRC.»
15. Continua mencionando que «[a]inda que a Requerente invoque que se encontra afastado o conceito de gasto não documentado ou confidencial, pois menciona que o beneficiário está identificado, não podemos concordar com a mesma, pois tal facto não permite identificar a origem, natureza e finalidade, e caso esteja em causa a aquisição de bens, as quantidades e denominação dos bens, por exemplo.» Na verdade, «(…) a Requerente, tem vindo constantemente a invocar que não estamos perante despesas não documentadas, contudo, ao longo das várias oportunidades que teve para provar o contrário nunca o fez, não aduzindo quaisquer documentos/elementos suscetíveis de alterar a posição da AT. Refira-se também que, nesta sede (procedimento arbitral) apenas vem invocar que as despesas não se qualificam como despesas não documentadas, citando jurisprudência sobre esta matéria, excursando-se constantemente, a mencionar a que título tais transferências operaram, facto relevante para a qualificação das mesmas.»
16. Afere, complementarmente, a Requerida que «(…) pese embora os gastos não tenham sido deduzidos para efeitos do apuramento do lucro tributável (refira-se que caso fossem considerados, os mesmos não seriam aceites nos termos do artº 23º-A do CIRC), na esfera da Requerente, o certo é que, dos documentos disponibilizados – extrato bancário – não foi possível à AT aferir a natureza, origem e finalidade das despesas e se as mesmas se inserem no âmbito da atividade da empresa. Além disso, pelos elementos de que dispomos, e por desconhecermos a natureza das operações, também não é possível aferir se tais valores estariam sujeitos a tributação, e caso estivessem, se foram tributados na esfera da sociedade receptora das transferências – B….» Com efeito, «[a] descrição apresentada para tais transferências subsume-se a “TRF P/EMP B…”, podendo tal designação querer referir-se a empréstimos, contudo não é possível ter certezas, porque nem isso foi explicado pela Requerente.».
17. Concluindo no sentido de que «(…) pese embora se conheça o beneficiário, valores e datas, continua por justificar, embora como referido no RIT, fosse solicitado, a origem, finalidade e natureza de tais despesas. Aliás, nem se consegue provar se estamos perante despesas relacionadas com a atividade da empresa, existindo uma indistinção financeira e patrimonial das empresas com sócios/gerentes comuns.»
18. No que ao alegado vício de violação do princípio da verdade material e do inquisitório, responde a Requerida mencionando que «(…) não foram apresentadas provas das despesas em causa, da sua indispensabilidade à atividade, bem como da sua natureza e finalidade. A AT não se pode substituir ao sujeito passivo na comprovação das operações que efetivamente tenha realizado, quando a própria não o fez, tendo tido várias oportunidades para tal.»,
19. E termina, a Requerida, reiterando e aludindo, por um lado, que, «(…) não tendo sido apresentados documentos que justifiquem a saída dos meios financeiros da sociedade A…, é inegável que o montante de € 43.500,16, inscrito na conta 2784000011, é enquadrável como despesas não documentadas.» e por outro, que «(…) ainda que a Requerente defenda que as despesas em causa caem no âmbito de “despesas não devidamente documentadas”, pois que, pese embora não obedecendo aos requisitos legais permitem identificar o beneficiário da operação, perante os documentos entregues entendemos, na senda do acima referido que, não possuindo a Requerente na sua contabilidade, documentos que identifiquem e comprovem de forma idónea, a origem, natureza e destino (desconhece-se a que título as transferências foram efetuadas, se a C… era o beneficiário final ou um intermediário, por exemplo) das despesas, apenas identificando o destinatário, estas só poderão ser tidas como não documentadas e como tal não dedutíveis fiscalmente (facto que não se encontra em discussão), sendo as mesmas sujeitas a tributação autónoma à taxa de 50%.»
20. Pugna, a final, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Expostas as posições da Requerente e Requerida, vejamos, então, a quem assiste razão,
Apreciação, ponderação dos argumentos de facto e de direito
Como supramencionado, a matéria em discussão nos presentes autos prende-se em saber se as despesas em causa - transferências de dinheiro da conta bancária da Requerente para a conta bancária da B…, no montante total de € 43.500,16 – suportadas apenas em extratos bancários, contabilizadas na conta 2784000011 – B…, consubstanciam despesas não documentadas para efeitos de tributação autónoma ao abrigo do disposto no artigo 88.º do Código do IRC.
Vejamos, então:
1. As tributações autónomas surgiram, no ordenamento fiscal português, na Lei n.º 2/88, de 26 de janeiro (Lei de Orçamento do Estado para 1988), que alterou o artigo 27.º do Decreto – Lei n.º 375/74, de 20 de agosto (Reforma Fiscal de 74), visando a aplicação de uma taxa (de contribuição industrial agravada em 20%) sobre as despesas confidenciais e despesas não documentadas efetuadas por sociedades dedicadas a explorações agrícolas, silvícolas ou pecuárias, punindo com multa, a realização deste tipo de despesas que ultrapassassem 2% da faturação total.
2. Mais tarde, com a entrada em vigor do Código do IRC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, aquela disposição legal foi revogada, bem como a respetiva penalização, surgindo, como que renascida, no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 2 de Junho, prevendo, agora, de forma mais específica, que “[a]s despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.”.
3. Segundo JOSÉ CASALTA NABAIS , as primeiras tributações autónomas referiam-se a despesas confidenciais e não documentadas, sendo “verdadeiros impostos sobre algumas despesas realizadas pelas empresas”, consubstanciando uma medida de combate ao crescente fenómeno de evasão e fraude fiscal.
4. Na verdade, e na sequência do entendimento deste Autor, admitimos que este renascimento decorreu do propósito legislativo de sancionar a tributação das despesas confidenciais ou não documentadas incorridas pelas empresas, tendo, com a Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, alargado o seu âmbito de aplicação para as despesas de representação e encargos com viaturas ligeiras de passageiros.
5. Ora, a evolução do regime das tributações autónomas foi sentida ao longo dos anos, não só, quanto às taxas aplicadas como também à sua extensão.
6. No entanto, e porque é isso que importa na matéria em apreço no presente processo, sempre será de relevar que a figura da tributação autónoma tem na sua génese o objetivo maior de evitar práticas de evasão e de fraude fiscal,– através das supra referidas despesas confidenciais ou não documentadas, ou de pagamentos a entidades localizadas em jurisdições com regimes fiscais privilegiados, à substituição da tributação das vantagens acessórias sob a forma de despesas de representação ou de atribuição de viaturas aos trabalhadores e membros de órgãos sociais, na esfera dos respetivos beneficiários – , prevenir as chamadas “lavagem de dividendos” (n.º 11 do artigo 88.º do CIRC) ou de onerar, por via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos (n.º 13 da mesma norma legal).
7. Ou seja, tem como objetivo essencial: tributar em sede de IRC o que não se consegue tributar em sede de IRS e de desincentivar a realização de certas despesas, que segundo o entendimento do legislador tenham como fito a diminuição do rendimento tributável, consolidando uma forma de evasão fiscal.
8. Na verdade, e neste enquadramento, como bem notava SALDANHA SANCHES , o intuito legislativo das tributações autónomas era “a de (quanto às despesas não documentadas) penalizar fortemente essas despesas de modo a evitar um leque de comportamentos que pode ir da distribuição oculta de lucros até outras despesas indocumentáveis como subornos. E em segundo lugar, caso elas ainda assim tenham lugar é tributá-las com uma taxa maior que as taxas combinadas do IRC mais IRS”.
9. Por sua vez, JOSÉ CASALTA NABAIS , nas suas doutas palavras, qualifica as tributações autónomas como “« uma tributação (sobre a despesa ou consumo e não sobre o rendimento) que se explica pela necessidade de prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros das sociedades, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social. (…) Estamos assim perante despesas que, por um lado, não são considerados gastos no IRS empresarial e no IRC e, por outro lado, são objeto desta tributação autónoma».
10. Com efeito, releve-se que a qualificação jurídica da tributação autónoma tem dividido a doutrina e a jurisprudência.
11. Na doutrina, há, por um lado, vozes [SÉRGIO VASQUES] que defendem que, estando as tributações autónomas inseridas no Código do IRC, são uma componente deste imposto, não obstante, a sua característica fundamental: não apresentar qualquer incidência sobre o lucro, ao contrário do próprio IRC, e, por outro, há quem defenda, que a tributação autónoma é um imposto nos mesmos moldes que o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), uma vez que tributando a despesas, apresenta uma maior relação com a tributação do consumo.
12. A verdade é que a tributação autónoma encontra a sua previsão no artigo 88.º do CIRC, sob a epígrafe “Taxas de tributação autónoma”, e tem tal designação por se tratar de uma realidade ímpar, e como o próprio nome indica “autónoma”, inserida no âmbito do Código do IRC (e IRS), que incide sobre despesas, ao contrário do IRC que incide sobre o lucro da sociedade.
13. No entendimento do SÉRGIO VASQUEZ a tributação autónoma é um elemento do IRC com a particularidade de ser uma obrigação única, sem carácter progressivo, não havendo qualquer constrangimento jurídico em um imposto sobre o rendimento – IRC – conter no seu escopo elementos que tributem a despesa.
14. Na verdade, e ainda, na matéria da caracterização das tributações autónomas torna-se útil fazer referência ao aludido no Processo n.º 80/2014-T do CAAD, de 30 de junho de 2014, do qual se retira o reconhecimento do carácter autónomo destas tributações autónomas decorrente da especial configuração que as mesmas têm na Lei, atendendo aos aspetos material e temporal dos factos em que as mesmas ocorrem, impondo-se, com isto, em determinadas situações, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC, quando defende que «a inclusão das tributações autónomas no respectivo Código (…) tem como corolário lógico a aplicação das normas gerais próprias deste imposto que não contendam com a sua especial forma de incidência.»
15. Ora, continuando esta linha de raciocínio, resgataremos, ainda, o expendido no Processo n.º 639/2015-T, de 7 de setembro de 2016, do qual o signatário fez parte do corpo de árbitros que decidiu aquele processo, no qual foi aludido o seguinte:
«Na realidade, a integração das tributações autónomas no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista , em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respectivas coletas, por força da obediência a regras diferentes: num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria coletável determinada segundo as regras contidas no capítulo III desse Código e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias coletáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88, do CIRC.
Ou seja: ao contrário do que é afirmado no ponto 9 da declaração de voto vencido da Sr.ª Professora Leonor Ferreira anexa à Decisão Arbitral proferida no processo n.º 697/2014 T, não há propriamente uma liquidação única de IRC, mas antes dois apuramentos, isto é, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, do mesmo Código, são efetuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou 88.º do CIRC, às respectivas matérias coletáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias.
E relativamente à admissão das tributações autónomas como custo fiscal, dir-se-á que aceitá-las seria desfazer, afinal, o efeito dissuasor que com aquelas (tributações autónomas) o legislador visou atingir e anular essa mesma tributação autónoma, uma vez que o montante pago seria compensado pela redução do mesmo ao lucro tributável, logo, sobre o IRC a pagar ou sobre os prejuízos a reportar.»
16. No que respeita à questão da integração das tributações autónomas no Código do IRC, a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, diploma que previa a Reforma da tributação do rendimento, adotou, como já mencionado supra, outras medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais, alterando, por esse motivo, aquele Código, entre outros.
17. Com efeito, dessa alteração legislativa ressalta que o legislador não terá sentido a necessidade de explicitar, de forma geral, as consequências da coexistência de duas formas de imposição dentro do sistema do IRC, cingindo-se apenas a acautelar as situações em que a isenção de IRC não se projetava nas tributações autónomas, e.g, artigo 12.º, âmbito das sociedades abrangidas pelo regime da transparência fiscal, as quais não sendo tributadas em IRC, são-no, contudo, no que toca às tributações autónomas.
18. Como refere doutamente a decisão arbitral do Tribunal Coletivo (Carlos Fernandes Cadilha (na qualidade de árbitro-presidente), Maria Alexandra Mesquita e Vasco Valdez (na qualidade de árbitros vogais), no âmbito do processo n.º 542/2018-T:
«É o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea b), do Código do IRC que especifica como encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação, as "despesas não documentadas".
Por sua vez, o artigo 88.º, n.º 1, declara que as "despesas não documentadas" são tributadas autonomamente à taxa de 50% sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A.
Importa ainda ter presente que nos termos do disposto no artigo 123.º, n.º 1, do Código do IRC, "as sociedades comerciais (...) que exerçam, a título principal, uma actividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direcção efectiva em território português (...), são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável", sendo que nos termos do disposto no artigo 123.º, n.º 2, alínea a), "na execução da contabilidade (...) todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário".»
Posto isto, cumpre, agora proceder à distinção entre o conceito de despesas não documentadas e despesas indevidamente documentadas.
Despesas não documentadas, despesas confidenciais e despesas indevidamente documentadas
19. Nos termos do n.º 1 do artigo 88.º do Código do IRC «[a]s despesas não documentadas são tributadas autonomamente à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A.»
20. O conceito de “despesas não documentadas” tem vindo a ser definido na jurisprudência, por exemplo, do Tribunal Central Administrativo Sul, como «aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. (…) Mais se dirá que devem considerar-se despesas confidenciais ou não documentadas as que não especificam a sua natureza, origem ou finalidade, sendo, por essência, indocumentadas (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/12/2003, rec.1283/03; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/2/2006, rec.1011/05; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.219 e seg.).» [Acórdão do TCA Sul, proferido no âmbito do processo n.º 04690/11, de 7 de fevereiro de 2012], relativamente às quais é legítima a aplicação da tributação autónoma.
21. Já as “despesas não devidamente documentadas” têm vindo a ser definidas como «aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, ob.cit., pag.347).» [Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 04690/11, de 7 de fevereiro de 2012], acarretando, como consequência, a sua não dedução para efeitos fiscais e as outras a tributação autónoma.
22. Trata-se, efetivamente, de conceitos distintos dos quais resultam consequências dissemelhantes.
23. Ademais, e complementarmente, sempre se fará menção que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente a proferida no âmbito do processo n.º 0505/15, de 31 de março de 2016, não faz depender a relevância das despesas não documentadas como gastos para determinação do lucro tributável, sustentando, para o efeito que: «[o] art.º 81.º do CIRC, na redacção vigente à data da tributação definia as diversas taxas que seriam utilizadas para tributação dos tipos de despesas ali enunciadas, sem haver qualquer dispositivo legal que determinasse que essa tributação só ocorreria se estas despesas houvessem sido tidas como custos fiscais da empresa para a determinação do seu lucro tributável. Admitindo-se que a finalidade da tributação autónoma apontada pela recorrente - reduzir a despesa fiscal evitando a fraude e evasão fiscais – seja um dos elementos considerados pelo legislador no estabelecimento desta regulamentação, essa finalidade não pode permitir, como aquela pretende que a interpretação do normativo em questão seja efectuada de molde a nele inserir um pressuposto legal sem qualquer assento no texto da lei, o que seria manifestamente desconforme com o disposto no art. 9.º do Código Civil. As despesas em questão são tributadas apenas porque são efectuadas, havendo mesmo a cargo do contribuinte a obrigação de as tornar aparentes na sua declaração de rendimentos. Se todas ou parte delas poderiam ter sido consideradas como custos da empresa para efeitos da determinação do seu lucro tributável, aumentando a despesa fiscal com a consequente diminuição do lucro tributável, e a empresa por decisão consciente, ou esquecimento, não as considerou desse modo na sua declaração de rendimentos, nem por isso, elas perdem a sua natureza de despesas tributáveis em sede de tributação autónoma, que, por definição é uma tributação destacável da tributação em sede de IRC. »
24. Como é doutamente referido, na decisão arbitral proferida no processo n.º 486/2019-T, este é um entendimento já manifestado em sede arbitral, designadamente no voto de vencido proferido por MANUEL PIRES no processo n.º 7/2011- T: «(...) devem ser incluídas na tributação autónoma em causa não apenas as despesas não documentadas, contabilizadas como gastos, mas também aquelas com as mesmas características, isto é, não documentadas que, devendo ter sido reconhecidas na contabilidade, como gastos, embora fiscalmente não dedutíveis, não o foram e, portanto, não afectaram o resultado, não existindo razão excludente das vias que, embora não sejam ou possam não ser as mais evidentes, não deixam de implicar despesas não documentadas».
25. Continuando esta decisão arbitral [proferida no processo n.º 486/2019-T], que cujo excerto aqui reproduzimos, com a devida vénia, no sentido de que «na linha desta jurisprudência, é de entender que as despesas não documentadas a que se refere o artigo 88.º, n.º 1, do CIRC reconduzem-se a saídas de meios financeiros do património da empresa sem um documento de suporte que permita apurar o seu destino ou o seu beneficiário.»
26. Regressando ao caso concreto, apresentam as partes argumentos válidos para defender a sua posição quanto à qualificação das despesas em causa como não documentadas ou não devidamente documentadas,
27. … defendendo, por um lado, a Requerente que as transferências de dinheiro da sua conta bancária para a conta bancária da B…, movimentos que, na sua maioria, apresentavam a descrição de “TRF P/ EMP B…”, no montante total de € 43.500,16 não consubstanciam despesas não documentadas, por se encontrarem suportadas em extratos bancários que, embora possam não preencher os requisitos legalmente admissíveis, permitem identificar o beneficiário/destinatário das operações bancárias, encontrando-se tais despesas devidamente contabilizadas na sua escrita;
28. … e por outro, refuta a Requerida, sustentando que estamos efetivamente perante despesas não documentadas - e por essa razão sujeitas a tributação autónoma - por não terem sido apresentados documentos que justifiquem a saída de meios financeiros da sociedade Requerente, e que, não obstante, ser possível identificar o beneficiário da operação, a verdade é que os documentos apresentados não permitem identificar e comprovar «de forma idónea, a origem, natureza e destino (desconhece-se a que título as transferências foram efetuadas, se a C… era o beneficiário final ou um intermediário, por exemplo) das despesas, apenas identificando o destinatário.»
29. Ora, em causa estão transferências de dinheiro da conta da Requerente para a conta da sociedade B…, suportadas em extratos bancários.
30. Será que um extrato bancário é suficiente para permitir a classificação de uma despesa como indevidamente documentada? Pode um extrato bancário ser considerado como um documento idóneo a permitir identificar os beneficiários e a natureza da operação?
31. A resposta a esta questão deverá ser negativa, porquanto, sem embargo de, no extrato bancário se poder identificar o beneficiário da operação – que, no caso, poderemos apontar a sociedade C…, Lda [sem que, no entanto, se consiga aferir se se trata do seu destinatário final ou se um simples intermediário], a verdade é que dele não se logra extrair a natureza, origem ou finalidade da transação ali espelhada.
32. Do extrato bancário apenas é possível observar os fluxos financeiros que dele constam, não correspondendo, assim, a suporte documental de nível contabilístico que permita especificar a sua natureza, origem ou finalidade, e que daí possa resultar o seu enquadramento como uma despesa não devidamente documentada.
33. Ademais, por via do extrato bancário não é possível aferir se o fluxo financeiro que o mesmo retrata se deve ou não a alguma despesa relacionada com a atividade da empresa.
34. Com efeito, e nesta aceção, será de acompanhar os esclarecimentos prestados no Acórdão do STA proferido no processo n.º 0837/15, de 22 de fevereiro de 2017, que o Tribunal se suporta na sua apreciação ao presente caso, segundo o qual, por um lado, «[q]uando se fala em despesas devidamente documentadas não se refere ao legislador a despesas que constem simplesmente de um documento, mas, neste caso, de despesas que constem de um documento em termos de demonstrar de forma segura que se relacionam com a actividade do contribuinte e que se inserem na actividade que dá a este concreto contribuinte direito a isenção de imposto ou direito a redução de imposto».
35. … por outro, que «(…) de acordo com a jurisprudência do STA, “despesas confidenciais são despesas não especificadas ou identificadas quanto à sua natureza, origem e finalidade”.
36. Com efeito, e de forma assertiva, quanto a esta matéria sustenta, ainda, a decisão arbitral proferida no processo n.º 29/2020-T, e que o presente Tribunal segue, com a devida vénia, que:
«I - As despesas relevantes para efeito do apuramento do lucro tributável em IRC não podem ser comprovadas através de extractos de movimentos bancários, carecendo de suporte documental de nível contabilístico que permita especificar a sua natureza, origem ou finalidade;
II – O poder dever de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material que incumbe à Administração Tributária é meramente complementar relativamente às obrigações declarativas e contabilísticas do sujeito passivo, apenas se justificando a realização de diligências oficiosas quando os elementos instrutórios que tenham sido recolhidos a partir dos registos contabilísticos do sujeito passivo não permitam esclarecer certos aspectos da relação tributária e se torne necessário uma mais completa indagação.»
III – Devem ser tidas como despesas não documentadas, sujeitas a tributação autónoma, as despesas que não se encontram reflectidas na contabilidade do sujeito passivo, através de documento justificativo.
37. Segundo a jurisprudência acima anunciada, e na esteira da diferenciação e distinção entre despesas não documentadas e despesas indevidamente documentadas, é manifesto que, um extrato bancário não consubstancia qualquer suporte documental de nível contabilístico relativamente ao qual se possa depreender a sua natureza, origem e finalidade.
38. Com efeito, e regressando ao caso em apreço, mostrando-se o extrato bancário como o único documento apresentado pela Requerente para “justificar” contabilisticamente a transferência bancária, em apreciação,
39. … conjugado com a inexplicável falta de documento ou esclarecimento complementar - não se compreendendo por que razão a Requerente nunca o tenha feito, quer em sede procedimental, quer em sede processual - do qual se logre retirar a natureza, finalidade e origem da mesma, é manifesto que estamos perante despesas não documentadas, sujeita a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º do Código do IRC.
40. Face ao exposto, improcede o pedido de pronúncia arbitral, nesta parte.
41. Invoca, ainda, a Requerente a violação do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, previsto no artigo 58.º da LGT, porquanto, segundo entende, deveria a AT, aqui Requerida, munir-se dos seus poderes inquisitório e realizar diligências juntos da B…, para aferir da natureza e finalidade da operação em causa nos presentes autos.
42. Contesta a Requerida, este argumento, e bem, referindo que não se pode substituir à Requerente na comprovação das operações que a mesma tenha realizado, quando a própria não o fez, tendo tido diversas oportunidades para tal.
43. O princípio do inquisitório encontra a sua previsão no artigo 58.º da LGT, nos termos do qual «A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.»,
44. … sendo, igualmente, aflorado no artigo 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), sob a epígrafe “Princípio da verdade material”, dispondo que «O procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo.»
46. É verdade que a AT está vinculada, no âmbito do procedimento, a realizar as diligências necessárias à descoberta da verdade material e à satisfação do interesse público, contudo, tal obrigação é meramente complementar das obrigações declarativas e contabilísticas dos sujeitos passivos,
47. Com efeito, e tal como se retira da douta decisão arbitral proferida no processo n.º 29/2020-T, que o presente Tribunal segue, por aplicável ao caso em apreço, com as devidas adaptações, «O poder dever de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material que incumbe à Administração Tributária é meramente complementar relativamente às obrigações declarativas e contabilísticas do sujeito passivo, apenas se justificando a realização de diligências oficiosas quando os elementos instrutórios que tenham sido recolhidos a partir dos registos contabilísticos do sujeito passivo não permitam esclarecer certos aspectos da relação tributária e se torne necessário uma mais completa indagação.
48. «Não pode deixar de reconhecer-se que a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, a realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, nisso se traduzindo o princípio do inquisitório como meio instrumental da preparação de uma decisão justa e conforme à legalidade. Um afloramento deste princípio surge no artigo 58.º da LGT, mas consta também do artigo 6.º do RCPITA onde se diz que “o procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adotar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo”. [cfr. decisão arbitral proferida no processo n.º 29/2020-T]
49. «Esse mesmo princípio tem como necessária decorrência que a Administração deva levar a efeito as diligências que entenda serem úteis no âmbito do procedimento sem se encontrar subordinada à iniciativa do contribuinte. É, no entanto, patente, face a tudo o que já anteriormente se expôs, que esse poder dever é meramente complementar relativamente às obrigações declarativas e contabilísticas do sujeito passivo, apenas se justificando a realização de diligências oficiosas quando os elementos instrutórios que tenham sido recolhidos a partir dos registos contabilísticos do sujeito passivo não permitam esclarecer certos aspectos da relação tributária e se torne necessário uma mais completa indagação.» [cfr. decisão arbitral proferida no processo n.º 29/2020-T]
50. «Ora, como se deixou já entrever, a consideração dos gastos para efeitos fiscais é feita com base na contabilidade que deve reflectir documentalmente as operações realizadas pelo sujeito passivo que tenham conexão com a actividade empresarial. É claro que não preenche essa exigência a mera apresentação dos extractos de movimentos emitidos pela instituição bancária, visto que o contribuinte carece de registar contabilisticamente os gastos e ter devidamente organizados os documentos comprovativos das despesas que pretende que sejam consideradas para o apuramento do lucro tributável.» [cfr. decisão arbitral proferida no processo n.º 29/2020-T]
51. «E não cabe à Autoridade Tributária realizar diligências oficiosas em vista a apurar o tipo de operações que estão subjacentes aos movimentos bancários e identificar os intervenientes nessas operações, visto que não é função da Administração suprir a omissão do cumprimento pelo contribuinte das suas obrigações contabilísticas. E muito menos se compreende que a Autoridade Tributária devesse realizar essas diligências mediante o acesso à informação protegida pelo sigilo bancário quando é certo que o poder de aceder a informações ou documentos na posse de instituições bancárias apenas pode ocorrer nas situações especialmente previstas no artigo 63.º-B da LGT, e, designadamente, quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária ou da falta de veracidade do declarado ou de acréscimos de património não justificados, competência que se encontra sujeita a controlo jurisdicional e que nunca seria possível exercer para colmatar a não comprovação documental dos gastos declarados pelo contribuinte.» [cfr. decisão arbitral proferida no processo n.º 29/2020-T]
52. Improcede, assim, o invocado vício de violação do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material invocada pela Requerente.
53. Face a tudo quanto foi exposto, tendo em consideração que estamos perante despesas que não têm por base qualquer documento justificativo ou de suporte documental de natureza contabilística que permita especificar a sua natureza, origem ou finalidade, tais despesas devem ser tidas como não documentadas, e por essa razão sujeitas a tributação autónoma.
54. Na sequência da improcedência do pedido de pronuncia arbitral, fica prejudicado o conhecimento do pedido dos juros indemnizatórios, por não devidos.
VII. DECISÃO
Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral atinente ao ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e respetivos juros compensatórios, do exercício de 2015, no que respeita às tributações autónomas impugnadas, no montante de € 24.843,85 (vinte e quatro mil, oitocentos e quarenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos), e em consequência, manter-se o referido ato, nos seus precisos termos;
Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 24.843,85 (vinte e quatro mil, oitocentos e quarenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, c), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas
Custas a cargo da Requerente, nos termos do disposto no artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 1.530,00 (mil, quinhentos e trinta euros)
Notifique-se.
Lisboa, 20 de maio de 2021
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O Árbitro
Jorge Carita